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A microempresa e a EPP também têm direito ao parcelamento fiscal:

uma decisão histórica do TRF 5ª Região

Agenda 19/04/2006 às 00:00

No dia 6.4.2006, a Primeira Turma do TRF 5ª Região, em Recife, PE, reconheceu que a microempresa e a EPP têm o direito de parcelar seus débitos tributários. Trata-se do AMS 93603, com sustentação oral pelo advogado autor destas linhas. Conto-lhes agora como o caso foi, como o caso há de ser, em seus fundamentos e desdobramentos. Uma decisão histórica, à altura dos melhores juristas deste País, a qual traz alento a milhares de microempresas e empresas de pequeno porte (EPP) às voltas com a inadimplência generalizada, também inadimplentes e, por isto mesmo, inscritas no CADIN, impedidas pela SRF do direito de parcelar.


Como surge uma microempresa: regra geral, sob um desemprego

O exemplo mais comum é: o trabalhador ganha um PDV - Programa de Demissão Voluntária, isto é, a indenização e o desemprego. Desempregado, cuida imediatamente de arranjar uma atividade para sobreviver. Instala, com a mulher e os filhos, um ateliê de costura, digamos, uma fabriqueta de confecções, sob o formato de uma micro-empresa.

Corre nos panfletos do SEBRAE e da SRF a informação de que o Governo contempla a micro e a EPP com muitas vantagens, sobretudo creditícias e fiscais. Não é bem assim, mas vá lá que seja. (Agora mesmo, é grande a gritaria contra o aumento dos tributos do Super-Simples, esta mania de dar com uma mão e tomar com a outra.)

Consegue o pequeno empresário deste exemplo alguns contratos: fardamento para os colégios do primeiro grau. E a má notícia na hora de receber: as verbas não foram liberadas, diz-lhe o tesoureiro, fato mais que comum. E agora?!

Os salários de uns poucos auxiliares, mais a sobrevivência familiar (alimentos), hão de ser pagos. E os tributos, como ficam os tributos? Sabe-se que entre o estômago e o Príncipe, a preferência recai sobre os salários: vide CTN, art. 186. Sim, os tributos. À tentativa de parcelá-los, a SRF responde-lhe com um «Não!».

Sabe-se que tudo hoje é informatizado: os tributos espelhados na DCTF —» o não-pagamento —» a negativa de Certidão —» a cobrança amigável —» a execução fiscal —» o bloqueio de bens —» o CADIN. Com a inscrição no CADIN, algum hipotético crédito bancário também se esvai, posto que é proibido emprestar às empresas do CADIN.

Um belo dia, o tesoureiro avisa que a verba chegou. Aglomeram-se os credores. O senhor tesoureiro, por dever de ofício, vai à page da SRF/ INSS/ PFN consultar se a microempresa do nosso herói está em dia. Não! Não está. Diz-lhe que é impossível fazer pagamentos a quem não esteja com sua situação tributária regularizada, isto é, em dia, ainda que sob parcelamento.

Solução? Correr aos agiotas, vender a casa de moradia, a camionete das entregas, coisas do tipo. Vende a casa. Trâmites de escritura. Não! Também não pode vender a casa, uma vez que qualquer venda de imóveis requer Certidão da SRF. E a camionete? Melhor ficar sem ela. Também não, o carro velho, com a indisponibilidade já anotada no Detran por conta da execução fiscal. O jeito é correr aos parentes, aos agiotas. Dez dias para liberar a CND, é prazo de praxe, diz-lhe a atendente, na maior calma. Com a CND em mãos, retorna à tesouraria. E a notícia de que a verba acabou, não chegou para quem quis.

Este é retrato de milhares de micros e pequenos empresários que quebram antes de começar. Estatísticas do SEBRAE registram um descarte (quebra) em torno até 90% nos primeiros cinco anos. Basta conferir no comércio dito "menor", a rotatividade, o abre e fecha de pequenas lojas — é assim mesmo em todo o País.


Então, as micros não podem parcelar?

Sob qual fundamento?

Parcelar, todos podem-no. Menos a micro e a EPP. Não! Não podem. Quaisquer empresas, por maiores que sejam, podem-no. Todas, menos as micros e as EPPs. O pior é que o disparate está incrustado na lei dos das micros e das EPPs:

Art. 6º [...]

