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Educação à luz do Direito

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Agenda 17/06/2006 às 00:00

CAPÍTULO II

DIREITO E DIREITO EDUCACIONAL

            Sumário:

1. Noções e concepções; 2. Conceituação de direito educacional.

            Este capítulo inicialmente pretende apresentar a noção de direito como ciência jurídica e as diferentes concepções de direito. Neste caso, para facilitar a compreensão das relações entre educação e direito, vamos adotar a teoria tradicional do direito e aplicá-la ao direito educacional. Em seguida, vamos examinar as dificuldades na escolha desta expressão para, afinal, optar pelo termo. Acrescente-se a apresentação de incipientes conceitos de direito educacional na investigação e sistematização da relação entre educação e direito.

            1. Noções e concepções

            A concepção do direito, como nos ensina Rudolf Von Ihering, é prática, resulta da vida social e da luta contínua como meio de realização do direito. [48] Todavia, parece-nos que o direito é sobretudo um fenômeno histórico-cultural, no sentido de que se forma ao longo do tempo e sob a influência de fatores culturais, o que vale dizer que é mutável. A propósito, segundo Benjamim de Oliveira Filho:

            "A ciência jurídica é eminentemente social, pois o fenômeno jurídico se desenvolve na sociedade, tendo como condição de existência a vida social, que, por seu turno, não subsistiria, nem atingiria seus fins, sem o estabelecimento de normas de conduta, formadas em seu seio, dentre as quais sobrelevam as normas jurídicas, disciplinando a vida de relação entre os homens."

[49]

            É certo, como veremos a seguir, que não há um conceito unitário de ciência do direito, por depender sua conceituação de diferentes pressupostos filosóficos adotados pelos juristas. O direito, de certo modo, possui vários aspectos, conotações, acepções, sentidos, diferentes significados e critérios que, pelas limitações e objetivos deste trabalho, não serão aprofundados.

            Uma noção elementar e provisória do direito, mas sobretudo consagrada pela prática do direito e pelo homem comum, considera que o direito é lei e ordem. Isto significa, nas palavras de Miguel Reale, que direito é um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros. Assim sendo, quem age de conformidade com essas regras comporta-se direito; quem não o faz, age torto. [50] Além disso, o direito, antes de tudo, consiste numa norma de conduta que, no processo histórico, se separou, assumindo características próprias. Apresenta-se o direito, como regra, disciplina do proceder humano, norma agendi, preceito e mandamento. [51] Aliás, para Hegel, o que o direito é em si afirma-se na sua existência objetiva. Ele é conhecido como o que, com justiça, é e vale: é a lei. Tal direito, neste caso, é o direito positivo em geral; o que é direito deve vir a ser lei para adquirir não só a forma de sua universalidade, mas também a sua verdadeira determinação. [52] Vê-se, então, que o direito positivo é a lei, o direito objetivo, a normatividade jurídica, tal como estabelecida na sociedade e considerada em sua relação prática.

            Todavia, nos limites deste capítulo, pretendemos tratar o direito como ciência jurídica. Quer seja como teoria ou na condição de teoria da norma. Tércio Sampaio Ferraz Jr., na sua obra A ciência do direito, apresenta algumas considerações sobre as dificuldades preliminares na conceituação da ciência do direito. [53] Igualmente Maria Helena Diniz afirma que o termo ciência não é unívoco, porque há uma surpreendente pluralidade de concepções epistemológico-jurídicas que pretendem dar uma visão da ciência jurídica, cada qual sob um critério diferente. [54] Kelsen, a propósito, muito bem distingue direito e ciência do direito. [55]

            Contudo, a concepção culturalista do direito advoga que a ciência jurídica é uma ciência cultural que estuda o direito, como objeto cultural, isto é, como uma realização do espirito humano, com um substrato e um sentido. [56] A ciência do direito, para Miguel Reale, é uma ciência histórico-cultural e compreensivo-normativa, por ter por objeto a experiência social na medida, enquanto esta normativamente se desenvolve em função de fatos e valores para a realização ordenada da convivência humana. [57] A respeito, Miguel Reale assim preleciona:

