Resumo: O art. 3° da Lei nº 9605/98 - Lei de Crimes Ambientais - prevê que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, por danos ambientais. Por sua vez, o art. 21estabelece que as penas aplicáveis às pessoas jurídicas são a multa, as restritivas de direitos e a prestação de serviços à comunidade. Este estudo objetiva examinar os aspectos gerais e os especiais da pena de multa aplicável à pessoa jurídica. No entanto, a ênfase do estudo incidirá sobre os valores desta espécie de pena pecuniária, efetivamente aplicados pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em sua função de prevenir e reprimir os crimes ambientais praticados pela pessoa jurídica.
Palavras-Chaves: Proteção Ambiental. Crime Ambiental. Pena de Multa. Pessoa Jurídica. Responsabilidade Criminal da Pessoa Jurídica.
Introdução: a nova proposta criminológica da Lei dos Crimes Ambientais para punir o ente jurídico
A Lei 9.605/98 ou Lei dos Crimes Ambientais - LCA - prescreve um conjunto próprio de penas destinadas a reprimir as condutas criminosas praticadas pelas pessoas jurídicas. Em matéria de controle ambiental, os fins da pena não podem descartar as funções retributiva e reparatória, que continuam indispensáveis e legítimas. Entretanto, em face das sérias consequências resultantes da lesão ao bem jurídico protegido penalmente, a doutrina tem acentuado e, com razão, a grande relevância da função preventiva, no caso de aplicação da pena criminal à pessoa jurídica.
Sem dúvida, diante da irreparabilidade de determinadas lesões ao ambiente, a norma penal ambiental deve trabalhar com a ideia de punir mas, principalmente, evitar futuros atentados ao ambiente. Nesse sentido, já foi afirmado que “o objetivo central da responsabilização penal da pessoa jurídica é prevenir a ocorrência de novas e reiteradas lesões ao meio ambiente”, enquanto que a “retribuição e reabilitação, normalmente presentes na justificação da sanção criminal, ocupam papel menor na criminalização da pessoa jurídica”.[2]
Diante da inviabilidade material de se aplicar a pena de prisão às pessoas coletivas, é compreensível que a LCA tenha buscado outras espécies de sanção já utilizadas pelo sistema de controle penal, para cumprir a nova proposta criminológica de punir o ente jurídico, transformado em sujeito ativo de uma infração penal ambiental. Diante dessa nova realidade jurídicopenal, a LCA estabelece que as penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, são: multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade” (art. 3º).[3] Entendeu o legislador que essas espécies de penas criminais são as mais indicadas para exercer a função de reprimir e, especialmente, de prevenir os crimes ambientais que venham a ser praticados pelas empresas.
Nessa linha teórica, Luiz Antonio Bonat lembra que, no campo penal ambiental, a aplicação da pena tem acentuado “caráter de prevenção geral”, para funcionar “como um freio, uma intimidação ou ameaça, obstando as pessoas, inclusive agora as jurídicas, a não incidirem na prática de crime contra o meio ambiente”.[4]
Para boa parte da doutrina, havia uma notória ineficiência dos órgãos administrativos brasileiros para prevenir as grandes degradações que vinham ocorrendo antes do advento da lei 9.605/98. Gilberto e Vladimir Freitas sublinham que o Direito Penal Ambiental se faz necessário no Brasil, pois a esfera administrativa, não consegue, sozinha, realizar ações preventivas e repressivas, estruturadas e eficientes. Sustentam que o país possui dimensão continental, o que dificulta a fiscalização ambiental dos agentes administrativos.[5] Por isso, a ação subsidiária do Direito Penal, “pode dar boa cota de contribuição à preservação ambiental”.
Em razão disso, a LCA surgiu para contribuir, de um modo mais efetivo, em matéria de proteção ambiental no Brasil.
O controle penal ambiental existente em outras legislações penais para a repressão e prevenção dos crimes praticados pela pessoa física, foi, sem dúvida, reforçado com a nova fase inaugurada pela Lei 9.605/98, agora, em relação às pessoas jurídicas. É o que destaca Paulo Affonso Leme Machado, ao escrever que “O Poder Judiciário, a quem caberá aplicar a sanção penal contra a pessoa jurídica, ainda tem garantias que o funcionário público ou o empregado da Administração indireta não possuem ou deixaram de ter”.[6]
Feito esse exame preliminar, estuda-se a seguir a pena de multa como uma das alternativas penais previstas na Lei 9.605/98, para sancionar a pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais.
