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Dilemas éticos e a possibilidade do desvio de conduta

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Agenda 07/07/2020 às 14:45

6 – DUBIEDADES DA FILOSOFIA MORAL

Pela leitura do livro “Por que fazemos o que fazemos?” do filósofo, escritor e educador Mário Sergio Cortella, como pelo exame da obra “O Dilema do Porco-Espinho”, do historiador e professor Leandro Karnal, podemos decifrar que, quando o indivíduo é confrontado com uma consideração ética, ele precisa ser claro sobre quais valores “estão em jogo”. Precisa, também, perceber como pode vir a ser fácil descartar um dos valores ou justificar a desonestidade, visando a evitar confrontos desagradáveis.

Algumas pessoas podem ter esse pensamento e justificar a sua conduta desviante, bastando dizer ou pensar: 'Todo mundo faz' ou 'Vou fazer isso, pela última vez'.

Vários dilemas éticos, como por exemplo:

Perceba que, nos dois exemplos, a dúvida paira sobre questões de análise e ponderação de princípios e valores. Poderá, em cada circunstância, haver diferentes abordagens para se pensar na tomada de decisão ética, embora a luta com esses dilemas possa causar certo desconforto.

Um outro exemplo simplório mas que traz reflexões:

O desafio para um paradoxo ético é que ele não oferece uma solução óbvia que cumpra as normas éticas. Como visto, ao longo da história da humanidade, as pessoas enfrentaram esses dilemas e os filósofos buscaram e trabalharam para encontrar soluções para eles.

Durante esses anos de estudo e pesquisa, as seguintes abordagens para resolver um dilema ético foram deduzidas:

Refutar o dilema: A situação precisa ser, cuidadosamente, analisada. Em alguns casos, a existência da dúvida pode ser, logicamente, refutada.

Enfrentar a abordagem da teoria do valor: A situação poderá permitir a escolha da alternativa que ofereça o bem maior ou o mal menor.

Encontrar soluções alternativas: A situação conseguirá possibilitar, em alguns casos, uma reconsideração e novas soluções alternativas poderão surgir.

Pelos casos reais e hipotéticos que surgem na humanidade, algumas abordagens foram pensadas:

I. A abordagem ética permite a tomada de decisão, podendo ser baseada na abordagem utilitária ou a abordagem baseada em fins, na qual as ações são, eticamente, certas ou erradas, dependendo de seus efeitos. Nessa situação, a escolha mais ética seria aquela que fizesse o maior bem pelo maior número.

II. Pode haver a tomada de decisão pela abordagem em regras, a qual seria baseada na crença de que as regras existem para um propósito e, portanto, deverão ser seguidas. Basicamente, cumpra as regras e os princípios e não se preocupe com o resultado! Essa regra consigna um excesso de peso repassado ao cidadão, em países como o Brasil, tendo em vista a avalanche normativa existente.

III. A tomada de decisão pode ocorrer pela abordagem do cuidado e do zêlo. Essa abordagem coloca o amor pelos outros, em primeiro lugar. É mais associada ao paradigma" Faça aos outros, o que você gostaria que fizessem a você ".

Pelo que se constata, abstraindo das mais diferentes abordagens da filosofia moral, a ética tem, como objeto de estudo, o comportamento do ser humano. Esse comportamento é o principal motivo para a configuração dos dilemas éticos, que podem ocorrer quando se faz necessária, a tomada de decisões difíceis, levando-se em conta os valores, princípios e propósitos de cada indivíduo.

As consequências das decisões podem impactar a vida de terceiros; assim, ainda que seja desafiador, decidir e agir, perante esses dilemas, é necessário, manter o foco para sempre buscar o melhor caminho a ser seguido.

As hesitações éticas, no âmbito da psicologia e da neurociência, são apresentadas, por meio de situações hipotéticas, para que se possa conhecer melhor, o indivíduo, apresentando-lhe conjunturas externas a sua realidade. Com esses exemplos e casos fictícios, cada indivíduo pode meditar sobre alternativas para sua própria vida e as influências de suas escolhas na vida de terceiros.

