Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A delação premiada segundo o entendimento do Tribunal de Justiça do Espírito Santo

Análise dos precedentes do ano 2000 ao primeiro semestre de 2016

Exibindo página 2 de 4

3 – RESULTADOS

3.1 TEÓRICO

3.1.1 Do instituto

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça conceituou, genericamente, a delação premiada em julgamento do HC 90.962 (BRASIL, 2011b), definindo que:

O instituto da delação premiada consiste em ato do acusado que, admitindo a participação no delito, fornece às autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime.

Interessante ressaltar a generalidade de tal conceito, que conseguiu captar a essência do instituto sem entrar no mérito dos seus desdobramentos internos. De fato, a delação premiada consiste, basicamente, na admissão da participação e no fornecimento de informações úteis para as investigações, sendo este último o requisito variável de acordo com o tipo penal visado pela previsão legal do instituto.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, de acordo com as razões expostas pelos Desembargadores nos julgamentos referentes aos processos analisados pela presente pesquisa, verifica-se que a delação premiada se configura como:

(...) um estímulo dado pelo Estado em busca da verdade processual, sendo um instrumento utilizado para ajudar na investigação criminal visando à repressão de certas formas de delitos, notadamente aqueles que apresentam conotações de crimes organizados.5

Verifica-se que o trecho supracitado deu enfoque na utilidade da delação premiada como um instrumento investigativo, o qual auxiliaria na investigação criminal e na repressão a certos delitos.

Não somente como instrumento investigativo, a delação premiada também deve ser vista como um meio de prova. Não apenas pela força probatória inerente ao instituto, mas também pelo fato da recente lei 12.850/13 colocar a colaboração premiada dentro do capítulo concernente às investigações e aos meios de obtenção da prova.

Nesse sentido, o voto do Desembargador relator Adalto Tristão Dias, na oportunidade do julgamento da apelação no processo 0002607-04.2007.8.08.0014 (014070026076)(BRASIL, 2009c) dá enfoque ao caráter probatório da delação premiada realizada perante o juiz, no momento do interrogatório do réu:

Na realidade, o Instituto da Delação Premiada surgiu como um polêmico, porém eficiente, instrumento de combate ao Crime Organizado. Entretanto, sua utilização somente é recomendável quando confirmada por outros elementos de convicção que lhe confira caráter de certeza, requerendo que a confissão do réu seja verdadeira. A narrativa na confissão deve ser completa para que o réu faça jus a premiação, possibilitando-se examinar a sua veracidade à partir das minúcias expostas quando da realização do interrogatório.

A delação premiada é um instrumento oficial de combate a criminalidade, devendo observância às garantias constitucionais do indivíduo, ocorre na fase do interrogatório sob a forma da chamada do co-réu, é confissão, meio de prova, acusação formulada por co-autor ou partícipe, e deve obedecer aos requisitos legais. - Grifo nosso.

Muito embora a referida fundamentação mencione a delação como um meio de prova assemelhada à confissão, a doutrina há muito tempo vem divergindo sobre a natureza probatória do instituto.

Não obstante o interrogatório possa servir como meio de prova para condenação quando o próprio acusado se auto-incrimina, a delação premiada não pode ser assemelhada a este instituto, haja vista que

(...) para configuração da confissão, indispensável é que a afirmação incriminadora atinja o próprio confidente, e no caso da delação premiada dirige-se também contra um terceiro.

Também não é testemunho, afinal, um dos pressupostos para a validade de uma testemunha é ela ser pessoa estranha ao feito e eqüidistante das partes, o que inocorre na delação premiada, já que o delator é parte e tem interesse na solução da demanda, pois está na situação de beneficiário processual. (GREGHI, 2007).

Dessa forma, sendo inconfundível com a confissão ou o testemunho, a delação premiada deve ser vista como um meio de prova anômalo, por não se assemelhar a nenhum outro meio probatório presente no direito processual penal brasileiro (BARRETO, 2014).

O supracitado voto do Desembargador Adalto Tristão, ainda explicita um limite posto à delação premiada, qual seja, a necessidade de sua verificação frente a outros meios de prova.

Não poderia ser diferente. Se a própria confissão do acusado necessita ser apreciada confrontando-a com as demais provas do processo (art. 197 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941)), a fortiori, também o deve ser a prova obtida por meio do depoimento de um réu colaborador.

Dessa forma, com base no princípio do livre convencimento motivado, deve o Magistrado fundamentar sua decisão utilizando-se também das demais provas carreadas nos autos. Foi o que previu expressamente o art. § 16 do art. 4º, da lei 12.850/13 (BRASIL, 2013b). 6

De acordo com Gustavo Badaró (2015, p. 26-29), a referida previsão não se restringe apenas à lei 12.850/13 (Brasil 2013b), mas pode e deve ser aplicada, por analogia, a todos os demais diplomas legais referentes à delação premiada. Isso, porquanto:

De todos os regimes legais de delação premiada, o mais completo e detalhado é o da Lei das Organizações Criminosas (nº 12.850/13, arts. 4º a 6º), que estabelece a regra em comento, no § 16 do art. 4º. Sua aplicação, contudo, não será limitada à “colaboração processual” no âmbito da criminalidade organizada.

Terá incidência também, por analogia, a todo e qualquer caso de delação premiada. Isso porque não há nada de peculiar ou especial, em relação ao crime organizado, que justifique essa restrição de valoração da delação premiada, que não se encontre nos outros regimes especiais que a preveem. Não é, pois, um caso de lexespecialisderrogatgenerali. O que inspira a indigitada regra é a necessidade de maior cuidado e preocupação com o risco de erro judiciário, quando a fonte de prova é um coimputado. E isso não é diferente se o agente colaborador participa de organização criminosa, de tráfico de drogas, de lavagem de dinheiro ou de crime contra o Sistema Financeiro nacional.

Corrobora tal entendimento, o exposto no tópico 2.2.1 ("Aplicação extensiva da lei 12.850/13"), haja vista que parte significativa da doutrina entende possível a extensão da previsão processual sobre a delação premiada na lei 12.850/13 (2013b) para os demais diplomas normativos que tratam do instituto.

Portanto, a exigência de corroboração externa à delação se presta a possibilitar a confirmação de direitos do acusado, confirmando a necessidade de fundamentação do Magistrado, bem como a impossibilidade da justificação baseada somente em aspectos internos da própria delação (PEREIRA, 2009).

3.1.2 Delação x colaboração premiada

Em análise dos diplomas legais adequados, percebe-se que o próprio legislador positivou institutos assemelhados ora como "delação premiada" e ora "colaboração premiada", causando grande cisão na doutrina sobre a possível diferença ou semelhança entre eles.

Se por um lado Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues da Silva, inspirados na doutrina de Vladimir Aras (GOMES, 2005 e 2014), afirmam ser a colaboração premiada gênero, que comportaria como espécies, dentre outras, a própria delação premiada, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto (2013, p. 34), afirmam tratar-se do mesmo instituto, ora exposto com uma denominação, ora com outra.

No entanto, tendo em vista que o objetivo do presente trabalho não é dirimir qualquer celeuma doutrinária, ou apresentar sua opção por alguma corrente, mas sim apresentar o entendimento do Tribunal de Justiça do Espírito Santo sobre o instituto, não se fará aqui qualquer crítica às posições supramencionadas.

O que se tem como ponto de partida é o fato de que em apenas um julgado do Tribunal de Justiça do Espírito Santo foi encontrado a utilização do termo “colaboração premiada”, utilizando-o indistintamente, e concomitantemente ao termo “delação premiada”.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. ART. 121, §2º, INCISOS II, IV E V E ART. 155, §4º, INCISO IV, TODOS DO CÓDIGO PENAL. 1. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO DO VETORIAL REFENTE À CULPABILIDADE. 2. DIMINUIÇÃO DA PENA. RÉU QUE FAZ JUS AOS BENEFÍCIOS DA DELAÇÃO PREMIADA. NÃO ACOLHIMENTO. INFORMAÇÕES QUE NÃO FORAM EFETIVAMENTE EFICAZES PARA A RESOLUÇÃO DO PROCESSO. 3. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 2. A delação premiada consiste num instituto legal, por meio da qual um investigado ou acusado da prática de infração penal decide confessar a prática do delito. Além disso, deve aceitar colaborar com a investigação ou com o processo fornecendo informações que irão ajudar, de forma efetiva, na obtenção de provas contra os demais autores dos delitos, na prevenção de novos crimes, na recuperação do produto ou proveito dos crimes ou na localização da vítima com integridade física preservada, recebendo o colaborador, em contrapartida, determinados benefícios penais. Ademais, o acordo de colaboração premiada necessita ser formalizado, de modo que o termo deverá ser assinado por todas as partes, sendo, por fim, enviado à Justiça para que seja homologado. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 11110177851, Relator : SÉRGIO LUIZ TEIXEIRA GAMA, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 16/03/2016, Data da Publicação no Diário: 28/03/2016) – Grifo nosso (BRASIL, 2016b)

Não somente o julgado não faz qualquer distinção sobre os institutos, como também os utilizou sem qualquer técnica pré-estabelecida, não trazendo às razões de julgamento qualquer menção ao debate doutrinário supramencionado.

