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O artigo 942 do CPC e os embargos de declaração com efeitos modificativos

Agenda 12/03/2021 às 10:45

Examina-se o cabimento da técnica de ampliação do colegiado no julgamento dos embargos de declaração com efeitos modificativos.

Tem-se o artigo 942 do CPC de 2015:

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

§ 1o Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.

§ 2o Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.

§ 3o A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:

I - ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;

II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

§ 4o Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:

I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;

II - da remessa necessária;

III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.

O mecanismo procedimental permite um verdadeiro rejulgamento numa volta, por outra via, do recurso de embargos infringentes que era previsto para decisões não unânimes em apelação e remessa necessária.

Por essa técnica, no julgamento da apelação, do agravo de instrumento ou da ação rescisória, se não se obtiver unanimidade, será ele suspenso, e prosseguirá apenas com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, até então obtido antes da suspensão.

Cuida-se de técnica que objetiva fazer valer o voto minoritário, de modo a garantir que esse voto não seja apenas uma dissidência, mas uma efetiva posição que mereça uma análise por um maior número de julgadores

Historicamente, se tinha no direito lusitano, aplicado ao Brasil colônia que, por meio de um assento da Casa da Suplicação de Lisboa, do século XVIII (20.12.1783), ficou estabelecido que, para confirmar a sentença de primeiro grau, bastavam dois votos concordantes; já para prover o recurso, revogando a decisão, impunham-se "três conformes". Encontra-se nesse precedente da jurisprudência reinol a gênese histórica mais próxima da reforma introduzida no nosso novel diploma processual.

Veja-se o ensinamento de Pontes de Miranda (Embargos, Prejulgado e Revista no Direito Processual Brasileiro, 2ª tiragem, Rio de Janeiro, A. Coelho Branco Filho Ed., 1937, p. 122-123):

“A sentença de primeira instância constituía valor que devia ser levado em conta, ainda quando a instancia superior a reformasse, no todo ou em parte, se algum voto houve, que a confirmaria. Se, por um lado, tal procedimento do legislador, com prestigiar a decisão de primeira instancia, impede novo exame sempre que a instancia superior é propensa a confirmar sentenças, verdade é que, diante do texto legal, juiz discrepante, convencido da sua opinião, se esforça por fundamentar, com pormenores e argumentos claros o seu voto vencido, confiante no julgamento dos embargos infringentes. É então que se verifica a verdadeira função político-jurídica do recurso de embargos: estão presentes os juízes vencedores e o juiz vencido, misturados com os juízes que não tomaram parte no julgamento...”.

Que falar das decisões em sede de apelação, ou ainda, em decisões interlocutórias que tratem do mérito, onde sejam ajuizados embargos de declaração com efeitos modificativos e não haja unanimidade em sede de julgamento?

A matéria foi enfrentada por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.786.158-PR, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 25 de agosto de 2020:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO. APELAÇÃO PROVIDA POR UNANIMIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS POR MAIORIA. VOTO VENCIDO QUE ALTERA O RESULTADO INICIAL DA APELAÇÃO PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DA MAIORIA QUALIFICADA. EFEITO INTEGRATIVO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A controvérsia recursal cinge-se a definir se a técnica de julgamento ampliado prevista no art. 942 do CPC/2015 aplica-se quando os embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação são julgados por maioria, possuindo o voto vencido o condão de alterar o resultado inicial da apelação.

2. A técnica de julgamento ampliado possui a finalidade de formação de uma maioria qualificada, pressupondo, na apelação, tão somente o julgamento não unânime e a aptidão do voto vencido de alterar a conclusão inicial.

3. O procedimento do art. 942 do CPC/2015 aplica-se nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado primitivo da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo), em razão do efeito integrativo deste recurso.

4. Recurso especial provido.

O relator para o acórdão foi o ministro Marco Aurélio Bellizze.

O propósito recursal foi decidir sobre a necessidade de aplicação da técnica de ampliação do colegiado, quando os embargos de declaração na apelação foram acolhidos, por maioria, sem efeitos infringentes, havendo voto vencido de acolhimento dos embargos de declaração com efeitos infringentes.

Observo o voto da ministra Nancy Andrighi.

Para a maior parte da doutrina, a natureza jurídica do instituto previsto no art. 942 do CPC/15 é de técnica de julgamento, que independe da iniciativa de qualquer das partes e que deve, pois, ser adotada de ofício pelo órgão colegiado julgador, sempre que se verificar a divergência no julgamento da apelação.

