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Prisão ilegal de parlamentar

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Agenda 25/02/2021 às 12:21

5. DO DESPACHO INICIAL DO INQUÉRITO

Quando ainda do Despacho Inicial do Inquérito nº 4.781-DF, logo após toda a exposição da referida peça, o ministro faz a adoção das medidas administrativas seguintes:

“1- JUNTE-SE aos autos informações coligidas pela Secretaria de Segurança do STF”.

“2 – DESIGNO o Delegado Federal, Dr. Alberto Ferreira Neto, Chefe da Delegacia Especializada em Repressão a Crimes Fazendários, por indicação do DD. Diretor da Polícia Federal, em exercício, Dr. Disney Rosset, para auxiliar nas investigações” (Grifei).

“3 – DESIGNO o Delegado de Polícia Federal, Dr. Maurício Martins da Silva, da Divisão de Inteligência do DIPOL-SP, por indicação do DD. Delegado Geral de Polícia de São Paulo, Dr. Ruy Ferraz Fontes, para auxiliar nas investigações”. (Grifei).

“4. DESIGNO a servidora Cristina Yukiko Kusahara, mat. 3440, para secretariar os trabalhos”.

“Brasília,19 de março de 2019 - Ministro Alexandre de Moraes – Relator”.


6. DA INICIAL IRREGULARIDADE PROCEDIMENTAL

Neste toar, observa-se a grande discrepância apresentada neste despacho inicial, em consonância com os ditames do Código de Processo Penal, uma vez que essas designações precitadas, são totalmente inconstitucionais, uma vez que os Delegados de Polícia Federal não podem atuar como auxiliares em inquéritos policiais, mas tão somente como presidentes dos feitos, de acordo com a legislação comentada alhures.


7. DO ENQUADRAMENTO MINISTERIAL

Nos termos do novo Despacho ministerial:

O Ministro presidente do inquérito, na data de 16/02/2021, o STF tomou conhecimento do conteúdo do vídeo publicado pelo Deputado Federal, Daniel Silveira (PSL-RJ), disponibilizando através de link, no canal do Youtube , conhecido por “Política Play”, onde o precitado parlamentar durante o período de 19:09 minutos, passou a atacar os ministros do STF, por meio de ameaças e ofensas à honra, propagando, expressamente, a adoção de medidas antidemocráticas contra o STF, defendendo o AI-5, pedindo a substituição imediata de todos os ministros, além de instigar a adoção de medidas violentas contra a vida e segurança dos ministros, afrontando os princípios democráticos, republicanos e de separação de poderes.

Em seguida, o ministro passa a decidir:

As manifestações do parlamentar DANIEL SILVEIRA, através das redes sociais, revelaram-se gravíssimas, uma vez que não só atingiram a honorabilidade, pois, constituíram-se em ameaça ilegal à segurança dos ministros do STF, e se revestiram em um claro escopo a impedir o exercício da judicatura, notadamente a independência do Poder Judiciário e a manutenção do Estado Democrático de Direito. A previsão constitucional do Estado Democrático de Direito consagra a obrigatoriedade do País ser regido por normas democráticas, com observância da Separação de Poderes, bem como vincula a todos, especialmente as autoridades públicas, ao absoluto respeito aos direitos e garantias fundamentais, com a finalidade de afastamento de qualquer tendência ao autoritarismo e concentração de poder.

Diante do exposto, o ministro entende que o parlamentar feriu preceitos constitucionais, abaixo:

(...). A Constituição Federal não permite a propagação de ideias contrárias a ordem constitucional e ao Estado Democrático, nos termos dos artigos 5º, inciso XLIV e 34, incisos III e IV, infra:

Art. 5º. (...).

XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

III – por termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação.

Também a realização de manifestação nas redes sociais, visando o rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais - Separação de Poderes, nos termos do artigo 60, § 4º, da CF/88, com a consequente instalação do arbítrio, abaixo:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...).

De pronto, o ministro passa a manifestar-se sobre a liberdade de expressão e o pluralismo de ideias.

Em seguida, o ministro passa a descrever as manifestações do parlamentar: Daniel Silveira para, em ato contínuo, passar a enquadrar a conduta deste, por tipificarem crimes contra a honra do Poder Judiciário e dos ministros do STF, previstas nos artigos 17, 18 e 22, incisos I e IV, e 23, incisos I, II e IV, e 26, todos da Lei nº 7.170, de 1973, que trata dos crimes contra a Segurança Nacional, infra:

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Art. 17. - Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.

Art. 18. – Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.

Art. 20. Fazer, em público, propaganda:

I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;

IV – de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Art. 23. Incitar:

I – à subversão ordem política ou social;

II – à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;

IV – à prática de qualquer dos crimes previsto nesta Lei.

Art. 23. Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhe fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.

