Considerações finais
A introdução da garantia da razoável duração do processo, através da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, possibilitou à ciência processual deflagrar a efetiva necessidade de repensar a prestação jurisdicional, não apenas como tarefa do Estado, mas um direito de todo indivíduo.
Nesse sentido, espera-se não apenas uma resposta do Estado para a solução da lide, mas um tutela efetiva, adequada e tempestiva, uma vez que o indivíduo enxerga na Justiça não somente o lugar onde vai conseguir solucionar todos os seus problemas, mas também o único lugar onde podem buscar isso, estamos diante de uma situação que, invariavelmente, nos levará ao engessamento do Judiciário (uma vez que o estado de crise já se instalou no Direito), ou seja, a denegação do próprio acesso à Justiça.
Assegurado constitucionalmente, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional preconiza em termos mais amplos não somente o direito à prestação jurisdicional, mas ao efetivo acesso à justiça, através da criação de novos procedimentos que buscam acelerar a solução do litígio, através de juízos de cognição sumária.
A emenda constitucional 45, ao acrescentar ao artigo 5º, o inciso LXXVIII, que conjugado com a inafastabilidade do controle jurisdicional, garante também a "razoável duração do processo" e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, demonstrou a preocupação (mesmo que tardia) do Estado com a "explosão da litigiosidade" existente na sociedade brasileira.
O Estado, entretanto, deixou de lado uma questão lógica decorrente da nova garantia: a forma de cumpri-la.
Isso porque há uma exigência de rapidez sem que exista uma estrutura judiciária que comporte este ideal, o que acaba sendo motivo de deslegitimização do Estado, bem como desmoralização do próprio Judiciário, uma vez que a garantia por ele criada é meramente programática, e sua aplicação depende de recursos outros além da boa vontade e agilidade do Poder Judiciário na solução dos conflitos.
A tarefa a qual nos propomos é árdua, mas tangível: repensar os institutos processuais e adequá-los à realidade social. Infelizmente, ocorre que a orientação ainda seguida pelas universidades de direito remonta à concepção kantiana (racionalista) da idéia de direito, em que temos o "ser" e o "dever ser" como divisores de águas entre o direito e o fato. O direito, assim, preocupa-se tão somente com a norma positiva, deixando de lado a realidade social existente fora do sistema jurídico.
Muito embora o sistema jurídico seja um sistema fechado, no sentido de que tem normas, institutos e linguagem próprios, isso não quer dizer que o sistema do direito não possa absorver dos demais sistemas a ideologia integradora da sociedade para a efetivação da norma incompleta e/ou inexistente. A partir do momento em que o direito observa a sociedade não com os "frios olhos da lei", mas como indivíduos receptores da norma jurídica, mas também detentores de direitos não alcançados, na maioria das vezes, pela ineficiência do Estado, o sistema do direito renova-se, multiplica-se, viabilizando o que então chamamos de efetiva tutela jurisdicional.
Entretanto, a justiça, mesmo que rápida, deve sempre atentar para os princípios e garantias constitucionalmente revestidas e de incondicional aplicação ao processo, sob pena do Estado falhar pelo desejo de proteger os cidadãos da morosidade da Justiça e, com isso, forçando decisões rápidas, advindas de uma cognição sumariamente instruída, afastando-se, portanto, do ideal do "justo direito".
Bibliografia
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Notas
01, Adalgiza Paula Oliveira. "Direitos individuais e coletivos. Novos direitos, novos conflitos e a busca do efetivo acesso à justiça". Revista Nacional de Direito e Jurisprudência. n. 65, ano 6. São Paulo, maio/2005. p. 17.
02 SPALDING, Alessandra Mendes. "Direito fundamental à tutela jurisdicional tempestiva à luz do inciso LXXVIII do art. 5º da CF inserido pela EC n. 45/2004". In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Reforma do judiciário. Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo, RT, 2005, p. 37.
03 THEODORO JÚNIOR, Humberto. "Alguns reflexos da Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004, sobre o processo civil". Revista de Processo. n. 124. São Paulo, junho/2005, p. 37.
04 Interessante aporte histórico faz Ovídio Baptista da Silva, ao falar sobre a jurisdição (Teoria Geral do Processo Civil, p. 60 e ss). Diz o autor: "A teoria da separação de poderes, atribuída a Montesquieu na verdade é mais um mito do que uma realidade. O célebre filósofo francês não a defendeu, como geralmente se supõe, e nem considerou o Judiciário como um poder, de vez que, ao referir-se ao poder judicial (puissance de juger), num Estado democrático, Montesquieu (Esprit dês lois, v. 11, p. 6) afirma ser tal poder invisível e nulo (...), pois ‘os juízes não são senão... a boca que pronuncia as palavras da lei...’."
05 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 17. ed., São Paulo, Malheiros, 2001, p. 23.
06 JARDIM, Afrânio da Silva. Direito processual penal. 10. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 63
07 DINAMARCO, Cândido Rangel. "Tutela jurisdicional". Doutrina nacional. Revista de Processo. nº 81, jan./mar.1996, p. 54.
