Resumo
O instituto da responsabilidade civil evoluiu rapidamente nas duas últimas décadas, tendo-se, hodiernamente, um novo conceito, que é assentado na solidariedade social e na efetiva reparação dos danos aos consumidores. Cria-se, assim, um novo modelo de responsabilidade, a responsabilidade civil legal. No âmbito das relações de consumo, a responsabilidade civil do fornecedor pode emergir em decorrência de diversas espécies de vícios dos produtos. Haverá, com isso, a responsabilidade civil por vícios de inadequação ou por vícios de insegurança, que recebem tratamento jurídico diferenciado pelo Código de Defesa do Consumidor. Ao fim, observa-se claramente que o regramento que é dispensado à matéria tem reflexo imediato na segurança dos consumidores, uma vez que impõe aos fornecedores o dever de colocar no mercado produtos indenes de vícios, sob pena de responsabilização.
Palavras-chave: Responsabilidade, Fornecedor, Consumidor.
1. Introdução
O produto adquirido pelo consumidor deve corresponder a exatamente aquilo que dele se espera. A justa expectativa dos consumidores e do público em geral frente aos produtos lançados no mercado é a de que eles funcionem regularmente, de acordo com a finalidade para a qual foram desenvolvidos e que, simultaneamente, ofereçam segurança aos seus usuários.[01]
Para proteger a legítima expectativa que tem o consumidor na qualidade e utilidade do produto, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) adotou o Princípio da Confiança,[02] segundo o qual o produto deve proporcionar ao consumidor exatamente aquilo que ele esperava ou deveria esperar quando o adquiriu.
O fornecedor deve assegurar ao consumidor a correta utilização do produto, proporcionando-lhe as informações necessárias para tal, a fim de evitar que eventuais danos venham a ocorrer pela imperícia natural dos consumidores.[03] É o que a doutrina uruguaia chama de Principio de Autoresponsabilidad,[04] que informa que o fornecedor deve prestar informações de forma clara, precisa e sem ambigüidades, de modo a não induzir o consumidor em erro, pois é responsável por aquilo que informa na oferta.
Outrossim, tem o fabricante o dever de controlar o processo de produção e de conhecer todas as inovações tecnológicas, mantendo o produto sempre atualizado em matéria de segurança, a fim de prevenir a ocorrência de danos.
Dessa sorte, surge para o produtor uma dupla obrigação: fornecer produtos adequados às suas próprias finalidades; e não colocar no mercado produtos que ofereçam riscos, além dos que lhe são ínsitos e de conhecimento geral.[05]
No entanto, o modelo ideal de produção, baseado na inexistência de produtos com avarias, é utópico. Com o surgimento e alargamento do processo de industrialização, que tem como característica principal a produção em série, cresceu a incidência de vícios e defeitos nos produtos, à medida que não há um controle individual da adequação e segurança de cada unidade que é lançada no mercado. Os produtos defeituosos acabam sendo um resultado marginal e inexorável da produção industrial.[06]
A par disso, existem diferentes instrumentos jurídicos para reparar os danos e prejuízos causados aos consumidores, o que varia de acordo com a espécie de vício (ou defeito) que apresenta o produto, como adiantes se demonstrará.
2. Dos vícios de inadequação e dos vícios de insegurança
Os vícios de inadequação são aqueles que afetam a prestabilidade do produto, prejudicando seu uso e fruição ou diminuindo o seu valor. Ocorrem, ainda, quando a informação prestada não corresponde verdadeiramente ao produto, mostrando-se, de qualquer forma, impróprio para o fim a que se destina e desatendendo a legítima expectativa do consumidor. É o caso, por exemplo, da televisão que não tem boa imagem, do refrigerador que não mantém os produtos em baixa temperatura, da lata de extrato de tomate que não contém a quantidade informada na embalagem etc.
A inadequação, portanto, pode ocorrer na qualidade do produto, quando afetem sua prestabilidade e utilização, ou na sua quantidade, quando o peso ou a medida informada não corresponder à prestada pelo fornecedor ou à indicada na embalagem. Por isso, a classificação dessa espécie de vícios em vícios de inadequação na qualidade e vícios de inadequação na quantidade.
A constatação desses vícios se faz por um critério objetivo, bastando a verificação de que a informação sobre a qualidade ou quantidade não corresponde verdadeiramente ao que o produto proporciona.
No Brasil, são os vícios de inadequação tratados nos arts. 18 e segs. da Lei n.º 8.078/90.