Assim como os dilemas éticos fictícios, a vida real também se mostra cheia de decisões desafiadoras que precisam ser tomadas, no decorrer da existência. Nesse sentido, é importante que os indivíduos tenham sempre certeza a respeito de seus valores morais, para que consigam tomar decisões, de forma tranquila e consciente, em relação ao que acreditam.

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7 – CASOS HIPOTÉTICOS PARA REFLEXÃO SOBRE ÉTICA E CONDUTA

7.1 – O SATÉLITE E O CLIMA

Em um caso fictício, há um funcionário chamado A, o qual seria responsável por um sistema de tecnologia da informação para o lançamento de um satélite brasileiro que deveria ser colocado em órbita, no espaço. Esse funcionário A já possui anos de atuação em lançamentos de artefatos ao espaço. Ele, mesmo não tendo cargo de gestão, tem conhecimentos práticos sobre sua atividade, indo além da visão da Inteligência Artificial e dos conhecimentos técnicos. O diretor de projeção ao espaço, de nome B, exige que várias pessoas, incluindo o funcionário A e um meteorologista (chamado C), coloquem sua assinatura na documentação e permitam o lançamento do satélite.

Porém, o clima apresenta-se nublado, com nuvens e relâmpagos, constantes, que podem ser vistos, à distância. Mesmo diante do aspecto encoberto do céu, o meteorologista C alega que está tudo certo com o lançamento, ou seja, o profissional do tempo (meteorologista C) dá o seu" OK "para lançar o satélite. O funcionário A, no entanto, está com sérias dúvidas. Esse funcionário A está se questionando se o clima está adequado para o envio desse equipamento ao espaço mas como ele não é o meteorologista, pergunta, a si mesmo, se seus conhecimentos e até sua intuição poderiam estar equivocados.

O sistema informatizado e de tecnologia da informação, contudo, verifica todas as finalizações climáticas com êxito, emitindo um relatório eletrônico, dizendo que tudo está em perfeita condição de funcionamento para o lançamento. Todavia, o profissional A, que tem anos de prática e conhecimento empírico, ainda não se sente confiante para que o lançamento do satélite brasileiro ocorra. Continua com receio de reportar sua aflição aos demais colegas de trabalho.

Nessa situação, será que alguém, no lugar do profissional A, diria que o software não está pronto, apenas com o objetivo de atrasar, por mais um dia, o lançamento, esperando que o clima esteja melhor na próxima oportunidade? Será que o profissional A deveria mencionar que, visivelmente, o tempo está inapropriado para o lançamento, mesmo que os mais variados sistemas tecnológicos e o meteorologista C digam o contrário? Será que alguém, no lugar do funcionário A, diria que o software está OK? Será que o funcionário A, mesmo com seu longo tempo de carreira, deveria dizer que é muito bom realizar o lançamento do satélite, imediatamente? Qual deveria ser a postura correta desse funcionário A? Deveria assinar o documento requerido pela chefia? Na situação acima, mentir seria um ato errado ou uma dissidência ordenada? Quão errado seria mentir, em uma determinada situação?

Construir e manter processos em sociedade, que incentivem objeções a más decisões é extremamente importante. Não só na vida privada mas no ambiente profissional, além da execução de fomentar o conhecimento pleno dos processos pelas pessoas (no caso das empresas, pela equipe), o conhecimento dos processos e o mapeamento de riscos servirão de subsídios para análise das alternativas, por meio de uma metodologia técnica, a qual permitirá que decisões sejam tomadas com maior clareza e certeza.

7.2 – PROJETO DE DISPOSITIVOS CRÍTICOS DE SEGURANÇA

Em outro exemplo, engenheiros costumam ser chamados para projetar sistemas críticos de segurança. Assim, um engenheiro A, nesse caso hipotético, está projetando um sistema médico. Este sistema médico administra a medicação a um gotejamento intravenoso, em uma quantidade especificada e por um período de tempo especificado. O engenheiro A trabalha no projeto do sistema de controle para esta nova modalidade de medicação. Esse engenheiro A adicionou muitas telas de segurança à interface do usuário para se certificar de que o médico e/ou enfermeiro consigam e tenham definida, a dose, adequadamente. O engenheiro A buscou, também, adicionar um recurso de segurança, no qual, o dispositivo pára de funcionar, após certo período de tempo, garantindo que foi calibrado para não fornecer a dosagem incorreta.

