Ultimamente tenho recebido várias mensagens, principalmente por meio eletrônico, informando acerca da possibilidade de novas eleições caso o percentual destes de votos nulos seja superior a 50%. Será que tal afirmativa é correta? Se anularmos nossos votos, a ponto de termos mais da metade dos votos válidos anulados, teremos novas eleições?
Para entendermos isto, este estudo faz uma rápida explanação das diversas possibilidades para o voto ser considerado nulo, bem como a diferenciação da nulidade do voto para a chamada nulidade na votação, de modo que possamos avaliar bem os mais variados incentivos que temos recebido acerca da anulação do voto por parte do eleitor.
A nulidade do voto, no sistema eleitoral brasileiro, se dá com observação a alguns aspectos no tocante à situação do candidato e sua candidatura, como sua identificação, casos de coligações extemporâneas, entre outros.
O primeiro caso a ser analisado está relacionado ao candidato desistente ou com sua inscrição cancelada. Nesses casos, todos os votos computados em seu favor serão nulos. No caso de registro de novo candidato, em substituição ao desistente, deferido em até trinta dias antes do pleito, não serão impressas novas cédulas e os votos dados ao candidato anteriormente registrado serão computados para o novo. É assim que estabelece o art 101, §§ 2º e 3º do Código Eleitoral (Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965).
Outro caso de nulidade do voto ocorre quando o voto é dado a candidato ou partido não concorrente ao pleito. O TSE já decidiu situação semelhante, sic:
"(...) não anula a cédula, mas apenas o voto, o fato de o eleitor haver assinalado número que não corresponde a candidato registrado por qualquer partido (CE, art 175, § 3º, Res n.º 11.457, de 1982, art 26).(...)"(Ac n.º 7.678, de 13.10.83, rel. Min Torreão Braz)
Os artigos 173 e seguintes do Código Eleitoral, que tratam da contagem dos votos, principalmente o artigo 175, deixa claro algumas situações em que o voto será nulo. Atente-se que o § 2º deste artigo foi revogado pela Lei n.º 4.961/66.
Ainda, caso interessante quanto aos votos nulos ocorreu no julgamento do RESPE n.º 14.973, de 27 de maio de 1997, que teve como relator o Ministro Costa Leite. Neste caso, o partido pediu a substituição do candidato a vereador antes do julgamento do recurso especial contra indeferimento do registro. Após o trânsito em julgado da sentença de substituição, o TSE deferiu o registro do substituído e o substituto renunciou. A renúncia não teve o condão de tornar prevalente a primeira candidatura e os votos foram considerados nulos.
Veja a decisão:
"Substituição de candidatura. Coisa julgada. Não atenta contra a coisa julgada decisão que declara a perda da condição de candidato daquele que, tendo indeferido o seu registro nas instâncias ordinárias, foi substituído a requerimento do partido, mesmo que o TSE, no julgamento especial, venha a reconhecer sua elegibilidade.(...)"
Já nos casos de coligações extemporâneas, temos por conseqüência o cancelamento do registro de candidatura, sendo considerados inexistentes os votos conferidos a esses candidatos.
A identificação da intenção do eleitor também é considerada quando da verificação dos votos, de modo que, se duvidosa tal intenção, o voto será considerado nulo (vide art 175, § 1º, I e II do Código Eleitoral).
Estes são, de forma resumida, os casos mais comuns em que se verifica a anulação do voto. Não obstante, o artigo 224 do Código Eleitoral estabelece que "se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias."
Ora, a nulidade descrita no artigo mencionado é aquela prevista nos artigos 219 e seguintes daquele diploma legal. Note-se que a nulidade da votação não se confunde, em interpretação sistemática, com a nulidade do voto.
A nulidade da votação, diferentemente da nulidade do voto, em que este é atingido individualmente, atinge todo o pleito, ou até mesmo um único voto, mas por haver irregularidade ou ilegalidade.
O artigo 220 do Código Eleitoral estabeleceu claramente em que casos a votação será nula, como passamos a analisar.
"Art 220. É nula a votação: I – quando feita perante mesa não nomeada pelo juízo eleitoral, ou constituída com ofensa à letra da lei;"
É importante lembrar que as nulidades previstas no artigo 220 e/ou 221 (votação anulável) do Código Eleitoral submetem-se ao princípio do artigo 219, que estabelece que o juiz deve abster-se de pronunciar nulidades quando não houver prejuízos.