O instituto do art. 942 consiste, pois, na ampliação do quórum da deliberação, no próprio órgão originário ou em outro de maior composição, o que, em contraposição aos embargos infringentes do CPC revogado, dispensa a iniciativa das partes, não ostentando, pois, natureza recursal.

Essa distinção entre a técnica do art. 942 do CPC/15 e os embargos infringentes foi reconhecida pela jurisprudência desta e. Terceira Turma, que consignou que se “reconhece a existência de uma diferença ontológica entre os embargos infringentes (art. 530 do CPC/73), reconhecidamente um recurso, e a ampliação de colegiado na hipótese de divergência (art. 942 do CPC/15), indiscutivelmente uma técnica de julgamento ” (REsp 1.720.309/RJ, Terceira Turma, DJe 09/08/2018).

De fato, além de não depender da iniciativa das partes, devendo ser adotado de ofício, a ampliação do quórum é procedimento que deve ter início antes mesmo do encerramento do julgamento, previamente, pois, à existência de uma decisão recorrível.


Do momento da ampliação do julgamento

O art. 942, caput, do CPC/15 trata, portanto de técnica de ampliação do quórum de julgamento da apelação, uma vez que basta ser verificada a divergência, mesmo que relativa à matéria processual, para que o julgamento seja suspenso para a convocação de novos julgadores, em número apto à modificação do entendimento dissonante.

Nessa linha, observa-se que, verificada a dissonância de entendimentos, a apelação ainda não está julgada, pois sua apreciação não vem a termo nem se proclama seu resultado até que seja ampliado o quórum de julgamento. É o que novamente se infere da doutrina, que assevera que:

[...] deve-se imediatamente determinar a ampliação do colegiado . Não se prossegue no julgamento com os três integrantes originais da turma julgadora nem se proclama resultado (mesmo porque, como facilmente se percebe, o julgamento ainda não acabou). A apelação , insista-se nesse ponto, ainda não está julgada quando se constata a divergência (ainda que esta se manifeste em um capítulo acessório do julgamento, como seria o caso de haver divergência sobre qual deve ser a majoração dos honorários nas hipóteses em que deve haver a fixação da assim chamada sucumbência recursal). (CÂMARA, Alexandre Freitas., Op. Cit.).

Aliás, a jurisprudência desta Terceira Turma já se posicionou nesse sentido: “o art. 942 do CPC enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador e deve ser aplicada no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime ” (REsp 1.798.705/SC, Terceira Turma, DJe 28/10/2019).

Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero também acrescentam que “ se trata de simples prosseguimento, sem que tenha havido a proclamação do resultado ”, sendo essa, aliás, a circunstância que “permite a todo e qualquer componente do órgão fracionário mudar a sua opinião enquanto não encerrado o julgamento (art. 941, CPC/2015)” (Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. XV. 1ª. ed. em e-book. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2017, sem destaque no original).


Do julgamento do recurso de apelação e da possibilidade de modificação dos votos – arts. 494 e 941, § 1º, do CPC/15

Se a ampliação do julgamento ocorre antes mesmo do final do julgamento da apelação e da definição de seu resultado, a disposição do art. 942, § 2º, coaduna-se com a previsão do art. 941, § 1º, do CPC/15 de que “o voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído”.

A previsão de que poderá haver a modificação do voto durante a ampliação do julgamento também se harmoniza com o princípio da inalterabilidade das decisões judiciais, previsto no art. 463 do CPC/73 e, atualmente, no art. 494 do CPC/15.

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Quanto ao tema, a doutrina pontua que:

Torna-se público que o juiz apresentou a prestação jurisdicional e que está encerrado o seu ofício. Outrossim, a publicação fixa o teor da sentença.

E porque encerrado está o ofício do juiz e fixado está o teor da sentença, segue-se, como efeito da publicação, que a sentença se torna irretratável . O juiz, ou o órgão jurisdicional que a proferiu, não mais poderá revogá-la ou modificá-la na sua substância . (SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. IV vol. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 447, sem destaque no original).


Da alteração de votos por meio do julgamento dos embargos de declaração

O princípio da inalterabilidade das decisões judiciais contém duas ressalvas expressas, consoante se infere dos incisos do art. 494 do CPC/15: i) a correção de inexatidões ou erros de cálculo; ou ii) o julgamento de embargos de declaração.