08 Idem, p. 55.
09 Ainda Cândido Rangel Dinamarco acrescenta que "Tutela jurisdicional é o amparo que, por obra dos juízes, o Estado ministra a quem tem razão num processo. Tutela é ajuda, proteção. É jurisdicional a proteção outorgada mediante o exercício da jurisdição, para que o sujeito beneficiado por ela obtenha na realidade da vida e das relações com as coisas ou com outras pessoas, uma situação mais favorável do que aquela em que antes se encontrava. Sabido que o escopo magno do processo civil é a pacificação de pessoas e eliminação de conflitos segundo critérios de justiça, consistindo nisso a função estatal a que tradicionalmente se chama jurisdição, segue-se que compete aos órgãos jurisdicionais outorgar essa proteção àquele cuja pretensão seja merecedora dela".
10 OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. "O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais". Revista de Processo. n. 113. São Paulo. jan/fev 2004, p. 10.
11 PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Modernidade, Tempo e Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 204-205.
12 Idem, p. 249. Para o autor, "Eliminada a fundamentação da vigência do direito com base em esferas normativas externas – tais como a moral, a religião, o mito, a natureza, a razão -, a atenção do direito agora se volta para o futuro. Superada a necessidade de qualquer vinculação hierárquica – do estilo da dicotomia lex naturalis/lex positiva -, para a validade do direito, concretiza-se, com a positivação, a transição para a diferenciação funcional, que pode ser ilustrada da seguinte forma: ‘uma reestruturação altamente arriscada dos fundamentos do direito (...), ou seja, a transformação rumo a um direito estruturalmente variável, um direito que podia ser decidido na própria sociedade’".
13 OST, François. O tempo do Direito. Tradução de Maria Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. p. 13-14.
14 Idem, p. 14.
15 Segundo François Ost: "Tempo separado do da vida real, estreitamente regulado pelas prescrições do ritual, ele permite que o julgamento desenvolva os seus efeitos performativos e instituintes: efeitos jurídicos (a condenação, a absolvição) e efeitos sociais (o apaziguar do conflito pelo mecanismo da catarse). Ao reviver no seu tempo próprio a cena do conflito, o processo mobiliza o tempo social fundador arrancado à desordem inicial; ao representar o crime em formas e linguagem socializadas, o processo não se limita a repetir o passado; ao redizê-lo, ele antes o regenera. Um tempo neguentrópico e criador revela-se, assim, a condição do regresso à paz social".Op. cit., p. 15.
16 PATTO, Belmiro Jorge. "VIII - Aspectos da dimensão temporal do processo civil nas alterações advindas da EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004" in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al (coordenação). Reforma do judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 101.
17 PINTO, Cristiano Paixão. Op. cit., p. 236.
18 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Da sentença liminar à nulidade da sentença. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 224.
19 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo, Malheiros, 2004. p. 55.
20 Trata do cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, possibilitando que juiz conceda tutela específica da obrigação ou tome providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
21 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo, RT, 1997, p. 379-380.
22 "Art. 273: O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação...".
23 WAMBIER, Op.cit., p. 380.
24 Segundo Ovídio Baptista da Silva, "O direito processual, pode valer-se das seguintes técnicas para reduzir o campo da cognição judicial, de modo a sumarizar a demanda: "a) permite-se que o juiz decida com base em decisões (sentenças) liminares; b) permite-se que o juiz decida com base em cognição exauriente das questões próprias daquela lide, mas veda-se que ele investigue e decida fundado em determinadas questões previamente excluídas da área litigiosa a ela pertencente. É isto o que ocorre com as ações cambiárias e possessórias, para mencionar apenas os exemplos mais notórios; c) sumariza-se, também, impedindo que o juiz se valha de certa espécie de prova, como acontece nos chamados processos documentais, de que, aliás, o cambiário foi o exemplo mais eminente, mas que encontram na ação de mandado de segurança uma espécie típica do moderno direito brasileiro; finalmente d) pode dar-se sumarização, ao estilo dos antigos processos sumários, com verdadeira "reserva de exceções", por exemplo, em certas ações de despejo (convalida di sfratto) do direito italiano e nos processos d’inguinzione também existentes no direito peninsular, nos quais a prova escrita contrária, reservando-se para uma fase subseqüente da própria ação o exame das questões que exijam prova demorada e complexa" (Procedimentos especiais, Ed. Aide, Fio de Janeiro, 1989, p. 46; agora nos Comentários ao Código de Processo Civil, Ed. Rev. Dos Tribunais, vol. XIII, 2000, p. 58).
25 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed., CEBEPJ, 1999. p. 113-114.
26 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 11-12.
27 Idem, p. 13.
28 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 31.
29 CARVALHO, Fabiano. "XVI – EC N. 45: Reafirmação da garantia da razoável duração do processo" in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Op. cit., p. 217.
30 Idem, p. 221.
31 Sobre o direito de defesa, ver FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 253-270.
32 EBLING, Cláudia Marlise da Silva Alberton. Teoria geral do processo. Uma crítica à teoria unitária do processo. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004.