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Violação aos direitos da criança e do adolescente.

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Agenda 23/10/2020 às 14:30

2. DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Como forma de proporcionar proteção à criança e ao adolescente, foram criadas diversas normas que lhes asseguram direitos. Assim como qualquer assunto, a legislação de proteção aos direitos da criança e do adolescente passou por transformações ao longo do tempo. As modificações se justificam pela necessidade de adaptação da legislação em relação as novas demandas que passam a existir na sociedade. 

No Brasil, a definição mais comum de criança e de adolescente, é a utilizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que adota o critério cronológico puro como parâmetro para diferenciar tais fases da vida. Dessa forma, o artigo 2º, caput, do referido diploma legal, estabelece que criança é a pessoa que tem até doze anos de idade incompletos, enquanto o adolescente é aquele que possui entre doze e dezoito anos de idade incompletos.

2.1 Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 foi elaborada com o objetivo de garantir uma série de direitos ao povo brasileiro. Em relação aos direitos da criança e do adolescente, surgiram os movimentos de iniciativa popular, “Criança e Constituinte” e “Criança: Prioridade Nacional”, sendo que este último levou ao Congresso Nacional, uma proposta de ementa com mais de um milhão de assinaturas exigindo a inserção dos direitos da criança e do adolescente no novo texto constitucional.

Como resultado da mobilização da sociedade, foram inseridos os artigos 227 e 228 à Constituição Federal. A inclusão destes artigos representa uma ampliação no que se refere à proteção dos direitos da criança e do adolescente, uma vez que reconhece diferenças, garantindo-lhes condição de pessoa em desenvolvimento, conforme defende Pinheiro (2004, p. 351).

No que se refere à idade mínima para o trabalho, inicialmente, a Constituição Federal de 1988, proibia, em seu artigo 7º, inciso XXXIII, que os menores de quatorze anos exercessem qualquer tipo de trabalho, sendo que o trabalho noturno, perigoso e insalubre era proibido aos menores de dezoito anos. A Emenda Constitucional nº 20 de 1998 elevou a idade mínima para qualquer tipo de trabalho para dezesseis anos, exceto na condição de aprendiz, que ficou permitida partir dos quatorze anos.

Apesar da atual Constituição proibir a exploração do trabalho infantil, são recorrentes os casos de crianças e adolescentes inseridos em algum tipo de atividade, o que demonstra que a previsão constitucional, por si só, não foi capaz de combater totalmente essa prática ilegal.

2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente

A inclusão dos artigos 227 e 228 à Constituição Federal de 1988 representa um marco na proteção dos direitos da criança e do adolescente, entretanto, para que houvesse maior efetividade no cumprimento da lei, era necessário que as garantias trazidas pelos referidos artigos fossem regulamentadas de forma mais específica.

Desta forma, foi elaborado o Estatuo da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado por meio da Lei nº 8.069 de 1990 em substituição ao antigo Código de Menores. O ECA é avaliado como um importante diploma legal por se amparar no princípio da proteção integral e trazer absoluta prioridade à proteção dos direitos da criança e do adolescente. O microssistema passou a considerar que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e pessoas em desenvolvimento, a quem deve ser dado tratamento especial.

O ECA determina que a criança e o adolescente têm garantia de prioridade, tendo primazia de receber socorro, precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, preferência na formulação e execução de políticas públicas e destinação privilegiada de recursos públicos.

Em relação ao trabalho, o artigo 60 do ECA determina que “É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz”. É importante destacar que o ECA proíbe que os adolescentes sejam inseridos em atividades que prejudiquem seu desenvolvimento, listando os trabalhos que não poderão ser desenvolvidos por menores de dezoito anos.

Apesar da criação do ECA ser um grande avanço na garantia dos direitos da criança e do adolescente, ainda existem muitos desafios para sua implementação. A conjunta participação do governo e da sociedade é de suma importância para que as disposições sejam cumpridas de forma integral, afastando, assim, a possibilidade de retrocesso e violação aos direitos infantojuvenis.