A modificação da decisão, passível de ser realizada em decorrência da apreciação dos embargos de declaração, é restrita, no entanto, às hipóteses em que a alteração seja decorrência do reconhecimento de um dos vícios que autorizam a oposição de referido recurso de efeitos integrativos.

Com efeito, nos termos da jurisprudência desta Corte, os embargos não podem veicular uma mera pretensão de revisão do acórdão embargado, haja vista que “só se prestam a sanar obscuridade, omissão ou contradição porventura existentes no acórdão, não servindo à rediscussão da matéria já julgada no recurso ” (EDcl no AgInt no AREsp 1.391.876/SP, Quarta Turma, DJe 16/03/2020, sem destaque no original), sequer para “simples reexame de questões já analisadas, com o intuito de dar efeito infringente ao recurso integrativo” (EDcl no REsp 1.351.058/SP, Quarta Turma, DJe 17/03/2020).

O entendimento desta Corte, portanto, é de admitir que “os embargos, ordinariamente integrativos, tenham efeitos infringentes desde que constatada a presença de um dos vícios do art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, cuja correção importe alterar a conclusão do julgado ” (EDcl no AgInt no REsp 1596092/RS, Terceira Turma, DJe 13/03/2020).


Do cabimento da técnica do julgamento ampliado no julgamento dos embargos de declaração

Alinhavando as premissas anteriormente deduzidas, verifica-se que, uma vez publicado o acórdão unânime do julgamento da apelação, não é mais possível a alteração dos votos pelos desembargadores envolvidos em sua apreciação, exceto se, em decorrência do reconhecimento da existência de omissão, contradição ou obscuridade, se verificar a necessidade de se julgar novamente a apelação.

A consequência lógica que pode ser deduzida é a de que a incidência da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC/15 na apreciação dos embargos de declaração – diferentemente da hipótese em que é a própria apelação que está em exame – ocorre de acordo com o resultado do referido julgamento – portanto, secundum eventum litis – e unicamente na hipótese de serem acolhidos, por maioria, para nova análise da apelação.

A doutrina corrobora essa afirmativa, aduzindo que, na divergência que resultar o não acolhimento dos embargos ou a que ensejar o acolhimento com o mero esclarecimento do acórdão da apelação, não haverá ensejo para a ampliação do julgamento, já que, nesses casos, não há novo exame da apelação.

Existe, pois, somente uma hipótese em que, por suas peculiaridades, se pode cogitar da aplicação da técnica do art. 942 no julgamento dos embargos de declaração, que é a de serem os embargos acolhidos, por maioria, com efeitos infringentes.

É o que se infere do seguinte excerto doutrinário:

[...] sendo rejeitados os embargos, por unanimidade oou por maioria importa, não haverá a incidência da técnica. O mérito do acórdão embargado, nestas circunstâncias, não se altera . Logo, não existe qualquer respaldo legal para sua aplicação.

Quando houver provimento, apenas para esclarecer o julgado embargado, parece-nos, do mesmo modo e pelo mesmo motivo, que a técnica não pode ser cogitada.

A vexata quaestio surge no julgamento de embargos em que, seja por unanimidade, seja por maioria, é emprestado efeito infringente . (SAMPAIO, José Roberto de Albuquerque. Conversa sobre processo: elogio ao Art. 942 do CPC: o uso saudável da técnica, Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 159-180, maio/ago. 2017)

FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA se posicionam no mesmo sentido, asseverando que “o art. 942 do CPC somente incide e o julgamento dos embargos de declaração for não unânime e implicar alteração do resultado do julgamento anterior, pois, “se o órgão julgador decidir, por maioria de votos, sobre a admissibilidade dos embargos de declaração , não se aplica o disposto no referido art. 942”, da mesma forma que “se o órgão julgador rejeitar os embargos por maioria ou os acolher apenas para esclarecer obscuridade, suprir uma omissão, eliminar uma contradição ou corrigir um erro material, sem alterar o resultado anterior , ainda que por maioria de votos, não incide o art. 942 do CPC” (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 15. ed. v. 3. Salvador: Jus Podivm, 2018, pág. 99).

Essa orientação foi recentemente acolhida pela Terceira Turma (REsp 1.841.584/SP, Terceira Turma, DJe 13/12/2019).