Em atenção a este princípio, muitos julgados do TSE são contrários à declaração de nulidade da votação por constituição irregular da mesa receptora, como vemos no julgado abaixo:
"Mesa receptora. Constituição irregular, conforme a nomeação de um mesário inscrito eleitor noutro município. Posto que não é melhor, para efeito de recurso especial, porém, oferece-se razoável a interpretação do art 220, I, do CE, no sentido de que, no caso, não se vislumbra nulidade em tema de mesa constituída com ofensa à letra da lei."(Ac. N.º 6.679, de 14.8.79, rel. Min José Fernández Dantas)
"Art 220. É nula a votação: (...) II – quando efetuada em folhas de votação falsas;"
As folhas de votação são as relações de eleitores de determinada Seção Eleitoral. A Lei n.º 6.990, de 7 de julho de 1982, estabeleceu que nas Seções das Zonas Eleitorais que utilizam processamento eletrônico de dados para o alistamento, as folhas de votação serão substituídas por listas de eleitores, emitidas por computador.
Por motivos óbvios, se a folha de votação for falsa a votação daquela Seção será anulada, já que presentes graves indícios de fraude eleitoral.
"Art 220. É nula a votação: (...) III – quando realizada em dia, hora ou local diferente do designado ou encerrada antes das 17 horas;"
É importante que seja cumprido rigorosamente os horários e locais estabelecidos para a realização das eleições, de forma que tal mudança, à revelia do juízo eleitoral, não cause nulidade da votação. O TSE se manifestou em caso semelhante no RESPE n.º 4259 (Ac. n.º 5.735, de 16 de dezembro de 1975), que teve como relator o Ministro Rodrigues Alckmin, sic:
"I – Mudança, à revelia do juízo, dos locais designados para o funcionamento de seções eleitorais. II – Nulidade das votações contidas nas urnas correspondentes aquelas Seções, conforme o disposto no Art 220, III, do CE. (...)"
"Art 220. É nula a votação: (...) IV – quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios;"
A instituição do voto secreto tem clara finalidade de proteger o eleitor de algumas mazelas cometidas por candidatos. Para tanto, algumas providências, elencadas no art 103 do Código Eleitoral, devem ser tomadas, sob pena de nulidade da votação, como, a título de exemplo, o isolamento do eleitor em cabine indevassável, entre outras.
O TSE apreciou no ano de 2001 fato considerado como quebra de sigilo do voto, anulando a eleição proporcional e determinando que outra votação fosse efetuada. Leia o acórdão:
"Partido político - Eleição proporcional - Candidatos - Ausência na urna eletrônica - Carga da urna - Arts. 7° e 8° da Resolução n° 20.563 - Falta de impugnação - Não-ocorrência de preclusão. Comunicação de que os eleitores que quisessem votar naqueles candidatos deveriam voltar mais tarde - Quebra do sigilo do voto. Utilização da urna eletrônica simultaneamente com a votação por cédulas - Impossibilidade. Recurso conhecido e provido."(Ac n.º 19.463, ed 9.10.2001, rel Min Fernando Neves)
"Art 220. É nula a votação: (...) V – quando a Seção Eleitoral tiver sido localizada com infração do disposto nos §§ 4ºe 5º do art 135;"
A Seção Eleitoral não poderá estar localizada em propriedade pertencente a candidato, membro de diretório de partido político, delegado de partido ou autoridade policial. Isto também é aplicável aos cônjuges e parentes, consangüíneos ou afins, até o 2º grau inclusive.
Ainda, quanto a propriedade rural privada, é vedada a localização de Seções Eleitorais em fazenda, sítio ou qualquer outra, mesmo que exista no local prédio público.
A despeito de tratarmos dos votos absolutamente nulos, o Art 221 da Lei Eleitoral mostra, em sede de nulidade relativa, os casos passíveis de anulação, sic:
"Art 221. É anulável a votação:
I – quando houver extravio de documento reputado essencial;
II – quando for negado ou sofrer restrição o direito de fiscalizar, e o fato constar da ata ou de protesto interposto, por escrito, no momento;
III - quando votar, sem as cautelas do Art. 147, § 2º.
a) eleitor excluído por sentença não cumprida por ocasião da remessa das folhas individuais de votação à mesa, desde que haja oportuna reclamação de partido;
b) eleitor de outra seção, salvo a hipótese do Art. 145;
c) alguém com falsa identidade em lugar do eleitor chamado."
