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Código Florestal e Lei de Parcelamento do Solo Urbano: Tema n. 1010 do STJ

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Agenda 26/12/2020 às 09:35

Discute-se a aplicação do Código Florestal ou da Lei de Parcelamento de Solo Urbano em faixas não edificáveis localizadas perto de curso d’água, tema 1010 do STJ.

INTRODUÇÃO

O objeto do presente Artigo Científico é apresentar o Tema 1010 do Superior Tribunal de Justiça, o qual discute sobre a aplicação do Código Florestal ou da Lei de Parcelamento de Solo Urbano em faixas não edificáveis localizadas perto de curso d’água natural.

O objetivo geral deste trabalho é analisar o Tema nº 1010 do Superior Tribunal de Justiça.

Os objetivos específicos são: a) definir o Código Florestal; b) conceituar a Lei de Parcelamento de Solo Urbano; b) analisar o Tema nº 1010 do Superior Tribunal de Justiça e suas principais teses.  

Na delimitação do tema, levanta-se o seguinte problema: O que é o Código Florestal? E a Lei de Parcelamento de Solo Urbano? Existe um conflito entre referidas normas?

Para equacionamento do problema, levanta-se a seguinte hipótese: Supõe-se que o Código Florestal é uma norma do Âmbito Ambiental a fim de regularizar normais gerais, enquanto a Lei de Parcelamento de Solo Urbano faz menção às normas atinentes aos desmembramentos e aos loteamentos. Por fim, supõe-se, também, que existe um conflito entre as referidas normas sobre a dimensão permitida para edificação em caso de proximidade com curso d’água natural.

Embora as duas normais atinentes ao artigo, o Código Florestal e a Lei de Parcelamento de Solo Urbano, serem específicas por tratarem de temas diferentes, ambos acabaram legislando sobre um tema em comum: garantir a segurança dos cursos d’águas naturais sobre a expansão humanitária.

Nesse contexto, o tema foi muito repercutido, inclusive e especificamente no Estado de Santa Catarina, possuindo inúmeros julgados entre os municípios de Blumenau, Criciúma, Joinville e Rio do Sul.

O Método de abordagem a ser utilizado na elaboração do artigo será o indutivo. O Método de procedimento será o monográfico. O levantamento de dados será através da técnica da pesquisa bibliográfica.

1 DO CÓDIGO FLORESTAL E DA LEI DE PARCELAMENTO DE SOLO URBANO

Antes de adentrar no tema objeto do presente artigo científico, faz-se necessário realizar uma pequena abordagem sobre a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, também denominada como Lei de Parcelamento de Solo Urbano, e a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, conhecida como Código Florestal.

1.1 DA LEI DE PARCELAMENTO DE SOLO URBANO

Inicialmente, em 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade, denominação dada à Lei n. 10.257/01, estabeleceu que o parcelamento do solo passaria a integrar o rol de instrumento para as diretrizes gerais da política urbana.[1] “Assim, sendo instrumento útil à execução da política urbana, nenhum parcelamento do solo deverá ser realizado de forma a contrariar as diretrizes [...]”[2] proposta naquela norma.

No tocante à Lei nº 6.766, de 19 de Dezembro de 1979, também denominada de Lei de Parcelamento de Solo Urbano, substituiu o Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, em relação ao ato de parcelar, eis que esta última continua vigente sobre os demais temas.[3] A nova norma trata sobre as regras atinentes ao parcelamento de solo urbano, a qual é restrita aos projetos de destinação funcional e econômica urbana, excluída sua aplicação em área rural.[4]

Desta maneira, compreende:

[...] normas urbanísticas, sanitárias, civis e penais visando a disciplinar a ocupação do solo e o desenvolvimento urbano, e a tutela do interesse público coletivo subsumido na defesa da coletividade adquirente dos lotes previstos no empreendimento.[5]

A Lei de Parcelamento de Solo Urbano além de ser de caráter de direito urbanístico, também desenvolve atividade e normatiza as algumas atividades sobre o parcelamento de solo urbano na área civil, penal, administrativo e ambiental.[6]