§ 2° Os impostos e contribuições devidos pelas pessoas jurídicas inscritas no SIMPLES não poderão ser objeto de parcelamento. [Lei 9.317/1996]

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Dizem os defensores da proibição que as micros e EPPs já teriam benefícios em demasia, não se justificando assim o acesso ao parcelamento – como se a pequena empresa não sofresse as mesmas agruras da inadimplência de seus clientes, os dissabores da intempérie, as crises em geral. [O que dizer da Galinha da Tia Júlia, casa especialista em aves, em plena crise da gripe aviária? Pano bem rápido, por favor.]

O fato é que a proibição de parcelar é vista como uma troca de favores: a simplificação tributária versus negativa de crédito. O problema é que a negativa de crédito (impedimento de parcelar) pode ter efeitos mais devastadores que o tributo pleno. Alguém pode argumentar que o empresário tinha ao seu alcance, quando se estabeleceu, a escolha de fazê-lo como «lucro real», «presumido» ou «arbitrado», que lhe garantiriam o direito de parcelar. Optou pelo modelo micro porque quis – dizem. É a tese, com todo o respeito, do «Só é pobre quem quer!».

Sim, a necessidade imperiosa, o emprego perdido ou jamais conseguido – tudo isto, nada a ver com desocupadas teorias dos gabinetes ensolarados de quem está com seu salário em dia. [Vide Varig: se quebrar, Deus queira que não, quantos pilotos, engenheiros, gerentes e comissários de bordo tentarão, em tribulação absoluta, estabelecer-se com uma micro?!] Evidente que a troca de favores, do dar com uma mão para tomar com a outra, atenta contra o direito (tratamento diferenciado) garantido pela Constituição Federal:

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. [Constituição Federal, grifo deste autor]

Tratamento diferenciado não pode ser a evidente troca de uma tributação dita simplificada, em oposto ao direito de parcelar. Se uma coisa anula a outra, não há, é claro, nenhum tratamento diferenciado. Ou melhor, uma farsa, sim.


Da simetria jurídica. Mais que isonomia

A partir da Emenda Constitucional 30/2000, as dívidas do Poder Público (precatórios) ganharam dez anos de prazo. Ao mesmo tempo em que o Congresso dava semelhante alívio do Príncipe, muito justo que garantisse algo ao súdito, o parcelamento fiscal, não como favor, mas como direito mesmo, desde que sob os juros (mais caros do mundo), mais as multas de praxe.

Até então, o verbete «parcelamento» não constava do Código Tributário Nacional, ali figurando, em seu artigo 172, a moratória, algo que não é bem um parcelamento, mas uma medida de socorro às calamidade, secas, cheias, coisas do tipo. Vejamos como ficou o CTN, a partir da EC 30/2000, com a nova redação dada pela Lei Complementar 104/2001:

Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. (Artigo incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

Merece destacar, no texto acima:

- O parcelamento será concedido: Nas leis de parcelamento sempre se deixou uma "reserva" ao poder discricionário, sob a forma de "poderá ser concedido". Com a LC 104, não. Agora há uma norma de agir, e não apenas uma faculdade. Será concedido. Desta sorte, qualquer lei sobre parcelamento será sempre no sentido de conceder, jamais de negar.

- Lei específica: O CTN impõe lei específica. São decorridos cinco anos e até aqui não há lei específica de parcelamento. Em conseqüência, a SRF aproveita a legislação correlata, de modo a dar um mínimo de atendimento à norma constitucional (simetria) e à norma complementar (obrigatoriedade de parcelar). Porém, erra em sua aplicação, é o que se pretende demonstrar com este artigo.

Mencionei, há pouco, «simetria». Se, de um lado, a Constituição garante dez anos às contas públicas, do outro, simetricamente, há de garantir algo às contas dos particulares para com o Estado – daí o «será concedido» da LC 104/2001. A simetria é mais que isonomia. A propósito, o rabino Hillel teria dito a um jovem que buscava a Lei, mas não tinha muito tempo para meditar: «Faze ao outro o que queres para ti. Este é mandamento fundador; tudo o mais são-lhe comentários e notas de pé de página».

A simetria vai para além do isonômico que diz que todos são iguais perante a lei; no simétrico, a lei é que é igual para todos, príncipe e cidadão. Evidente que não há simetria em impor os precatórios de dez anos, garantir o parcelamento para todos, mas negá-lo para os pequenos. Na pior hipótese, uma simetria não isonômica; por isto mesmo, assimétrica.