Os vícios de insegurança, por sua vez, são aqueles defeitos que fazem com que o produto seja potencialmente danoso à integridade física ou ao patrimônio do consumidor. Ocorrem quando o produto não apresenta a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração a sua apresentação, o uso e os riscos normais, a época em que foi colocado em circulação, dentre outras circunstâncias. Tem ínsito um perigo de dano patrimonial ou extrapatrimonial.
Os vícios de insegurança são tratados nos arts. 12 a 17 da Lei n.º 8.078/90. Podem ocorrer, segundo a doutrina brasileira, em face de defeitos de projeto (ou concepção), defeitos de construção (ou execução), defeitos de desenvolvimento e defeitos de informação.[07]
3. Responsabilidade civil no âmbito das relações de consumo
Na dogmática, a noção de responsabilidade implica sempre a violação de um dever, com a ofensa a um bem jurídico,[08] exprimindo a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. A doutrina de direito civil costuma definir a responsabilidade civil com base numa conduta causadora de um dano,[09] com fundamento na obrigação de indenizar,[10] ou com supedâneo no inadimplemento contratual.
Com o passar do tempo, entretanto, o elemento sanção ou retribuição foi mitigado. Na nova definição de responsabilidade, não se pode mais dizer que a responsabilidade jurídica está "essencialmente ligada à retribuição."[11] O elemento central passa a ser a reparação ou prevenção do dano ou prejuízo, e não mais a punição do responsável.
Em um conceito sintético e geral, pode-se definir a responsabilidade civil como "um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário." [12]
Esse conceito, no entanto, não abrange todas as modalidades de responsabilidade civil, pois haverá casos em que surge a responsabilização sem a violação a um dever jurídico, mas em decorrência de ato lícito. Por razões como essa, dizer-se que não existe um conceito unitário que abranja todas as modalidades de responsabilidade civil. De qualquer sorte, é verdadeira a premissa de que, para haver responsabilidade civil, deverá sempre haver o dano jurídico, do qual exsurge o dever de reparação.
De outro lado, não se pode confundir as noções de obrigação e de responsabilidade civil. Obrigação é sempre um dever jurídico originário, enquanto a responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, corolário da violação do primeiro.[13]
Na dogmática, encontra-se que a responsabilidade civil pode ser classificada em contratual e extracontratual. Responsabilidade contratual é aquela que decorre diretamente e em função de um contrato, ou seja, de uma obrigação contratual originária, de modo que será responsabilizado civilmente aquele que inadimplir essa obrigação. A responsabilidade extracontratual, também chamada de aquiliana, deriva, geralmente, de um ato ilícito, de uma obrigação jurídica que decorre de uma norma legal, e não do contrato. Essa distinção, em relação à matéria de proteção do consumidor, entretanto, resta superada.
A responsabilidade civil é tema de permanente atualidade e vem ganhando importância e mutação à medida que a evolução industrial produz novas tecnologias, desafiando soluções jurídicas inéditas, em vista de situações que demandam regulamentação jurídica específica.
Em face das transformações sociais ocorridas pela constante evolução industrial e dos riscos gerados aos consumidores, deu-se entrada, paulatinamente, à consciência da necessidade de proteção das vítimas e das partes mais fracas nas relações sociais, o que determinou um redirecionamento dos princípios que regiam a matéria.[14]
A responsabilidade civil, na sistemática do direito do consumidor, ultrapassa as fronteiras da culpa, encontrando supedâneo na solidariedade social, base de uma responsabilidade sem culpa. O verdadeiro escopo dessa evolução é a preocupação de assegurar melhor justiça distributiva,[15] de modo que o prejuízo causado a um consumidor seja suportado por toda a sociedade.