O gerente B, superior do Engenheiro A, exerce muita pressão para que ele remova o tempo limite de segurança extra. Esse gerente B acredita que a empresa conseguiria comercializar mais unidades se o bloqueio de segurança não estivesse instalado no equipamento. Sem esse dispositivo, a unidade custaria menos (preço reduzido) e os usuários não teriam que enfrentar um tempo possivelmente irritante para esperar pelo bloqueio do gotejamento. Ou seja, o engenheiro A está sendo oprimido, de maneira suave, pelo gerente B, para retirar do equipamento parte de sua solução tecnológica; assim, os custos de produção seriam reduzidos. Como consequência, com a retirada do recurso de segurança, as unidades continuarão funcionando, após certo período de tempo, possibilitando, se o enfermeiro e/ou médico não fiscalizarem, a aplicação de dosagem incorreta.

Como deverá o engenheiro A agir? O que outra pessoa, no lugar dele, deveria fazer? Será que ele deve remover o bloqueio (recurso de segurança)? Será que deve, para atender a determinação do gerente, simplesmente, aconselhar, por meio de documentação e manual de instruções, que o profissional da saúde (médico/enfermeiro) calibre a unidade, periodicamente? E se esse engenheiro souber que essa redução de custos e retirada do recurso de segurança podem fazer com que a unidade saia da calibração, eventualmente? O que aconteceria se esse engenheiro A deixasse a trava de segurança no dispositivo e ela parasse de funcionar, quando deveria estar entregando medicamentos a um paciente?

Existem muitos sistemas projetados por engenheiros que não são, principalmente, críticos para a segurança, mas, secundariamente, são sistemas críticos para a segurança.

Todas as profissões possuem especial importância na vida privada e pública de terceiros. É difícil, especialmente, ao criar sistemas críticos de segurança, saber o que é certo. Mas há questões que podem nos fazer refletir: Quanto custa salvar uma vida? Sistemas não críticos de segurança, existem? Qual seria a solução para o dilema ético?

Claramente, é preciso mais do que uma política de conformidade ou uma Declaração de Valores para manter um ambiente de trabalho, verdadeiramente, ético.

7.3 – A LATA DE LEITE EM PÓ

Saindo dos exemplos corporativos, nesse novo caso hipotético, há um cidadão A, o qual é viúvo e pai de 04 (quatro) filhos. Ele trabalhava na empresa B. Sua atuação profissional era irrepreensível. O cidadão A sempre trabalhou com afinco e zêlo. Foi cumpridor de horários, tarefas. Infelizmente, a empresa B passou por severas dificuldades, tendo que realizar a rescisão dele. Essa demissão, sem justa causa, foi inesperada e surpreendeu o cidadão A. Desse dia em diante, ele procurou emprego mas os meses se passaram e ele não conseguiu encontrar uma nova oportunidade. As verbas da rescisão acabaram. Ele teve que vender o seu carro, único bem da família, para pagar o aluguel e mais algumas outras despesas.

O cidadão A procurou a ajuda do Estado e da sociedade, mas não encontrou apoio. Sem suporte, sendo viúvo, criando e sustentando 04 (quatro) filhos, sozinho, viu-se, sem nenhum dinheiro. Ele e sua prole já passavam fome, por 03 (três) dias consecutivos, sem terem o que comer e beber, salvo a água da torneira. A água foi o que os sustentou por esses dias; porém, a fragilidade das crianças começou a aparecer, porque estavam sem vitaminas e nutrientes.

Depois desse período, sem nova colocação no mercado, com a família em estado de miséria e sucumbindo a inanição, o cidadão A passa em um supermercado. Entra na loja e vê 04 (quatro) latas de leite em pó que podem alimentar seus filhos, por mais algum tempo. Além disso, ele olha uma cesta básica, simples. Apropria-se das latas de leite e da cesta básica, saindo do supermercado, sem efetuar o pagamento.

