3.1 O modelo orgânico na Antigüidade Clássica
Hipócrates inaugura o modelo organicista da loucura, o qual tem ampla aceitação nos séculos XVIII e XIX. Para ele, a loucura é um desarranjo do cérebro, provocado por disfunções humorais. Tem causa orgânica. Os tipos de loucura não merecem especial enfoque pelo médico da cidade grega de Coos, posto que consistem em efeitos daquelas disfunções.
Isaias Pessoti [46] (1994:54) explica o processo segundo a visão hipocrática: a fleugma bloqueia a passagem de ar ao cérebro, causando a desnutrição e o esfriamento deste. Temporariamente desalimentado, o cérebro movimenta-se, afetando os sentidos e as percepções sensoriais.
A terapia recomendada é física, já que o problema também é físico, orgânico. Indica a diluição ou expulsão dos humores para os sítios orgânicos normais ou para fora do organismo. Tais processos de filtragem são denominados katarsis.
Se de um lado o pensamento de Hipócrates marca o fim da medicina sacerdotal na Grécia, de outro retarda o desenvolvimento da concepção psicológica da alienação, que aparece embrionariamente na obra do autor trágico Eurípedes.
A influência de Hipócrates pode ser sentida na obra da maioria dos pensadores da época, de Platão a Célio Aureliano. Filiados à teoria hipocrática, apresentam a loucura como desarranjo dos humores. Prescrevem terapias físicas, indicando a purificação dos órgãos e a diluição dos humores, para restabelecimento do equilíbrio. A verdadeira terapia deve assegurar a excreção, fluidificação ou transformação da atrabílis.
Aristóteles e seu discípulo Teofrasto não concordam com a colocação do cérebro como fonte da razão. Tampouco seguem a teoria humoral. Para eles, o coração funciona como a fonte do racional e do irracional, podendo sofrer alterações, conforme o calor vital. Ainda que divergente de Hipócrates e de sua teoria humoral, o modelo conceptual de Aristóteles sobre a loucura não deixa de ser orgânico.
Aristeu da Capadócia também se destaca por não seguir integralmente a teoria dos humores. Filia-se ao pneumatismo. É tido como um alienista ou como o "Hipócrates da medicina mental". [47] (BALL, RITTI Apud PESSOTI, 1994:63) Recomenda a catarse, a expulsão das substâncias que provocaram as disfunções orgânicas, através da prática de banhos, de sexo, sangramentos ou da ativação do suor.
No entanto, em termos de terapia psiquiátrica, merece destaque Solanus de Efeso. Tal pensador recomenda aos melancólicos assistirem a comédias. Aos loucos alegres, a assistência a tragédias. Inova em psicoterapia, ainda, ao incentivar a seus "pacientes", ainda que iletrados, à escrita e preparação de discursos, a serem aplaudidos pelos familiares. Com isto, evidencia a importância da aprovação social e do sucesso pessoal, afastando-se da teoria humoral.
Na medicina greco-romana destaca-se, igualmente, Galeno. Pode ser tido como autor eclético. Acredita que a loucura é produzida por um desarranjo humoral, mas substitui os humores líquidos e palpáveis de Hipócrates por conceitos da escola pneumática. Sua doutrina de pneumas tem ampla aceitação nos séculos XVIII a XIX, a ponto de Starobinski [48] (Apud PESSOTI: 1994:77) chamar as obras de medicina dessa época de "paráfrase de Galeno".
Anuncia o pneuma como vapor interno do corpo. Quando produzido no cérebro, denomina-se pneuma psychicon e destina-se a dirigir as atividades mentais e nervosas. O vapor produzido no coração é conhecido como pneuma zoticon, devendo dirigir as funções e órgãos da vida biológica. Por derradeiro, ao pneuma produzido no fígado, conhecido como pneuma physicon, atribui a incumbência de comandar as atividades nutricionais e metabólicas. [49] (PESSOTI, 1994:73)
Segundo Galeno, as doenças mentais são lesões nas faculdades superiores, assim entendidas a imaginação, razão e memória. O processo causal começa com vapores de origem abdominal, que afetando o encéfalo, atingem as funções superiores. O quadro nosológico varia, segundo as diferentes combinações entre os tipos de lesões e as faculdades afetadas.
