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Ações para obtenção de coisa (art. 461-a do CPC)

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Agenda 02/10/2006 às 00:00

4. Ação reivindicatória

4.1. Ação de recuperação da coisa

Na ação reivindicatória se pede a posse da coisa. Porém, cabe ao proprietário contra o possuidor. Ou melhor, é atribuída ao proprietário sem posse contra o possuidor que não é proprietário.

A ação se funda no domínio, e a reivindicação somente será procedente quando a sentença reconhecer que o réu detém injustamente a posse da coisa.22

Para que seja possível compreender de forma mais fácil essa ação, é importante comparar as situações do locador com a do proprietário. A ação de despejo assegura ao locador a recuperação da coisa entregue em locação, ao passo que a ação reivindicatória assegura ao proprietário a recuperação da coisa que lhe pertence. Em ambos os casos, há técnica processual de recuperação da coisa injustamente possuída. A diferença entre as duas está apenas em que o despejo é conferido ao locador e a reivindicação ao proprietário.

Se a ação de despejo é indiscutivelmente executiva, não teria cabimento pensar em ação reivindicatória que somente pudesse desembocar em sentença condenatória, e daí obrigasse à ação de execução. Raciocinar dessa forma seria admitir que a legislação processual pode conferir técnica processual mais forte ao locador do que ao proprietário. Ou melhor, que o sistema jurídico pode conceber ação processual adequada ao locador, e não ao proprietário.

Atualmente, não há como negar que a ação reivindicatória pode se fundar no art. 461-A, e assim abrir oportunidade para técnica antecipatória e para sentença de executividade intrínseca, dispensando a ação de execução.

4.2. Amplitude da cognição do juiz

Ao contrário do que acontece na ação de imissão na posse – em que o réu somente pode negar a eficácia do documento que sustenta o afirmado direito à imissão na posse – e na ação de reintegração de posse – em que a defesa fundada em domínio é proibida (é defeso discutir o domínio na pendência do possessório; arts. 923, CPC e 1210, §2º, CC) -, na ação reivindicatória não há limitação à defesa.

É certo que a ação reivindicatória compete ao proprietário, mas não tem cabimento se pensar, aqui, em restringir a defesa e a cognição do juiz apenas à eficácia do documento que confere direito à posse. É que a ação reivindicatória não se funda em cláusula pela qual alguém se obrigou a transferir a posse, porém no domínio. É por isso que a ação reivindicatória, ao contrário das ações de imissão na posse e de reintegração de posse, é uma ação de cognição plena – e não limitada.

Como visto acima, se o alienante não possuía posse quando vendeu, a ação de imissão não pode ser proposta contra ele ou contra o possuidor. Se há locação, aceita-se, diante de sua natureza, o uso da ação de despejo. Ou melhor, se há relação contratual entre o alienante e o possuidor, caberá, quando for o caso, ação de restituição da coisa (até porque a ação de despejo nada mais é que ação de restituição – que supõe a desconstituição do contrato).

Se, no momento da venda, alguém, sem qualquer vínculo com o alienante, possuía a coisa, não será o caso, também, de pensar em ação de imissão na posse – mais uma vez pelo fato de que o possuidor não conferiu direito à posse algum ao adquirente. Nesse caso, porém, além de não ser possível a ação de imissão na posse, não havia relação contratual entre o alienante e o possuidor capaz de justificar uma ação de restituição que possa passar pela desconstituição do contrato.

Se não cabe ação de imissão na posse ou ação de restituição (ação de despejo, etc), não é possível deixar o adquirente desamparado, sem ação a propor. Como é óbvio, o adquirente, nessa situação, tem o direito de reivindicar a coisa daquele que a possui injustamente. Nesse caso, o réu poderá afirmar, por exemplo, que a propriedade não pertence ao autor, ou mesmo contestar alegando que existe contrato - firmado com o alienante - que ampara a sua posse, a qual, por essa razão, deve ser respeitada.