Nesse caso fictício, seria certo furtar? Seria certo, apropriar-se de mercadorias de terceiros? Seria certo, deixar os filhos morrerem de fome? Seria certo, subtrair para alimentar crianças? Será que essa situação de pegar produtos e não pagar por eles se repetiria na vida do cidadão A? Depois que as 04 (quatro) latas de leite em pó e a cesta básica acabarem, o que o cidadão fará? Será que ele furtará, novamente? Será que essa situação virará um hábito? Será que é correto fazê-lo, por uma vez?

Sem fazer julgamento do que é certo ou errado, em alguns ordenamentos jurídicos, o furto famélico exclui o injusto, por ausência de antijuridicidade (estado de necessidade) ou culpabilidade. Ou seja, o fato do cidadão A estar com sua família faminta e não ter condições de ajudá-los, excluiria a ação de furto criminoso.

O furto em si, claramente, se analisado de forma literal, é e deve ser considerado um delito, pois, subtrair de alguém, o que é de sua propriedade para ter para si é, antes mesmo de crime, atitude condenada pela sociedade global.

Todavia, observando-se a situação brasileira de desenvolvimento em baixa escala, na qual, grande parte de sua população encontra-se em condições deploráveis de sustento e oportunidade, vivendo, inclusive, em situação de rua, há juristas que entendem que se deve ponderar esse delito de furto para itens que se considere essenciais e mínimos para a dignidade humana, entre os quais está, fundamentalmente, a comida.

Embora todos nós devamos ter consciência da ética, em relação às tomada diárias de decisões, muitas pessoas ainda encontram opressiva dificuldade em adequar sua conduta. Observe mais algumas decisões e ofensas éticas:

Esses e outros dilemas, apresentados aqui, são meramente ilustrativos e vieram para exemplificar alguns contextos do paradoxo ético, pois, no decorrer da vida de cada pessoa, é bastante comum que o indivíduo se veja diante de situações delicadas, precisando pensar nas consequências e, também, considerar os seus valores éticos para agir.

Sobre a autora
Elise Eleonore de Brites

Professora, Palestrante. Advogada, Administradora com formação em Auditoria Líder em ISO 19600 e 37001. Trainer. Coach. Hipnoterapeuta. Agente de Compliance. Pós-graduada em Português Jurídico, bem como em Direito Público com ênfase em Compliance. Estudou no Tarsus American College - Turquia. Foi fundadora da Associação Nacional de Compliance – ANACO. Membro da Comissão de Combate à Corrupção e da Comissão de Compliance da OAB/DF. Vice-Presidente da Comissão de Legislação, Governança e Compliance da Subseção da OAB de Taguatinga. Desde dezembro de 2019 é Agente de Integridade na Assessoria Especial de Controle Interno do Ministério da Justiça. É Analista Superior de uma Grande Estatal Brasileira. Atuou como gestora em entidades públicas e privadas por vários anos. Criteriosa Civilista e Criminalista com vigoroso trabalho na área da Conformidade. Profissional com vários anos de experiência no assessoramento de líderes, alta gestão, bem como auxílio jurídico, incluindo as políticas anticorrupção e a implementação do Programa de Integridade. Com forte atuação nas áreas de Governança, Gestão de Riscos e Compliance, tanto no setor público, quanto no privado. Conferencista, Debatedora e Palestrante nos mais variados temas. É Instrutora do Procedimento de Apuração de Responsabilidade - PAR; Gestão do Programa de Integridade; Código de Conduta e Integridade; Sistema de Compliance entre outros. Sólidos conhecimentos na condução de assuntos de gestão, sobre anticorrupção e mitigação à fraude e due diligences de terceiros, com análise, revisão e implementação de programas de conformidade. Vasta experiência com organismos internacionais no Brasil. Em suas atividades cotidianas, analisa e revisa pautas, constrói mapeamentos de Compliance, realiza auditorias, prima pela aplicação de metodologias de Compliance, trabalha com a aplicação de penalidades, faz investigações in e out company, realiza treinamentos e cursos internos e externos entre outras tarefas atreladas ao cumprimento normativo nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITES, Elise Eleonore. Dilemas éticos e a possibilidade do desvio de conduta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6215, 7 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83761. Acesso em: 22 dez. 2024.

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