As principais matérias sujeitas à Lei de Parcelamento de Solo Urbano são as regras pertinentes ao loteamento e ao desmembramento, o que pode se extrair do bojo da sua normativa as suas diferenças:

Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes. § 1º Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.[7]

Sobre este assunto, Luiz Antonio Scavone Junior exemplifica:

O loteamento se diferencia do desmembramento na exata medida em que, neste, não há como falar em abertura ou prolongamento de vias de circulação e, tampouco, de logradouros públicos, tais como as praças e ruas. Inicialmente, haverá loteamento no caso de subdivisão de glebas em lotes com abertura de ruas, vielas, praças e outros logradouros públicos. Se a subdivisão da gleba em lotes aproveitar a malha viária e os equipamentos públicos já existentes, estaremos diante de desmembramento.[8]

Desta maneira, em rápida análise, foi possível averiguar o que é a Lei de Parcelamento de Solo Urbano, especificando principalmente qual a sua aplicação e sua principal importância no ordenamento brasileiro. Feito esta estudo, no próximo capitulo será tratado, também de forma panorâmica, o Código Florestal.

1.2 DO CÓDIGO FLORESTAL

A Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, também conhecida como Código Florestal, revogou a Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, conforme o artigo 83 do primeiro Diploma legal.[9]

Embora referida norma tenha sido popularmente conhecida como Código Florestal, o termo inicial é muito criticado pela doutrina. Isto, pois a terminologia “Código” é utilizando pela junção de um ramo específico de direito, sem necessidade de outras leis complementares, enquanto a Lei n. 12.651/12 é tão somente uma norma jurídica a fim de tutelar os bens ambientais, não englobando todos os direitos e deveres atinentes do meio ambiente, o que o desclassificaria do referido termo.[10]

Ocorre, contudo, que a expressão Código Florestal se popularizou e acabou sendo conhecido como tal, razão pela qual, para o presente trabalho, será utilizado o mesmo termo.

Em frente, quanto à função do Código Florestal, extrai-se do seu artigo 1º:

Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos.[11]

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De qualquer maneira, Lucas de Souza Lehfeld ainda explica sobre a função do Código Florestal:

Em razão da degradação ambiental, proveniente não só da exploração dos recursos naturais, mas também dos impactos ambientais decorrentes dos resíduos e efluentes do processo produtivo-econômico da sociedade contemporânea, agrega-se ao modelo atual de Estado de Direito (superado o Estado Social pós-Segunda Grande Guerra, que, por sua vez, já havia superado o Liberal) uma dimensão ecológica, sem evidentemente deixar de resguardar as conquistas consagradas pelos modelos anteriores, como a dignidade da pessoa humana e direitos políticos, civis, sociais, econômicos e culturais.[12]

De mais a mais, sobre o bojo do Código Florestal, uma das novidades trazidas por ela, principalmente ao estudo do tema principal deste artigo, é a criação legal da Área de Preservação Permanente (APP), a qual possui seu conceito esculpido no artigo 3º, II, da referida normativa:

Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;[13]

E o artigo 4º do Código Florestal exemplifica o que é considerado área de preservação Permanente:

I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros; b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas; III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º , equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive; VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; VII - os manguezais, em toda a sua extensão; VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º , as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação; X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação; XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.

Com a leitura em conjunta dos dois artigos é possível conceituar às Áreas de Preservação Permanente, a qual, em suma, é a denominação utilizada para a vegetação ou curso d’água situada em determinado local que o legislador entendeu necessário sua preservação em razão do seu valor ecológico.[14]

Diante do exposto, foi possível analisar o Código Florestal, o que concluiu que ser uma norma atinente ao meio ambiente e que possui como principal criação, especialmente para este trabalho, a Área de Proteção Permanente, a qual será melhor abordada no próximo tópico.

2 O CONFLITO ENTRE O CÓDIGO FLORESTAL E A LEI DE PARCELAMENTO DE SOLO URBANO

Realizada uma abordagem panorâmica sobre a Lei de Parcelamento de Solo Urbano e o Código Florestal, verificar-se-á agora o conflito entre as duas normas sobre a dimensão da faixa não edificável do curso d’água natural.