Dessa forma, “embora parte da doutrina opte por eufemisticamente utilizar somente a denominação “colaboração premiada”, apontando uma suposta carga negativa do termo “delação” (...)” (VASCONCELLOS, 2015), verificou-se que o Tribunal não tem tratado os institutos com qualquer distinção expressa.

3.1.3 Voluntariedade e espontaneidade

Muito embora os conceitos de espontaneidade e voluntariedade se aproximem no senso comum - nesse sentido o próprio dicionário Houaiss de língua portuguesa afirma serem sinônimos (HOUAISS, 2004, p. 766)- importante é a sua diferenciação para o estudo dos requisitos necessário para a concessão da delação premiada.

Tratando sobre a diferenciação de tais conceitos no estudo sobre o instituto Damásio de Jesus (2006, p. 09) leciona que

Voluntário é o ato produzido por vontade livre e consciente do sujeito, ainda que sugerido por terceiros, mas sem qualquer espécie de coação física ou psicológica. Ato espontâneo, por sua vez, constitui aquele resultante da mesma vontade livre e consciente, cuja iniciativa foi pessoal, isto é, sem qualquer tipo de sugestão por parte de outras pessoas - Grifo nosso.

A Desembargadora Substituta Maria Cristina de Souza Ferreira no dia 22/04/2009, na oportunidade do julgamento do processo n° 0020247-49.2006.8.08.0048 (048.06.020247-9) (BRASIL, 2009d), na qual figurava como relatora, utilizou-se das lições de Nucci para demonstrar a diferença entre os conceitos:

Todavia, não há como reconhecer a voluntariedade por parte do apelante ao delatar o evento criminoso. Acerca do assunto em comento, ensina Guilherme de Souza Nucci: “(...) A voluntariedade é a ação ou omissão empreendida livre de qualquer coação física ou moral. Difere da espontaneidade que, em Direito Penal, significa a conduta sinceramente desejada, furto de aspiração íntima de alguém. (NUCCI, Guilherme de Souza. Lei Penais e processuais penais comentadas. 3ª ed. Rev. Atual. E ampliada. São Paulo: revista dos tribunais. 2008. p.1026). - Grifo nosso.

Dessa forma, analisando os diplomas legais instituidores da delação premiada, verifica-se que o legislador optou por ora positivar a necessidade do ato ser espontâneo, e ora do ato ser voluntário.

A espontaneidade se encontra presente nas leis 7.492/86 (BRASIL, 1986), 8.137/90 (BRASIL, 1990b) e 9.613/98 (BRASIL, 1998), enquanto a voluntariedade está presente nas leis 9.807/99 (BRASIL, 1999), 11.343/06 (BRASIL, 2006) e 12.850/13 (BRASIL 2013b). Por sua vez, a lei 8.072/90(BRASIL, 1990a) e o art. 159, §4º,do Código Penal (BRASIL, 1940) se silenciam em relação a tais requisitos. 7

Muito embora não se verifique manifestação do Tribunal de Justiça do Espírito Santo quanto à figura da espontaneidade presente nos diplomas legais supramencionados, seria, de certa forma, inviável deixar a sua aplicação restrita à plena espontaneidade do agente. Nesse sentido, Renata Jardim da Cunha Rieger (2008, p. 5-11) afirma que:

(...)é inaceitável a exigência de espontaneidade. Via de regra, os próprios agentes responsáveis pela persecução penal sugerem aos acusados os benefícios da diminuição e da extinção da pena, em troca da sua colaboração. Não podem, depois dessa negociação, deixar de cumprir a sua parte no acordo.

Porém, ao tratar sobre a voluntariedade, o Tribunal, com base na doutrina, deixa claro que na análise das leis 9.807/99 (BRASIL, 1999) e 11.343/06 (BRASIL, 2006) pouco importa a espontaneidade do agente, ou até mesmo o seu arrependimento sincero. Nesse sentido:

Conforme nos ensina a doutrina, são requisitos para concessão do benefício "...a) haver um inquérito policial, com indiciamento, e/ou um processo contra o autor da delação; b) prestação de colaboração voluntária (livre de qualquer coação física ou moral), mas sem necessidade de se buscar espontaneidade (arrependimento sincero ou desejo íntimo de contribuir com a Justiça). Em outras palavras, a delação só pode ter por fundamento, exclusivamente, o intuito de obter o benefício previsto neste artigo ainda que o agente não esteja arrependido do que fez, valendo, inclusive, quando houver o aconselhamento do defensor para que assim aja; c) concurso de pessoas em qualquer dos delitos previstos na Lei 11.343/2006 (...) - Grifo nosso (BRASIL, 2010a). 8

São seus requisitos: (...) D) a conduta do delator deve ter relevância, sob o enfoque objetivo e deve ser voluntária, sob o ângulo subjetivo. Pouco importa que tal conduta não tenha sido espontânea (BRASIL, 2009d).

3.1.4 Obrigatoriedade da concessão do benefício

Majoritariamente, tem-se entendido que o cumprimento dos requisitos por parte do acusado vincula o magistrado julgador, por trata-se de direito subjetivo do réu à concessão do benefício (SILVA, 2011).

Tal conclusão fica evidente a partir da análise do artigo 41 da lei 11.343/06 (BRASIL, 2006), haja vista que o referido dispositivo afirma que, cumpridos os requisitos, o acusado “terá pena reduzida”, não ficando aqui nenhuma possibilidade de dúvida quanto ao comando normativo.

Não é outro o entendimento do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que na oportunidade de julgamento pelo delito de tráfico ilícito de entorpecentes asseverou:

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS (ART. 33, c/c ART. 40, V E VI, DA LEI 11.343/06). DOSIMETRIA DA PENA - CONFIGURAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI ANTIDROGAS - MAUS ANTECEDENTES NÃO EVIDENCIADOS - CAUSA DE DIMINUIÇÃO APLICADA EM PATAMAR PRÓXIMO AO MÍNIMO - QUANTIDADE E NOCIVIDADE DO ENTORPECENTE. DELAÇÃO PREMIADA - RÉU QUE DELATA CO-AUTORES - INFORMAÇÕES CORROBORADAS - BENEFÍCIO DEVIDO - DIMINUIÇÃO DA PENA À METADE. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, VI, DA LEI 11.343/06 - ENVOLVIMENTO DE MENOR EVIDENCIADO - MAJORAÇÃO MANTIDA. PENA CORPORAL REDUZIDA - REGIME ABERTO - SUBSTITUIÇÃO POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO A QUE SE NEGA PROVIMENTO E DA DEFESA A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. (...) 7. Vê-se, assim que o benefício deve ser sempre aplicado quando o réu ou investigado confesso contribuir para a identificação de outros agentes envolvidos no delito, impondo-se, nestas situações a diminuição de pena nos limites estabelecidos pelo dispositivo citado. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 47110045870, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 29/05/2013, Data da Publicação no Diário: 07/06/2013) – Grifo nosso (BRASIL, 2013i).

No entanto, a verificação da obrigatoriedade ou facultatividade do reconhecimento do instituto não fica tão saliente quando da análise do artigo 13 da lei 9.807/99 (BRASIL, 1999), haja vista que tal dispositivo afirma que “poderá o juiz”conceder o perdão judicial; enquanto seu artigo 14 afirma que, cumprido os requisitos, o acusado “terá a pena reduzida”.

Nesse ponto, a análise não pode ficar restrita somente à expressão utilizada pela lei, havendo certa cisão doutrinária a seu respeito.

Roselia Brunoni (2010, p. 34) afirma que uma das poucas vozes que se posicionaram de forma contrária ao reconhecimento da delação premiada como direito subjetivo do réu foi Mendroni, haja vista que:

As condições estabelecidas no caput e nos incisos do artigo 13 da Lei são objetivas, mas a sua concessão é facultativa, pois, mesmo preenchidos aqueles requisitos, decreta a Lei: "Poderá o juiz"… Então, se o acusado colaborar voluntária e eficientemente, reconhecidamente pela Justiça, sendo primário e dentro dos parâmetros estabelecidos, poderá ser aplicado o perdão judicial.

Por outro lado, Damásio de Jesus (1999, p. 4-5) é claro ao afirmar que não se trata de favor concedido pelo Estado, mas sim direito subjetivo do acusado. Ainda que a expressão “poderá” esteja positivada na lei, não pode o juiz simplesmente deixar de aplicar a benesse, estando o mesmo obrigado a reconhecê-la.

No mesmo sentido, Victor Eduardo Rios Gonçalves (2014, p. 221-225), ao tratar sobre os crimes contra a ordem tributária, afirma tratar-se de “causa obrigatória de diminuição de pena”.

Assim, sobre a obrigatoriedade do reconhecimento da delação premiada quando preenchidos os requisitos do artigo 14 da lei 9.807/99, o Tribunal já decidiu:

APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO CIRCUNSTANCIADO - CONDENAÇÕES RESPALDADAS NA PROVA DOS AUTOS - CERCEAMENTO DE DEFESA - INEXISTÊNCIA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E ARREPENDIMENTO POSTERIOR - INAPLICABILIDADE - DELAÇÃO PREMIADA - CONCESSÃO A UM DOS APELANTES - DOSIMETRIA DO CRIME - MÍNIMO LEGAL - MANUTENÇÃO - REGIMES INICIAIS SEMIABERTO E ABERTO - SUBSTITUIÇÃO DA PENA - REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS - BENEFÍCIO NÃO CONCEDIDO. (...)Deve ser concedido o benefício da delação premiada a quem colabora com a investigação policial, indicando a localização dos demais coautores do crime, possibilitando, inclusive, a recuperação de parte dos bens roubados.