1. A LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS E O RECURSO GENERALIZADO À PENA DE MULTA
1.1 Aposta do Legislador no Poder Persuasivo e Preventivo da Pena de Multa
A Lei dos Crimes Ambientais prevê, para quase todos os crimes ali descritos, a aplicação de uma pena de multa, cominada de forma cumulativa com a pena privativa de liberdade. Na verdade, apenas os crimes de pesca com uso de explosivos (art. 35 e seus incisos), de dano praticado contra Unidade de Conservação e Áreas de Preservação Permanente (art. 40) e de poluição previsto no (art. 54, § 2º.) cominam - tão somente e de forma isolada - a pena privativa de liberdade. Isto demonstra que o legislador acreditou no poder persuasivo e, consequentemente, preventivo da pena pecuniária, para reforçar o sistema de controle das ações contrárias ao ambiente.
É evidente e não se deve esquecer que esse acúmulo punitivo só é aplicável aos crimes cometidos pela pessoa física. No caso de pessoa jurídica - objeto central desse estudo - a pena de multa, que é a quantia paga pelo condenado ao Estado,[7] também pode ser aplicada de forma cumulativa, mas somente com as penas restritivas de direitos e/ou prestação de serviços à comunidade (art. 21, da LCA).
Cabe ressaltar que o art. 21, em seu inciso I, de forma genérica, aponta a pena de multa como uma das sanções aplicáveis à pessoa jurídica. No entanto, conforme já mencionado acima, a pena de multa já está cominada em cada dispositivo incriminador da LCA, com exceção de apenas três situações. Diante disso, é possível entender que, no caso de crime ambiental cometido pela pessoa jurídica, o juiz deverá sempre aplicar a pena pecuniária e, se entender necessário, poderá reforçar a condenação com aplicação cumulativa de uma pena restritiva de direitos e/ou de prestação de serviços.
Seja no caso de crime cometido por pessoa física, seja no caso de pessoa jurídica, ficou evidenciado que o legislador recorreu intensamente à pena de multa para sancionar o infrator da lei penal ambiental, numa demonstração clara da crença oficial no poder persuasivo da pena pecuniária, para reforçar o sistema de controle das ações contrárias ao ambiente. É evidente que este reforço punitivo para sancionar eventuais condutas criminosas praticadas pela pessoa jurídica somente terá sentido se efetivamente aplicada com a celeridade recomendável.
No entanto, a realidade demonstra que os processos por crimes ambientais ainda são em número reduzido. E, o pior: quando instaurados, a exemplo da repressão de outros crimes no Brasil, são marcados pela morosidade, indefinição punitiva e, também, pela prescrição. É o que demonstraram Brenda Brito e Paulo Barreto em seu estudo sobre a aplicação da LCA no Pará: em 2003, dos cinco processos nos quais foram oferecidas denúncias por crimes ambientais, 40% aguardavam a citação do acusado, 40% enfrentavam conflito de competência entre Justiça Federal e Estadual para seu julgamento e 20% aguardava a suspensão do processo.[8]
Diante disso, para a maior parte dos atentados ao ambiente, parece que o controle jurídico, por meio da ação sancionatória de natureza administrativa, seria o mais adequado. Se o legislador recorreu com tanta intensidade ao uso da pena pecuniária, por considerá-la uma sanção suficientemente grave para desmotivar o indivíduo a cometer atentados ao ambiente, melhor teria sido lançar mão da multa administrativa para sancionar a maioria das infrações contra o ambiente.
A ressalva aqui feita, vale mais ainda para os casos das pequenas infrações ambientais cometidas pelas pessoas jurídicas, no desempenho de suas atividades empresariais. Assim, o recurso ao controle jurídico-penal poderia ficar reservado aos casos de atentados mais graves e nocivos ao ambiente cometidos pelas empresas e corporações.
1.2 Regra Geral: Aplicação da Pena de Multa à Pessoa Jurídica Autora dos Crimes Ambientais Fica Sujeita ao Critério Geral Previsto no Código Penal Brasileiro
Por se tratar de uma lei especial, mas integrante do sistema penal como um todo, a LCA estabelece que a aplicação da pena de multa está sujeita ao critério geral previsto no Código Penal. Em consequência, no caso de crime ambiental, o juiz poderá condenar a pessoa jurídica ao pagamento de 10 a 360 dias-multa, no valor de um trigésimo do salário mínimo até cinco salários cada dia multa.[9]
Como esses valores podem se revelar irrisórios diante da situação econômica do condenado, prevê a lei codificada que a sanção pecuniária pode ser aumentada em até três vezes (Art. 60, § 1º, do Código Penal).[10] Nesta hipótese, mesmo quando aplicada no grau máximo – ou seja, 360 dias-multa, no valor de cinco salários mínimos cada dia-multa, perfazendo o total de 1.800 salários – pode o juiz considerar, em razão da privilegiada situação econômica da empresa degradadora do ambiente, que a sanção é ainda insuficiente para prevenir e reprimir o crime praticado.