Inicialmente, o Código Florestal, conforme já mencionado no seu artigo 4º, inciso I, alínea a), estabelece a largura mínima para ser observada entre uma Área de Preservação Permanente e um curso d’água menor de dez metros, qual seja: trinta metros.[15]

Vale ressaltar, contudo, que com o aumento da largura do curso d’água também exigirá uma distância maior entre à Área de Preservação Permanente e uma eventual construção, tudo conforme já mencionado artigo 4º do retro tópico. Além disso, segundo o Código Florestal, tal dimensão deve ser utilizada tanto em áreas rurais como urbanas.[16]

Sobre este assunto, simplifica Lucas de Souza Lehfeld:

O art. 4º, por conseguinte, estabelece a restrição à propriedade rural e urbana balizada no respeito às Áreas de Preservação Permanente, bens ambientais de interesse comum, em virtude da função ambiental que exercem [...] Nesse sentido, são Áreas de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, as faixas marginais de qualquer curso d´água natural, perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: 30 metros, para os cursos d´água de menos de 10 metros de largura; 50 para os que tenham de 10 a 50 metros de largura; 100 para os que tenham de 50 a 200 metros de largura; 200 para os que tenham de 200 a 600 metros de largura; e 500 metros para os que tenham largura superior a 600 metros (art. 4.º, I, alíneas “a” a “e”).[17]

Por outro lado, a Lei de Parcelamento de Solo Urbano traz, no seu artigo 4º, III, a necessidade de uma reserva de faixa não edificável de, no mínimo, quinze metros do curso d’água natural como requisito urbanístico para loteamento.[18]  

E mais recente, com a redação da Lei n. 13.913, de 25 de novembro de 2019, que alterou o inciso III e incluiu o inciso III-A, do artigo 4º, da Lei de Parcelamento de Solo Urbano estabeleceu também que:

Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: [...] III-A. – ao longo das águas correntes e dormentes e da faixa de domínio das ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado; (Incluído pela Lei nº 13.913, de 2019)[19]

Desta maneira, é possível verificar que as duas normativas são conflitantes e não estabelecem de forma clara qual a metragem que deve ser utilizada na construção de edificações em caso de proximidade com curso d’água natural que corresponda à Área de Preservação Permanente.

Vale ressaltar, entretanto, que referida norma somente é conflituosa em relação aos imóveis urbanos, visto que a Lei de Parcelamento de Solo Urbano não estabelece regras sobre as áreas rurais, conforme já aludido.

Nesses casos, a jurisprudência majoritária, especialmente o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, entendeu pela incidência da dimensão da Lei de Parcelamento de Solo Urbano em caso de área urbana consolidada. Isto é: quando já houve a construção abaixo de trinta metros, mas respeitando os quinze metros e não podendo retornar ao status anterior da Área de Preservação Permanente, a edificação deve ser mantida.[20]

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça também já se posicionou, anteriormente, pela prevalência sobre o Código Florestal em áreas urbanas e sobre a inaplicabilidade da teoria do fato consumada, razão pela qual, em tese, o limite de quinze metros da Lei de Parcelamento de Solo Urbano não poderia ser utilizado sobre nenhum argumento.[21]

Foi neste contexto que o Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs Recurso Especial contra acórdão do Tribunal de Justiça que aplicou a Lei de Parcelamento do Solo Urbano e afastou o Código Florestal, o qual, na sua lente, contraria o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Tal matéria, diante de grandes números de recursos sobre o tema, foi encaminhada como proposta de afetação pelo rito dos recursos repetitivos ao Superior Tribunal de Justiça.[22]

Foram três casos encaminhados à referida Corte (REsp nº 1770760/SC, REsp nº 1770808/SC e REsp nº 1770967/SC), todos distribuídos à Primeira Seção, pelo Ministro Relator Benedito Gonçalves, o qual, em 7 de maio de 2019, conheceu a controvérsia, afetando-a em razão do alto índice de relevância,[23] o que resultou no Tema Repetitivo nº 1010, com a seguinte redação:

Extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4°, I, da Lei n. 12.651/2012 (equivalente ao art. 2°, alínea 'a', da revogada Lei n. 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. 4°, caput, III, da Lei n. 6.766/1979.[24]

Ainda na decisão de afetação, esta determinou que todos os processos, individuais ou coletivos, fossem sobrestados enquanto não julgada a matéria pela referida Corte.[25]

O Tema ainda se encontra em trâmite no Superior Tribunal de Justiça, não havendo qualquer decisão ou orientação, salvo o sobrestamento dos processos semelhantes, até o julgamento dele.

Na melhor compreensão da matéria, especialmente pela controvérsia, serão abordados agora os argumentos que foram encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça.

2.1 DOS FUNDAMENTOS UTILIZADOS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTATO DE SANTA CATARINA

Para melhor entender o Tema nº 1010 do Superior Tribunal de Justiça, faz-se necessária a análise dos argumentos que o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina utilizou para afastar o Código Florestal e aplicar a Lei de Parcelamento de Solo Urbano. Desta maneira, serão observados os argumentos trazidos pelas cinco câmaras do referido Tribunal Estadual.

Inicialmente, a Primeira Câmara de Direito Público, na Reexame Necessário nº 0305671-73.2014.8.24.0008, aplicou, excepcionalmente, a Lei de Parcelamento de Solo Urbano sobre área urbana consolidada, visto que, em casos que o imóvel já se encontra edificado e a Área de Preservação Permanente avariada, o direito de propriedade deve prevalecer.[26]

Sobre este assunto, destaca-se:

[...] a jurisprudência deste Sodalício entende que, tendo a cidade se desenvolvido às margens de cursos d'água por décadas até os dias atuais, quando a situação já se apresenta irreversível, não se justifica a adoção da regra geral ditada pela legislação federal ambiental.[...] Trata-se, pois, de local caracterizado como área urbana consolidada, hipótese em que pode prevalecer o direito à moradia, ou mesmo o direito de propriedade, em face da proteção ao meio ambiente, a depender do caso concreto. Nesses casos, em que se identifica o entrechoque de direitos fundamentais, inafastável um juízo de ponderação, à luz do princípio da proporcionalidade.[27]

De mais a mais, a Segunda Câmara de Direito Público, em fase de reexame necessário nos autos nº 0300606-94.2016.8.24.0051, julgou aceitável a aplicação da dimensão exposta pela Lei de Parcelamento de Solo Urbano porque a área, objeto do processo, já se encontrava construído numa área urbana consolidada, não conservando suas características naturais de Área de Preservação Permanente.[28]

A Terceira Câmara de Direito Público, por sua vez, já asseverou, por intermédio do Reexame Necessário nº 0300114-59.2017.8.24.0054, de origem de Rio do Sul, que é aplicada a Lei de Parcelamento de Solo Urbano com base no princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, quando ocupada em solo urbana.[29]

Sobre os referidos princípios, ressalva-se:

[...] não há dúvida de que no caso se deve interpretar as normas de proteção ambiental com razoabilidade (bom senso, moderação) e proporcionalidade (meio termo entre o excesso e a falta) ínsitos do art. 37, "caput", da Constituição Federal de 1988, a fim de que sua aplicação atenda aos princípios do desenvolvimento sustentável, da ordenação adequada das cidades, da função social da propriedade, da precaução e da cautela. Convém notar que a legislação federal, ao estabelecer a gradação das distâncias ou áreas das margens dos rios que não podem ser desmatadas ou edificadas (preservação permanente), a serem observadas em relação à largura do curso d'água, não o fez com razoabilidade e proporcionalidade, vale dizer, não foram consideradas as ocupações urbanas já existentes e as áreas urbanas consolidadas e antropizadas.Nesse sentido, consta dos autos que o terreno em comento já era ocupado anteriormente por outras construções, e que a área do entorno forma o centro da cidade, amplamente antropizada e de ocupação consolidada.[30]