No pertinente ao entendimento do ministro, as condutas criminosas do parlamentar configuram “flagrante delito”, pois verifica-se, de maneira clara e evidente, a perpetuação dos delitos acima mencionados, uma vez que o referido vídeo permanece disponível a todos os usuários da rede mundial de computadores, sendo que até momento, apenas em um canal que fora disponibilizado, o vídeo já conta com mais de 55 mil acessos. E finaliza afirmando que, considera-se em flagrante delito aquele que está cometendo a ação penal, ou ainda acabou de cometê-la. Portanto, segundo o ministro, na presente hipótese, verifica-se que o parlamentar DANIEL SILVEIRA, ao postar e permitir a divulgação do referido vídeo, que repisa, permanece disponível nas redes sociais, encontra-se em infração permanente e consequentemente em flagrante delito, o que permite a consumação de sua prisão em flagrante.

Ressalta, ainda, o ministro que as referidas condutas criminosas, atentam diretamente contra a ordem institucional e o Estado Democrático, apresentando, portanto, todos os requisitos para, nos termos do artigo 312 do CPP, fosse decretada a prisão preventiva, tornando essa prática delitiva, insuscetível de fiança, na previsão do artigo 324, inciso IV, do CPP, infra:

Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:

IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva.

Configura-se, portanto, a possibilidade constitucional de prisão em flagrante de parlamentar, pela prática de crime inafiançável, nos termos do § 2º, do artigo 53, da Constituição Federal, infra:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (EC nº 35, de 2001).

E, finaliza, determinando a imediata efetivação da prisão em flagrante delito, por crime inafiançável do Deputado Federal, Daniel Silveira, nos termos do § 2º, do artigo 53 da CF/88.

Ademais, segundo o ministro, servirá essa decisão como mandado que deverá ser cumprido imediatamente e independentemente de horário por tratar-se de prisão em flagrante delito (...).


8. DA ANÁLISE LEGAL DOS ENQUADRAMENTOS

Em razão de todos os enquadramentos apontados pelo ministro, passamos a analisar juridicamente, a questão:

É cediço que, anteriormente já havia sido instaurado o inquérito policial nº 4.828-DF, através do STF, por determinação do presidente da Corte Maior, nomeando o ministro Alexandre de Moraes, como ministro presidente-instaurador e relator do inquérito policial, com o esteio de investigar a origem de recursos e a estrutura de financiamento de grupos suspeitos da prática de atos contra a Democracia.

Quanto ao enquadramento da conduta do parlamentar, por parte do ministro do STF, inserindo a Lei de Segurança Nacional como ferida em seus preceitos legais, causou uma certa estranheza, uma vez que o próprio Presidente da República vem há muito tempo sendo vítima de publicações sabidamente falsas (fake News ), veiculadas pela mídia e abraçadas por partidos políticos de esquerda, mas não se utilizou desta legislação extravagante, uma vez que dentro da normalidade democrática. Portanto, na eventual publicação de notícias possivelmente inverídica (fake News ), no esteio de ofender a honra de alguém, poderá ser caracterizado um dos tipos penais previstos nos artigos 138, 139 e 140, todos do CPB, podendo ser cumulados com a majorante inserida no artigo 141, inciso III, do Código Penal, de acordo com o caso concreto.

Por outro lado, com a veiculação de fake News , quando o agente provoca a instauração de um procedimento judicial contra uma pessoa, imputando-lhe a prática de um crime de que o sabe ser inocente, configurar-se-á o crime de denunciação criminosa, previsto no artigo 339 do Código Penal.

Ademais, de conformidade com o caso concreto, a conduta de disseminação de notícias possivelmente falsas, esta poderá ser enquadrada no artigo 286 do Código Penal, na figura típica da incitação ao crime, quando o agente induz, provoca, estimula ou instiga publicamente.

Porquanto, verifica-se que todos os crimes acima descritos pelo ministro do STF, na hipótese de cabíveis imputações, são totalmente afiançáveis.

No que diz respeito a incitação ou apologia ao crime, de acordo com a abraçada opinião doutrinária, as figuras desenvolvem-se das formas seguintes: na incitação, o delito ainda não veio a acontecer, ou seja, há um estímulo que passa a ser direto com a evidente instigação, de acordo com o clássico exemplo, quando em uma manifestação pública, o agente sobre no carro e passa a gritar para as pessoas destruírem o patrimônio público. No que pertine a prática de apologia, o delito já foi praticado, sendo o estímulo indireto, seja exaltando o crime ou seu autor. Como exemplo o fato da destruição do patrimônio público, com o pronunciamento público do agente, parabenizando o ato de destruição do bem público.