O fundamento social da reparação do dano está arraigado nas noções de assistência, previdência e garantia.[16] Esse novo modelo de responsabilidade não se centra mais em apenas punir o autor de uma conduta antijurídica, senão no interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alternado pelo dano, vale dizer, na necessidade de reparação ou prevenção do dano, patrimonial ou extrapatrimonial, causado ao consumidor pela existência de vícios de inadequação e de insegurança do produto.[17]
Com efeito, a responsabilidade civil objetiva do fornecedor é o sistema de reparação de danos mais adequado aos tempos modernos. Em primeiro lugar, porque oferece maiores garantias de proteção às vítimas; além disso, porque os custos de ressarcimento devem recair sobre o fabricante e o fornecedor, a quem cabe controlar a qualidade e a segurança dos produtos; por fim, porque, ainda que o consumidor seja diligente, o fornecedor tem melhores condições de suportar o risco do produto, mediante, por exemplo, seguro de responsabilidade, cujo valor do prêmio se incorporará ao preço de venda, distribuindo-se o custo entre os próprios consumidores.[18]
Acrescente-se que o fornecedor está em melhores condições de produzir a prova sobre o ocorrido, razão pela qual lhe é transferido o ônus de provar uma das causas excludentes de sua responsabilidade para que se exima de reparar o dano ou os prejuízos. Assim, "al no exigirse la prueba diabólica de la culpa, se facilita a la víctima el acceso a la reparación."[19] Efetivamente, as dificuldades que tinham os consumidores na busca da prova, decorrentes principalmente do desconhecimento do processo industrial e da crescente automação, acabavam por dificultar a imputação do fato lesivo ao seu autor.[20]
A responsabilidade civil passa, então, a ser uma relação entre a atividade empresarial e um sujeito, na chamada responsabilidade por risco da empresa. De acordo com a Teoria do Risco, todo aquele que exerce atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. A responsabilidade decorre do simples fato de realizar a atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinado serviço.[21] Se o fornecedor introduz um risco para a sociedade, deve responder pelos prejuízos que causar.
O acolhimento da teoria do risco e da responsabilidade objetiva é a tendência moderna nos países que possuem legislação específica sobre direito do consumidor. Alguns países, todavia, por motivos de política-econômica, e também, muitas vezes, por influência das grandes empresas, mantém-se fiéis ao dogma da responsabilidade civil baseada na culpa.
A doutrina brasileira, no entanto, foi além, criando uma nova modalidade de responsabilidade civil. Tendo em vista que a imputação decorre estritamente da lei, prescindindo da existência de culpa, e que a responsabilidade civil não deriva do contrato ou de ato ilícito, a doutrina brasileira tem chamado esse novo modelo de responsabilidade civil de responsabilidade legal, abrangendo nesse conceito tanto a responsabilidade do fornecedor que celebra o contrato com o consumidor, como a daquele fornecedor que tem vínculo contratual apenas com a cadeia de fornecedores.[22] Com efeito, a responsabilidade civil não deriva do contrato ou de um dano que alguém gera a outrem fora do contrato, mas, sim, de uma imputação que decorre estritamente da lei.
Essa responsabilidade legal dos fornecedores tem como fundamento a Teoria da Qualidade, segundo a qual a lei imporia a toda a cadeia de fornecedores um dever de qualidade dos produtos que são colocados no mercado e dos serviços que são prestados.[23]
De outro lado, há, no Brasil, a imputação de responsabilidade conjunta entre os fornecedores vinculados ou não por laços contratuais com o consumidor, o que demonstra a tendência moderna de ir além da responsabilidade contratual e extracontratual, centrando o dever de reparar na solidariedade social e na Teoria do Risco.
Com base nesses delineamentos, pode-se conceituar a responsabilidade civil, no direito consumerista brasileiro, como o dever jurídico que surge para o fornecedor em conseqüência de um vício de inadequação ou de insegurança do produto ou serviço, que cause um dano efetivo ao patrimônio, à integridade física ou à vida do consumidor. Os elementos identificadores e que geram a responsabilidade civil do fornecedor são, portanto, o vício (ou defeito) no produto, o dano ou prejuízo ao consumidor e o nexo de causalidade. Para obter a indenização, o consumidor somente precisa demonstrar a verossimilhança da existência desses três elementos, incumbindo ao fornecedor a prova de alguma das excludentes de sua responsabilidade.
3.1. A responsabilidade civil por vícios de inadequação dos produtos
Quando o produto não proporcionar a utilização que dele legitimamente se esperava, surgirá a responsabilidade civil do fornecedor por vícios de inadequação. Nesse caso, a responsabilidade está in re ipsa, pois a reparação diz respeito ao produto.
O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor trata da responsabilidade civil por vícios de inadequação do produto em seus arts. 18 e seguintes. Nos §§ 1.º ao 6.º do art. 18, trata da responsabilidade civil por vícios de inadequação na qualidade, enquanto, no art. 19, dispõe sobre os vícios de inadequação na quantidade.