Por isso, a lei permite ao juiz que triplique esse montante, elevando o total do valor da pena pecuniária a 5.400 salários mínimos. É um valor considerável, que deve ser aplicado aos casos de crime ambiental causador de grande dano à natureza e desde que praticado por uma empresa com elevado poder econômicofinanceiro.
Dessa forma, a aplicação da pena pecuniária a uma empresa ou pessoa jurídica fica sujeita ao critério geral estabelecido no Código Penal brasileiro, cujas regras foram estabelecidas para sancionar a pessoa física autora de um crime qualquer.
Mas, a LCA não se contentou com valor máximo previsto no Código Penal brasileiro (CPB) e admite que a pena de multa possa ser ainda triplicada uma segunda vez, para ser aplicada contra a pessoa jurídica. É o que será examinado a seguir.
1.3 Critério Complementar para Aplicação da Pena de Multa Contra Pessoa Jurídica Autora de Crimes Ambientais
Como vimos acima, a LCA evitou criar um sistema próprio de cominação e aplicação da pena de multa. Optou por prescrever que a pena pecuniária “será calculada segundo os critérios do Código Penal” (art. 18). Contudo, considerando a natureza e a dimensão do dano do crime ambiental praticado por grandes corporações empresariais, a lei permite que a pena de multa, revelando-se ineficaz para a repressão e a prevenção do crime ambiental, “ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada em até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida”.
Pode parecer que essa segunda operação de triplicação da pena máxima represente uma dupla e indevida incidência da mesma majoração penal, um inadmissível repique punitivo. Mas, é perfeitamente legítimo. Principalmente, quando se tratar de empresa de grande poder financeiro e sempre que a corporação tenha auferido elevada vantagem econômica em decorrência de sua infração degradadora do ambiente.
Na doutrina, Gilberto e Vladimir Passos de Freitas admitem que, de conformidade com o artigo 18 da Lei 9.605/98, se a pena, mesmo que triplicada, com base no art. 60, §1º, do CP, “[...] ainda se revelar ineficaz, poderá ser novamente aumentada em até três vezes. Esse aumento, no entanto, só terá cabimento no caso de o agente auferir vantagem econômica de valor tal que venha a dar ensejo à resposta punitiva proporcional”.[11]
Desta forma, o valor de 5.400 salários mínimos atingido com a adoção do critério previsto no §1º, do artigo 60 do Código Penal brasileiro, pode ser mais uma vez triplicado e chegar a 16.200 salários mínimos, caso o autor do fato criminoso ambiental tenha auferido elevada vantagem econômica.[12]
Para fixar esse valor duplamente triplicado da pena de multa, o juiz, sempre que possível e na hipótese de dano ambiental irreversível e de grandes proporções, determinará a realização da “perícia de constatação do dano ambiental”, prevista no art. 19, da LCA. Nesse caso, as informações contidas na perícia contribuirão para que o juiz encontre o valor mais adequado e justo para a fixação da pena de multa, observando sempre as diretivas constantes dos citados dispositivos do Código Penal brasileiro (arts. 49 e 60) e da LCA (art. 18).
Em determinados casos, mesmo duplamente triplicada, a pena de multa pode se revelar inócua, diante do grande potencial econômico da empresa e da extensão do dano ambiental por ela causado. No entanto, o limite máximo previsto decorrente da combinação dos dispositivos acima referidos deve ser obrigatoriamente respeitado em nome do princípio da estrita legalidade penal, princípio este elementar no contexto do Direito Penal contemporâneo.
Cabe dizer, ainda, nesse ponto, que a doutrina levanta dúvida sobre a devida interpretação a ser destinada aos artigos da Lei n. 9.605/98, que disciplinam a aplicação da pena de multa na LCA. Luiz Regis Prado observa que, segundo o Código Penal (art. 60, § 1º.), o critério específico para a fixação de pena de multa deve ser a situação econômica do infrator. Contudo o art. 18, da LCA, prescreve que o juiz deve considerar o valor da vantagem econômica auferida. Por outro lado, o art. 19 prevê a determinação do montante do prejuízo causado pelo laudo pericial de constatação do dano ambiental para efeito de cálculo de multa. Para o autor, a variedade de critérios dificulta o processo de interpretação para a formulação do devido juízo de “imposição e gradação” da pena de multa.[13]
Realmente, a situação ficou confusa e a jurisprudência ainda está a dever decisões que venham dirimir essas arestas resultantes da incidência de normas contidas na LCA e na lei codificada sobre a aplicação da pena de multa à pessoa jurídica autora de crime ambiental.