Assim, somente com o efetivo acolhimento, por maioria, dos embargos e com a atribuição de efeitos infringentes, do qual resulta nova apreciação da apelação, é que o Tribunal de origem deve adotar a técnica de ampliação do julgamento.

Considerando, portanto, que, no particular, os embargos de declaração foram, por maioria, parcialmente acolhidos, mas sem efeitos infringentes, não incide a regra do art. 942 do CPC/15, como pretende a recorrente.”

A ministra conheceu do recurso e negou provimento a ele.

Todavia veio o voto-vista do ministro Marco Aurélio Bellizze.

Ali foi dito:

“Não se descurando de destacar a percuciência com a qual a Ministra relatora abordou a questão jurídica em apreço, entendo, com a devida vênia, que a controvérsia merece tratamento diverso, pelos fundamentos que exponho doravante.

Como bem salientado no voto da relatora, o extinto recurso de embargos infringentes (previsto nos arts. 530 e seguintes do CPC/1973) e a técnica de julgamento de prevista no art. 942 do CPC/2015 assemelham-se no ponto em que possuem como escopo precípuo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, com a formação de uma maioria qualificada - de forma a melhor debater a matéria que, a priori, tenha sido decidida de forma não unânime nos tribunais -, com a ressalva das diferenças ontológicas que sobre eles recaem.

A alteração legislativa perpetrada transmudou o extinto recurso, que tinha como pressuposto a reforma da sentença de mérito, em técnica processual, que, por sua vez, consoante o disposto no caput, pressupõe tão somente o julgamento não unânime da apelação e a possibilidade de inversão do resultado inicial, independentemente de ter sido reformada ou não a sentença.

Enfatiza-se, também, que essa técnica processual não caracteriza novo julgamento, mas sim continuidade daquele no qual não houve unanimidade, sendo que a aplicação desse regramento é um poder-dever do órgão julgador oriundo do voto vencido.

Perfilham esse entendimento Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr. (Execução e Recursos: comentários ao CPC de 2015. 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p. 677-678, sem grifo no original):

Efetivamente, os infringentes eram consequência do respeito à existência de um pronunciamento em favor do sucumbente, o voto vencido, no que permitia entrever alguma qualidade nas razões apresentadas pelo último. Era o respeito ao voto vencido, a sua resiliência, enquanto representativa de uma boa razão em sentido contrário ao acórdão formatado sobre o voto vencedor, que erigia e justificava os embargos infringentes (OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Embargos infringentes: a resiliência do voto vencido).

Diz-se isso porque também é a existência do voto vencido que aciona esta técnica de julgamento diferenciada pela ampliação do quórum dos julgadores. A pretexto da existência de voto vencido (premissa), aplica-se a técnica de julgamento com a ampliação dos julgadores (consequência). De fato, o voto vencido deixou de justificar a abertura de uma via recursal autônoma (embargos infringentes), para derivar em uma alteração do rito procedimental, um novo artifício para formação de maioria qualificada. Essa alteração ritual compulsória, pela ocorrência do voto vencido, novo incidente do julgamento (LAMY, Eduardo de Avelar. A transformação dos embargos infringentes em técnica de julgamento: ampliação das hipóteses. In. FREIRE, Alexandre et al. (orgs.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Slavador: JusPodivm, 2014, vol. II, p.378), desfigurou o recurso em técnica processual . [...] É continuidade de julgamento e não novo julgamento sobre o já julgado pelo tribunal. A alteração ritual compulsória pela ocorrência do voto vencido é um novo incidente do julgamento cuja causa eficiente é tão só a divergência, não havendo qualquer recurso que justifique a sua instauração.(...) Ao perder a feição de recurso (embargos infringentes) é tão só a divergência, não havendo qualquer recurso que justifique a sua instauração.(...) passando a ser uma técnica de julgamento, a iniciativa de fazer prevalecer o voto vencido deixou de ser um poder da parte (recursal), para ser uma técnica de julgamento, a iniciativa de fazer prevalecer o voto vencido deixou de ser um poder da parte (recursal), para ser um dever/poder do magistrado .

Aliás, ressaltou a eminente Ministra o entendimento já externado pela Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.798.705/SC, segundo o qual "o art. 942 do CPC enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador, devendo ser aplicada no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime".