4.3. Distinção entre ação reivindicatória e ação de imissão na posse

Houve, por muito tempo, confusão entre ação reivindicatória e a ação de imissão. É que ambas são petitórias, e não possessórias.

A confusão entre essas ações deriva de dois pontos. Em primeiro lugar do fato de não se perceber que a ação reivindicatória compete ao proprietário (também ao condômino e ao enfiteuta) – pois se funda no domínio -, enquanto que a ação de imissão na posse tem como titular não apenas o adquirente, mas todo aquele que possui documento em que o alienante lhe outorgou o direito de se imitir na posse - uma vez que se baseia no direito à posse. Em segundo lugar da não percepção de que a imissão na posse é de cognição limitada, pois apenas permite que o réu se defenda alegando a ineficácia do documento que confere o direito à posse, enquanto que a ação reivindicatória é de cognição plena, nela não existindo qualquer restrição às alegações de defesa.

Cabe frisar, entretanto, que em determinadas hipóteses é cabível a ação de imissão de posse e a ação reivindicatória, dependendo o uso de uma ou outra da preferência do adquirente. Se o adquirente entender que é conveniente limitar a discussão somente ao direito à posse, estampado no contrato, deverá propor ação de imissão. Porém, se o seu entendimento for o de que a ação deve se fundar no domínio – e que assim não há razão para restrição da discussão -, deverá ser aforada ação reivindicatória. O adquirente possui o direito a ambas as ações. Além de poder se imitir na posse da coisa através da ação de imissão de posse, poderá, quando entender que deve se fundar no domínio, propor ação reivindicatória. A diferença é a de que, enquanto na ação de imissão somente é possível discutir o direito à posse, na ação reivindicatória se discute o domínio, e por isso as alegações de defesa são ampliadas23. A partir de formada a coisa julgada material, diante da propositura da ação reiv indicatória, não será mais possível discutir o domínio. A sua vantagem em relação à ação de imissão na posse, assim, será a de dar ao autor uma sentença que define a discussão em torno do domínio.


5. Ação de reintegração de posse

5.1. Ação fundada na posse

A ação de reintegração de posse, ao contrário das ações de imissão de posse e reivindicatória, não é petitória, mas sim possessória.24 A ação de reintegração de posse é fundada na posse, a ação reivindicatória no domínio e a ação de imissão no direito em documento que outorga o direito à posse.

Quando a posse é perdida em virtude de ato de agressão – chamado de esbulho - , surge, àquele que o sofreu, a ação de reintegração de posse, através da qual o autor objetiva recuperar a posse de que foi privado pelo esbulho.

5.2. Ação de reintegração de posse, ação de manutenção de posse e interdito proibitório

Como já disse a doutrina, "a distinção entre as ações possessórias de manutenção e reintegração faz-se segundo a intensidade da respectiva agressão à posse, visto que a ação de manutenção, como o próprio nome está a indicar, pressupõe que possuidor haja sido vítima de um simples incômodo no exercício da posse, sem todavia dela ser privado pelo ato do agressor. A manutenção terá, então, a função de assegurar o exercício de uma posse existente, apenas turbada pela atividade ilegítima de terceiro".25

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Com efeito, a diferença entre a ação de reintegração e a ação de manutenção tem íntima relação com a intensidade da agressão da posse. Para que alguém possa pedir reintegração, deve ter ocorrido a perda da posse – chamada de esbulho; porém, para que se possa exigir manutenção, basta o incômodo no exercício da posse – chamado de turbação (art. 926, CPC).26

O problema, entretanto, não é tão simples assim. É preciso saber quando há, efetivamente, perda da posse. De acordo com o art. 1124. do CC, "só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele , se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido".

Os atos clandestinos, praticados na ausência do possuidor, não são suficientes para o ausente perder a posse. A coisa somente se considera perdida quando o ausente, tendo notícia da agressão, se abstém de retornar à coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido. A agressão praticada na ausência do possuidor não leva à perda da posse; o que conduz à sua perda é o abandono, ou mesmo violência impeditiva da sua recuperação.

