Com o advento da Lei n.° 11.232/2005, de 22 de dezembro de 2005, observa-se que houve profunda mudança na sistemática processual no que concerne ao processo de execução, notadamente em relação aos mecanismos de liquidação e ao respectivo julgamento. Por conseguinte, impende ainda salientar que até mesmo o sistema recursal foi alterado.
O objetivo do presente estudo não é esgotar o assunto, mas tão-somente contribuir de maneira acadêmica para a elucidação de possíveis controvérsias acerca das inovações trazidas pelas reformas processuais.
Inicialmente, é de suma importância abordar o significado da expressão "liquidação". A liquidez de uma sentença não é determinada por números, mas sim pela determinação do objeto do decisum. Uma sentença será líquida se o objeto que nela estiver contido for determinado. Não apenas as obrigações que apresentarem a exata especificação do quantum devido definem-se como líquidas. No mesmo sentido, não apenas as obrigações que dependem de simples cálculo aritmético são taxadas de líquidas. Mais uma vez, a liquidez está relacionada à determinação do objeto e não em relação ao cálculo propriamente dito.
Partindo dessa premissa, sábias são as lições de Cândido Rangel Dinamarco ao ensinar que: "Liquidez é um conceito de direito material. É líquida a obrigação quando a determinação do quantum debeatur não depende da investigação de fatos exteriores ao título que a institui, corporifica ou reconhece – seja porque no título já vem indicado o seu valor, seja porque a revelação deste pode ser obtida mediante simples operações aritméticas com parcelas, índices coeficientes ali declarados ou notórios. Daí a afirmação, corrente na doutrina e nas manifestações pretorianas, de que a liquidez equivale ao estado de determinação do valor da obrigação, ou a sua mera determinabilidade por esse meio." 1
Assim sendo, uma sentença que não apresente cálculos aritméticos pode sim ser considerada uma sentença líquida, não necessitando, portanto, ser liquidada. Ademais, existem duas técnicas de liquidação, quais sejam: em processo autônomo ou incidentalmente. Neste último caso específico, o incidente de liquidação será resolvido por uma decisão interlocutória.
Mas o que interessa, neste trabalho, são as sentenças que necessitam de liquidação e esta pode ocorrer da seguinte forma: a) Liquidação por cálculo do credor; b) Liquidação por Arbitramento; e c) Liquidação por Artigos.
A liquidação por cálculo do credor, que possui previsão no art. 475-B, CPC, aplica-se somente às obrigações pecuniárias.
A liquidação por arbitramento ocorrerá nas hipóteses previstas no art. 475-C, CPC.
Por fim, a liquidação por artigos é aquela cuja obrigatoriedade justifica-se pela necessidade de se provar fato novo, pouco importando a natureza da obrigação.
Impende salientar que com o advento da Lei n.° 11.232/2005, a liquidação de sentença, seja por arbitramento, seja por artigos, trata-se de incidente processual, o que não dá ensejo a processo autônomo.2 Por ter natureza jurídica de incidente do processo, a decisão que julga a liquidação de sentença é uma decisão de natureza interlocutória e, portanto, desafia o recurso de Agrado de Instrumento, na forma do art. 475-H, CPC.
A nova redação contida no art. 475-H, CPC, não faz mais referência à expressão "sentença", mas sim à expressão "decisão", que lhe confere, conforme dito acima, carga de interlocutoriedade, por expressa previsão legal.
A liquidação, por conseguinte, deixa de ser caracterizada como processo autônomo, para ser um mero incidente processual. Hoje, até mesmo o processo de execução já possui carga de sincretismo processual, numa forma de imprimir ao rito processual maior celeridade a fim de se atingir a uma verdade efetivação da tutela jurisdicional pretendida.
Mas há uma exceção a essa nova sistemática. A nova lei em comento, previu ainda a possibilidade de haver julgamento da liquidação a ser processada autonomamente, ou seja, liquidação processada em autos apartados, na hipótese de requerimento da liquidação enquanto pendente recurso, ocasião em que competirá ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinentes, com supedâneo no art. 475-A, § 2°, CPC.
Nessa situação específica, por se tratar de liquidação a ser processada em autos apartados, do provimento jurisdicional que julgar esse processo será cabível o recurso de apelação.
Nesse sentido, Araken de Assis ensina não haver o menor sentido em subordinar a liquidação autônoma ao procedimento comum e, paralelamente, quebrar a regra geral da admissibilidade do recurso de apelação. A impugnação do pronunciamento do juiz através do recurso de agravo de instrumento, processando-se a liquidação em autos apartados (art. 475-A, §2°), porque provisória a execução, contradiz a boa técnica e o princípio da economia.3
A Lei n.° 11.232/2005, através de seu art. 9°, revogou o inciso III, do art. 520, segundo o qual prevê a apelação somente com efeito devolutivo como recurso cabível contra a decisão que julga o processo de liquidação.
O ilustre jurista Araken de Assis conclui asseverando que: "...do pronunciamento que julgar a liquidação por artigos, processada em autos apartados, caberá apelação doravante dotada de duplo efeito (art. 520, caput)."4
Não se pode olvidar que com a vigência na referida lei que alterou o processo de execução ou, como preferem alguns, lei que inaugurou a terceira fase da reforma processual, haverão inúmeras dúvidas acerca de qual recurso será cabível do provimento jurisdicional (ato decisório) que julgar a liquidação de sentença.
Note-se bem que eu tive o cuidado de dizer provimento jurisdicional, que possui ampla abrangência, inclusive, açambarcando o significado das expressões "decisão" ou até mesmo "sentença". Explico esse cuidado justamente porque a reforma excluiu o termo "sentença" para fazer incluir o termo "decisão" (art. 475-H, CPC), sendo, portanto, interlocutória, pois não extingue o processo. No entanto, no art. 475-A, §2°, CPC, a liquidação, especificamente aqui a liquidação processada em autos apartados, será julgada por sentença, o que desafia o recurso de apelação, no duplo efeito.
Com a vigência da nova lei, podem surgir casos de dúvida acerca da interposição de tal e qual recurso, o que enseja a aplicação do princípio da fungibilidade e o conhecimento de um recurso pelo outro, desde que não haja é claro erro grosseiro. Nesse contexto, o ato decisório que julgar a liquidação de forma incidental, mostrar-se-á impugnável por meio de agravo de instrumento, na forma do art. 475-H, CPC, se julgar a liquidação em processo autônomo, desafiará o recurso de apelação.
NOTAS:
1. Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 1237-1238.
2. Gustavo Filipe Barbosa Garcia chega a afirmar que o parágrafo único do art. 475-D estabelece que, uma vez apresentado o laudo, sobre o qual poderão as partes manifestar-se no prazo de dez dias, o juiz proferirá decisão (e não mais "sentença", como constava do parágrafo único do art. 607) ou designará, se necessário, audiência. Trata-se, portanto, de decisão interlocutória (Terceira fase da Reforma do Código de Processo Civil, ed. São Paulo: Método, 2006, p.66-67).
3. Cumprimento da Sentença. Forense: Rio de Janeiro, 2006, p. 128.
4. Cumprimento da Sentença. Forense: Rio de Janeiro, 2006, p. 129.