Dessume-se, ainda, da leitura do caput do citado dispositivo legal, que a aplicação desse regramento dá-se quando a divergência instaurada no voto vencido for suficiente a alterar o resultado inicial do julgamento, in verbis (sem grifo no original):

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

Por outro lado, convém registrar que, se o julgamento recair sobre ação rescisória ou agravo de instrumento, a ampliação do quórum de julgamento prevista no caput do art. 942 do CPC/2015 impor-se-á apenas se a maioria formada a princípio tiver o condão de, respectivamente, rescindir a sentença ou reformar a decisão interlocutória de mérito, segundo o disposto no § 3º, que, a meu ver, constitui exceção à regra.

Comunga desse ponto de vista Humberto Theodoro Júnior, que assim preleciona:

Não se deve entender o julgamento ampliado, no caso de apelação, como restrito aos casos de reforma da sentença de mérito, como se entendia ao tempo do regime dos embargos infringentes. Há, porém, uma restrição maior à aplicação do art. 942 nos casos de julgamentos não unânimes de ação rescisória e agravo de instrumento, uma vez que sistemática de decisão com quórum ampliado, nesses dois procedimentos, fica expressamente limitada aos casos de rescisão ou modificação da decisão parcial de mérito (art. 942, § 3º). (Curso de Direito Processual Civil, 53ª ed., vol. 3, Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 939)

Quanto à aplicação dessa técnica processual especificamente nos embargos de declaração, registro, ab initio, a jurisprudência pacífica deste Tribunal, no sentido de que os aclaratórios são cabíveis com o intuito de esclarecer suposta obscuridade, contradição, omissão ou erro material porventura existentes na decisão embargada (nos termos do art. 1.022 do CPC/2015), somente podendo ser-lhes atribuído efeito modificativo, se decorrente do reconhecimento, pelo julgador, de algum dos vícios elencados na lei, por não ser este o escopo precípuo do recurso.

Corroboram essa cognição os julgados subsecutivos desta Corte Superior: EDcl no AgInt no AREsp 1.530.928/RS , Terceira Turma, DJe 1º/7/2020; AgInt no AREsp 1.599.071/SP , Quarta Turma, DJe 30/6/2020; e EDcl nos EREsp 1.446.587/PE , Corte Especial, DJe 1º/6/2020.

Outrossim, impende anotar que os aclaratórios são dotados de efeito integrativo, o qual visa complementar a decisão embargada, a ela se aderindo a fundamentação constante do julgamento dos embargos, constituindo um julgado uno.

Acerca dessa característica peculiar dos embargos, destaco o entendimento por mim proferido no voto dos EREsp n. 1.290.283/GO, seguido pela maioria dos membros da Segunda Seção (DJe 22/5/2018), no qual ficou consignado serem "cabíveis embargos infringentes quando a divergência qualificada desponta nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença".

Naquela oportunidade, citei a doutrina de Bernardo Pimentel Souza, que entendo pertinente replicar neste feito, segundo a qual, "como o aresto proferido no recurso de declaração integra o acórdão embargado, é possível concluir pela existência de julgamento indireto da apelação e da ação rescisória" (SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cabíveis e à ação rescisória. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 515).

Não obstante aquela questão debatida seja atinente ao cabimento dos extintos embargos infringentes, penso que a lógica jurídica lá utilizada amolda-se, também, à hipótese dos autos, que trata da técnica de julgamento ampliado. Isso porque, como visto inicialmente, ambos os institutos processuais possuem, igualmente, o propósito de formação, após a prolação de voto dissidente, de uma maioria qualificada, além de remanescer inalterado o caráter integrativo dos embargos.

Desse modo, amparado em tais premissas e mantendo a mesma linha de raciocínio, penso que a técnica de julgamento ampliado, positivada no art. 942 do códex processual em vigor, deve ser observada nos embargos de declaração não unânimes decorrentes de acórdão de apelação, quando a divergência for suficiente à alteração do resultado inicial, pois o julgamento dos embargos constitui extensão da própria apelação, mostrando-se irrelevante o resultado majoritário dos embargos (se de rejeição ou se de acolhimento, com ou sem efeito modificativo).