O interdito proibitório, por sua vez, é conferido àquele que, temendo o esbulho ou a turbação iminentes, tem por objetivo impedir agressão à sua posse (art. 932, CPC). Para o cabimento do interdito possessório, o autor deve provar a probabilidade de iminente agressão à sua posse. Trata-se, assim, de ação nitidamente preventiva. Daí não ser de impressionar o fato de já ter sido confundida com a ação cautelar.

Essa ação, contudo, somente pode ser uma ação autônoma e, assim, de conhecimento, pois o possuidor, através dela, deseja apenas prevenção. Essa ação preventiva viabiliza tutela antecipatória e sentença que podem ordenar sob pena de multa (mandamentais). Ela somente foi confundida com a cautelar pelo fato de conter técnicas processuais (técnica antecipatória e sentença mandamental) que não estavam presentes no processo de conhecimento tradicional.

Atualmente, diante da percepção da importância da tutela preventiva dos direitos, e nessa linha da necessidade de o processo de conhecimento estar munido de técnicas processuais idôneas para viabilizá-la, não há mais como se confundir interdito proibitório com ação cautelar.

Agora, diante das técnicas processuais contidas no art. 461, que abriram as portas para uma ação de conhecimento preventiva – a ação inibitória27 -, o interdito proibitório pode ser melhor compreendido, pois nada mais é que procedimento instituído para dar tutela preventiva à posse.

Porém, a revelação de que sempre existiu no CPC forma processual para se pedir tutela preventiva, independentemente do processo cautelar, permite ver que a legislação processual sempre esteve consciente de que a prevenção pode ser viabilizada por meio da ação de conhecimento, mas que a ideologia que rondava a lei jamais foi capaz de deixar transparecer a necessidade de tutela preventiva de direitos como os ligados à personalidade.28

5.3. Amplitude da cognição do juiz na reintegração de posse

A amplitude da cognição do juiz na ação de reintegração de posse tem relação com as questões que podem ser debatidas pelas partes, e não com o procedimento cabível (especial ou ordinário).

É de se perguntar, então, qual é a matéria que pode ser discutida, e como se obriga à limitação da discussão, da cognição do juiz e da produção da prova na ação de reintegração de posse.

Nessa ação, a matéria a ser discutida deve ficar limita ao conflito possessório, e assim as partes estão impedidas de alegar qualquer direito que pudesse ser invocado para a conservação ou a recuperação da coisa. Se a ação de reintegração de posse é ação que, fundada na posse, objetiva a recuperação da posse que se perdeu em virtude do esbulho – como está claro no art. 927. do CPC -, é evidente que o réu não pode se defender com base no domínio. O réu está proibido de apresentar defesa fundada em direito. Diante disso, como o juiz tem a sua cognição limitada ao que pode ser discutido pelas partes, torna -se impossível a produção de prova relativa à necessidade de elucidação de questão que não esteja aí contida.

5.4. Limites da cognição do juiz e procedimento aplicável

Os limites da discussão das partes – ou da cognição do ju iz - na ação de reintegração de posse, não sofre qualquer alteração diante do procedimento aplicável (especial ou ordinário).

Isso é óbvio, pois a ação possessória não pode passar a permitir defesa fundada em domínio – e assim deixar de ser ação verdadeiramente possessória – apenas por não ter sido proposta dentro de ano e dia do esbulho . É o que diz, aliás, o art. 924. do CPC: "Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório".

Como está claro, não é pelo fato de ter passado ano e dia que a ação de reintegração de posse passará a admitir defesa fundada em direito. 29. Se fosse possível discutir domínio após ter passado ano e dia, o decurso desse prazo não mais viabilizaria a defesa possessória. Portanto, o que muda, após ter passado ano e dia, é o fato de que não será mais possível o uso do procedimento especial estabelecido a partir do art. 926. do CPC.