Logo, a natureza da loucura para Galeno é híbrida. De um lado, é somática, orgânica, atribuída aos pneumas, enquanto vapores e sopros internos do corpo humano que afetam imediatamente o encéfalo e mediatamente as faculdades mentais. De outro, é psicológica, porque seu sintoma é justamente a disfunção da imaginação, razão ou da memória. Embora buscando uma explicação física, a teoria dos pneumas não deixa de introduzir um elemento mágico como causa da loucura.
3.2 O enfoque médico da loucura nos séculos XVII e XVIII
A partir do século XVII, prosperam reações ao modelo mítico-teológico, passando os médicos a buscar fundamentos anatomofisiológicos para a loucura. Se as respostas encontradas não são as mais adequadas, sobretudo por não disporem de critérios nosográficos unívocos, têm ao menos o mérito de afastar explicações sobrenaturais. Pelo enfoque médico da época, a essência da alienação passa a ser um distúrbio de alguma função ou estrutura orgânica, sobretudo do cérebro.
Destacam-se as classificações de Zachias e de Félix Plater. O primeiro baseia-se em conceitos jurídicos e de tribunais eclesiásticos. Sustenta que somente o médico pode atestar a insanidade e determinar o internamento. Félix Plater, a seu canto, é o responsável pela introdução do conceito de alienação mental; vislumbra fases sucessivas entre a mania e a melancolia, o que mais tarde gerará a conceituação de psicose maníaco-depressiva. Sua ênfase no delírio como essência da loucura ou seu elemento discriminante repercute em toda doutrina médica que lhe é subseqüente.
Apesar da doutrina de Zachias, na prática a internação dá-se sem acompanhamento de médicos. Raros são os internamentos que se fazem acompanhados de dossiê médico. Dão-se por decisão da família e do rei, através das cartas-régias. Ou por decisão do juiz de paz e dos tribunais. Pouca diferença há entre a compreensão da loucura e do crime, posto que conceitualmente não se excluem. Ambos estão ligados ao mal. Para a lei, no entanto, "a loucura atinge essencialmente a razão e altera a vontade, ao tempo em que a inocenta". [50] (FOUCAULT, 1995:125-137)
A busca de explicação anatomofisiológica do delírio é responsável pelo surgimento das teorias iatroquímica, pneumática e iatromecânica. A primeira teoria tem em Paracelso um de seus expoentes. Sustenta a presença de sais, mercúrio ou substâncias tóxicas no corpo, provocando o delírio. Para os pneumáticos, com representantes da estirpe de Descartes e de Thomas Willis, o delírio ocorre por obra dos espíritos animais. Por derradeiro, os iatroquímicos pregam que a loucura dá-se por processos hidráulicos e mecânicos internos ao corpo, como entupimento de dutos e contração das fibras nervosas. O excesso de tensão nas fibras causa a loucura, sem que componentes afetivos estejam envolvidos.
Segundo Isaias Pessoti [51] (1995:133), tanto os iatroquímicos como os pneumáticos concordam que a loucura tem causas naturais e implica danos à fisiologia cerebral. Tais danos acarretam delírios, irracionalidade e descontrole emocional. Não abandonam, contudo, a possibilidade de deixar lesões na estrutura do cérebro. Essas teorias, somadas à iatromecânica, representam a busca de fundamentos anatomofisiológicos que sustentem a negação das concepções mitológicas ou mágicas.
Numerosas outras classificações são elaboradas no século XVIII. Muitas evidenciam critérios pessoais e arbitrários na sua formulação. Querem se afastar da influência filosófica e também do modelo mítico-teológico, por não serem considerados científicos. Não consideram o aspecto afetivo da pessoa em delírio. Tudo isto implica dispersão em pluralidade de linhas de pensamento.