Prevê, no art. 18, caput, uma solidariedade[24] entre todos os fornecedores da cadeia de produção em relação à reparação dos prejuízos causados ao consumidor em razão da inadequação do produto ao fim que se destinava. Destarte, poderá o consumidor demandar qualquer um dos integrantes da cadeia de fornecedores. Por ser o comerciante com quem contratou o responsável mais próximo, geralmente ele será o demandado.
Com isso, constata-se que a responsabilidade civil é extracontratual, pois não há relação contratual, ao menos direta, com os demais integrantes da cadeia de fornecedores, já que a relação contratual se estabelece somente entre o consumidor e o fornecedor direto.
De acordo com a lei consumerista brasileira, ocorrendo o vício de inadequação na qualidade do produto, e não sendo sanado esse vício num prazo máximo de 30 (trinta) dias, surgem para o consumidor as seguintes alternativas: a) a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; b) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; e c) o abatimento proporcional do preço (art. 18, caput e § 1.º). Esse prazo para o conserto do produto pode ser ampliado ou reduzido pelas partes, não podendo, contudo, ser inferior a 7 (sete) nem superior a 120 (cento e vinte) dias, sendo que, no caso de contrato de adesão, essa cláusula deve ser convencionada em separado (§ 2.º).
Se, em face da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou as características do produto, diminuir-lhe o valor ou no caso de se tratar de produto essencial, o consumidor poderá imediatamente se utilizar das alternativas referidas no § 1.º do art. 18, antes mencionadas, sem precisar obedecer a qualquer prazo. Caso o consumidor tenha optado pela substituição do produto por outro de mesma espécie e isso não seja possível, poderá optar pela substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante eventual restituição de valores ou complementação da diferença de preços (§ 4.º).
Os efeitos da responsabilidade civil por vícios de inadequação na quantidade do produto, por sua vez, estão previstos, como referido, no art. 19 do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.
Constatados os vícios de inadequação na quantidade do produto, surge para a cadeia de fornecedores o dever de reparar. Assim, poderá o consumidor optar por uma das seguintes alternativas: a) abatimento proporcional do preço; b) complementação do peso ou medida; c) substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; ou d) restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de ressarcimento por eventuais perdas e danos (art. 19, incs. I a IV). Do mesmo modo do que ocorre na responsabilidade civil por vício de inadequação na qualidade, pode o consumidor, quando optar pela substituição do produto por outro de mesma espécie e esta não for possível, requerer a troca do produto por outro de espécie, marca ou modelo diversos, sem prejuízo da eventual complementação ou restituição de valores (§ 1.º).
O fornecedor imediato será responsabilizado quando fizer a pesagem ou medição e o instrumento utilizado não estiver regulado segundo os padrões oficiais (§ 2.º).
Cabe ressalvar que, em qualquer contrato de consumo, é vedada a pactuação de cláusula que impossibilite, atenue ou exonere o fornecedor da responsabilidade de indenizar em face da ocorrência de vícios de inadequação ou de insegurança, sendo que a garantia legal do produto independe de termo expresso (arts. 24 e 25).
3.2. A responsabilidade civil por vícios de insegurança dos produtos
A responsabilidade civil do fabricante por vícios de insegurança é efeito lógico de um acidente de consumo, que ocorre quando o produto não apresenta a segurança que dele legitimamente se espera e acaba por causar dano ao consumidor.
Tratam os arts. 12 a 17 do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor da responsabilidade civil por fato do produto.[25]
Para melhor defender os interesses do consumidor, o CBDC prevê uma solidariedade entre fabricante, produtor, construtor e importador (art. 12). Como se observa, regra geral, o comerciante é excluído em via principal, respondendo subsidiariamente quando não puderem ser identificados os demais sujeitos da cadeia de produção ou quando o produto fornecido não apresentar identificação clara daqueles; todavia, quando não conservar adequadamente os produtos, terá o comerciante responsabilidade direta. Essa distinção em benefício do comerciante se faz necessária porque ele não tem, nas relações de consumo em massa, controle sobre a segurança e qualidade das mercadorias.
Falta, contudo, no rol de responsáveis estabelecido no art. 12, menção expressa ao fabricante aparente, ou seja, àquelas redes de varejo que oferecem diversificada linha de produtos com sua própria marca, como se fabricantes fossem, quando, na verdade, o produto é fabricado por um terceiro oculto, a pedido da rede varejista.[26]
Levando em conta a sistemática moderna de proteção ao consumidor, é introduzido no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, como fora referido, um novo conceito de responsabilidade civil, a responsabilidade civil legal, que, na forma do art. 12, "independe da existência de culpa", o que facilita ao consumidor a busca por uma justa indenização.