Ademais, a Quarta Câmara de Direito Público, também em fase de reexame necessário do processo nº 0306531-62.2016.8.24.0054, de Rio do Sul, entendeu aplicado a Lei de Parcelamento de Solo Urbano em imóvel com área urbana consolidada, o qual o imóvel objeto da ação se encontrava em região totalmente urbanizada, com inúmeras construções ao redor, inclusive com pavimente. [31]

Por fim, a Quinta Câmara de Direito Público, por intermédio do recurso de apelação n. 0004784-29.2014.8.24.0020, também entendeu aplicado a Lei de Parcelamento de Solo Urbano, visto que o imóvel está localizado em área urbana consolidada, inclusive na avenida principal do município. [32]

Diante do exposto, foi possível averiguar que o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, por intermédio de suas Câmaras de Direito Público, posicionou-se favorável ao afastamento do Código Florestal com base nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e do direito de propriedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo proporcionou ao decorrer dos seus capítulos um estudo sobre o Tema nº 1010 do Superior Tribunal de Justiça, o qual discute se é aplicada a dimensão exposta no Código Florestal ou na Lei de Parcelamento de Solo Urbano em caso de edificação localizada perto de curso d’água natural.

Para tanto, iniciou-se apresentando o que são a Lei de Parcelamento de Solo Urbano e o Código Florestal. Momento pelo qual se verificou que aquela primeira é utilizada apenas em áreas urbanas para fins, principalmente, de loteamento e desmembramento, enquanto a segunda estabelece regras de Direito Ambiental, a qual tem função de prevenir e proteger os ambientes naturais, principalmente nas suas explorações humanitárias.

Vale ressaltar no tocante ao Código Florestal, também, que ela criou as Áreas de Preservação Permanente, o que incluiu, além de outros recursos naturais, o curso d’água natural.

Nesse contexto, analisou-se que entre referidas normas existe uma divergência sobre a dimensão que deve ser utilizada entre uma edificação e um curso d’água natural. Isto, pois a Lei de Parcelamento de Solo Urbano estabelece o diâmetro mínimo de quinze metros, enquanto o Código Florestal estabelece uma série de quesitos dependendo do tamanho do curso d’água natural, mas, de qualquer forma, iniciando-se com, no mínimo, trinta metros.

Tal confronto chegou ao Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina que se posicionaram no sentido de aplicar a Lei de Parcelamento de Solo Urbano em áreas urbanas consolidadas. Mas, depois do Ministério Público do Estado de Santa Catarina apresentar Recurso Especial sobre o rito de recursos repetitivos, este foi aceito e encaminhado proposta de afetação ao Superior Tribunal de Justiça.

O recurso foi recebido pela Corte Superior e devidamente afetado, razão pela qual insurgiu o Tema nº 1010, o qual discute qual das referidas normas é aplicada nos casos de área urbana.

Por último, foi realizada uma abordagem dos principais argumentos pela aplicação da Lei de Parcelamento de Solo Urbano em vez do Código Florestal nos julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, inclusive em todas as Câmaras de Direitos Públicos lá criadas.

Com efeito, é entendido que, em casos de área urbana consolidada, quando a edificação já foi construída, invadindo a dimensão do Código Florestal, e a Área de Preservação Permanente já foi destruída e não possibilitando retornar para seus status anterior, pode, excepcionalmente, com base nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e do direito de propriedade, ser aplicada a dimensão da Lei de Parcelamento de Solo Urbano.

Por força disso, confirma-se a hipótese básica do presente artigo, assim, foi possível analisar o Tema nº 1010 do Superior Tribunal de Justiça e os seus fundamentos que o sustentam.

Por fim, ressalva-se que o presente tema é contemporâneo, razão pela qual, ainda, demanda mais pesquisa e estudo para ratificar a hipótese básica, especialmente porque o assunto não foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FACHINI, Lucas. Código Florestal e Lei de Parcelamento do Solo Urbano: Tema n. 1010 do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6387, 26 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86732. Acesso em: 23 dez. 2024.

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