De um lado têm-se as idéias filosóficas de Locke e Condillac, que definem faculdades da alma e da mente. De outro, as doutrinas médicas, confusas e desorientadas metodologicamente. A ponto de Laignel-Lavastine e Vinchon [52] (Apud PESSOTI, 1996:61) sintetizarem o estilo setecentistas da seguinte forma:
"Os textos setecentistas começam com extensas considerações psicológicas, a partir das doutrinas de Locke e de Condillac; o primeiro capítulo é, quase sempre, uma discussão da questão da alma. Em seguida se trata das sensações e das espécies de inteligências. Depois se discorre sobre os erros e suas origens: a sensação ou o julgamento, ou, ainda, sobre a imaginação, uma origem mais evidente nos casos de visões, sonhos e devaneios"
As teorias médicas da época difundem o apego acrítico a algum modelo patológico acabado e dogmático, como o iatromecânico ou pneumático. "O saber é inteiramente possuído pelo médico, pela teoria, mesmo antes do encontro com o caso clínico (...) Requer apenas a aplicação das categorias prefixadas pela teoria. [53] (SIMONETTO e DEL PISTOIA Apud PESSOTI, 1996: 49)
De Bossier de Sauvages, com seu Jardim das Espécies [54], até o final do século XVIII, o quadro nosológico mantém certa estabilidade. São discernidas a mania, melancolia, frenesi e demência. O critério de diferenciação entre as duas primeiras permanece na presença clássica da febre. Somente no final do século XVIII a hipocondria e a histeria passam a ser assimiladas como doenças mentais. Segundo Michel Foucault, as classificações só funcionam a título de imagens, posto que seus conceitos permanecem sem eficácia. [55] (1995:195).
Além dos sintomas, os médicos dos séculos XVII e XVIII procuram as causas da loucura. A causa próxima deve ser a alteração visível do sistema nervoso, sendo realizadas autópsias para constatar modificações no cérebro. De outro lado, há uma diversidade de causas distantes, algumas já sustentadas como tais pelos adeptos do modelo demonista. Dentre estas, Michel Foucault [56](1995:222) destaca as seguintes: ar, alimentação, paixões, leituras de romances, espetáculos de teatro, amor pelas ciências, cultura das letras. Sem esquecer a influência da lua, a que Paracelso, o representante maior dos iatroquímicos, denomina lunatismo.
3.3A retomada ao modelo orgânico na Idade Moderna e seu significado
Relegado ao esquecimento durante a Idade Medieval, o modelo organicista de compreensão da loucura é retomado no século XVII, adentrando o século XVIII. Encontra os loucos nos leprosários e nas prisões, misturados a outras espécies de pessoas excluídas da sociedade. Contra esta situação há movimentos contrários, seja dos próprios criminosos, que não concordam em ficar presos junto com insanos, seja de teóricos, a exemplo de Howard [57] (FOUCAULT, 1995:55) que, ao visitar as prisões, insurge-se contra a mistura de condenados, jovens que perturbam a família, vagabundos e insanos. Se há polêmica quanto à mistura de loucos e pessoas que raciocinam, não há polêmica sobre a relação entre louco e internamento.
Durante o século XVII, a criação de grandes hospitais favorece tanto a internação, como uma reação à miséria, como sua duração mais prolongada. Segundo Michel Foucault [58] (1995:48), a cada cem habitantes um é internado, à época, em Paris. Não há, contudo, um critério específico para determinação das pessoas que são internadas. Os hospitais servem tanto para o internamento dos pobres como dos loucos. Em parte, "o tratamento serve para controlar a massa dos diferentes, prendendo-os e isolando-os". [59] (SERRANO, 1992:21) Serve como meio de homogeneização dos diferentes. O louco, custodiado entre tantos, não tem facetas e caracteres próprios.
O início do século XVIII, por sua vez, reflete a mera custódia dos loucos. Não recebem tratamento médico constante. Não há um tratamento específico para a doença mental. As visitas médicas que lhes são feitas servem apenas para minimizar o problema de febre das prisões. Além disto, os médicos não têm formação específica. São indicados pelo poder político: o Estado designa quem vai cuidar dos grandes hospitais.
