I – ASPECTOS DA MATÉRIA NO DIREITO PENAL
No sistema penal pátrio, para a condenação penal é necessário comprovar a culpabilidade, que é um juízo de reprovação, de modo que somente poderia ser responsabilizado o sujeito quando poderia ter agido em desconformidade com a norma penal. Será mister saber, portanto, quando se pode atribuir ao agente a prática do crime, para se poder falar em censurabilidade da conduta.
No Brasil, há excludente de culpabilidade, quando o agente estiver submetido à menoridade penal (menor de dezoito anos), for portador de doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado, estiver em embriaguês completa por caso fortuito ou força maior, por ele desconhecer o efeito inebriante de substância que ingere ou quando desconhecendo uma particular condição fisiológica, ingere substância que contém álcool, ficando embriagado. Na chamada embriaguês preordenada, actio libera in causa, onde o agente, com o fim precípuo de cometer o crime, embriaga‐se para buscar coragem para executar o ato criminoso, não há que se falar em exclusão da imputabilidade ou diminuição da pena.
Seguiu o Brasil o sistema biopsicológico, ao invés dos sistemas biológico (segundo o qual aquele que apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável), e do sistema psicológico (que verifica apenas as condições psíquicas do autor no momento do fato, afastada qualquer preocupação com relação a respeito da existência ou não da doença mental ou distúrbio psíquico‐patológico). No critério seguido, do que se vê do artigo 26 do Código Penal, deve‐se verificar, de início, se o agente é doente mental ou que tem desenvolvimento incompleto ou retardado.
Em caso negativo, não é inimputável. Em caso positivo, averigua‐se se ele era capaz de entender o caráter ilícito do fato; será inimputável se não tiver essa capacidade. Há várias causas de exclusão da culpabilidade e uma delas é a esquizofrenia, sobretudo aquela que vem na forma paranoide, em que são comuns os impulsos em que o sujeito agride e mata por ser portador de mentalidade selvagem e primitiva, sujeitando‐se às explosões de fúria, mas que não escolhem nenhuma classe de delitos, podendo haver até um refinamento na execução do crime. Somam‐se outras doenças como a psicose maníaco‐ depressiva (que se marca na desorganização da sociabilidade), a paranoia (que afeta o pensamento e, sobretudo, as relações com o mundo exterior), dentre outras doenças, como a epilepsia (neuropsicose constitucional com efeitos determinantes de profundas alterações no estado da inteligência, da consciência, dos sentidos), a demência senil (em que surgem o enfraquecimento da memória, principalmente quanto a fatos recentes, a dificuldade de fazer julgamento das situações, episódicas depressões e ansiedades, mudanças de comportamento, etc), a psicose alcoólica (embriaguês patológica ou alcoolismo crônico).
Bem disse Hélio Gomes (Medicina Legal, 18ª edição, pág. 175) que a esquizofrenia é uma psicose endógena, caracterizada, essencialmente, por um enfraquecimento psíquico especial, de marcha progressiva, sobrevindo, em geral, na adolescência, sem nunca comprometer a saúde física do portador da doença. Realmente, os especialistas dizem que há duas modalidades evolutivas desse mal: uma na qual a doença sobrevém cedo, é precedida por muitos sinais de alerta e envolve de modo grave, irreversível; outra, onde a doença sobrevém de modo mais ou menos súbita, sem grandes sinais de alarta e sem marcha muito grave, com remissão satisfatória ao fim de certo tempo, tratando‐se de crise eventual e transitória. O incidente de insanidade mental, destinado a saber se o agente é ou não inimputável, dirá se essa patologia ocorreu, para o caso, e se o investigado poderá ser, se comprovada a materialidade e autoria do crime, submetido a uma medida de segurança, que se assenta na periculosidade que, como ensinou Nelson Hungria, é um estado positivo, mais ou menos duradouro, de antissociabilidade, que se funda no perigo de reincidência. Pela Lei 7.209/84, ou a periculosidade é presumida, ex vi legis, no caso de inimputáveis, ou deve ser reconhecida pelo juiz ao condenar o semi‐imputável (se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar‐ se de acordo com esse entendimento ‐ artigo 26, parágrafo único, CP ‐ quando poderá reduzir a pena de 1/3 a 2/3, conforme o grau de perturbação, ou impor medida de segurança).
A medida de segurança não deixa de ser uma sanção penal, que visa a preservar a sociedade da ação de delinquentes portadores de graves doenças. Em verdade, o juiz, ao proferir a sentença de absolvição imprópria, em decorrência da imputabilidade, aplica a medida de segurança (artigo 97). De acordo com a redação que era antes dada ao Código Penal, na parte geral, as medidas de segurança podiam ser aplicadas, isoladamente, aos inimputáveis e, cumuladas com penas, aos semi‐imputáveis e aos imputáveis, considerados perigosos. Com a Lei 7.209/84, substituiu‐se a aplicação para os semi‐imputáveis e imputáveis do chamado sistema do duplo binário, que conduz a aplicação de pena ou de medida de segurança, para o sistema vicariante em que se pode aplicar somente pena ou medida de segurança para os primeiros e unicamente a pena para os demais. A medida de segurança, que tem um caráter preventivo assistencial, ficará reservada aos inimputáveis, que são aqueles que, por anomalia psíquica, não podem responder judicialmente nos termos da lei. A medida de segurança ou consistirá em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou em tratamento ambulatorial, onde cumpre ao sentenciado comparecer ao hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, nos dias que lhe forem determinados pelos médicos, submetendo –se à modalidade terapêutica prevista (artigo 101 da Lei 7.210/84), sempre que for cominada medida e que o fato objeto de sanção estiver sujeito à pena de detenção (artigo 97 do CP), o que não é a hipótese do fato narrado, pois o homicídio está sujeito a pena de reclusão. A discussão é se a medida de segurança possa durar enquanto houver essa periculosidade. A medida de segurança não pode ter caráter perpétuo, como já disse o Ministro Marco Aurélio (HC 84.219/SP).
