Conclusão
A partir das lições expostas, conclui-se que o conceito de posse relacionado aos crimes de peculato-apropriação e desvio abrange, também, a disponibilidade jurídica de nomeação de servidores para cargos em comissão.
A legislação vigente não prevê os serviços como objeto material do crime de peculato, exceção feita quando o sujeito ativo for prefeito municipal.
Assim, a casuística envolvendo a nomeação de funcionários fantasmas pode ser assim resumida:
A - nomeação de servidor para cargo em comissão sem a prestação de qualquer serviço, apenas para desvio dos valores, independente para quem (nomeado, nomeante, terceiro): configuração do crime de peculato-desvio (artigo 312, caput, parte final, do CP), conforme visto no item 4.1 deste artigo;
B - nomeação de servidor para cargo em comissão para exercício de funções apenas privadas: configuração do crime de peculato-desvio (artigo 312, caput, parte final, do CP), conforme visto no item 4.2 deste artigo;
C - nomeação de servidor para cargo em comissão para exercício de funções públicas, mas este acaba também efetuando serviços particulares ao nomeante: fato atípico, conforme visto no item 4.2 deste artigo;
D - nomeação de servidor para cargo em comissão, mas este não exerce atividade alguma, tampouco há o desvio de valores: pode configurar o crime de abandono de função pública praticado pelo nomeado, conforme visto no item 4.3 deste artigo.
Por fim, considerando o bem jurídico tutelado pelo crime de peculato, não se vislumbra razão para que os serviços estejam excluídos do objeto material do crime. Mostra-se correto o tipo penal previsto no DL 201/67, criminalizando também o uso indevido dos serviços públicos. Entende-se, assim, ser necessária uma atualização legislativa, de modo que tal conduta também seja abrangida pelo crime de peculato.
A divisão da remuneração do nomeado com o servidor nomeante pode configurar os seguintes crimes:
A – concussão – artigo 316 do Código Penal – quando o nomeante exige parte do salário, tendo como autor apenas o nomeante;
B – peculato-desvio – artigo 312, caput, parte final, do CP – quando há acordo entre nomeante e nomeado para a divisão da remuneração deste, sendo ambos coautores do crime.
Destaca-se que as classificações exposta não excluem a configuração de ilícitos em outras esferas (administrativa, civil, etc.).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). 9. ed. rev., ampt e atual.- Salvador: JusPODIVM, 2017.
ESTEVES, Cláudio Rubino Zuan (coord.). O PROBLEMA DA TIPIFICAÇÃO DOS CASOS DE “FUNCIONÁRIOS FANTASMAS”. Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Júri e de Execuções Penais. Ministério Público do Estado do Paraná. Junho de 2020. Disponível em https://criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/Estudo_-_Funcionarios_Fantasmas_versao_2020_v5.pdf
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I / Rogério Greco. – 19. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
MASSON, Cleber. Direito penal : parte especial arts. 213 a 359-h 8. ed. - São Paulo: Forense, 2018.
Notas
1 BITENCOURT, 2012, p.80/81.
2 Adota-se, aqui, a denominação dada pelo CP.
3 O delito não abrangerá apenas bens públicos, mas também privados, como na hipótese em que há bem particular sob guarda da administração.
4 STJ: RHC 23.500/SP, rel. Min. Jorge Mussi, 5.ª Turma, j. 05.05.2011, noticiado no Informativo 471
5 São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
6 MAGALHÃES NORONHA, apud BITENCOURT, 2012, p. 98.
7 AP 504/DF, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 2.ª Turma, j. 09.08.2016, noticiado no Informativo 834.
8 BALTAZAR JÚNIOR, 2017, p. 262.
9 MASSON, 2018, p. 670.
10BITENCOURT, 2012, p. 99/100.
11CUNHA, Sanches, 2017, p. 779.
12 BALTAZAR JÚNIOR, 2017, p. 269.
13 AP 924, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/08/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-190 DIVULG 25-08-2017 PUBLIC 28-08-2017.
14 MASSON, 2018, p. 669.
15 Paulo José da Costa Jr. Apud BITENCOURT, 2012, p. 89.
16 Nesse sentido: (…) No peculato-desvio, exige-se que o servidor público se aproprie de dinheiro do qual tenha posse direta ou indireta, ainda que mediante mera disponibilidade jurídica. O fato de não constar da denúncia o modo relativo ao núcleo do tipo, não sendo para tanto suficiente o grau de parentesco com sócios da cessionária, impossibilita o recebimento da peça. Inq 2966, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG 09-06-2014 PUBLIC 10-06-2014.
