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A responsabilidade civil do fornecedor por vícios dos produtos no Código de Defesa do Consumidor

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Agenda 12/05/2006 às 00:00

4. Considerações finais

            Com o surgimento e alargamento do processo de industrialização, que tem como característica principal a produção em série, cresceu a incidência de vícios e defeitos nos produtos, à medida que não há um controle individual da adequação e segurança de cada unidade que é lançada no mercado. Os produtos defeituosos acabam sendo um resultado marginal e inexorável da produção industrial. O modelo ideal de produção, baseado na inexistência de produtos com avarias, portanto, é utópico.

            A par disso, houve uma preocupação mundial em reduzir ao máximo os acidentes de consumo e os vícios dos produtos, o que pode é possível com uma legislação rigorosa, que imponha a toda a classe de fornecedores normas imperativas no processo de produção e a obrigação de reparar eventuais danos decorrentes dos acidentes de consumo.

            Surgiu, então, sobretudo nos países mais desenvolvidos, microssistemas protetivos ao consumidor, culminando em modificar o tratamento jurídico de vários institutos, dentre os quais o da responsabilidade civil e o dos vícios dos produtos. Criou-se novos modelos de reparação de danos que sobrepujaram a clássica teoria da responsabilidade civil, calcados, principalmente, na efetiva reparação do consumidor, na solidariedade social e na responsabilidade civil objetiva.

            O Brasil codificou a matéria na Lei n.º 8.078/90, dando tratamento jurídico bastante proguessista em relação à efetiva reparação dos danos ao consumidor, mormente em relação à responsabilidade civil do fornecedor por vícios dos produtos. Impõe, assim, um dever de qualidade dos produtos colocados no mercado. Além disso, cria um novo conceito de responsabilidade civil, a chamada responsabilidade legal, que prescinde de elemento contratual ou da ocorrência de ilícito, e que decorre estritamente da lei.

            Por essa principiologia inovadora e moderna, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor é considerado uma das legislações consumeristas mais protetivas do mundo, servindo de modelo e paradigma para vários outros países.


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Notas

            01 As normas do CDC brasileiro são imperativas no sentido de proteger a confiança que o consumidor depositou no produto que adquiriu.

            02 O princípio da confiança está intimamente ligado ao princípio da boa-fé subjetiva, que se encontra no Código Civil brasileiro. Exemplo disso é a proteção aos contratantes de boa-fé quando celebram negócio jurídico com mandatário aparente (art. 689) ou com herdeiro excluído da sucessão (art. 1.817).

            03 "O fabricante deve assegurar para o consumidor que o produto, adequadamente utilizado, conforme as instruções por ele mesmo expedidas e dando atenção às advertências cabíveis que também por ele devem ser feitas, não será um instrumento maligno nas mãos dos usuários desprevenidos, vulnerando sua integridade física ou de qualquer modo colocando em risco a sua segurança ou a dos circunstantes." (Adalberto de Souza Pasqualotto. A responsabilidade civil do fabricante e os riscos do desenvolvimento. In: MARQUES, Cláudia Lima. (Org.). Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no MERCOSUL. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1994. p. 73-94. p. 75).

            04 Dora Szafir. Consumidores: análisis exegético de la Ley 17.250. 2. ed. atual. Montevidéu : Fundación de Cultura Universitaria, 2002. p. 135.

            05 Adalberto de Souza Pasqualotto. A responsabilidade civil do fabricante e os riscos do desenvolvimento. Op. cit. p. 74.

            06 Adalberto de Souza Pasqualotto. Proteção contra produtos defeituosos: das origens ao Mercosul. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, SP, ano 11, n. 42, p. 49-85, abr.-jun. 2002. p. 49.

            07 Paulo de Tarso Sanseverino. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo : Saraiva, 2002. p. 134.

            08 De acordo com o bem jurídico tutelado e a gravidade da lesão, surgirá a responsabilidade civil ou penal. Embora seja prevista a responsabilidade penal dos fornecedores, em determinados casos, tal questão não será tratada no presente trabalho.

            09 Agotinho Oli Koppe Pereira. Responsabilidade civil por danos ao consumidor causados por defeitos dos produtos: a teoria da ação social e o direito do consumidor. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2003. p. 242.

            10 Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo : Atlas, 2003. p. 12.

            11 Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo : Martins Fontes, 1998. p. 103.

            12 Sergio Cavalieri Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. rev. aum. e atual. São Paulo : Malheiros, 2003. p. 24.