(TJES, Classe: Apelação, 35130015965, Relator : NEY BATISTA COUTINHO, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 30/10/2013, Data da Publicação no Diário: 06/02/2014) – Grifo nosso (BRASIL, 2014e).

Sobre a possibilidade do magistrado não conceder a benesse após preenchidos os requisitos legais para sua caracterização, Marcão (2015, p. 235-239) entende configurar condenável violação ética por parte do Estado:

Com suas vantagens e desvantagens, a delação premiada vem sendo usada largamente, e muitas vezes com pouco ou nenhum critério técnico, tanto que se tem notícia de vários casos em que houve delação premiada, porém, nada ficou documentado visando à “segurança do delator”, e exatamente por isso nada foi comunicado nos autos do processo criminal a que se vê submetido, apesar do êxito das investigações realizadas a partir da delação. Em consequência, muitos delatores acabam colaborando com as investigações e depois não recebem os benefícios inicialmente apresentados na barganha que envolve a pretensão punitiva, a revelar, mais uma vez, condenável violação ética patrocinada pelo Estado; verdadeiro estelionato.

Nesse sentido, interessa ressaltar a possibilidade, sempre existente, de que por meio de uma argumentação com direcionamento prévio, se deixe de conceder o benefício em casos que a colaboração tenha sido de fato efetiva, porém indesejável a diminuição da pena.

Trata-se aqui das hipóteses em que se argumenta que o delator não trouxe qualquer informação nova aos autos, ou que sua colaboração não foi essencial para o deslinde do processo. Talvez, como uma forma de evitar o desvirtuamento do instituto, bem como a ampla discricionariedade e subjetividade por parte dos julgadores, fosse necessário exigir um nível de fundamentação mais profundo no que tange a análise do benefício.

Por fim, importante salientar que no que tange a aplicação da lei 12.850/13 (BRASIL, 2013b), Luiz Flávio Gomes (2015) leciona que não há que se falar em direito subjetivo do réu, haja vista a existência de um "acordo de colaboração" prévio entre as partes, o qual só existe quando as duas vontades se somam.

3.1.5 Fungibilidade do pedido

Embora não se trate do assunto de forma explícita nos julgado analisados, é possível perceber nas decisões do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que os julgadores aproveitam o pleito defensivo pelo reconhecimento da aplicação do instituto da delação premiada, mesmo que embasado em um dispositivo legal inapropriado para o caso.

Isso porque, não faria sentido negar provimento a um pleito defensivo pelo simples fato da defesa ter se baseado no dispositivo legal equivocado, haja vista que a delação premiada, apesar de espaçada na legislação penal, não deixa de ser vista externamente como algo uno.9

Isso ocorre não somente por conta do fato que uma eventual negativa do provimento por mera formalidade do instituto legal importaria em um cerceamento de defesa, mas também por que haveria uma ofensa ao devido processo legal como um todo.

Seria exigir da defesa uma formalidade desnecessária e sem utilidade prática, haja vista que os fundamentos da decisão devem ter como base “todas as questões que foram colocadas pelas partes, assim como também as questões que, ainda em ausência de comportamento específico das partes, constituam em concreto objeto da indagação” (AQUINO; NALINI, 2012, p. 246).

Nesse sentido, quem pode o menos – direito a análise das teses defensivas que, ainda que sem comportamento específico das partes, constituam em concreto objeto de indagação – pode mais – direito a análise das teses defensivas com pedido explícito de reconhecimento da delação premiada, porém baseada equivocadamente quanto ao dispositivo legal.

Da mesma forma, seria impraticável exigir que o defensor, no momento de confecção de suas razões tivesse a obrigação de conhecer o entendimento do Tribunal sobre qual lei aplicar a cada caso específico, principalmente quando se tratar de casos controversos, ou até mesmo nos casos em que o defensor busque a aplicação de referida disposição legal por entender mais benéfica ao acusado, embora o Tribunal entenda de outra forma.

Nesse sentido, segue abaixo tabela realizada com base nos casos de fungibilidade verificados a partir dos julgados do Tribunal de Justiça do Espírito Santos analisados na presente pesquisa:

Número do processo

Instituto legal pleiteado

Instituto legal analisado

Motivo

- 0019644-15.2006.8.08.0035 (035.06.019644-7)

Art. 14, Lei 9.807/99

Lei 10.409/02

Especialidade

- 0002920.31.2012.8.08.0000

Art. 13, Lei 9.807/99

Art. 41, Lei 11.343/06

Especialidade

- 0020375-16.2003.8.08.0035 (035030203752)

Art. 14, Lei 9.807/99

Art. 41, Lei 11.343/06

Sem fundamentação

- 0006636-63.2006.8.08.0069 (069060066367)

Art. 159, §4º

Art. 13 e 14, Lei 9.807/99

Hipótese mais ampla

Assim, verifica-se que no processo de no0019644-15.2006.8.08.0035 (035.06.019644-7) (BRASIL, 2008a) - julgado no dia 26/03/2008, ocorreu a fungibilidade entre o instituto previsto na lei 9.807/99 (BRASIL, 1999) e o da lei 10.409/02 (BRASIL, 2002), por conta da sua especialidade.

Interessante notar que, mesmo após a entrada em vigor da nova lei de drogas, o Tribunal continuou com o entendimento de que prevaleceria a lei mais específica, haja vista que no processo de no 0002920-31.2012.8.08.0024 (BRASIL, 2013º) - julgado no dia 12/08/2013, verificou-se a ocorrência da fungibilidade entre o pleito defensivo de reconhecimento da delação premiada com base na lei 9.807/99 e o julgamento embasado no artigo 41 da lei de drogas, fundamentado na especialidade da lei.

Ademais, em análise ao processo n° 0020375-16.2003.8.08.0024 (BRASIL, 2010c) - julgado no dia 24/02/2010, não obstante a defesa tenha pleiteado o reconhecimento da delação premiada com base na lei 9.807/99, o julgamento foi embasado no artigo 41 da lei de drogas, sem fundamentação específica quanto à motivação.

Por outro lado, importante ressaltar que no processo de n° 0000436-30.2015.8.08.0035 (BRASIL, 2015d), não obstante a falta de manifestação específica, analisou-se os requisitos necessário para concessão do perdão judicial (art. 13, lei 9.807/99), para o crime de tráfico de drogas, o que poderia sinalizar, a princípio, um possível início de mudança de entendimento. Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO E DROGA. ART. 33, CAPUT, LEI 11.343/06. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 12, LEI 10.826/03. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. DELAÇÃO PREMIADA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. FUNDAMENTO GENÉRICO. REDUÇÃO DAS PENAS-BASE. ATENUANTE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, LEI 11.343/06. MANTIDAS AS PROPORÇÕES ADOTADAS PELA SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ALTERAÇÃO DE REGIME E SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITO. IMPOSSIBILIDADE. (...) . Por derradeiro, não há se falar em perdão judicial previsto pelo art. 13, da Lei nº 9.807/99, haja vista que a ausência de preenchimento dos requisitos legais necessários para tanto. 10. Do exame dos autos, inobstante tenha o apelante informado nome de terceiro segundo o qual seria um dos traficantes proprietários das drogas que guardava, inexistem elementos capaz de corroborar tais assertivas, bem como que tais informações tenham sido efetivas a fim de elucidar qualquer esquema de tráfico de drogas na região apontada. 11. Recurso Conhecido e Parcialmente Provido.

(TJES, Classe: Apelação, 35150004311, Relator : EWERTON SCHWAB PINTO JUNIOR, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 25/11/2015, Data da Publicação no Diário: 04/12/2015) – Grifo nosso.

Cabe ressaltar, ainda, que o entendimento de priorizar a lei especial (11.343/06 (BRASIL, 2006)), em sobreposição à lei mais benéfica ao agente (9.807/99 (BRASIL, 1999)), contraria, para alguns autores, o princípio da aplicação da norma mais favorável ao réu. É o que entende Walter Barbosa Bittar (2011, p. 153) ao afirmar que "não há no caso concreto, possibilidade de aplicação do art. 41, enquanto estiverem em vigência os arts. 13 e 14 da Lei 8.807/99 (...)".

Noutro eito, no julgamento do processo de no0006636-63.2006.8.08.0069 (069060066367) (BRASIL, 2009i), no dia 14/10/2009, o Desembargador Relator Sérgio Bizzoto Pessoa de Mendonça, entendeu pela fungibilidade entre o pleito defensivo de reconhecimento da delação premiada com base no artigo 159, §4ºdo Código Penal (BRASIL, 1940) e o julgamento embasado na lei 9.807/99 (BRASIL, 1999), por tratar-se de hipótese com previsão mais ampla. Nesse sentido:

O §4º, do art. 159, do Código Penal, prevê a hipótese da delação premiada, entretanto, a Lei 9.807/99 (Lei de Proteção a vítimas, testemunhas e réus colaboradores) instituiu nos artigos 13 e 14 hipóteses mais amplas para a concessão do referido benefício, razão pela qual a análise da matéria será realizada com base nas citadas normas penais - Grifo nosso.