17 ESTEVES, 2020.
18 Inq 2966, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG 09-06-2014 PUBLIC 10-06-2014.
19 CUNHA, 2017, p. 779.
20 2012, p. 91/92.
21 CARVALHO FILHO, 2017, p. 407.
22 ESTEVES, 2020.
23 Trecho do Informativo 523 do STF, referente ao Inq 1926/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 9.10.2008. Cite-se que esse mesmo caso gerou o acórdão da AP 504/DF com a absolvição do deputado, pois constatado que a servidora citada também exerceu atividades relacionadas ao cargo público, não apenas serviços particulares.
24 Inq 1926, Relator(a): ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 09/10/2008, DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008 EMENT VOL-02342-01 PP-00076 RTJ VOL-00208-03 PP-00929.
25 Inq 2952, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 11-12-2014 PUBLIC 12-12-2014.
26 ESTEVAN, 2020.
27 REsp 1723969/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2019, DJe 27/05/2019.
28 Inq 2652, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 22/09/2011, DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011 EMENT VOL-02605-01 PP-00008.
29 Inq nº 3.776/TO, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 4/11/14.
30 Inq nº 3.776/TO, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 4/11/14.
31 Nesse sentido: AP 504, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 09/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 31-07-2017 PUBLIC 01-08-2017.
32 Nesse sentido: Inq 3006, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 24/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-183 DIVULG 19-09-2014 PUBLIC 22-09-2014.
33 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. "FUNCIONÁRIO FANTASMA". PERCEPÇÃO DE VENCIMENTOS SEM A CORRESPONDENTE CONTRAPRESTAÇÃO LABORAL. AUTONOMIA DE CONDUTA. DESNECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO COM OUTRO AGENTE PÚBLICO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DOLO CONFIGURADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 9º, CAPUT, DA LEI Nº 8.429/92. SANÇÕES APLICADAS DE FORMA PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Ressai claro dos autos que havia um vínculo jurídico-funcional entre a Administração e a ré, que, na condição de Secretária Parlamentar da Câmara dos Deputados, percebeu remuneração por quase dez anos, sem a necessária contrapartida laboral. 2. A pessoa vinculada à Administração que, confessadamente, aufere remuneração dos cofres públicos sem haver trabalhado pratica ato de improbidade autônomo, que não reclama a simultânea responsabilização de eventual partícipe. Patenteada sua condição de agente pública, está a recorrente legitimada para figurar no polo passivo da ação de improbidade, de per se, sem a necessidade de formação de litisconsórcio passivo com outro também agente público.
3. Acrescente-se que, ante o arcabouço fático delineado no acórdão, restou claramente evidenciado o dolo na conduta da recorrente, ensejadora de inegável enriquecimento ilícito. Tal comportamento, sem dúvida, revela-se suficiente para caracterizar o ato de improbidade capitulado no art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/92. 4. Tendo em mira a diretriz dosimétrica estampada no parágrafo único do art. 12 da LIA ("[...] o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente"), as razões do recurso especial não lograram demonstrar que, na espécie, as sanções aplicadas devessem ser decotadas à conta de suposta falta de proporcionalidade ou razoabilidade.
5. Recurso especial desprovido. (REsp 1434985/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/05/2014, DJe 28/08/2014). No mesmo sentido: (AgRg no AREsp 1244170/RN, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 02/08/2018, DJe 22/08/2018).
34 Veja-se, nesse sentido: https://www.conjur.com.br/2019-jan-23/nao-consenso-enquadramento-repasse-salario-deputado
35 ESTEVES, 2020.
36 TJ-MS - APR: 00008789820148120041 MS 0000878-98.2014.8.12.0041, Relator: Des. Emerson Cafure, Data de Julgamento: 22/11/2019, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 02/12/2019); TJ-RS - APL: 70035138866 RS, Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo, Data de Julgamento: 26/08/2010, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: 06/09/2010; TJMG - Apelação Criminal 1.0027.12.022922-7/001, Relator(a): Des.(a) Beatriz Pinheiro Caires , 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 30/06/0020, publicação da súmula em 03/07/2020.
37TJ-MS - APR: 00008789820148120041, citado acima.