            "A Ciência do Direito, ou Jurisprudência – tomada esta palavra na sua acepção clássica – tem por objeto o fenômeno jurídico tal como ele se encontra historicamente realizado. (…) A Ciência do Direito estuda o fenômeno jurídico tal como ele se concretiza no espaço e no tempo, isto é, é sempre uma ciência de um Direito positivo, enquanto a Filosofia do Direito indaga das condições mediante as quais essa concretização é possível."

[58]

            A escola histórica, como leciona Tércio Sampaio Ferraz Jr., teve o grande mérito de por a si a questão do caráter cientifico da ciência do direito. A expressão juris scientia é criação sua, como é seu empenho dar-lhe este caráter, mediante um método próprio de natureza histórica. [59] A. L. Machado Neto esclarece-nos, também, que a ciência do direito, igualmente denominada apenas direito, dogmática jurídica e jurisprudência, é a especial ciência cultural que constitui, por oposição à história do direito, à sociologia jurídica e à filosofia jurídica, a temática específica do jurista. [60] É certo, também, que, não obstante o fato de a ciência jurídica não produzir normas, ela pode influir na evolução do direito, pois nada obsta que, através dos órgãos criadores e aplicadores do direito positivo, ou da elaboração de direito novo, as teses científicas passem do descritivo para o prescritivo. [61] Pontes de Miranda, indagando-se o que é a ciência positiva do direito, responde:

            "A ciência positiva do direto é a sistematização dos conhecimentos positivos das relações sociais, como função do desenvolvimento geral das investigações científicas em todos os ramos do saber. É, pois, a cúpula da ciência (…). No direito, se queremos estudá-lo cientificamente como ramo positivo do conhecimento, quase todas as ciências são convocadas pelo cientista. A extrema complexidade dos fenômenos implica a diversidade do saber. As matemáticas, a geometria, a física e a química, a biologia, a geologia, a zoologia, a botânica, a climatologia, a astrologia e a etnografia, a pré-história em geral, a história, a sociologia, a economia política e tantas outras constituem mananciais em que o sábio da ciência jurídica bebe o que lhe é mister."

[62]

            Nesse sentido, mas referindo-nos ao direito educacional como disciplina nova, afirmamos que tudo em relação à ciência do direito deve ser aplicado para tornar o direito educacional mais vinculado à dogmática jurídica e à prática processual. Acrescentem-se os ensinamentos de Pontes de Miranda: "se queremos estudar cientificamente o direito como ramo positivo do conhecimento, quase todas as ciências devem ser convocadas pelo cientista". [63] Neste caso, a nosso ver a ciência da educação deve ser convocada para se vincular à ciência jurídica, para efetiva sistematização e autonomia da direito educacional.

            Na lição de Miguel Reale, com a palavra direito acontece o que sempre se dá quando um vocábulo, ligado inteiramente às vicissitudes da experiência humana, passa a ser usado séculos a fio, adquirindo muitas acepções, que devem ser cuidadosamente discriminadas. [64]

            Para Maria Helena Diniz, a expressão ciência do direito vem sendo empregada em sentido amplo e em sentido estrito. Em sentido amplo, o termo ciência do direito indica qualquer estudo metódico, sistemático e fundamentado dirigido ao direito, abrangendo nesta acepção as disciplinas jurídicas, tidas como ciências do direito – como a sociologia jurídica e a história do direito; em sentido estrito, o vocábulo abrange a ciência do direito propriamente dita, a dogmática jurídica. [65] Miguel Reale afirma, ainda, com inegável clareza que:

            " ‘Direito’ significa tanto o ordenamento jurídico, ou seja o sistema de normas ou regras jurídicas que traça aos homens determinadas formas de comportamento, conferindo-lhes possibilidades de agir, como o tipo de ciência que o estuda, a Ciência do Direito ou Jurisprudência."