5.5. Posse de mais de ano e dia e ação de reintegração de posse fundada no art. 461-A

Passado ano e dia não é mais possível invocar o procedimento especial estabelecido em favor da ação possessória (art. 926. e ss., CPC). Atualmente, porém, diante dos termos do art. 461-A, a reintegração de posse pode se valer da técnica antecipatória e da sentença de executividade intrínseca. É possível dizer, assim, que a reintegração de posse, ainda que já passado ano e dia, encontra no art. 461-A "forma processual" capaz de conferir-lhe efetividade.

Se não há dúvida de que a reintegração de posse requer, qualquer que seja o prazo decorrido do esbulho, sentença que dispensa ação de execução, alguma dúvida poderia existir em relação à oportunidade da técnica antecipatória quando já passado ano e dia .

Na ação de reintegração de posse, quando proposta dentro e ano e dia do esbulho, a tutela antecipatória pode ser concedida independentemente da afirmação de perigo. Como diz o art. 928. do CPC, "estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando o réu para comparecer à audiência que for designada".

Para a concessão da antecipação da tutela, no procedimento especial, basta a presença dos requisitos do art. 927. do CPC, sendo dispensável a demonstração de perigo. O direito à reintegração de posse traz em si a urgência, a qual é presumida pelo legislador quando a ação é proposta dentro de ano e dia.30 Entretanto, o legislador presumiu o contrário quando estabeleceu o não cabimento do procedimento especial no caso de esbulho praticado há mais de ano e dia.

Assim, quando a reintegração de posse for requerida depois de ano e dia, não será suficiente, para a obtenção da tutela antecipatória, apenas a prova dos requisitos do art. 927. do CPC.

Porém, isso não pode levar à conclusão de que, nesse caso, o autor jamais terá necessidade de tutela antecipada. Tudo dependerá das circunstâncias do caso concreto.31

Diante do procedimento do art. 461-A, será possível conceder tutela antecipatória se ficar evidenciada circunstância que conduzir à conclusão de urgência no deferimento da reintegração ou restar demonstrado motivo que tenha obstaculizado a propositura da ação no prazo de ano e dia.

Como está claro, a tutela antecipatória, depois de passado ano e dia do esbulho, exige a prova dos requisitos do art. 927. do CPC somada à prova de fato caracterizador de urgência.

5.6. Possuidor ausente e contagem do prazo de ano e dia

Como visto, para que o autor da ação de reintegração de posse tenha direito ao procedimento especial dos arts. 926. e ss., deverá demonstrar que o esbulho data de menos de um ano e dia. Como é natural, este prazo somente pode incidir após o conhecimento do esbulho.

A agressão possessória praticada sem o conhecimento do possuidor não é apta para gerar a abertura do prazo. Lembre-se de que os atos clandestinos, praticados na ausência do possuidor, não são suficientes para o ausente perder a posse. A coisa somente se considera perdida quando o ausente, tendo notícia da agressão, se abstém de retornar à coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.

5.7. Atos preparatórios e consumação do esbulho

Para o efeito da contagem do prazo de ano e dia, é importante distinguir os atos preparatórios da consumação do esbulho. Se vários atos antecedem a consumação do esbulho, devem ser eles considerados preparatórios. Isto é, se o esbulho, para se caracterizar, exige a prática de uma série de atos – ditos então preparatórios -, o prazo de ano e dia deve ser contado a partir do último ato praticado.

5.8. Cumulação da reintegração de posse com perdas e danos, inibição de novo esbulho ou turbação e desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento da posse

O art. 921. do CPC é claro ao admitir a cumulação do pedido possessório aos de i) perdas e danos, ii) inibição de novo esbulho ou turbação e iii) desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento da posse.

O direito ao ressarcimento permite que o autor obtenha indenização pelo dano que sofreu e por aquilo que deixou de ganhar em virtude do esbulho. O pedido de inibição de novo esbulho ou turbação - que pode conduzir, segundo os termos do próprio art. 921, II, em "cominação de pena" - nada mais é que a aplicação da técnica mandamental para a inibição de novo esbulho ou turbação, ou seja, para dar tutela preventiva (inibitória) à posse.