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2.3 Consolidação das Leis do Trabalho

A Consolidação das Leis do Trabalho, popularmente conhecida como CLT, foi aprovada através do Decreto 5.452 de 1943, podendo ser definida como a unificação de antigas legislações trabalhistas esparsas que existiam no Brasil. Assim, a CLT surgiu com o objetivo de regulamentar as relações de trabalho, estabelecendo direitos e deveres de empregados e empregadores.

O Capítulo IV do Título III da CLT- Da Proteção do Trabalho do Menor-, traz as regras que devem ser seguidas no trabalho do menor, trazendo, ainda, a idade mínima permitida para o trabalho no Brasil. O artigo 403, caput, proíbe, expressamente, o trabalho do menor de dezesseis anos, exceto se este trabalhar como aprendiz, caso em que o trabalho é permitido a partir dos quatorze anos.

É importante ressaltar que o trabalho noturno, compreendido como aquele realizado entre as vinte e duas e às cinco horas, é proibido aos menores de dezoito anos. Também há proibição do trabalho perigoso, insalubre ou desenvolvido em locais prejudiciais à moralidade para aqueles que ainda não tenham atingido a maioridade civil.

A CLT, em seu artigo 406, prevê a possibilidade de autorização para que o adolescente menor de dezoito anos trabalhe em teatros de revista, cinemas, boates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos, bem como em empresas circenses, nas funções de acróbata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes, desde que a representação tenha fim educativo ou a peça de que participe não possa ser prejudicial à sua formação moral, devendo, ainda, ser certificado que a ocupação é indispensável à própria subsistência do adolescente ou à de seus pais, avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral.

Para ser admitido, é necessário que haja anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social do adolescente, devendo constar o valor do salário, a data de admissão, período de férias e a data de saída.

Por último, vale mencionar que não corre nenhum prazo prescricional contra os trabalhadores menores de dezoito anos, conforme expressa disposição do artigo 440 da CLT. Assim, as prescrições quinquenal e bienal, previstas no artigo 11 do mesmo diploma legal, somente serão aplicadas após o atingimento da maioridade, ou seja, os prazos prescricionais começarão a fluir quando o trabalhador completar dezoito anos, conforme explica Baracat (2008, p. 101).

2.3.1 Contrato de Aprendizagem

Como forma de combater a inserção ilegal de adolescentes no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, proporcionar formação profissional adequada, foi criado o contrato de aprendizagem, passando a inserir a figura do aprendiz em diversas atividades.

O contrato de aprendizagem está previsto tanto entre os artigos 424 a 433 da CLT, quanto entre os artigos 60 a 69 do ECA, e regulamentado de forma de forma mais específica no Decreto nº 9.579 de 2018.

O Decreto nº 9.579 de 2018, em seu artigo 43, considera aprendiz o maior de quatorze anos e menor de vinte e quatro anos que celebra contrato de aprendizagem. Destaca- se que a idade máxima não se aplica no caso do aprendiz com deficiência. Assim, o artigo 45 do referido Decreto define que:

Art. 45 - Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado não superior a dois anos, em que o empregador se compromete a assegurar ao aprendiz, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz se compromete a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.

Em notícia publicada pelo Tribunal Superior do Trabalho, Cortes (2013) menciona que os órgãos que fazem parte do “Sistema S”- Serviços Nacionais de Aprendizagem Industrial (Senai), Comercial (Senac), Rural (Senar), do Transporte (Senat) e do Cooperativismo (Sescoop), as escolas técnicas e agrotécnicas de educação, e as entidades sem fins lucrativos de assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, são qualificados para oferecerem formação técnico profissional. Em relação a quantidade de aprendizes a serem contratados, o artigo 51 do mesmo Decreto menciona que:

Art. 51 - Estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos oferecidos pelos serviços nacionais de aprendizagem o número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento cujas funções demandem formação profissional.