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[66]

            O termo direito, no caso, emprega-se em dúplice sentido: ora para denotar o fato da existência de normas que disciplinam condutas, ora para denotar o conhecimento científico a que se submetem tais normas, cujos conteúdos são diversificados (econômicos, políticos, finanças públicas, educativos, meio ambiente etc.). [67] Como se vê, de um lado temos o direito-norma, que se compõe da legislação em vigor, ou seja, o direito positivo; de outro lado, a presença do direito-ciência, desenvolvido pelo doutrinadores que procuram sistematizar os conhecimentos jurídicos e explicar os sistemas legais, abrindo caminhos às transformações.

            No caso do direito educacional, segundo o jurista Lourival Vilanova, a questão crucial é a da possibilidade desse novo ramo da ciência jurídica desdobrar-se em duas questões correlacionadas. Uma, a da existência de normas cujo conteúdo é dado pelas relações sociais na espécie de relação educacional; outra, a da construção sistematizada de conhecimentos que tenham por objeto tais normas. Vilanova sustenta, ainda, que há relações sociais educacionais como há relações econômicas de produção, de consumo, de trabalho, de família e de poder, quer sob a forma de relações de administração dos grupos não-políticos, ou relações de administração e governo nos grupos políticos. [68]

            Noutro passo, não se pode negar que o direito é um sistema de normas e que a ciência do direito consiste, também, de uma teoria da norma jurídica, até porque o direito, como vimos, é uma ciência normativa. Contudo, norma jurídica não é sinônimo de lei. Esta pode conter várias normas, como ocorre com o Código Civil. [69]

            Para Tércio Sampaio Ferraz Jr., o conceito de normas jurídicas aparece hoje, mais do que nunca, como uma noção integradora capaz de determinar o objeto e o âmbito da ciência do direito. [70] Há inúmeras noções de normas jurídicas, embora uma definição exemplar, e que atravessa o tempo na consciência média do jurista e do "homem comum" (sic), será encontrada em Von Ihering:

            "A definição usual de direito reza: direito é o conjunto de normas coativas válidas num Estado, e esta definição a meu ver atingiu perfeitamente o essencial. Os dois fatores que ela inclui são o da norma e o da realização através de coação (…) o conceito da norma é um pensamento, uma proposição (proposição jurídica), mas uma proposição de natureza prática, isto é, uma orientação para a ação humana; a norma é, portanto, uma regra, conforme a qual nós devemos guiar."

[71]

            A norma jurídica, como leciona Maria Helena Diniz, é a "coluna vertebral do corpo social". Pode parecer à primeira vista que a norma jurídica se opõe ao poder, mas tal não ocorre, pois sem poder ela não existe; só é jurídica, na realidade, a norma que for declarada pelo poder. Tem, como poder político, a função de organizar as atividades inter-relacionadas das criaturas racionais que compõem determinadas comunidades. Além disso, o fato de toda norma jurídica envolver a decisão do poder por uma conduta revela o que há de essencial na relação entre norma e poder. É óbvio que a norma jurídica decorre de um ato decisório do poder (constituinte, legislativo, judiciário, executivo, comunitário ou coletivo e individual). A norma só será jurídica, como vimos, no momento em que for declarada como tal pelo órgão incumbido de levar o grupo a seus fins e se estiver entrosada com o ordenamento jurídico da sociedade política. [72]

            A ciência jurídica, por outro lado, diz que todo e qualquer comportamento humano pode ser visto como cumprimento ou descumprimento de normas jurídicas, caso contrário, é tido como juridicamente irrelevante. [73] É a teoria jurídica analisando a própria norma jurídica, por seu turno presente nos diferentes ramos do direito. Convém ressaltar o entendimento de Maria Helena Diniz, nas observações de Tércio Sampaio Ferraz Jr., de "que a oposição entre norma jurídica e realidade, que vai marca a dogmática jurídica, significa, além disso, a consciência de uma necessidade constante de rever o pensamento dogmático, pois o direito, não repousando apenas nas suas normas, mas tendo outras dimensões, vai exigir da dogmática jurídica [74] uma reformulação dos sues próprios conceitos". [75]