Situação distinta sobressai nos embargos de declaração não unânimes contra acórdão de ação rescisória ou de agravo de instrumento, visto que em tais casos a aplicação da técnica em debate, por requerer, ainda, que o tribunal tenha, inicialmente, rescindido a sentença ou reformado a decisão interlocutória de mérito, de acordo com o que preconiza o já citado § 3º, pode sim depender do resultado dos embargos, conforme se fizer indispensável ao preenchimento do mencionado requisito legal.

A fim de elucidar essa perspectiva, suponhamos que um agravo de instrumento tenha sido desprovido e os respectivos embargos de declaração tenham sido rejeitados ou acolhidos, sem efeito infringente, por maioria. Nessa conjuntura, não há que se cogitar da incidência do método de julgamento ampliado, na medida em que se afigura presente o pressuposto específico do § 3º. Do mesmo modo, deve-se proceder na ação rescisória.

A propósito, já decidiu a Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.841.584/SP (DJe de 13/12/2019), em que discutia essa questão em relação ao agravo de instrumento, assentando-se que, "em se tratando de aclaratórios opostos a acórdão que julga agravo de instrumento, a convocação de outros julgadores para compor o colegiado (técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015) somente ocorrerá se os embargos de declaração forem acolhidos para modificar o julgamento originário do magistrado de primeiro grau que houver proferido decisão parcial de mérito.”

No que tange ao mencionado precedente, embora tenha sido utilizado pela eminente relatora para corroborar a tese formada em seu voto, a situação nele debatida (originária de agravo de instrumento) é distinta do cenário do presente caso (proveniente de apelação), não servindo, na minha compreensão, de supedâneo à hipótese em estudo, haja vista o tratamento diverso dispensado pelo CPC/2015 ao agravo de instrumento e à apelação.

Concluo, portanto, que a técnica de julgamento preconizada no caput do art. 942 do CPC/2015 deve ser observada nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado inicial da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo).

Na hipótese dos autos, constata-se que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, deu provimento às apelações das rés SANDRA MARA PIRAMA PIANOWSKI e RENATO & SANDRA COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS PRÓPRIOS LTDA. para, reformando a sentença, julgar improcedentes os pedidos de indenização por danos material e moral formulados por JANDIRA BUENO DE PAULA. Na oportunidade julgou, também, improcedentes as denunciações da lide.

Ato contínuo, o TJPR, em observância à determinação do STJ de novamente apreciar os embargos de declaração opostos pela autora, acolheu parcialmente o recurso, sem efeito modificativo, por maioria de votos, tão somente para esclarecer a preliminar delineada nas contrarrazões da autora de intempestividade das apelações das partes embargadas.

No voto vencido, a Desembargadora Vilma Régia Ramos de Rezende entendendo haver omissão, também, acerca da apreciação dos laudos pericial e complementar, bem como a respeito da inversão do ônus da prova - acolheu os aclaratórios, a fim de que, atribuindo-lhes efeito infringente, negar provimento às apelações das rés e das denunciadas, mantendo incólume a sentença condenatória (e-STJ, fls. 1.570-1.580).

Ve-se, assim, que o voto vencido prolatado no julgamentos dos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação tem o condão de alterar o resultado inicial daquele julgamento colegiado (no qual se reformou a sentença), afigurando-se de rigor a aplicação da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC/2015.

Ante o exposto, pedindo vênia à Ministra relatora, dela divirjo para dar provimento ao recurso especial, a fim de determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná para que dê continuidade ao julgamento dos embargos de declaração não unânime, como entender de direito, aplicando a técnica prevista no art. 942 do CPC/2015.”

Ora, como bem lecionou Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1975, tomo VII, pág. 117) nos embargos de declaração o que se pede é que se declare o que foi pedido, porque o meio empregado para exprimi-lo é deficiente ou impróprio. Não se pede que se decida de novo, pede-se que se reexprima.

Não era outra a lição de João Monteiro (Teoria do Processo Civil e Comercial, vol. III, 4ª edição, Ed. Off, Graph do Jornal do Brasil, 1925, pág. 615), para quem só é lícito ao juiz declarar a sentença já proferida, não podendo, portanto, modificar em ponto algum a mesma sentença. De todo modo, Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, volume V, 3ª edição, 1978, pág. 143) admitia possa haver modificação na decisão embargada, ocorrendo a hipótese de omissão.

É a linha já acentuada por Moniz de Aragão (RT 633/19) no sentido de que se verificada a omissão, o julgamento é reaberto e o juiz nele prosseguirá para complementá-lo.