Com a reforma protestante, sustenta-se que a salvação ocorre através do trabalho, não mais através da prática de esmolas. Os loucos e os pobres começam a ser questionados por viverem na ociosidade. Julga-se que se encontram nessa situação por viverem no ócio e não produzirem riquezas através do trabalho. Passam a ser temidos como ameaça social, pela possibilidade de surtos de violência. Proíbe-se serem auxiliados, salvo através de instituições oficiais.
Ocorre nos hospitais, então, um fenômeno comum às prisões da época. Ambas funcionam como "prisões da miséria" [60](FOUCAULT, 1995:70), como centros de reabsorção dos desempregados, ocultando seus efeitos sociais, além de promover o controle de preços, de agitações e de motins [61] (BITENCOURT, 1993:35). Pregando-se o trabalho dos custodiados, alcança-se mão-de-obra barata. Isto incentiva o desemprego, e nova fileira de miseráveis é recolhida às cadeias, casas de trabalho ou aos hospitais.
Outra semelhança da história da loucura com a história das prisões refere-se à exibição dos insanos à comunidade. As famílias providenciam o internamento dos seus, como forma de evitar o escândalo e a vergonha. Paralelamente a isto, os loucos podem ser visitados e exibidos ao público. Tal como Le Peletier propõe que o povo, inclusive as crianças, uma vez por mês, visitem os condenados, a título de publicidade e de ligação da idéia do crime à idéia da pena [62] (FOUCAULT, 1996:99), no Hospital de Bethleem, na Inglaterra, a exibição de loucos custa um penny, sendo realizada aos domingos. [63] (FOUCAULT, 1995:146)
"Esse olhar que se voltava sobre ela [loucura] era então um olhar fascinado, no sentido de que o homem contemplava nessa figura tão estranha uma bestialidade que era a sua própria e que ele reconhecia de um modo confuso, como infinitamente próxima e infinitamente afastada, essa existência que uma monstruosidade delirante tornava desumana e colocava no ponto mais distante do mundo era secretamente aquela que ele sentia em si mesmo
Ainda não se fala em doença mental. O louco é tido como ser inferior, incompetente e desadaptado para o trabalho. As idéias de seleção natural de Darwin servem para vislumbrar o louco como um ser mais fraco, que necessita da ajuda dos mais fortes. "A loucura é vista no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho e da impossibilidade de integrar-se no grupo". [65] (FOUCAULT, 1995:78)
Alan Índio Serrano também oferece uma visão bem crítica desse processo de isolamento e neutralização, ao afirmar que, com a inferiorização dos desviantes, afirma-se subrepticiamente como "homem apropriado para viver em liberdade o burguês, branco, dominador e colonizador, com sua cultura e sua moral". [66] (1992:24). A internação do louco nesse período destina-se, unicamente, à sua custódia pelo Estado, sem qualquer finalidade curativa.
Os casos de doenças venéreas passam a receber atenção da medicina, sendo direcionados aos hospitais. Com a separação dos presos e de portadores de doenças contagiosas dos loucos, a loucura pode ser melhor observada em suas características próprias. O reconhecimento da loucura, em sua realidade patológica, só corre com o seu isolamento, quando então é definida em sua realidade médica. Michel Foucault [67] (1995:384) denomina a este acontecimento da segunda metade do século XVIII de "a nova exclusão no interior da antiga", talvez uma nova saída da Nau dos Loucos.
As monografias da época não se aplicam mais, urgindo a feitura de nova classificação, que tome por base a observação asilar. O louco não tem caracteres que o distingam dos demais internados por insanidade. A diferenciação só é fácil e evidente em relação a criminosos, pobres e doentes venéreos que dividem o espaço comum do internamento. Com seu afastamento, faz-se necessária a "instrusão da diferença na igualdade da loucura. [68] (FOUCAULT, 1995:387)
As mudanças econômicas, a exigirem mão-de-obra barata, contribuíram para o progressivo isolamento do louco dentro do asilo. Percebe-se que o internamento de pobres em instituições representa um custo assistencial alto. Seu aproveitamento é melhor no comércio, indústria e no ciclo de consumo, ainda que limitadas sejam suas possibilidades. O pobre é reintroduzido na comunidade, não mais para possibilitar a santificação do rico, através da esmola, mas para sustentá-lo.