            O direito educacional, por seu turno, embora novo, já exige o agrupamento de teorias para transformar, contribuir e vincular-se à ciência do direito. É certo, por outro lado, que a legislação sobre matéria educacional dispersa-se em vários planos do ordenamento jurídico brasileiro: está em nível constitucional, em nível de lei ordinária, em decretos e regulamentos e em outros níveis normativos. É necessário, portanto, reunir o disperso, isto é, sistematizar o direito educacional do ponto de vista normativo e teórico, para facilitar a interpretação e aplicação da norma jurídica. [76]

            Tudo isso se obtém, no magister de Lourival Vilanova, de uma parte com o mínimo de coordenação normativa. Por outra parte, obtém-se com auxílio da ciência do direito. É justamente a ciência jurídica que fornece os conceitos fundamentais para recolher o material disperso em classe, em tipos, em categorias. [77] Há legislações e normas jurídicas educacionais específicas, [78] embora dispersas, o que exige sistematização legislativa.

            Para se respeitar o direito à educação, segundo o professor Pedro Sancho da Silva, ter-se-á de acionar o direito educacional, especialmente, por meio dos instrumentos processuais, para que se consiga a efetivação do direito subjetivo à Educação. [79] Acrescente-se que somente pela via da "qualificação normativa do factício", como sustenta Lourival Vilanova, é que se reconhece ao indivíduo o direito subjetivo público à educação, seja por entidades particulares ou por entes públicos. [80] Neste caso, como veremos a seguir, o direito subjetivo é uma construção normativa.

            Tradicionalmente, o direito se nos apresenta sob dois aspectos: de preceito, ou regra, e de faculdade, ou poder. De um lado, o direito objetivo, norma agendi, norma de conduta, de outro, o direito subjetivo, facultas agendi, faculdade de agir. [81] Nesse sentido, Tércio Sampaio Ferraz Jr. esclarece:

            "A doutrina, tradicionalmente, costuma distinguir entre direito objetivo enquanto o conjunto das normas que regulam a ação humana; portanto, o direito enquanto regra de conduta (

norma agendi), a que se opõe o direito subjetivo, significando uma certa prerrogativa estabelecida ou reconhecida pelo direito objetivo em favor de um indivíduo ou de uma coletividade e que faz deles sujeito de direito." [82]

            Contudo, a terminologia, norma agendi e facultas agendi, que nos veio da tradição romana, segundo Benjamim de Oliveira Filho posto sugestiva, é imperfeita como noção. Norma de conduta não é apenas, o direito; a regra moral também nos concede uma faculdade de agir. Nem o direito subjetivo é, propriamente, faculdade de agir. [83] A matéria é fonte de numerosas controvérsias e divergências, daí não pretendermos discuti-la amplamente, e sim considerar duas situações.

            Em primeiro lugar, na linguagem corrente, os dois aspectos facilmente se distinguem, pelo sentido da frase, ora reportando-se ao preceito em si, à regra jurídica, ora ao próprio poder ou faculdade reconhecida ao indivíduo. Nesse sentido, o direito à educação, o direito do proprietário, o direito do credor, o direito do consumidor, o direito de voto são faculdades concedidas ao indivíduo, ao passo que o direito educacional, o direito civil, o direito penal, o direito de defesa do consumidor, o direito eleitoral, o direito do trabalho manifestamente se referem à norma, à lei reguladora das ações humanas, estabelecendo uma ordenação de caráter objetivo, existindo fora de nós e dominando nossa conduta, inclusive o exercício dos direitos. [84]

            Em segundo lugar, considerando que o direito subjetivo é mais do que um conceito técnico utilizado para facilitar a aplicação do direito, tendo uma relação direta com o direito à educação. Neste primeiro momento, é importante ressaltar que a noção tradicional de que o direito subjetivo é faculdade, a facultas agendi, tornou-se insustentável a partir do instante em que a verdadeira noção de faculdade se introduziu na ciência do direito. [85]