Por outra monta, necessário se faz que haja dolo, tanto na incitação, quanto na apologia, ou seja, que o agente tenha o esteio de estimular outras pessoas a praticarem o crime. Porquanto, ambas ações não são admitidas a forma culposa. Assim sendo, não pratica o delito aquele indivíduo que foi mal interpretado, levando pessoas a praticarem o crime.

Destarte, diante do precitado entendimento doutrinário, as palavras registradas no vídeo, fazendo referência a ocorrência pretérita do AI-5, não configura a prática do crime de incitação, tampouco de apologia ao crime, uma vez que, qualquer referência verbal ao Ato Institucional 5, não é prevista como crime em nosso ordenamento jurídico.

Aliás, vale ressaltar, que está tramitando na Câmara dos Deputados, o PL nº 980, de 2015, com o intuito de criminalizar a “apologia ao retorno da ditadura militar ou a pregação de novas rupturas institucionais”, de autoria do ex-deputado, Wadson Ribeiro (PCdoB-MG), alterando o artigo 287 do Código Penal, que passaria a vigorar com a redação seguinte: “Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime, apologia à tortura, ao retorno de ditadura militar, ou a pregação de rupturas institucionais”, cuja pena é de detenção de 3 a 6 meses, ou multa.

Atualmente, o precitado projeto de lei em pauta na Comissão de Cultura (CCULT), com a data de 10/12/2019.

Com relação ao enquadramento inquisitorial do ministro do STF, contra o Deputado Federal, Daniel Silveira, com base na Lei nº 7.170, de 1983, promulgada na gestão do Presidente João Batista Figueiredo, e atualmente em vigor, cuja matéria já passou por diversas leis de segurança nacional, a partir do ano de 1935. Seguidamente, outras normas foram instituídas, a exemplos do Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967, transformando-se em legislação a Doutrina de Segurança Nacional, tornando-se o fundamento do Estado, após a tomada do governo pelos militares em 1964 para, logo após, a instituição do Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, sendo esta Lei de Segurança Nacional, a que vigorou por maior tempo no Regime Militar.

Por conseguinte, durante as duas precitadas legislações da LSN, no período de 1967 a 1968, de acordo com os juristas, implementaram a doutrina de Segurança Nacional, em face da Guerra Fria, com a preocupação ressaltada em proteger o Estado, contra inimigos internos, por parte de pessoas comprometidas em perverter a ordem, o regime vigente e o Estado de Direito, ocasionando a instituição do AI-5, considerado o mais duro de todos os Atos Institucionais, emitido pelo então presidente Artur da Costa e Silva, na data de 13 de dezembro de 1968.

Ademais, por ironia do destino, na data de 13 de outubro de 1978, ainda em pleno regime militar, o então Presidente Ernesto Geisel, promulgou a EC nº 11, cujo artigo 3º, revogou todos os atos institucionais, dentre eles o AI-5, e complementares, contrários à Constituição Federal, à época, vigente.

Por outro lado, a Lei nº 7.170, de 1983, que trata de segurança nacional interna, atualmente em vigor, estabelece os critérios de competência, do processo e das normas Especiais de Procedimentos, nos termos infra:

Art. 30. Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes previstos nesta Lei, com observância das normas estabelecidas no Código de Processo Penal Militar, no que não colidirem com disposição desta Lei, ressalvada a competência originária do Supremo Tribunal Federal nos casos previstos na Constituição.

Parágrafo único – A ação penal é pública, promovendo-a o Ministério Público.

Art. 31. – Para apuração de fato que configure crime previsto nesta Lei, instaurar-se-á inquérito policial, pela Polícia Federal:

I – de ofício;

II – mediante requisição do Ministério Público;

III – mediante requisição de autoridade militar responsável pela segurança interna;

IV – mediante requisição do Ministro da Justiça. (Grifei).

Neste sentido, vislumbrando-se os precitados preceitos legais da LSN, tem-se a presença flagrante de mais uma inconsistência jurídica, em razão do enquadramento ministerial, que não coaduna com a conduta relatada do parlamentar, descrita na decisum judicial, uma vez que os preceitos legais da LSN sempre foram dirigidos as condutas de grupos subversivos praticados contra a Segurança Nacional e não de modo individual, por meio de palavras gravadas em vídeo; além da não obediência aos critérios relativos a competência, ao processo e as normas Especiais de Procedimentos, previstos na Lei de Segurança Nacional.

No pertinente ao preceito do artigo 23 da LSN, que reza sobre o ato de caluniar ou difamar o Presidente da República, o presidente do Senado Federal, o presidente da Câmara dos Deputados ou o presidente do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhe fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação, observa-se a inexistência de tipicidade no pertinente ao ferimento do artigo 23 da LSN, uma vez que as palavras foram dirigidas ao Ministro Fachin que, embora seja membro do STF, não exerce o cargo de presidente da Corte Maior.

Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

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