Necessário observar que a aplicação desta última hipótese de fungibilidade não é estática, mas depende do caso concreto.

Isso porque, é sabido que dentre os requisitos do artigo 159, §4º, não se exige que haja voluntariedade por parte do delator, bem como restringe a benesse à redução da pena. Por sua vez, a lei 9.807/99 (BRASIL, 1999) possibilita maiores benesses, exigindo, entretanto, que a delação seja voluntária.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Assim, o réu condenado pelo crime de extorsão mediante sequestro, previsto no caput do artigo 159 do Código Penal (BRASIL, 1940), que realizar a delação premiada de forma voluntária (preenchendo seus requisitos), deverá ser agraciado com o instituto previsto na lei 9.807/99 (BRASIL, 1999). Por sua vez, o réu condenado nas iras do mesmo tipo penal, que não tenha prestado a delação voluntariamente (preenchendo seus requisitos), deverá receber o benefício previsto no art. 159, §4º, do Código Penal (BRASIL, 1940)

Portanto, percebe-se claramente existir não só uma relação de fungibilidade entre o dispositivo legal pleiteado e o analisado pelos julgadores, mas também uma preferência pelo dispositivo que seja mais benéfico ao réu.

Isso porque, restou devidamente demonstrado que, primeiramente se analisa a possível aplicação da delação premiada com base na lei 9.807/99 (BRASIL, 1999) por ser mais benéfica ao réu, e a partir daí, não preenchendo ele os requisitos necessários, analisam-se, então, os requisitos do art. 159, §4º, do Código Penal (BRASIL, 1940).

É o que fez o Relator no referido processo, ao concluir não fazer o acusado jus ao benefício da lei 9.807/99 (BRASIL, 1999).

Por derradeiro, mesmo que se levasse em conta apenas os requisitos do §4º, do art. 159, do Código Penal, verifica-se que as declarações prestadas pela ora apelante em nada contribuíram para a libertação da vítima, vez que todos os acusados foram presos devido às investigações empreendidas pela P2, e o ofendido já não mais se encontrava em poder dos criminosos, sendo assim, não merece prosperar tal alegação sustentada pela ilustre Defesa. - Grifo nosso (BRASIL, 2009i).

Foi este também o entendimento exposto na oportunidade do julgamento do processo n° 0020247-49.2006.8.08.0048 (048.06.020247-9 (BRASIL, 2009d), pela Desembargadora Relatora Maria Cristina de Souza Ferreira no dia 22/04/2009, no qual ficou bem saliente o entendimento no sentido de que nos casos de extorsão mediante sequestro, a voluntariedade do agente irá definir qual forma legal do instituto da delação premiada será aplicado.

(...) Todavia, não há como reconhecer a voluntariedade por parte do apelante ao delatar o evento criminoso. (...)Analisando atentamente o presente caderno processual, colho o entendimento de que o apelante apenas colaborou com a atuação da polícia porque sentiu-se intimado com a situação vivenciada. (...) Diante deste contexto, entendo que a conduta do Apelante, ao fornecer o endereço, não foi um ato livre de sua parte, uma vez que não possuía naquela ocasião outra escolha, já que estava cercado por policiais. Por esta razão, depreendo que o apelante não faz jus ao instituto da delação premiada previsto no artigo 14 da Lei nº 9807 de 1999, por não preencher na íntegra os requisitos legais (...)Insta apontar que agiu corretamente o MMº Juiz de 1º grau ao reconhecer o instituto da delação premiada em benefício ao apelante com relação ao delito de extorsão mediante sequestro, uma vez que o artigo 159, §4º, do Código Penal, ao prever esta causa de diminuição de pena para esta espécie de delito, não exige o requisito da voluntariedade (...). – Grifo nosso

3.1.6 Colaboração dúplice

Segundo entendimento majoritário, só será concedido o benefício da delação premiada ao acusado que colaborar tanto em esfera policial quanto em juízo, ou, pelo menos, em juízo.

Segundo leciona Nucci (2014, p. 622), ao tratar sobre o perdão judicial da lei 9.807/99 (BRASIL, 1999):

Pela redação legal, entende-se que a colaboração deve dar-se tanto na fase policial como na judicial. No mínimo, a delação deve ocorrer no âmbito do processo criminal. Se acontecer na fase policial, havendo retratação ou mesmo retratação durante o processo, não se pode acolhê-la para o fim de, concedendo o perdão judicial, julgar extinta a punibilidade.

Tal característica é chamada de colaboração dúplice pelo fato da necessidade de sua corroboração em juízo, pois, se realizada somente perante autoridade policial, não será concedido o benefício.

Nos casos da lei 9.807/99 (BRASIL, 1999) e 11.343/06 (BRASIL, 2006), fica evidente a necessidade da corroboração em juízo, haja vista a utilização da conjunção "e", a qual demonstra o sentido de adição. Entretanto, verifica-se que poderá ser concedido o benefício a quem colabora somente em juízo, pois esvaziaria muito a utilidade da norma a impossibilidade de delação por parte do acusado que não colaborou perante a autoridade policial.

Por outro lado, em regra, sempre será necessária a confirmação da prova em contraditório judicial, haja vista que o artigo 155 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) determina que o magistrado não poderá formar sua convicção exclusivamente com base em provas inquisitoriais, havendo a necessidade de sua corroboração em juízo, excetuando-se as provas irrepetíveis que possam ser corroboradas por outras.

O Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em julgamentos baseados nos institutos previstos na lei 9.807/99 (BRASIL, 1999) e 11.343/06(BRASIL, 1999), já se manifestou no sentido de não reconhecer o benefício para quem se retrata em juízo. Nesse sentido:

Da mesma forma, não deve ser concedido à apelante o benefício do artigo 41, da Lei 11.343/2006, uma vez que embora tenha apontado o corréu como traficante de drogas, na fase policial, assim o fez para se esquivar da imputação que lhe era feita. Ademais, em juízo, a acusada modificou seu relato (...)Assim, depreende-se das declarações da ré que esta, na verdade, pretendeu confundir o trabalho da polícia, bem como o do Poder Judiciário e não auxiliar a Justiça no deslinde da questão que se apresentou (...) - Grifo nosso (BRASIL, 2014c).

Além disso, a título de argumento de reforço, verifico que a delação referente aos supostos autores dos crimes constantes às fls. 4/5, foi retratada em juízo. - Grifo nosso (BRASIL, 2013m).

Ademais, tais declarações prestadas pela ora recorrente, foram retratadas em juízo, ou seja, demonstrando a intenção da mesma de se livrar das imputações que lhe eram feitas, não tendo o intuito de auxiliar a Justiça Criminal para a solução do caso, não sendo merecedora, portanto, do benefício em questão. - Grifo nosso (BRASIL, 2009i).

Com relação ao segundo requisito, qual seja, identificar os demais integrantes do grupo, com escopo de permitir a prisão deles, temos que, igualmente, o apelante não faz jus ao benefício, eis que, apesar de na esfera policial apontar os réus Daniel Simões Reis e Vanderly Moro como elementos envolvidos na prática criminosa, em juízo, às fls. 338/340, desmentiu tal afirmação (...) - Grifo nosso (BRASIL, 2009e).

Dessa forma, por não haver manifestação do Tribunal quanto à necessidade de colaboração dúplice em relação ao instituto da delação premiada previsto nos demais diplomas legais, impossível qualquer conclusão para além das aqui expostas sobre as leis 9.807/99 (BRASIL, 1999) e 11.343/06 (BRASIL, 2006).

3.1.7 Não cabimento do instituto em Ação de Improbidade Administrativa

De acordo com o posicionamento do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, não é possível a aplicação do instituto da delação premiada no caso de ação de Improbidade Administrativa.

Segundo o referido entendimento, exposto na oportunidade do julgamento das Apelações Cíveis n°0002619-03.2011.8.08.0006 (006110026199) e 0906652-74.2000.8.08.0045 (045050010979), não só não existe previsão legal permitindo a aplicação da referida benesse nos casos em análise, como também há uma impossibilidade legal, exposta no artigo 17, §1° da lei 8.429/92, a qual dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

O referido dispositivo veda expressamente a possibilidade de transação, acordo ou conciliação nos processos de que trata, sendo, portanto, impossível a concessão do benefício, o qual se presta como instrumento processual unicamente para os procedimentos criminais.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONJUNTO PROBATÓRIO - TENTATIVA DE DESQUALIFICAÇÃO - DELAÇÃO PREMIADA - NÃO APLICAÇÃO - FIXAÇÃO DA SANÇÃO E QUANTUM - PROPORCIONALIDADE - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO. (...) 3. Além da falta de previsão legal, tem-se que o preceito do art. 17, § 1º, da Lei Federal nº 8.429/1992, infirma a possibilidade de aplicação do instituto da delação premiada em ação por atos de improbidade administrativa. Jurisprudência. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 6110026199, Relator : FABIO CLEM DE OLIVEIRA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 18/08/2015, Data da Publicação no Diário: 25/08/2015) – Grifo nosso (BRASIL, 2015c).