            Para Goffredo Telles Jr., os direitos subjetivos podem ser definidos, sinteticamente, com estes precisos termos: "são permissões jurídicas". [86] Igualmente, para Maria Helena Diniz o direito subjetivo é sempre a permissão que tem o ser humano de agir conforme o direito objetivo. Um não pode existir sem o outro. O direito objetivo existe em razão do subjetivo, para revelar a permissão de praticar atos. O direito subjetivo, por sua vez, constitui-se de permissões dadas por meio do direito objetivo. [87]

            Benjamim de Oliveira Filho, ao contrário, sustenta a tese de que a correlação entre o direito objetivo e o direito subjetivo não deve ser entendida no sentido de que a existência de verdadeiro direito subjetivo está subordinada à exigência de concessão expressa na lei, ou à existência de lei correspondente à faculdade, que poderá ser exercida. [88]

            Voltemos, porém, aos dois aspectos do direito do ponto de vista da teoria tradicional, até porque tradicionalmente a noção de direito subjetivo tem sido contraposta à de direito objetivo, entendido como as normas jurídicas que regem o comportamento humano, prescrevendo uma sanção no caso de sua violação. [89] Aplica-se, neste caso, ao direito educacional: de um lado, como direito objetivo, as normas jurídicas educacionais, ou seja, as normas ou preceitos jurídicos cujo conteúdo regrado diz respeito ao fato educacional; de outro lado, o direito subjetivo ou, como veremos no capítulo IV, o direito subjetivo público à educação, como faculdade específica de exigir prestação prometida pelo Estado. [90]

            2. Conceituação de direito educacional

            Uma questão que logo se apresenta é, sem dúvida, a escolha da expressão "direito educacional". E, num segundo momento, a definição ou conceito desse novo ramo da ciência jurídica. [91] Aliás, todo conhecimento jurídico necessita do conceito de direito, embora, como já vimos, não se tem conseguido um conceito único de direito e tampouco de direito educacional, como veremos a seguir. [92]

            A Enciclopédia Saraiva do Direito adotou no seu verbete direito da educação a seguinte definição: "O Direito da Educação como ramo da Ciência do Direito que estuda os princípios e as normas que envolvem a vida dos indivíduos e dos grupos humanos nos aspectos formativos e informativos." [93]

            Da mesma forma, Maria Helena Diniz, em texto constante do seu Dicionário jurídico, utiliza a expressão direito da educação. A respeito, assim preleciona: "O Direito da Educação é o conjunto de normas relativas à formação e à informação dos indivíduos, à política educacional, à organização, à administração e ao currículo escolar e à didática." [94]

            Renato Alberto Teodoro Di Dio, precursor do direito educacional brasileiro, afirma que o mais apropriado seria a expressão direito da educação, direito educacional ou direito educativo. Os puristas optariam por direito educativo, uma vez que o adjetivo educacional soaria a galicismo. De outro lado, no linguajar comum, educativo carrega a conotação de algo que educa, ao passo que educacional seria o direito que trata da educação. Consciente das possíveis objeções que, segundo ele, podem ser feitas ao termo, usaremos a expressão direito educacional, à espera de que o uso e os especialistas consagrem a melhor denominação. [95]

            A opção pela expressão direito educacional, prossegue o autor, não significa objeções à denominação direito da educação, mas justifica-se por ser termo de conotação mais jurídica, de maior abrangência para alcançar o complexo de normas e princípios, bem como as relações jurídico-educacionais. A propósito, em sua Sistematização do direito educacional, define: "Direito Educacional é o conjunto de normas, princípios, leis e regulamentos que versam sobre as relações de alunos, professores, administradores, especialistas e técnicos, enquanto envolvidos, mediata ou imediatamente, no processo ensino-aprendizagem." [96]