Segundo a lei consumerista brasileira, são pressupostos para a responsabilidade civil do fabricante por defeitos nos produto: a) falha na segurança do produto; b) a colocação do produto no mercado; c) o dano; e d) a relação de causalidade (ou nexo causal).
Por produto inseguro, deve-se entender aquele que é potencialmente danoso, ou seja, que possui um defeito capaz de, pela sua utilização, lesionar o consumidor. A colocação do produto no mercado é ato humano de fazer ingressar em circulação um produto potencialmente danoso, capaz de causar lesões aos consumidores. Assim, a simples fabricação de um produto com um defeito não enseja, por si só, a responsabilidade civil, sendo necessária a sua colocação no mercado.
De outro lado, essa responsabilidade não beneficia somente o consumidor imediato, ou seja, aquele que celebrou o contrato com o fornecedor. O dever de segurança tem natureza ambulatorial, acompanhando o produto por onde ele estiver durante a sua existência útil,[27] de modo que a garantia inerente ao produto obriga o fornecedor em relação ao último consumidor e a todos aqueles que tenham alguma relação de fato com o produto. É irrelevante, para a configuração de responsabilidade, que as vítimas sejam parte da cadeia de circulação jurídica do produto, que mantenham com este mera relação de fato decorrente de uso ou consumo, ou que simplesmente tenham se exposto aos efeitos do seu campo de periculosidade.[28]
De outro lado, malgrado se trate de responsabilidade objetiva, essa regra não é absoluta, sendo que a própria lei admite excludentes de responsabilidade do fornecedor. São as causas de exoneração, que importam no rompimento do nexo de causalidade e acabam afastando a responsabilidade civil.
Assim, dispõe o § 3.º do art. 12 do CBDC que o fornecedor não será responsabilizado se provar: a) que não colocou o produto no mercado; b) que, embora tenha colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; ou c) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
A não colocação do produto no mercado pressupõe que o fornecedor-produtor prove que não é sua a autoria da fabricação do produto ou que o fornecedor não foi responsável pela sua circulação. À guisa de exemplo, excluirá a responsabilidade do fornecedor a sabotagem, o furto e o roubo, na hipótese de ser o infrator quem colocou o produto em circulação. Nesses casos, caberá ao fornecedor a prova de tal fato. A excludente não beneficia o fornecedor, todavia, nos casos em que o produto é posto no mercado por ato de preposto ou em decorrência da falta de diligência na guarda do produto.
A prova de que o vício de insegurança inexiste incumbe ao fornecedor. Ao lesado, cabe tão-somente demonstrar a verossimilhança do que alega, permitindo um juízo de probabilidade ao julgador, como, por exemplo, a demonstração de que já ocorreu outro acidente de consumo em relação a idêntico produto.
De outro lado, cabe salientar que o CBDC não prevê como causas de exclusão de responsabilidade o caso fortuito e a força maior, o que gera indagações a respeito.
O caso fortuito e a força maior constituem-se em um fato necessário, cujos efeitos não se pode evitar ou impedir.[29] Embora surtam idênticos efeitos jurídicos, é imperioso fazer a distinção. O que distingue basicamente os dois institutos é que a força maior resulta de situações independentes da vontade do homem, como um ciclone, um terremoto, uma tempestade, enquanto o caso fortuito é uma situação que decorre de fato alheio à vontade da parte, mas proveniente de fatos humanos, como uma greve, uma guerra, um incêndio criminoso provocado por terceiros.[30]
Para verificar se o caso fortuito e a força maior atuarão como excludentes de responsabilidade do fornecedor, deve ser analisado o momento de sua ocorrência. Caso ocorram na concepção ou na produção, ou, ainda, quando o produto está sob a guarda do comerciante, o caso fortuito e a força maior não devem funcionar como eximentes de responsabilidade do fornecedor. Entretanto, se o caso fortuito e a força maior sobrevierem depois da tradição (entrega) do produto ao consumidor, não terão os fornecedores qualquer responsabilidade.
Esses dois elementos atuam como fatores de ruptura do nexo causal entre o defeito e o dano, pois, se o defeito não está relacionado ao fornecedor, tendo sido produzido após o consumidor ter adquirido o produto, não haverá responsabilidade civil daquele.
Dessume-se, assim, que a responsabilidade do fornecedor, no direito brasileiro, decorre da violação do dever de colocar no mercado produtos isentos de vícios de insegurança.