APELAÇÃO CÍVEL - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRELIMINARES: NULIDADE DO INQUÉRITO CIVIL - SENTENÇA EXTRA PETITA - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - MÉRITO: VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 9º, 10 E 11, DA LEI N.º 8.429/92 - COMPROVAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO - DANO AO ERÁRIO - CONSEQUENTE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - EMISSÃO DE NOTAS FALSAS DE COMBUSTÍVEIS - PROPORCIONALIDADE DAS SANÇÕES APLICADAS AO EX-PREFEITO MUNICIPAL E AOS PARTICULARES ENVOLVIDOS - EXACERBAMENTO DA FIXAÇÃO DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA E DE MÁXIMA SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DO SERVIDOR MUNICIPAL - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. (...) 10. A seara administrativa não permite a aplicação do perdão judicial ou da contribuição (ou delação) premiada, na forma exposta nos artigos 13 e 14 na Lei n.º 9.807/99, uma vez que esta legislação regula unicamente os procedimentos criminais. O fato de os requeridos terem contribuído com as investigações e a instrução da ação civil pública, importa em consideração quando da fixação das sanções.

(TJES, Classe: Apelação, 45050010979, Relator : TELEMACO ANTUNES DE ABREU FILHO, Órgão julgador: QUARTA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 03/12/2012, Data da Publicação no Diário: 11/12/2012) – Grifo nosso (BRASIL, 2009e).

3.2 PRÁTICOS

3.2.1 Formas legais do instituto mais analisadas pelo Tribunal

Consoante se verificou na presente pesquisa, dos 83 (oitenta e três) pleitos envolvendo o instituto da delação premiada ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo, 58 (cinquenta e oito) foram atinentes aos crimes previstos na legislação especial referente ao tráfico de drogas (levando-se em consideração a lei 11.343/06 (BRASIL, 2006) e a lei 10.409/02 (BRASIL, 2002)). Isso corresponde a cerca de 69,9% (sessenta e nove inteiros e nove décimos por cento) dos pedidos analisados, conforme gráficos abaixo.

Por outro lado, os referidos gráficos permitem também visualizar que dos mesmos 83 (oitenta e três) pleitos relacionados ao instituto, 17 (dezessete) são referentes à Lei de Proteção à Vítimas e Testemunhas (9.807/99 (BRASIL, 1999)), perfazendo um total aproximado de 20,5% (vinte inteiros e cinco décimos por cento).

Dessa forma, verifica-se que as previsões legais da delação premiada mais questionados são referentes às leis 11.343/06 (BRASIL, 2006) e 9.807/99 (BRASIL, 1999), sobre as quais se tratará individualmente a seguir, como uma forma de fornecer contornos mais específicos sobre o instituto nas decisões do Tribunal de Justiça do estado.

3.2.2 A delação premiada no caso específico da Lei de Drogas (11.343/06)

De acordo com o disposto no artigo 41 da lei 11.434/06 (BRASIL, 2006), são requisitos para que o acusado tenha a pena reduzida de um a dois terços:

  1. Colaboração voluntária

  2. Colaborar com a investigação policial e o processo criminal

  3. Identificação dos demais coautores ou partícipes do crime

  4. Recuperação total ou parcial do produto

  5. Condenação

Mais além, Adalberto José Q. T. Camargo Aranha (2008), ao tratar dos requisitos gerais para a delação premiada, coloca ainda:

  1. Existência do concurso de pessoas

  2. Confissão do agente delator

  3. Eficácia da colaboração

Inicialmente, importante ressaltar que a presença dos requisitos é cumulativa, ou seja, o reconhecimento do benefício está vinculado à comprovação do preenchimento concomitante de cada um dos requisitos. Nesse sentido, já se manifestou o Tribunal de Justiça do Espírito Santo10:

(omissis) Deve ser rejeitada a intenção de se reconhecer a delação premiada (Lei n° 11.343, art. 41) a um dos réus, seja porque ¿para a configuração da delação premiada (art. 41 da Lei de Drogas), é preciso o preenchimento cumulativo dos requisitos legais exigidos¿. (AgRg no REsp 1301255/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2013, DJe 02/12/2013), seja em razão de não ter colaborado com a investigação criminal e o processo criminal para identificar eventuais coautores ou partícipes, apenas confessando, ele próprio, ter incorrido nas práticas dos delitos de tráfico, porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e violação de direito autoral, seja finalmente porque não se confunde com o instituto da confissão espontânea, previsto no art. 65, inciso III, ¿d¿, do Código Penal. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 62130020233, Relator: SÉRGIO LUIZ TEIXEIRA GAMA - Relator Substituto : GETULIO MARCOS PEREIRA NEVES, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 11/03/2015, Data da Publicação no Diário: 16/03/2015) – Grifo nosso (BRASIL, 2015b).

(omissis) - Os requisitos para o reconhecimento da delação premiada são cumulativos, devendo ser verificada a ocorrência de colaboração voluntária com a investigação policial ou o processo criminal, a identificação dos demais co-autores ou partícipes e recuperação do produto do crime. Não tendo restado preenchidos os requisitos previstos em lei, resta inviabilizada a aplicação do benefício pleiteado. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 21120072109, Relator: JOSÉ LUIZ BARRETO VIVAS - Relator Substituto : FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 27/08/2014, Data da Publicação no Diário: 03/09/2014) - Grifo nosso (BRASIL, 2014d).

(omissis) -Os requisitos necessários ao reconhecimento da delação premiada, segundo a legislação citada, são cumulativos, devendo ser verificada a ocorrência de colaboração voluntária com a investigação policial ou o processo criminal, a identificação dos demais coautores ou partícipes e, por fim, recuperação do produto do crime (...)

(TJES, Classe: Embargos Infringentes e de Nulidade Ap, 21110000755, Relator : SÉRGIO LUIZ TEIXEIRA GAMA, Órgão julgador: CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS , Data de Julgamento: 08/07/2013, Data da Publicação no Diário: 16/07/2013) - Grifo nosso (BRASIL, 2013k).

Quanto ao requisito da voluntariedade da colaboração (“a”), do mesmo já foi tratado no tópico 3.1.3 ("Voluntariedade e espontaneidade"). Da mesma forma, já se tratou da colaboração dúplice(“b”) no tópico 3.1.6 ("Colaboração dúplice").

Sobre a identificação dos demais coautores ou partícipes (“c”), importante mencionar que tal requisito é o que da ensejo a necessidade de existência do concurso de pessoas (“f”), sem o qual não haveria quem delatar.

Importante, entretanto, a ressalva efetuada por Nucci no sentido de que só poderá haver reconhecimento da delação premiada quando o agente identificar coautores ou partícipes nos crimes de tóxicos, e não em crimes outros. “Se assim ocorrer, deve-se buscar, quando possível, o permissivo legal em outras leis para a obtenção de algum benefício” (NUCCI, 2014, p. 377).

Foi o que ocorreu no julgamento do apelação criminal no processo 0020695-61.2006.8.08.0035 (035.06.020695-6) (BRASIL, 2010g), no qual o Desembargador Relator Adalto Dias Tristão, utilizando como fundamento de decisão as razões expostas no parecer da Procuradoria de Justiça, asseverou que a contribuição do agente deve ser para o deslinde da ação penal em questão, e não para apuração de fatos alheios aos autos:

No caso em exame, não há se falar em delação premiada, pois, além de não ter apresentado na fase do inquérito qualquer novidade que não fosse do conhecimento dos policiais, a concessão do benefício deve sempre ficar restrita a efetiva e eficaz contribuição do réu para com a justiça, o que não ocorreu no caso em exame, já que as declarações de fls. 75/78, em nada contribuíram para elucidar os fatos da presente ação penal. Serviram ou servirão, por certo, para outros fatos típicos e apuração, mas não para estes que ora se analisa. - Grifo nosso.

No mesmo sentido foi o voto do Desembargador Relator Manoel Alves Rabelo, na ocasião do julgamento do processo no 0002416-76.2009.8.08.0017 (017090024161) (BRASIL, 2013j), no qual asseverou que

De fato, compulsando detidamente o caderno processual, temos que a delação do apelado tratou de fatos estranhos a estes autos, não revelando qualquer contribuição na apuração do crime a ele imputado, que encontrava-se totalmente elucidado. - Grifo nosso.

Com relação à recuperação total ou parcial do produto (“d”), a doutrina se divide quanto à extensão e abrangência da expressão.

Marcão entende que dentro da expressão “produto do crime” deve ser abarcado tanto o denominado produto direto, quanto o produto indireto. O primeiro seria a droga em si mesma, ou o maquinário, aparelhos de fabricação, de transporte, dentre outros; enquanto o segundo seriam as “coisas obtidas mediante sucessivas especificações ou mediante compra ou alienações” (MARCÃO, 2015, p. 235).

No sentido contrário, Nucci entende que o produto do crime seria somente a droga em si mesma, e não “o lucro ou vantagem que a sua inserção no mercado acarreta”. Sua posição se justifica pelo fato da norma mencionar o produto do crime, e não o proveito (NUCCI, 2014, p. 378).

Embora lúcidas as razões expostas por este último, verifica-se que restringir o alcance da norma eliminaria algumas situações em que o agente indica a localização, por exemplo, de algum maquinário ou algum aparelho utilizado na fabricação dos entorpecentes, muitas vezes mais importantes para o combate aos crimes de tráfico do que a apreensão da droga em si.