            13 Ibidem. p. 24.

            14 "El aumento de las causas de dañosidad producidas por el industrialismo (accidentes de trabajo, riesgos derivados de actviades, de utilización de cosas, de productos elaborados, etc.), que exponen a la persona humana a mayores riesgos, ha revelado la insuficiencia e injusticia del principio tradicional e atribuición subjetiva basado en la culpa del autor del daño." (Carlos Alberto Ghersi. Teoría general de la reparación de daños. 2. ed. atual. ampl. Buenos Aires : Astrea, 1999. p. 157)

            15 José de Aguiar Dias. Da Responsabilidade Civil. v. 1. 4. ed. rev. aum. Rio de Janeiro : Forense, 1997. p. 15.

            16 Ibidem. p. 16.

            17 "Para enfrentar a nova realidade decorrente da Revolução Industrial e do desenvolvimento tecnológico e científico, o Código do Consumidor engendrou um novo sistema de responsabilidade civil para as relações de consumo, com fundamentos e princípios novos, porquanto a responsabilidade civil tradicional revelara-se insuficiente para proteger o consumidor." (CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit. p. 473)

            18 Adalberto de Souza Pasqualotto. A responsabilidade civil do fabricante e os riscos do desenvolvimento. Op. cit. p. 77.

            19 Carlos Alberto Ghersi. Op. cit. p. 158.

            20 Adalberto de Souza Pasqualotto. Proteção contra produtos defeituosos: das origens ao Mercosul. Op. cit. p. 50.

            21 Sergio Cavalieri Filho. Op. cit. p. 475.

            22 "Assim, no sistema do CDC, da tradicional responsabilidade assente na culpa passa-se a presunção geral desta e conclui-se com a imposição de uma responsabilidade legal. O novo regime de vícios no CDC caracteriza-se como um regime de responsabilidade legal do fornecedor, tanto daquele que possui um vínculo contratual com o consumidor, quanto daquele cujo vínculo contratual é apenas com a cadeia de fornecedores." (Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002. p. 984). Também nesse sentido, Odete Novais Carneiro Queiroz: "Não se faz necessária uma efetiva relação contratual, podendo a vítima reclamar face a quem com ela certamente não contratou, mesmo porque existe uma responsabilidade solidária entre o fabricante, o intermediário e o comerciante (distribuidor) (...)" (In: Da responsabilidade por vício do produto e do serviço: Código de Defesa do Consumidor Lei 8.078, de 11.09.1990. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998. p. 111)

            23 Pragmaticamente, o CBDC impõe aos fornecedores a obrigação de colocar no mercado somente produtos isentos de vícios ou defeitos. Portanto, o dever de qualidade é um dever anexo à atividade dos fornecedores.

            24 Por solidariedade deve-se entender "um vínculo que conduz a impor o cumprimento de uma obrigação a várias pessoas." (Arnaldo Rizzardo. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro : Forense, 2000. p. 205)

            25 Tal expressão, contudo, não goza de um tecnicismo apurado, sendo alvo de severas críticas pela doutrina. Isso porque "fato" é acontecimento alheio à ação humana, e, no caso dos vícios de insegurança, tem-se um dano decorrente da atividade de produção ou de comercialização, que é gerenciada pelo homem. Assim, é sempre a atividade humana, de forma direta ou indireta, que causa o dano. Melhor teria sido, portanto, que o legislador tivesse se utilizado, por exemplo, da expressão "responsabilidade pelos acidentes de consumo", como refere Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (In: Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo : Saraiva, 1991. p. 43-44.)

            26 Adalberto de Souza Pasqualotto. Proteção contra produtos defeituosos: das origens ao Mercosul. Op. cit. p. 80.

            27 Sergio Cavalieri Filho. Op. cit. p. 478.

            28 Luiz Gastão Paes de Barros Leães. A responsabilidade do fabricante pelo fato do produto. São Paulo : Saraiva, 1987. p. 3.

            29 O Código Civil brasileiro, em seu art. 393, parágrafo único, equipara o caso fortuito à força maior:

            "Art. 393. (...)

            Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir."

            30 Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações: 1.ª parte. 7. ed. rev. aum. São Paulo : Saraiva, 1971. p. 364-365.

Sobre o autor
Fabrício Castagna Lunardi

advogado em Santa Maria (RS), especializando em Direito Civil pela Universidade Federal de Santa Maria

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUNARDI, Fabrício Castagna. A responsabilidade civil do fornecedor por vícios dos produtos no Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1045, 12 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8267. Acesso em: 23 dez. 2024.

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