Em seguida, o art 222 do Código Eleitoral informa que a votação viciada de falsidade, fraude, coação, interferência do poder econômico, além do desvio ou abuso de poder de autoridade, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei, é passível de anulação.
Já é possível ver facilmente, após o discorrido, que existe uma distinção entre nulidade do voto e nulidade da votação. Agora, em rápida análise e utilizando-se da interpretação sistemática, verificamos que o artigo 224 do Código Eleitoral aplica-se aos casos de nulidade da votação previstos em seu capítulo (Capítulo VI, Título V, Parte Quarta, do Código Eleitoral), especificamente os artigos 220, 221 e 222.
Assim disciplina aquele artigo:
"Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias."
No nosso entendimento, aqueles votos anulados pelo eleitor que, deliberadamente, age para que isso ocorra, como nos casos da votação de protesto que quase "elegeu" o macaco Tião em outras eleições na cidade do Rio de Janeiro, não darão ensejo a novos pleitos.
Não obstante, esta posição ousa discordar de entendimento adotado por muitos anos pelo TSE que se pronunciou várias vezes a respeito do tema. Dentre vários acórdãos, trago os dois mais importantes:
"(...) É firme jurisprudência desta corte no sentido de que, para a incidência do art. 224, não importa a causa da nulidade dos votos (Acórdão n. 5.464, CE, rel. Min. Barros Barreto, BE n.º 268/ p. 1.309) e, especificamente, de que, para o mesmo efeito, consideram-se nulos, a teor do art. 175, parágrafo 3º, CE, ‘os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados’. Impertinência da invocação, "in casu", do art. 175, parágrafo 4º, porquanto aplicável exclusivamente as eleições proporcionais."(Ac. N.º 13.185, de 10.12.92, rel. Min. Sepúlveda Pertence)
"A norma do art. 224 do Código Eleitoral, de realização de novo pleito quanto mais de metade dos votos hajam sido anulados, e aplicável, qualquer que tenha sido a causa da anulação. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial não conhecido."(Acórdão n. 5.464, de 27.9.73, rel. Min. Carlos Eduardo Barros Barreto)
No segundo julgado havia a alegação de que o artigo 224 não se aplicaria à hipótese de nulidade de votos individualmente tomados, tendo em vista que o citado artigo está inserido no capítulo das nulidades da votação, não se referindo a nulidades de cédulas ou votos, contempladas no art 175.
Em seu voto, o Ministro Relator explica: "(...) se o art 224 quisesse acolher tão só as nulidades da votação, noticiadas nos artigos 220 e 222, a ela, votação nula, teria feito menção.", e arremata dizendo: "Entretanto, a norma refere nulidade dos votos, sem ressalvas". Os originais estão grifados.
Recentemente foi derrubado um dos mitos mais recorrentes da Internet no processo eleitoral de 2006.
Em julgamento no MS-3438, publicado no Diário de Justiça de 8 de agosto de 2006, que teve por relator o Ministro José Augusto Delgado, o TSE entendeu que "para efeitos da aplicação do art. 224 do Código Eleitoral, não se inclui, in casu, o universo de votos nulos decorrentes de manifestação apolítica do eleitor no momento do escrutínio, seja ela deliberada ou decorrente de erro".
Desta forma, concluímos ao leitor que, é completamente falaciosa e desprovida de fundamentação legal e jurisprudencial a alegação de que 50% ou mais dos votos nulos dados pelos eleitores anulariam o pleito sendo necessária a convocação de nova votação.
Ainda, sugerimos que o eleitor aproveite a oportunidade para eleger os melhores representantes para os diversos cargos, não desperdiçando seu sagrado direito ao voto. Lembre-se que são sempre os mesmos políticos tradicionais que se beneficiam do voto nulo, já que, em um universo menor de votos válidos, sua permanência no cargo que já ocupa se dará com uma quantidade menor de votos.