O desfazimento de construção ou plantação já era viabilizado, mesmo antes da introdução do art. 461. no CPC, por meio de sentença executiva.32 Isso porque essa sentença, ao declarar o esbulho, declara a ilicitude do feito em detrimento da posse. Como é declarada a ilicitude da construção ou da plantação, não há o menor cabimento em condenar o réu a desfazer, uma vez que, para a tutela do direito, não é preciso esperar uma prestação, sendo necessária, ao revés, apenas a prática de atos executivos por parte do próprio órgão jurisdicional.

Atualmente, diante do art. 461, não há qualquer dúvida a respeito da possibilidade de o juiz determinar o desfazimento por intermédio de auxiliar do juízo. Além disso, também há a viabilidade de se ordenar o desfazimento sob pena de multa.

Em relação ao problema do desfazimento, porém, é lícito indagar: é possível compelir o esbulhador a pagar as despesas para o desfazimento? Ou seja, o esbulhador pode ser obrigado a custear o desfazimento, sem que assim seja necessário ao autor pagar as despesas e mais tarde propor ação de execução por quantia certa?

Em relação a questão parecida com essa, relativa a se saber se as custas necessárias para a reintegração, não pagas pelo esbulhador, poderiam ser executadas na própria relação processual possessória, assim escrevia Ovídio Baptista da Silva: "A ação de reintegração de posse é executiva, como veremos ao examinar o art. 928. Se -lo-á, todavia, também quanto à ordem (e não simples condenação) nela contida de que a reintegração se faça a custa do esbulhador? Ou seja, haverão de promover-se, na mesma relação do "processo de conhecimento", contra o esbulhador, as medidas processuais tendentes à obtenção do numerário capaz de cobrir essas despesas? Não cremos que isso seja possível. Tratando-se de cumprimento de obrigação de prestar quantia em dinheiro, não se poderá prosseguir, na relação processual de natureza interdital, sob a forma de execução por quantia certa, de modo a que o esbulhador seja compelido a pagar as despesas com a reintegração. Ou o autor vitorioso na ação de reintegração antecipa o valor desses encargos processuais, para cobrálos em processo executório subseqüente, ou teríamos de conceber a sentença proferida no interdito de reintegração como tendo, nesse ponto, eficácia mandamental, a permitir que o juiz, ao julgá-lo procedente, ordenasse desde logo ao esbulhador a prestação do valor das despesas. Não nos parece que o direito brasileiro haja chegado a isto ".33

Contudo, não há sentido em admitir o desfazimento de construções e plantaçõe s e se obrigar o vencedor a custeá-lo. Não há razão para se dar àquele que não tem direito – diante da sentença de procedência -, a possibilidade de se negar a pagar as despesas necessárias para a destruição da construção ou da plantação indevidamente realizadas. Isso seria o mesmo que admitir que o autor deve pagar pelo erro do réu. Ademais, é possível que o autor não tenha dinheiro para custear o desfazer, ou mesmo que não possa adiantar o dinheiro para se dar ao luxo de obtê -lo muito tempo depois, e sem os acréscimos próprios do mercado.

Nessa linha, e diante da consagração do uso da multa nos arts. 461. e 461-A do CPC, é correto admitir que o juiz, mesmo que de frente ao procedimento especial de reintegração de posse, possa determinar ao esbulhador o pagamento das despesas necessárias ao desfazimento, sob pena de multa.

Anote-se, por outro lado, que o desfazimento da construção ou da plantação não tem sentido quando gerar ônus para o réu, sem trazer utilidade alguma para o autor, ou pior, quando pud er implicar na retirada de vantagem ao próprio autor. O desfazimento deve ocorrer apenas quando necessário para impedir que o autor sofra prejuízo. Diante das circunstâncias do caso concreto, esse prejuízo deve ser justificável em face do ônus que o desfazimento puder acarretar.