É importante ressaltar que as microempresas as empresas de pequeno porte e as entidades sem fins lucrativos, caracterizadas como aquelas que tenham por objetivo a educação profissional, ficam dispensadas da contratação de aprendizes, conforme explica Rosado (2016).

A jornada do aprendiz será de até seis horas diárias, podendo chegar à, no máximo, oito horas, caso o adolescente tenha concluído o ensino fundamental, sendo proibida tanto a prorrogação quanto a compensação de jornada de trabalho. O aprendiz terá remuneração de um salário mínimo- hora, salvo se houver condição mais favorável, sendo-lhe assegurado, também, direito ao vale-transporte.

O artigo 71 do referido Decreto trata sobre a extinção do contrato de trabalho do aprendiz, determinando que o instrumento será extinto no seu termo ou quando o aprendiz completar vinte e quatro anos, salvo no caso de aprendiz com deficiência, podendo ser extinto antecipadamente em algumas hipóteses, quais sejam, desempenho insuficiente ou inadequação, falta disciplinar grave, ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo ou ainda a pedido do aprendiz.

Ao concluir, com aproveitamento, o curso de aprendizagem, o aprendiz terá direito ao certificado de qualificação profissional, concedido pela entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica, devendo enunciar o título e o perfil profissional para a ocupação em que o aprendiz tenha sido qualificado.

2.4 Trabalho Infantil Artístico

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IX, garante a liberdade de expressão artística à toda pessoa. É certo que o acesso à arte, manifestada por meio da música, dança, teatro ou outras formas, é fundamental para a formação da criança e do adolescente. Por outro lado, a arte pode deixar de ter finalidade apenas pedagógica, envolvendo, também, interesse econômico, ou seja, passa a fazer parte do mercado de trabalho, como explica Santos (2018, p. 84-87 apud FELICIANO; OLIVA e CAVALCANTE, 2017 p. 9).

Assim, Medeiros Neto e Marques (2013 apud CUNHA, 2016, p. 31), esclarecem que “o trabalho infantil artístico pode ser caracterizado como toda e qualquer relação de trabalho cuja prestação de serviços ocorra por meio de expressões artísticas variadas, por exemplo, no campo do teatro, da televisão, do cinema, do circo e do rádio”.  

Conforme já abordado, a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXXIII, proíbe qualquer tipo de trabalho aos menores de dezesseis anos, salvo como aprendiz, condição permitida a partir dos quatorze anos, sendo, no que se refere à idade mínima para o labor, a única exceção prevista no texto constitucional.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 149, inciso II, alínea “a”, dispõe que a autoridade judiciaria é competente para disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará, a participação de criança e adolescente em espetáculos públicos e seus ensaios. Ao analisar este dispositivo, Cavalcante (2013, p. 144-145), destaca que “não fica claro, porém, se essa participação artística seria apenas para o contexto pedagógico (escolas, clubes, igrejas), ou se incluiria a atuação infantojuvenil no segmento econômico artístico, ou seja, na indústria do entretenimento, da moda e da publicidade”.

A Consolidação das Leis do Trabalho, nos termos do artigo 403, caput, veda o trabalho do menor de dezesseis anos, exceto se este trabalhar como aprendiz, o que é permitido a partir dos quatorze anos. Por outro lado, Drosghic (2013, p. 1), menciona que a CLT:

[..] em seu artigo 406, aduz que o Juiz de Menores poderá autorizar ao menor o trabalho em atividades artísticas. Tal ordenamento em seu artigo 402, entende como “menor” aquele trabalhador na idade entre 14 e 18 anos, conforme norma constitucional. Sendo assim, esta autorização do artigo 406 da CLT, deve ser levada em consideração apenas para aqueles que estão na idade permitida, ou seja, entre 14 e 18 anos.