Outro ponto importante no estudo deste requisito é saber se a recuperação do produto do crime anterior à delação obstaria o seu reconhecimento. Trata-se dos casos de flagrância, ou dos casos em que as próprias diligências policiais, por exemplo, lograssem êxito na apreensão de todo o produto do crime.

Pela literalidade do artigo 41 da Lei de Drogas (BRASIL, 2006), a resposta à indagação seria evidente: não cumprido um dos requisitos, e sendo necessária a presença cumulativa de todos eles, incabível a aplicação do instituto.

Entretanto, poderia se argumentar, com base na doutrina de Frederico Valdez Pereira, que o reconhecimento do benefício não pode ficar condicionado a recuperação do produto do crime:

Verificando-se pelas circunstâncias que o agente revelou à autoridade todos os elementos de que era sabedor acerca da atuação da organização ou quadrilha ou fato criminoso, confessando os fatos em que houvera participado, e tendo suas informações sido corroboradas pelas diligências de investigação, estarão preenchidos os requisitos legais e de natureza do instituto. Não se pode pretender condicionar o reconhecimento da colaboração processual ao resultado efetivo da condenação de co-autores ou partícipes, ou de apreensão do produto do crime.

Parece concordar com tal entendimento o julgamento do processo no 0004587-42.2011.8.08.0047 (047110045870) (BRASIL, 2013i), no qual se reconheceu a delação premiada, mesmo tendo havido apreensão em flagrante do agente com o produto do crime. 11

Por outro lado, em tais situações, o que poderia ser feito caso houvesse interesse para as investigações ou para o processo criminal na obtenção da delação, mesmo tendo havido a apreensão de todo produto do crime anteriormente, seria a realização de uma delação explicita (formal), mediante um termo de acordo com o Ministério Público, aplicando-se os procedimentos da lei 12.850/13, e onde haveria espaço para deliberar quanto ao alcance da delação.

Mais adiante, verifica-se também indispensável a condenação do acusado (“e”) para a concessão dos benefícios. Nada mais lógico, pois mesmo que o acusado venha a realizar uma delação, cumprindo todos os requisitos do artigo 41, a sua absolvição acarretaria a perda de qualquer objeto de discussão.

O mesmo ocorre com a confissão (“g”), pois a delação pressupõe que o acusado afirme a sua participação no crime, para, posteriormente, informar os outros coautores ou partícipes. Ora, se o acusado não confessasse sua participação nos fatos delituosos, não passaria de mero testemunho. Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL - CONDENAÇÃO - ARTIGO 33, C/C ARTIGO 40, VI DA LEI 11.343/06 - ARTIGO 14 DA LEI 10.826/03 - AUTORIA E MATERIALIDADE INCONTESTES - IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA-BASE - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA OU DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - NECESSIDADE DE MODIFICAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA DO FECHADO PARA O SEMIABERTO CONFORME PREVISÃO DO ARTIGO 33, ¿B¿ DO CP - APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) Não há que se falar em aplicação da atenuante da confissão espontânea prevista no artigo 65, III, ¿d¿ do CP, ou no instituto da delação premiada previsto no artigo 41 da Lei 11.343/06, uma vez que em nenhum momento o recorrente confessou a prática dos delitos pelos quais fora condenado ou ajudou na elucidação da verdade dos fatos. Tentou na verdade, utilizar os adolescentes como para raios para os delitos cometidos por ele. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 59100012216, Relator : ADALTO DIAS TRISTÃO, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 06/03/2013, Data da Publicação no Diário: 15/03/2013) - Grifo nosso (BRASIL, 2013h).

(omissis) - A concessão dos benefícios contidos na Lei que versa sobre a delação premiada visa a alcançar os acusados que, admitindo suas participações no delito, fornecem às autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime. (...)

(TJES, Classe: Revisão Criminal, 100120028566, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA - Relator Substituto : MARIA CRISTINA DE SOUZA FERREIRA, Órgão julgador: CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS , Data de Julgamento: 12/08/2013, Data da Publicação no Diário: 17/09/2013) - Grifo nosso (BRASIL, 2013º).

Por fim, e talvez um dos elementos mais importantes, é a eficácia da colaboração ("h"). Não se trata de um requisito autônomo em relação aos demais, mas da soma de todos os anteriores com o resultado efetivo das informações passadas, devendo-se "levar em conta a quantidade de informações exitosas apresentadas pelo colaborador. Quanto maior o êxito das apurações em razão da colaboração, maior a redução (...)" (MARCÃO, p. 235-239).

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo já decidiu12:

(omissis) - O art. 41, da Lei de Drogas, possibilita a redução da pena em função da delação premiada, desde que preenchidos os seus requisitos essenciais. No caso, as declarações prestadas pelo apelante não foram eficazes na resolução do crime e muito menos serviu para localizar o produto do crime, servindo, tão-somente, de meio de prova para a condenação dos outros denunciados. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 50099000080, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 05/08/2009, Data da Publicação no Diário: 15/09/2009) - Grifo nosso (BRASIL, 2009g).

(omissis) - A concessão dos benefícios contidos na Lei que versa sobre a delação premiada visa a alcançar os acusados que, admitindo suas participações no delito, fornecem às autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime.

(TJES, Classe: Revisão Criminal, 100120028566, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA - Relator Substituto : MARIA CRISTINA DE SOUZA FERREIRA, Órgão julgador: CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS , Data de Julgamento: 12/08/2013, Data da Publicação no Diário: 17/09/2013) - Grifo nosso (BRASIL, 2013º).

(omissis)- Com relação à delação premiada, diversamente do que quer fazer valer a defesa, o simples fato de confessar os fatos e apontar terceira pessoa como mandante do tráfico não pode ser confundida com a delação premiada, mormente quando nenhum coautor ou partícipe foi efetivamente identificado. Isto porque, para a configuração da delação premiada, não basta a admissão, por parte do réu, da prática do crime a ele imputado, sendo necessário o fornecimento de informações eficazes, capazes de contribuir para a identificação dos comparsas e da trama delituosa (Precedentes). (...)

(TJES, Classe: Apelação, 14110100592, Relator : MANOEL ALVES RABELO, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 06/02/2013, Data da Publicação no Diário: 21/02/2013) - Grifo nosso (BRASIL, 2013e).

(omissis) - Aplicação do art. 41, da Lei nº 11.343/06 (delação premiada) que não procede, pois a concessão do citado benefício deve sempre ficar restrito a efetiva e eficaz contribuição do réu para com a justiça, o que não ocorreu no caso em exame, eis que o apelante somente fez uma mera referência a um traficante, não trazendo aos autos qualquer informação idônea à identificação de eventuais coautores.

(TJES, Classe: Apelação, 62110019585, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA - Relator Substituto : MARIA CRISTINA DE SOUZA FERREIRA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 05/09/2012, Data da Publicação no Diário: 26/10/2012) (BRASIL, 2012c).

Nesse ponto surgem algumas críticas ao instituto, pois o reconhecimento do beneficio ficaria adstrito a resultados obtidos com as informações fornecidas, algo externo e alheio, que escapa da possibilidade de ação por parte do delator, e recai nas responsabilidades do próprio Estado. Dessa forma "não seria razoável exigir que para a redução da pena o delator tivesse que contar com a comprovação de evento futuro e incerto, que depende exclusivamente da eficiência do estado (...)” (MARCÃO, 2015, p. 238).

Da mesma forma, em alguns casos o reconhecimento do benefício ficaria vinculado à discricionariedade do órgão julgador, podendo vir a se caracterizar como um refúgio jurisprudencial para os casos em que não se tenha interesse em conceder os benefícios para o acusado.

Mais ainda, é possível que uma utilização retórica do instituto leve o acusado a confessar, na expectativa de ser beneficiado, porém, surpreendido com uma recusa do beneplácito justificada na irrelevância ou ineficácia das informações passadas. 13

3.2.2.1 Motivo de tantos questionamentos quanto à lei de drogas

A grande quantidade de pedidos relacionados ao tráfico de drogas pode ser explicada por alguns fatores internos e externos aos tipos penais abarcados pela legislação penal específica.

Em primeiro lugar, verifica-se que grande parte dos crimes apurados atualmente na Justiça Criminal é relacionada ao tráfico de substâncias entorpecentes.

Apenas a título exemplificativo, por falta de relatório mais específico ao âmbito de atuação do próprio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, o Departamento Penitenciário Nacional e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública realizaram um Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen, objetivando diagnóstico da realidade prisional brasileira.

No referido estudo, que teve como período de coleta do mês de outubro de 2014 a maio de 2015, com abrangência a nível nacional, consta que dentre os registros informados de todas as ações penais pelas quais respondem as pessoas privadas de liberdade em todo o Brasil, o tráfico de entorpecentes é o crime de maior incidência, respondendo por 27% (vinte e sete por cento) dos crimes informados (INFOPEN, 2014, p. 69).

Mais além, um segundo possível motivo é o fato do crime de tráfico de drogas presumir, em uma análise de produção, distribuição e venda, o envolvimento de diversos atores. Da mesma forma, o tipo penal de associação para o tráfico, já pressupõe, de forma reiterada ou não, a reunião de duas ou mais pessoas.