Já com o doente, que não pode trabalhar e produzir riquezas, o tratamento não tem utilidade econômica. Conseqüentemente, não há urgência em promovê-lo. A melhor forma de assistência passa a ser vista como a realizada dentro do seio da família. A manutenção pelo Estado, distribuindo diretamente auxílio às famílias dos doentes é mais barata do que a construção de hospitais. Estas idéias, como visto, são encontradas também em Basaglia, na Itália, ao pregar o fim dos manicômios. O lugar da cura deixa de ser o hospital e passa a ser a família.
O louco deve ser mantido em casa com os familiares. Se estes descuidarem de sua guarda, podem sofrer conseqüências. O seu isolamento domiciliar, segundo o direito penal catalão, pode prolongar-se até a completa cura; caso contrário, até a morte, não afastando a utilização de correntes.
Esta providência, na opinião de Cuello Calón [69](Apud ALVIM, 1997:83), figura como medida de segurança, ainda que bastante cruel. Autoriza-se a prisão de loucos que não tenham família. Isto justifica a prisão e perseguição às pessoas encontradas sozinhas pelas ruas. São conduzidas para as vagas dos leprosários, em asilos ali montados, afastadas do convívio público e obrigadas ao trabalho. "Enquanto as outras figuras encerradas tendem a escapar ao internamento, só a loucura ali permanece". [70](FOUCAULT, 1995:414)
Além disto, há certa desigualdade no tratamento dos loucos, mesmo que realizado através das famílias, a depender de sua classe social. Os ricos passam a cuidar rigorosamente de seus parentes atacados por loucura dentro de suas casas, diretamente ou por pessoas contratadas e de sua confiança. Já os pobres não têm os recursos necessários para conter os insensatos. Urge o auxílio do Estado, colocando à disposição também dos pobres a possibilidade de cuidados e vigilância, desta feita de forma gratuita e intra muros.
Dá-se um processo similar ao da psiquiatria na atualidade. As pessoas mais favorecidas economicamente podem buscar consultas particulares ou mediante convênios. Já as pessoas de classes sociais inferiores não dispõem desse recurso, por vezes socorrendo-se de formas de psiquiatria alternativa, como a umbanda e outros ritos afro-brasileiros, que podem ser vistos como reação popular à psiquiatrização ocidental, vinda da Europa. Ou então, colocam-se à disposição centros comunitários de psiquiatria, inseridos no sistema oficial de saúde, como ocorre nos Estados Unidos.
A necessidade de definição de um espaço público de assistência destaca hospitais gerais como o de Bicêtre, destinado aos homens, e o de Salpêtriére, destinado às mulheres, ambos situados na França. Para lá são enviados os insensatos pobres. Sendo o louco oriundo de províncias distantes de tais hospitais gerais, é mantido nas prisões. É a própria população que reage contra a falta de um espaço social próprio para os loucos: prega a construção de hospitais especializados para eles ou, no máximo, sua permanência na família. De qualquer sorte, não os quer misturados à sociedade.
Na interpretação de Michel Foucault, no momento em que a doença e a miséria passam a ser coisas privadas, a loucura vem a necessitar de um estatuto público e de um espaço de confinamento que garanta a sociedade contra os seus perigos. [71](1995: 424) Não se sabe como deve ser esse espaço. Entretanto, deve servir para recepcionar o louco, bem como os doentes e pobres sem família, substituindo-a em hipótese de tentativas frustadas de manutenção desses dentro do espaço familiar. O louco fica situado entre uma assistência incipiente e o internamento em vias de desaparecimento.
Aos poucos, os locais de internamento também se transformam em espaços de cura. Procura-se não mais coagir o louco, porque isto o leva a se refugiar na imaginação. Deixa-se ser ele mesmo, para que a loucura assuma suas próprias faces. Principia um sistema de registros dos acontecimentos do asilo, ao contrário do que acontecia anteriormente, onde não havia registros sobre as pessoas internadas. A "liberdade enjaulada" dos loucos, na expressão de Michel Foucault [72] (1995:432), com valor terapêutico, só é concretizada, no entanto, com Pinel e Tuke.