Assim sendo, caberá ao magistrado, com base nas regras gerais e especiais do Código Penal brasileiro, no princípio da proporcionalidade e nos marcos norteadores destes dois artigos da lei ambiental, encontrar o valor mais adequado à pena de multa a ser aplicada em caso de crimes ambientais praticados tanto por pessoas físicas quanto pelas pessoas jurídicas. Como esclarece Ariovaldo M. Vieira “Em sentido restrito, o princípio da proporcionalidade impede a aplicação de vias penais econômicas meramente simbólicas, que não estejam em proporção ao ilícito-típico praticado e à periculosidade do agente, daí ser vedada a carga excessivamente desajustada”.[14]
Vale aqui também frisar, que os danos ambientais, podem alcançar proporções gigantescas, a exemplo do acidente causado pela empresa pública brasileira de produção de combustíveis – PETROBRAS. Ao derramar de 1,3 milhão de litros de óleo na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, em janeiro de 2000, poluiu, degradou o ambiente e causou a morte de diversas espécies da fauna e flora brasileiras, gerando danos irreversíveis a significativos tipos de ecossistemas.[15]
Outro exemplo, em nível internacional, ocorreu em 20 de abril de 2010, com a explosão da plataforma DeepwaterHorizon, operada pela empresa petrolífera BP, que provocou a morte de 11 trabalhadores e derramou milhões de barris de petróleo no Golfo do México, causando danos ambientais de grande alcance nos EUA, o pior de sua história, cujo impacto ambiental foi estimado em US$ 17,2 (dezessete vírgula dois bilhões de dólares).[16]
Mais recentemente, ocorreu o maior desastre ambiental da História do Brasil. De acordo com o Ibama, o rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco, provocou o vazamento de 62 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos de minério, causando a morte 19 pessoas (entre moradores e funcionários da empresa), destruindo centenas de imóveis residenciais e deixando milhares de pessoas desabrigadas.[17]
O vazamento, considerado o maior de todos os tempos em volume de material despejado por barragens de rejeitos de mineração provocou também a poluição do Rio Doce e danos ambientais que se estenderam aos estados do Espírito Santo e da Bahia.[18]
A condenação da empresa Samarco, responsável pelo dano ambiental em Mariana, Minas Gerais, por crimes ambientais, poderia gerar uma pena de multa aplicada no máximo e ainda ser duas vezes triplicada. Mesmo assim, seria desproporcional ao potencial econômico dessa corporação, cujo lucro é bilionário. A empresa, que pertence Companhia Vale do Rio Doce, uma das maiores corporações mineradoras brasileiras, lucrou R$ 13,3 bilhões entre 2010 e 2014. Só em 2014 o lucro foi de R$ 2,8 bilhões, segundo dados do site da empresa.[19]
Em cinco de maio de 2016, a empresa Samarco, juntamente com várias pessoas físicas consideradas responsáveis pelos crimes ambientais, foi denunciada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais.[20] Quanto às multas administrativas, a empresa foi condenada em quinhentos e cinquenta e dois milhões de reais. Desse total, apenas 1% foi pago pela referida empresa.[21]
A imprensa informa, ainda, que o processo criminal segue seu trâmite sem previsão de finalização. Um processo ambiental para reparação dos danos após o desastre no valor de R$ 155 bilhões está suspenso, aguardando o diagnóstico dos danos. Uma ação civil pública promovida contra a empresa estimada em R$ 20 bilhões de reais ainda não teve o pagamento da primeira parcela de R$ 1,2 bilhão de reais. Pelo que se noticia, até agora, pouco ou quase nada foi reparado em termos de danos ambientais, praticados pela empresa Samarco.[22]
Isso demonstra que as sanções ambientais administrativas e civis também são falhas no Brasil. Por isso, o Direito Penal acaba sendo a última razão, a última trincheira de enfrentamento e de dissuasão, em casos como esses, em que o Estado enfrenta danos causados por grandes corporações que resistem em se adequar ao seu papel social e ambiental de prevenção e de reparação a danos ambientais.
Examinadas as questões gerais e específicas relativas à pena de multa para reprimir a empresa infratora da lei penal ambiental, passaremos a discorrer sobre o resultado de nossa pesquisa, que teve por objeto levantar os valores da pena pecuniária, nas decisões condenatórias proferidas no âmbito do TJSC.