            Trata-se, na verdade, do pioneiro na abordagem sistematizada da relação entre educação e direito. Em 1970, no curso de especialização em Direito Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, apresentou uma monografia na qual a expressão direito educacional é utilizada, pelo que conhecemos a respeito, pela primeira vez: O direito educacional no Brasil e nos Estados Unidos. Lecionava ele, há quase trinta anos, que seu estudo pretendia "ser apenas uma sondagem, mais explorativa do que sistemática, com o fim de plantar algumas sementes do que, no futuro, se poderá construir no Direito Educacional, matéria que talvez venha a ganhar autonomia, como ocorreu, por exemplo, com o Direito do Trabalho". [97]

            Como observa Edivaldo Machado Boaventura, a definição de direito educacional, com o propósito de pensar juridicamente à educação, também, privilegia o processo ensino-apredizagem como núcleo, central gerador, das relações jus-educacionais. Dessa maneira, o processo ensino-aprendizagem está para o direito educacional como a relação de emprego caracteriza o direito do trabalho. [98] Além disso, o que pode e deve ser dito é que o direito à educação encontra-se devidamente protegido pelos poderes públicos, assegurando ao aluno a tutela jurídica, bem assim ao professor e ao servidor. [99]

            Nesta mesma linha de raciocínio, mas referindo-se à necessidade da ciência do direito educacional interceder para a superação da fase legislativa educacional, ressalta o referido autor:

            "O Direito Educacional, como disciplina nova que é, não pode ser visto é estudado tão somente dentro dos limites da legislação. Muito ao contrário, deve ser tratado à luz das diretrizes que lastreiam a educação e os princípios que informam todo o ordenamento jurídico. Tanto no caso das relações de trabalho como nos relacionamentos da educação, legislação seria apenas um corpo sem alma, continua Sussekind, uma coleção de leis esparsas e não um sistema jurídico dotado de unidade doutrinária e precisos objetivos, o que contraria uma inquestionável realidade."

[100]

            Ele destaca, ainda, que José Augusto Peres empreende um diversificado esforço de conceituação do direito educacional como norma, conjunto de leis, ramo da ciência jurídica, para, no final dessa cadeia de conceitos, colocar o seguinte:

            "Na realidade, o que pode e deve ser ressaltado, ao se falar introdutoriamente do Direito Educacional, é que o mesmo é um ramo especial do Direito; compreende um já alentado conjunto de normas de diferentes hierarquias; diz respeito, bem proximamente, ao Estado, ao educador e ao educando; lida com o fato educacional e com os demais fatos a ele relacionados; rege as atividades no campo do ensino e/ou aprendizagem de particulares e no poder público, de pessoas físicas e jurídicas, de entidades públicas e privadas."

[101]

            O direito educacional, para Álvaro Melo Filho, pode ser entendido como:

            "Um conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados que objetivam disciplinar o comportamento humano relacionado à educação. Impondo-se como matéria curricular e como disciplina autônoma, o direito educacional distinguir-se-á inteiramente de outras disciplinas jurídicas, pois envolverá o estudo e o ensino de relações e doutrinas com as quais nunca se havia preocupado o direito tradicional em qualquer dos seus ramos."

[102]

            Para o renomado professor, se é verdade que há, inegavelmente, uma legislação educacional no interior do ordenamento jurídico brasileiro, também é irrecusável que tal legislação possui uma parte dispersa, sem estrutura orgânica. E esse direito educacional funciona exatamente como um núcleo aglutinador de normas às vezes extraídas de diferentes códigos, leis e ramos do direito, mas compondo uma certa unidade de regulamentação. [103] Ele sustenta a tese, ainda no plano teórico, que ao invés de questionar-se sobre as "autonomias" legislativa e cientifica do direito educacional, deve-se registrar que, pela simples razão de não poder existir uma norma jurídica independente da totalidade do sistema jurídico, a autonomia de qualquer ramo do direito é sempre e unicamente didática. [104] A propósito, este é também o pensamento de Miguel Reale, que, em relação às diversas disciplinas jurídicas, diz ser necessário estudá-las no seu conjunto unitário, pois nenhuma delas têm sentido isoladamente, independentemente das demais. As disciplinas jurídicas representam e refletem um fenômeno jurídico unitário que precisa ser examinado. [105]