Não se quer aqui afirmar que o tráfico de drogas é sempre cometido em concurso, o que seria uma grave falha técnica. O que se afirma é que a traficância de entorpecentes normalmente envolve uma rede de pessoas, e por mais irrelevante que seja o agente, terá informações para delatar sobre outros indivíduos envolvidos no delito em apuração.

Da mesma forma, o tráfico normalmente implica uma estrutura de proteção e organização, que vai desde os "olheiros" até os "donos", passando pelos soldados, embaladores, "gerentes", dentre outros (NUNES, 2012), permitindo até mesmo a aplicação da parcela material da lei 12.850/13 (BRASIL, 2013b) nos casos de existência de uma organização criminosa.

Por fim, a grande quantidade de pedidos relacionados ao tráfico de drogas também pode ser explicada pelo fato de que a lei de drogas previu uma modalidade de delação implícita (informal), realizada diretamente pelo juiz e materializada no interrogatório do réu, sem prévio acordo ou ajuste quanto aos fatos a serem relatados, nem a pena a ser aplicada.

Por tal motivo, é possível que surjam muitos questionamentos por parte dos acusados sobre a possibilidade de reconhecimento da delação premiada, do cumprimento dos requisitos e das possíveis benesses.

3.2.2.2 Sucessão de leis

Como visto até então no presente trabalho, o direito penal brasileiro compreende diversas previsões legais do instituto da delação premiada em coexistência simultânea, o que gera certa dificuldade interpretativa.

No entanto, o que ocorreu no caso específico dos crimes previstos na lei de drogas não foi a coexistência, mas a sucessão de leis que previam o instituto, haja vista que o art. 75 da lei 11.343/06 (BRASIL, 2006) revogou expressamente a lei 10.409/02, e por consequência a possibilidade de delação prevista em seu art. 32.

Assim, tendo como parâmetro o entendimento do Tribunal de Justiça do Espírito Santo - exposto no tópico 3.1.5 (“fungibilidade do pedido”) - no sentido de que aos crimes relacionados à lei de drogas deve-se aplicar a lei específica, poderiam ocorrer três hipóteses: i) processo iniciado e finalizado na vigência da lei 10.409/02 (BRASIL, 2002), no qual se pleiteia a delação; ii) processo iniciado e finalizado na vigência da lei 11.343/06 (BRASIL, 2006), no qual se pleiteia a delação; e, por fim, processo iniciado na vigência da lei 10.409/02 (BRASIL, 2002) e finalizado na vigência da lei 11.343/06 (BRASIL, 2006), no qual se pleiteia a delação.

Nos primeiros dois casos não há dúvida: aplica-se a lei vigente ao tempo da prática do fato criminoso, pelo princípio do tempus regitactum. Portanto, no primeiro caso incidiria o art. 32 da lei 10.409/02 (BRASIL, 2002); e no segundo, o art. 41 da lei 11.343/06 (BRASIL, 2006), se reconhecidos os beneplácitos.

Não obstante a evidência de tal afirmação, verifica-se que no julgamento do processo de n° 0008176-92.2007.8.08.0011 (011070081762) (BRASIL, 2009h) o Tribunal de Justiça do Espírito Santo entendeu por analisar os requisitos necessários para concessão da delação premiada com base no artigo 32 da lei 10.409/02 (BRASIL, 2002), apesar de se tratar de fato delituoso cometido na vigência da lei posterior (29/05/2007), conforme se verifica:

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTS. 33, 35 e 40, INCISO IV, DA LEI Nº 11.343/06, NA FORMA DO ART. 69 DO CPB 1. PRELIMINAR DE NULIDADE: VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INOCORRÊNCIA. 2. MÉRITO: ALEGAÇÃO DE FRAGILIDADE DE PROVAS. INOCORRÊNCIA. 3. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROVA DE AUTORIA E DA MATERIALIDADE DELITIVA. 4. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA AQUELA CONSUBSTANCIADA NO ART. 28 DA LEI 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. 5. PLEITO DE RECONHECIMENTO DO PRIVILÉGIO CONTIDO NO §4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. 6. PLEITO DE REDUÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. 7. PLEITO DE APELAR EM LIBERDADE. RÉUS QUE PERMANECERAM PRESOS DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL. PRISÃO COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO. 8. PLEITO DE RECONHECIMENTO DO PRIVILÉGIO DA DELAÇÃO PREMIADA. IMPOSSIBILIDADE. 9. DESCLASSIFICAÇÃO DO TRÁFICO DE DROGAS PARA ÀQUELA PREVISTA NO §3º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. 10. RECURSOS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (...) Somente se configurará a figura da delação premiada quando o acusado, espontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, contribuir para os interesses da Justiça (...)

(TJES, Classe: Apelação, 11070081762, Relator : ALEMER FERRAZ MOULIN, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 07/10/2009, Data da Publicação no Diário: 24/11/2009) - Grifo nosso.

Por outro lado, na análise de processos em que houve a delação, mas que durante sua tramitação entrou em vigência a lei 11.343/06 (BRASIL, 2006) - terceira hipótese - deve-se proceder com maior cautela. A princípio, aplicar-se-ia a lei vigente ao tempo do fato, pelo mesmo princípio supramencionado.

No entanto, tem-se como exceção a referida regra os casos de extratividade da lei penal, os quais abrangem tanto a retroatividade quanto a ultratividade da lei mais benéfica14. Por tal motivo deve-se analisar a cada caso qual a lei mais favorável para o acusado.

Walter Bittar, ao comparar as possibilidades de delação premiada nas referidas leis, afirma que aquela prevista "na antiga Lei de tóxicos (art. 32, §§ 2° e 3°, da Lei 10.409/02) apresentava benefícios maiores e requisitos menores que a atual legislação" (2011, p. 153), podendo tal argumento ser utilizado para justificar uma possível ultratividade da lei penal anterior.

No entanto, percebe-se que o diagnóstico do referido autor fica restrito apenas à comparação dos institutos em si mesmos, de forma atomizada e individual. De maneira geral, considera-se a lei 11.343/06 (BRASIL, 2006) mais benéfica, pelo fato de introduzir no ordenamento jurídico a figura do “tráfico privilegiado”, previsto no §4°, do seu artigo 33, o qual, de acordo com recente decisão do Supremo Tribunal Federal no HC 118533/MS (BRASIL, 2016a), não deve ser considerado crime de natureza hedionda.

Todavia, a análise da lei mais benéfica deve ser feita no caso concreto e de forma global, ou seja, com base na lei por inteiro, para que se evite entrar na celeuma doutrinária quanto à possibilidade de combinação de leis.

É nesse sentido o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE 100 Kg (CEM QUILOS) DE COCAÍNA.DOSIMETRIA FUNDAMENTADA NA GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA.REGIME INICIAL FECHADO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO A QUO FUNDAMENTOU A ESCOLHA PELA LEI MAIS ADEQUADA. LEI N. 6.368/1976 OU LEI N.11.343/2006. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA.PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. PRINCÍPIOS NÃO VIOLADOS PELO ACÓRDÃO A QUO. Cabe às instâncias ordinárias verificar, em cada caso concreto, a incidência da lei mais benéfica para a parte ré (Lei n. 6.368/1967 ou Lei n. 11.343/2006), o que ocorreu na espécie, ao se afastar a indevida combinação de leis (princípio da retroatividade da lei penal mais benigna). (...)

(EDcl no AgRg no Ag 1387408/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 31/05/2013) – Grifo nosso (BRASIl, 2013c).

Não obstante o mencionado entendimento, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, no julgamento do processo no 0019644-15.2006.8.08.0035 (035.06.019644-7) (BRASIL, 2008a) no qual o crime ocorreu ainda na vigência da lei anterior, analisou os pleitos defensivos de reconhecimento de certas benesses com base na lei 11.343/06 (BRASIL, 2006), porém, no tocante a análise do pedido de reconhecimento da delação premiada, se baseou na lei 10.409/02 (BRASIL, 2002), como se observa:

APELAÇÃO CRIMINAL. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. PRELIMINAR REJEITADA. PROVA TESTEMUNHAL. PEQUENAS DIVERGÊNCIAS. PRESENTES INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. PRIMARIEDADE. ATENUANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. AGENTE DEDICADO À ATIVIDADE CRIMINOSA. DELAÇÃO PREMINADA. PERDÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. LEI ESPECÍFICA. EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE. ART. 45 DA LEI 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. MENOR DE 21 ANOS. ATENUANTE DO ARTIGO 65, I, DO CP. RECURSOS CONHECIDOS. (...) A concessão do benefício previsto no artigo 33, §4º da Lei 11.343/06, está, invariavelmente, condicionada à presença de certos requisitos, a saber, o condenado deve apresentar bons antecedentes, bem como não pode se dedicar à atividade criminosa ou integrar organização criminosa. 4- Mesmo que se entenda mais benéfica a Lei 9.807/99, é certo que a Lei 10.409/02 é específica quanto aos crimes relacionados ao tráfico de produtos, substâncias ou drogas ilícitas, devendo, portanto, ser aplicada ao caso em análise, no que tange aos benefícios da delação premiada. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 35060196447, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 26/03/2008, Data da Publicação no Diário: 18/04/2008) – Grifo nosso.