Defende-se a possibilidade de alteração do julgado, como, por exemplo, na hipótese em que, suprida a omissão, se verificada que impossível, se torna, sem manifesta incoerência, deixar substituir o que se decidira no pronunciamento que é objeto de embargos de declaração (RT 606/295.).

Como acentuou Rogério Cruz e Tucci (Nova interpretação do STJ sobre o julgamento estendido da apelação, Consultor Jurídico), infere-se, do caso concreto, a seguinte situação: nas razões de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná, a recorrente arguiu a nulidade do julgamento da apelação, uma vez que, a despeito dos embargos terem sido julgados por maioria de votos, não se considerou o teor do voto vencido e, portanto, violada a determinação do artigo 942.

Segundo os termos do acórdão, a técnica do julgamento ampliado tem a finalidade de formação de uma maioria qualificada, pressupondo, na apelação, tão somente o julgamento não unânime e a aptidão do voto vencido para alterar a conclusão inicial.

Restou ainda enfatizado que, segundo precedente consubstanciado no julgamento do Recurso Especial n. 1.798.705, já havia sido firmado o entendimento de que o artigo 942 do Código de Processo Civil contempla técnica de aplicação obrigatória pelo órgão julgador, devendo ser aplicada em sequência imediata à proclamação dos votos e à constatação do resultado não unânime."Dessume-se, ainda, da leitura do caput do citado dispositivo legal, que a aplicação desse regramento dá-se quando a divergência instaurada no voto vencido for suficiente para alterar o resultado inicial do julgamento".

Corretíssima, pois, a decisão firmada pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, diante da natureza dos embargos de declaração com efeitos modificativos na medida em que o voto vencido prolatado no julgamentos dos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação tem o condão de alterar o resultado inicial daquele julgamento colegiado (no qual se reformou a sentença), afigurando-se de rigor a aplicação da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC/2015.

A matéria voltou à análise do STJ no julgamento do REsp 1910317. 

Por unanimidade, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a existência de voto divergente na análise de embargos declaratórios demanda a aplicação da técnica de julgamento ampliado – prevista no artigo 942 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) – se a divergência tiver a capacidade de alterar o resultado unânime de acórdão de apelação.

Com esse entendimento – que já havia sido adotado na Terceira Turma –, o colegiado deu provimento ao recurso especial interposto por um grupo de moradores do município de Paulista (PE) – no âmbito de ação de usucapião extraordinária –, para determinar o retorno do processo ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) a fim de que seja realizado o julgamento ampliado dos embargos de declaração opostos por eles.

Ao julgar a apelação, o TJPE negou o pedido de reconhecimento de posse. O grupo de moradores que ajuizou a ação apresentou, então, sucessivos embargos declaratórios, sendo que os terceiros embargos foram acolhidos.

Ao analisar esses terceiros embargos, a turma julgadora, de forma unânime, reconheceu a ocorrência de erro material, mas, por maioria, negou efeitos modificativos, mantendo intacta a decisão embargada. No caso, o voto divergente entendeu que o acórdão da apelação deveria ser reformado para manter a sentença de primeiro grau favorável à usucapião extraordinária. Em novos embargos de declaração, o TJPE rejeitou o pedido dos recorrentes para a aplicação da técnica de julgamento ampliado.

De acordo com o relator do recurso especial, ministro Antonio Carlos Ferreira, a realização de julgamento ampliado é válida no curso de divergência em embargos de declaração, mesmo sem expressa previsão legal.

"Apesar de o artigo 942 do CPC/2015 não mencionar a possibilidade de a divergência ocorrer apenas em sede de embargos de declaração, deve ser considerado seu efeito integrativo, de modo que há a complementação e a incorporação dos fundamentos e do resultado no acórdão embargado", afirmou.

Para o relator, o voto divergente proferido no exame dos terceiros embargos declaratórios alterou o resultado do julgamento da apelação, que deixou de ser unânime.

"Nessa perspectiva, adoto o entendimento majoritário da Terceira Turma, segundo o qual deve ser aplicada a técnica de julgamento ampliado nos embargos de declaração, toda vez que o voto divergente possua capacidade de alterar o resultado unânime do acórdão de apelação", concluiu.​

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O artigo 942 do CPC e os embargos de declaração com efeitos modificativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6463, 12 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89006. Acesso em: 22 dez. 2024.

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