Além da idade, é necessário que a representação tenha fim educativo ou a peça de que participe não possa ser prejudicial à formação moral do adolescente, devendo, ainda, ser certificado que a ocupação é indispensável à própria subsistência do adolescente ou de seus familiares, conforme incisos I e II do artigo 406.

A Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o instrumento legal que provoca maior discussão sobre o trabalho infantil artístico, posto que o artigo 8º autoriza a participação de crianças e adolescentes em representações artísticas, ainda estes não tenham completado a idade mínima estabelecida para as formas de trabalho em geral.

A partir da análise dessas normas, surgem duas correntes de pensamentos que interpretam, de formas diferentes, os referidos instrumentos nacionais e internacionais no que diz respeito à legalidade e limites do trabalho infantil artístico no Brasil.

A primeira corrente defende que a legislação brasileira não permite o trabalho infantil artístico, fundamentando que a única exceção prevista em relação à idade para o trabalho, é aplicada aos aprendizes. Além disso, argumentam que a Constituição Federal é mais ampla e hierarquicamente superior à Convenção Internacional nº 138 da OIT. Defendem, ainda, que os artigos 405 e 406 da CLT são inconstitucionais, vez que não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, e que a autorização prevista no ECA tem apenas finalidade pedagógica. Integrando esta corrente, Custódio e Reis (2014, p. 15) afirmam que:

A autorização para o trabalho de crianças que não estão na condição de aprendizes, tampouco possuem a idade mínima de dezesseis anos, para realizarem atividades profissionais em uma empresa privada, que explora a atividade econômica artística, na condição de empregados subordinados, nos moldes da legislação trabalhista, nada mais é que a violação da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 Por outro lado, a segunda corrente, sustenta que, em razão da Constituição Federal prever a liberdade artística à todas as pessoas, a legislação brasileira admite o trabalho infantil artístico. Ademais, defendem, que os artigos da CLT, do ECA e da Convenção 138 da OIT são constitucionais, portanto, há permissão para este tipo de trabalho, desde que com autorização judicial e observância às condições especiais das crianças e dos adolescentes. Marques (2013, p. 208) integra esta corrente, expondo que:

[...] enquanto não sobrevier lei específica disciplinando os pormenores dessa relação empregatícia singular, a partir de autorização constitucional já existente, deverá o interessado – representado ou assistido por seu representante legal – requerer ao órgão jurisdicional a devida autorização ao exercício de atividade laboral, competindo ao magistrado determinar a forma de execução da atividade (duração da jornada, condições ambientais, horário em que o trabalho pode ser exercido pela criança ou adolescente e outras questões relacionadas ao trabalho que estejam presentes no caso concreto), sempre com a manifestação do Ministério Público do Trabalho, que deverá atuar como fiscal da lei para evitar eventuais irregularidades.

Apesar de existirem duas correntes de pensamento, tem prevalecido que a legislação brasileira permite que crianças e adolescentes façam parte deste tipo de labor, desde que exista autorização judicial para tanto. Por outro lado, a ausência de norma especifica, aliada com a falta de fiscalização, faz com que abusos e explorações sejam cometidos contra crianças e adolescentes que trabalham no meio artístico.

Desta forma, é possível concluir pela necessidade de regulamentar, de forma específica, o trabalho infantil artístico no Brasil, alertando as pessoas sobre os riscos desta prática e estabelecendo formas efetivas de fiscalização para evitar violação aos direitos da criança e do adolescente.

Sobre a autora
Amanda Cristina Pereira Guimarães

Bacharel em Direito pelo Iles/Ulbra Itumbiara-GO. Pós-graduanda em Advocacia Cível pela FMP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Amanda Cristina Pereira. Violação aos direitos da criança e do adolescente.: Uma análise sobre a exploração do trabalho infantil no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6323, 23 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85967. Acesso em: 2 nov. 2024.

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