A lei dos parcelamentos dos tributos federais (SRF) é a de nº 10.522/2002, que não é específica, na forma exigida pelo CTN. Trata-se da lei do CADIN, que, lá pelas tantas, cuida também do parcelamento:

Art. 10. Os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta Lei. [Lei 10.522/2002]

Vale destacar:

- Os débitos de qualquer natureza, isto é, todos. Trata-se uma previsão de amplo alcance, a respeitar naturalmente as exceções do artigo 14 da mesma Lei 10.522;

- No art. 14, fazem-se restrições, dentre outras, aos valores arrecadados de terceiros, mas nenhuma restrição aos débitos das micros e EPPs.

A Lei acima transcrita, de 10.522/2002, é posterior à do Simples, que é de 1996, há de se impor sob o princípio cronológico. Contudo, o entendimento da SRF é no sentido de que, em sendo de caráter geral, há de prevalecer aquela outra de caráter especial, a Lei do Simples, 9.317/1996, que proíbe o parcelamento às micros e às EPPs.

A sustentação oral, levada a efeito perante a egrégia Primeira Turma do TRF 5ª Região, foi no sentido de que a proibição constitui afronta ao texto constitucional, art. 179, antes transcrito. Já vimos que o parcelamento é um direito a todos concedido. Por que negá-lo à micro e à empresa de pequeno porte? Negá-lo, como está a fazê-lo a SRF, implica usurpar-lhe garantia do tratamento diferenciado do art. 179 da CF. Proibi-lo, inviabilizando-o, é dar cumprimento ao art. 179 da CEF pelo avesso, isto é, tratamento diferenciado para pior. Pelo lado da lâmina. Se alguém há ter acesso ao parcelamento, esse alguém, em primeiro, há de ser o pequeno.

Façamos um paralelo com a grande empresa. Nada contra a grande empresa, muito pelo contrário; apenas este paralelo.

Dizem os jornais que o homem mais rico do mundo seria o Mr. Bill Gates. Admita-se que ele resolva investir no Brasil. Muito justo, investigue qual a região onde se praticam impostos de menor carga. O Nordeste? Não! Manaus, a Zona Franca de Manaus, com suas adequadas exclusões de IPI e Imposto de Importação, Imposto de Renda, Pis e Cofins. A fábrica do senhor Gates, um belo dia, descobre que determinado tributo, dentre aqueles poucos que incidem na Zona Franca, por qualquer motivo, deixou de ser pago. Basta que o contador, ou o mais humilde dos funcionários do escritório, ou até mesmo o senhor Gates, a bordo de seu iate (nem sei se ele gosta da vida marítima), acione os botões do site da SRF para parcelar, na hora, sem nenhuma burocracia (Certidão on line, imediata), em 60 meses, todo o seu débito fiscal. De qualquer valor; quanto maior, melhor, que a SRF publica ao fim de cada mês como troféu de eficiência administrativa os parcelamentos concedidos. Por que seriam gloriosos só para os grandes?

Enquanto a grande empresa tudo pode e tudo tem, as micros e as EPPs de há muito soçobraram, aqueles 90% que desaparecem nos primeiros cinco anos, cenário nada edificante daquele pequeno empresário que, proibido de parcelar, não tem acesso à Certidão e, sem a Certidão, não pode receber o que lhe devem. Se não pode receber o que é seu, nem pagar o que deve, tal como uma maldição fechada, nó-cego absoluto, de ponta e cabeça... Na ponte. Debaixo da ponte.

A SRF pratica iniqüidade quando deixa de reconhecer que o § 2º do art. 6º da Lei 9.317 encontra-se revogado pela Lei Complementar 104/2001, bem como pela Lei 10.522/2002. Afinal, o tal parágrafo afronta o artigo 179 (tratamento diferenciado) da Carta do Brasil. Foi neste sentido a decisão histórica dos Desembargadores Federais (dois juristas de notável saber), Francisco Wildo Lacerda Dantas e Napoleão Nunes Mais Filho.

Vale registrar que o SEBRAE nunca batalhou para remover a malvadeza. O Ministério Público, presente aos debates, que foram longos e ensinadores, não disse palavra. É de esperar que fique do lado desta parcela mais "povo", o pequeno e o micro empresário, quando do recurso que, com certeza, a Receita Federal intentará, por seus Procuradores, ao STJ/ STF.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEITOSA, Francisco José Soares. A microempresa e a EPP também têm direito ao parcelamento fiscal:: uma decisão histórica do TRF 5ª Região. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1022, 19 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8280. Acesso em: 23 dez. 2024.

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