Além disso, também será possível, seja em face do procedimento especial de reintegração de posse ou do procedimento do art. 461-A, que o juiz, diante da cumulação dos pedidos de reintegração de posse e perdas e danos, entenda, em determinado momento, que o processo deva prosseguir somente para permitir a elucidação das perdas e danos. Neste caso, caberá aplicar o novo §6º do art. 273. do CPC34, que objetiva concretizar o direito à tempestividade da tutela jurisdicional, o qual é completamente incompatível com um procedimento que, apesar da evidência de parcela do direito, obriga o cidadão a esperar pelo término da instrução necessária para o esclarecimento da outra parcela do direito.

5.9. Duplicidade da ação de reintegração de posse

De acordo com o art. 922. do CPC, "é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometidos pelo autor".

Como se vê, esse dispositivo permite que o réu, na própria contestação – e assim sem a necessidade de reconvenção – possa se voltar contra o autor, demandando proteção possessória e indenização. Trata -se de viabilizar a apresentação de duas espécies de ações na própria conte stação.

No que diz respeito à ação de reintegração de posse, o réu, em sua contestação, pode demandar manutenção, alegando que a posse era sua e, assim, que sofreu turbação - ou mesmo esbulho, embora já tenha retomado a posse de "mão própria". Diante disso, pode ainda postular indenização pelos danos sofridos.

Embora o réu possa apresentar ação na própria contestação - dispensando-se a reconvenção -, é necessário que ele afirme e prove os seus direitos à proteção possessória e à indenização. Como diz Pontes de Miranda, "a duplicidade somente pode haver se for alegado e provado da parte do réu que tinha posse (...) Não se dispensam de modo nenhum a alegação e a prova, como se a duplicidade fosse de iure, o que não está nos princípios".35

5.10. Ação do detentor

De acordo com o art. 1.198. do CC, "considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário" (detenção dependente). Além disso, aludindo a outra espécie de detenção – chamada de detenção interessada -, diz o art. 1.208. do CC que "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou clandestinidade". Essa última espécie de detenção não é considerada dependente – como é a dos funcionários públicos em relação aos objetos que utilizam (pertencentes à administração pública) -, mas sim interessada, pois aí não existe subordinação entre o detentor e o possuidor.

O detentor dependente não tem direito aos interditos possessórios. Porém, o mesmo não ocorre em relação ao detentor que ocupa a coisa no seu próprio interesse. Suponha -se o detentor que passou a ocupar a coisa clandestinamente. Seria adequado deixar de conferir-lhe proteção possessória contra a violência de terceiro? Se não há procedência em sustentar que o detentor pode pedir proteção possessória contra o possuidor (vítima da detenção), nada deve impedir que o detentor seja tutelado em face de terceiros.

Segundo o art. 1.211. do CC, "quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso". Essa norma - embora fale de proteção "provisória" - consagra a possibilidade de se dar tutela possessória (não apenas interinal ao processo possessório) ao detentor – desde que não seja "manifesto" que obteve a coisa da outra parte "por modo vicioso".

5.11. Composse

Outra questão interessante é a da composse. A composse nada mais é que o exercício de posses simultâneas sobre coisa indivisa. De acordo com o art. 1.199. do CC, "se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores".

A composse costuma ser classificada em localizada (com exercício localizado) e não localizada. Quando a composse é localizada - como se dá, por exemplo, em relação aos compossuidores que semeiam partes localizadas do imóvel -, o compossuidor pode postular proteção possessória contra terceiro ou contra outro compossuidor. A controvérsia poderia surgir em relação à composse não localizada .36 Porém, se não fosse possível ao compossuidor demandar proteção possessória contra terceiro ou contra outro compossuidor, a norma do art. 1.119. restaria letra morta. Se, de acordo com esse artigo, o compossuidor pode exercer sobre a coisa "atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores", é evidente que ele pode postular a proteção possessória contra terceiro ou mesmo contra outro compossuidor que atente contra a sua posse.

Isso significa que o compossuidor - qualquer que seja a espécie de composse – pode propor ação de reintegração de posse contra um terceiro ou outro compossuidor.

Sobre o autor
Luiz Guilherme Marinoni

professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. Ações para obtenção de coisa (art. 461-a do CPC). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1188, 2 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8844. Acesso em: 22 nov. 2024.

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