            Aurélio Wander Bastos, em sua obra recente O ensino jurídico no Brasil, apresenta tanto o conceito de direito educacional como seu alcance:

            "Os estudos jurídicos sobre legislação do ensino e suas práticas administrativas, assim como sobre a hermenêutica de seus propósitos, classificam-se no vasto âmbito do Direito Educacional, uma das mais significativas áreas do conhecimento jurídico moderno. O Direito Educacional estuda as origens e os fundamentos sociais e políticos dos currículos, programas e métodos de ensino e avaliação."

[106]

            Pelas posições referentes ao conceito de direito educacional segundo Edivaldo Boaventura, pode-se concluir que o direito à educação está inserido no conjunto de normas, princípios e doutrinas que disciplinam o comportamento das partes presentes no processo ensino-aprendizagem, composto de alunos, professores, servidores, escolas, famílias e poderes públicos, que constitui o centro de interesse maior para o direito. Cabe ao Estado principalmente a proteção desse relacionamento. [107]

            Em seu mais recente trabalho Direito educacional e educação no século XXI, Elias de Oliveira Motta, na tentativa de esboçar o seu conceito, segue os ensinamentos de Miguel Reale. Trata-se, neste caso, da teoria tridimensional do direito:

            "Uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito veio demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos, discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica: um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um aspecto fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade social e histórica) e um aspecto axiológico (o Direito como valor de justiça)."

[108]

            Desta concepção de direito, nas palavras de Elias de Oliveira Motta, podemos abstrair três formas de enfocar o conceito de direito educacional:

            1. conjunto de normas reguladoras dos relacionamentos entre as partes envolvidas no processo ensino-aprendizagem;

            2. a faculdade atribuída a todo ser humano e que se constitui na prerrogativa de aprender, de ensinar e de se aperfeiçoar;

            3. ramo da ciência jurídica especializado na área educacional.

            Não pretendemos traçar barreiras, mas abrir portas para que os pensadores das áreas jurídicas educacional e administrativa, com a postura de criatividade que deve ser característica de todo bom profissional, aperfeiçoem nossas conclusões e enunciados, [109] pois, "no campo das ciências sociais, não podemos alimentar ilusões no sentido de extremado rigor terminológico, mas nem por isso nos faltam estruturas conceituais ajustáveis à complexa e matizada conduta humana". [110]

            Nesse sentido, Maria Helena Diniz leciona que o jusfilósofo, o sociólogo e o jurista devem estudar o direito na totalidade de seus elementos constitutivos, visto ser logicamente inadmissível qualquer pesquisa sobre o direito que não implique a consideração concomitante desses três fatores. Todavia, é preciso esclarecer que cada qual cuidará mais deste do que daquele elemento da experiência jurídica, mas sempre determinando o significado de seu objeto de indagação em função dos outros dois. [111]

            Entendemos, também, que há dificuldades de conceituação do direito educacional, porque isto depende de um esforço comum dos estudiosos ou especialistas da área do direito e da educação. Aliás, o direito educacional tem uma característica híbrida pelo fato de existirem diferentes acepções de direito e de educação. Entretanto, o nosso propósito de contribuição para a sistematização do direito educacional não se esgota nesta relação conceitual entre direito e educação. Pretendemos, do mesmo modo, apresentar a estrutura clássica das fontes do direito, para utilizá-las no direito educacional.

Sobre o autor
Nelson Joaquim

advogado, mestre em Direito pela UGF, especialista em Direito Civil, Romano e Comparado, professor da Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOAQUIM, Nelson. Educação à luz do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1081, 17 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8535. Acesso em: 5 nov. 2024.

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