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 2.083.336/SP, externou que o artigo 97, § 1º, do Código Penal (a duração da internação ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade, e que o prazo mínimo deverá ser de um a três anos), que fala em duração da medida de segurança, deve ser interpretado no sentido de que o tempo de cumprimento da medida de segurança, na modalidade internação ou tratamento ambulatorial, deve ser limitado ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito perpetrado e não pode ser superior a trinta anos.
Da leitura do artigo 75 do Código Penal, tem‐se que o cumprimento de penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos e quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade, superiores a tal limite máximo, a posição predominante, na jurisprudência, é no sentido de que o tempo de cumprimento das citadas penas não pode ser superior a tal montante.
II – A PSICOPATOLOGIA
Volto-me a psicopatologia.
Psicopatologia é uma área do conhecimento que objetiva estudar os estados psíquicos relacionados ao sofrimento mental. É a área de estudos que está na base da psiquiatria, cujo enfoque é clínico. É um campo do saber, um conjunto de discursos com variados objetos, métodos, questões: por um lado, encontram-se em suas bases as disciplinas biológicas e as neurociências, e por outro se constitui com inúmeros saberes oriundos da psicanálise, psicologia, antropologia, sociologia, filosofia, linguística e história.
A psicopatologia, enquanto estudo dos transtornos mentais, é referida como psicopatologia geral.
III – UM CASO CONCRETO
Dito isso, remeto o comentário a discussões traçadas por estudiosos com relação à personalidade do atual presidente da República.
Trago o comentário feito por Miguel Reale Jr., em artigo para o Estadão, em 2 de maio de 2020:
“Já opinei ser a interdição um caminho eventual para Bolsonaro. Não estava a fazer blague. As atitudes habituais permitem supor possível transtorno de personalidade, falha profundamente estudada por Odon Ramos Maranhão, titular de Medicina Legal (Psicologia do crime, 2.ª ed. Malheiros, 1995, cap. 7) e objeto de classificação pela CID-10, a Classificação Internacional de Doenças da OMS, em livro específico sobre doenças mentais (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, editor Artes Médicas, pág. 199).
Nessa classificação, o transtorno de personalidade antissocial tem por características a “indiferença insensível face aos sentimentos alheios; uma atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito a regras; a baixa tolerância à frustração; a incapacidade para experimentar culpa e propensão a culpar os outros”.
Poderia haver, eventualmente, transtorno de personalidade paranoide, cujos sintomas seriam, por exemplo, “combativo e obstinado senso de direitos pessoais; tendência a experimentar autovalorização excessiva e preocupação com explicações conspiratórias”.
Outra publicação respeitada é o DSM-5, da Associação Psiquiátrica Americana, que em http://www.niip.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Manual-Di agnosicoeEstatistico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5-1pdf.pdf, nas páginas 645 e seguintes, estuda os tipos de transtornos da personalidade, cabendo destacar: “1- paranoide, caracterizado por desconfiança e suspeita tamanhas que as motivações dos outros são interpretadas como malévolas; 2- antissocial, cujo padrão é desrespeito e violação dos direitos dos outros; 3- narcisista, que apresenta sentimento de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia”.
Conforme o Correio do Povo, em 8 de março do corrente ano, o PDT protocolou nesta segunda, junto à Procuradoria-Geral da República, um pedido de interdição do presidente Jair Bolsonaro. O partido alega que, durante a pandemia da Covid-19, o chefe do Executivo age "na contramão dos atos que uma pessoa em plena saúde mental agiria" e que, portanto, não teria capacidade mental para continuar no cargo.
IV – O DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
Não há, no processo constitucional brasileiro, indicação de tal medida. Ela se aproxima de outra já objeto de prescrição na Lei nº 8.112/90, quando se diz que:
Art. 160. Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão proporá à autoridade competente que ele seja submetido a exame por junta médica oficial, da qual participe pelo menos um médico psiquiatra.
Parágrafo único. O incidente de sanidade mental será processado em auto apartado e apenso ao processo principal, após a expedição do laudo pericial.
Tem previsão no art. 160 da lei 8.112/90 no que concerne a um procedimento administrativo que comprove insanidade mental de agente político. Diz o citado artigo que, neste caso, a comissão processante precisará indicar à autoridade competente o fato, requerendo exame de sanidade mental por junta médica oficial da qual participe ao menos um médico psiquiatra. O processo não pode prosseguir sem o atendimento deste requerimento, dele não se podendo furtar a autoridade instauradora.
Segundo Ivan Barbosa Rigolin (2007, p. 319):
“Apenas junta médica oficial poderá atestar a insanidade do servidor, não se aceitando, como parece de óbvia conclusão, que o atestado de insanidade se origine de médico particular, que o forneça ao acusado ou a seu representante.”
No processo civil, o pedido de interdição (típico de jurisdição voluntária) está previsto na seção IX do Código de Processo Civil. Pela lei, a interdição pode ser promovida pelo Ministério Público em caso de doença mental grave. Se acatado, o processo de interdição inclui uma entrevista minuciosa feita por um juiz, que emite parecer sobre a capacidade do possível interditado de praticar atos da vida civil.
No século XX, sob a velha República, já tivemos o caso de Delfim Moreira, que governou entre o fim do governo de Wenceslau Brás, a morte de Rodrigues Alves e a assunção de Epitácio Pessoa.
A solução para tal situação passa pelos arranjos políticos, e não apenas pelo que dita o direito positivo.