Por outro lado, verifica-se que no julgamento do processo n° 0020613-30.2006.8.08.0035 (035.06.020613-9) (BRASIL, 2009e) - no qual o fato delituoso ocorreu ainda no período de vacatio legis da nova lei de drogas- o Tribunal não se debruçou especificamente na análise de qual diploma legal seria mais benéfico para o acusado, mas, pelo contrário, optou pela aplicação da lei posterior, com base no pleito defensivo de reconhecimento da delação premiada. Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS - PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO ANTE A FRAGILIDADE DE PROVAS - NÃO CABIMENTO - DEPOIMENTOS HARMÔNICOS DOS POLICIAIS - PROVA SUFICIENTE - DOSIMETRIA DA PENA - PRETENDIDA APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 41 DA NOVA LEI DE TÓXICOS - DELAÇÃO PREMIADA - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE DOIS DOS REQUISITOS PARA A SUA APLICABILIDADE - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Estando a autoria e materialidade do delito induvidosamente comprovadas, a mera alegação de ausência de provas não enseja a absolvição. 2. Os depoimentos dos policiais, estando coerentes e harmônicos com a prova testemunhal, são válidos para servir de fundamento e formar o livre convencimento do Juiz. 3. Os requisitos para o reconhecimento da delação premiada são cumulativos, devendo-se verificar a ocorrência de colaboração voluntária com a investigação policial ou o processo criminal, identificação dos demais co-autores ou partícipes e recuperação do produto do crime. 4. Embora demonstrado nos autos que o acusado preenche um dos requisitos previstos em lei, eis que recuperado o produto do delito, restou inviabilizada a aplicação do benefício pleiteado, tendo em vista que os outros dois requisitos não foram cumpridos. 5. Desta forma, torna-se inviável a aplicação do benefício previsto no artigo 41 da Lei nº 11.343/06 em favor do ora recorrente, devendo, pois, ser mantida irretocável a r. decisão monocrática. 6. Recurso conhecido e improvido.

TJES, Classe: Apelação, 35060206139, Relator : JOSÉ LUIZ BARRETO VIVAS, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 25/03/2009, Data da Publicação no Diário: 29/05/2009). - Grifo nosso.

É claro que nos casos em comento poderia se afirmar que os acusados não cumpririam os requisitos necessários para sua concessão mesmo que analisados os pedidos com base no artigo 32 da lei 10.409/02 (BRASIL, 2002). No entanto, não se pretende aqui tecer comentários ou realizar juízo de valor sobre as provas carreadas nos autos, até pela própria impossibilidade fática.

O que se discute foi a não apreciação de qual lei teria sido mais benéfica para o acusado no caso concreto, o que deveria ter sido feito até como uma forma de possibilitar eventual recurso para as instâncias superiores.

3.2.3 A delação premiada no caso específico da lei 9.807/99

A chamada "Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas" prevê, em seus artigos 13 e 14, a possibilidade de reconhecimento do instituto da delação premiada, com a consequente concessão de perdão judicial, ou redução da pena de um a dois terços, desde que preenchidos seus requisitos.

Para a concessão do perdão judicial (art. 13), deverá o acusado preencher certos requisitos de ordem subjetiva (voluntariedade, primariedade e personalidade favorável), além de requisitos objetivos: natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso, além de contribuir para: i) a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; ii) a localização da vítima com a sua integridade física preservada; e iii) a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Para a redução da pena de um terço a dois terços (art. 14), analisa-se apenas se houve colaboração voluntária com a investigação policial e o processo criminal, devendo o delator possibilitar a ocorrência de um dos três resultados previstos no artigo anterior.

Diz-se "um dos três resultados" pois a presença de três requisitos de ordem objetiva poderia levar ao entendimento de serem cumulativos. Entretanto, não obstante a omissão legislativa, deve-se entendê-los como requisitos alternativos, pois, do contrário, a lei perderia seu significado.

Isso porque, segundo Fabiana Greghi (2007) sua aplicação estaria limitada ao crime de extorsão mediante sequestro, por ser este o único tipo penal que permite a satisfação cumulativa de todos os requisitos. Parece ser esse o entendimento majoritário, haja vista Rogério Greco (2010, p. 635) afirmar que:

Pela redação do mencionado art. 13, tudo indica que a lei teve em mira o delito de extorsão mediante seqüestro, previsto no art. 159 do Código Penal, uma vez que todos os seus incisos a ele se parecem amoldar. Contudo, vozes abalizadas em nossa doutrina já se levantaram no sentido de afirmar que, na verdade, a lei não limitou a sua aplicação ao crime de extorsão mediante seqüestro, podendo o perdão judicial ser concedido não somente nesta, mas em qualquer outra infração penal, cujos requisitos elencados pelo art. 13 da Lei nº 9.807/99 possam ser preenchidos.

Não é outro o entendimento do Tribunal de Justiça do Espírito Santos, conforme se verifica nas razões expostas pelo Desembargador Relator Aldary Nunes Junior, com base nas lições de Alberto Silva Franco, na ocasião do julgamento do processo no 0020247-49.2006.8.08.0048 (BRASIL, 2009d):

C) a delação premiada deve estar estreitamente vinculada a um dos resultados explicitados em lei: a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima e a recuperação total ou parcial do produto do crime. Tais requisitos, sob pena de tornar ineficaz a cooperação do agente, não têm a característica da cumulatividade embora tenha cogente poder de partida na identificação dos co-autores e partícipes.

No mesmo sentido:

RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL. CONFISSÃO EXTRA-JUDICIAL. RETRATAÇÃO. CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE FRENTE AOS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE. SÚMULA 231/STJ. RECURSOS AOS QUAIS SE NEGA PROVIMENTO. (...) 2- A concessão dos benefícios previstos na Lei 9.807/99 está condicionada a certos requisitos, a saber, é necessário que a colaboração do acusado dê azo à identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, à localização da vítima com vida, ou à recuperação total ou parcial do produto do crime, o que não se verificou no caso em tela. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 12070006577, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 30/04/2008, Data da Publicação no Diário: 26/05/2008). - Grifo nosso (BRASIL, 2008b).

APELACAO CRIMINAL - CONCESSAO DO PERDAO JUDICIAL - ART. 13 DA LEI N. 9.807/99 - INAPLICABILIDADE - APELANTE PRESO EM FLAGRANTE DELITO - CONFISSAO DE FATOS ACONTECIDOS E DESVENDADOS - RECURSO NEGADO PROVIMENTO. A LEI CITADA TEM POR FINALIDADE RESGUARDAS E PROTEGER PESSOAS QUE TENHAM COLABORADO NA ELUCIDACAO DE CRIMES PRATICADOS POR QUADRILHAS,INTEGRANTES DO GRUPO QUE DISPONHAM A AJUDAR NA IDENTIFICACAO DOS DEMAIS CO-AUTORES, LOCALIZACAO DE VITIMAS COM INTEGRIDADE PRESERVADA E, OURECUPERACAO DO PRODUTO DE CRIMES.

(TJES, Classe: Apelação, 12019000822, Relator : WELINGTON DA COSTA CITTY, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 31/10/2001, Data da Publicação no Diário: 28/11/2001) - Grifo nosso (BRASIL, 2001).

Por outro lado, afirma também a doutrina que a lei no 9.807/99 (BRASIL, 1999), possibilitou o lastramento da concessão do beneplácito da delação premiada para todas as espécies de crimes, desde que preenchidos os seus requisitos (BITTAR; PEREIRA, 2011, p. 135). No mesmo sentido,para Débora Messer (2009) estendeu a previsão específica da lei no 9.613/98 (BRASIL, 1998), possibilitando a aplicação do perdão judicial a todos os outros tipos penais.

Parece ser esse o entendimento do Tribunal, haja vista já ter analisado a possibilidade de concessão do benefício com base na lei 9.807/99 para casos de latrocínio15, roubo16, falsificação de documento público e uso de documento falso17, dentre outros, tendo, inclusive, reconhecido a aplicação do benefício para um caso de corrupção passiva prevista no Código Penal Militar. 18

Por outro lado, muito embora decisão não observada em nenhuma outra ocasião, o Tribunal já decidiu pela ausência de previsão legal da delação premiada para o crime de furto qualificado, o que não parece, por todo o exposto até então, ser o seu entendimento. Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE FURTO QUALIFICADO (CONCURSO DE AGENTES) - 1) APELANTE ADEVALTER FERREIRA DA COSTA - A) ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS: IMPOSSIBILIDADE - B) ABSOLVIÇÃO PELA PRÁTICA DE CRIME IMPOSSÍVEL: INOCORRÊNCIA - C) DESCLASSIFICAÇÃO DE FURTO CONSUMADO PARA FURTO TENTADO: IMPOSSIBILIDADE - D) REDUÇÃO DA PENA: IMPOSSIBILIDADE - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO - 2) APELANTE JAIRO DE JESUS: A) ABSOLVIÇÃO: IMPOSSIBILIDADE - B) REDUÇÃO DA PENA: POSSIBILIDADE - RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. (...) D)Inaplicabilidade da minorante da delação premiada por ausência de previsão legal ao tipo penal atribuído ao apelante, ou mesmo por ausência de contribuição efetiva do apelante para a elucidação do crime. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 6079000599, Relator : SÉRGIO LUIZ TEIXEIRA GAMA, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 17/09/2008, Data da Publicação no Diário: 09/10/2008) - Grifo nosso (BRASIL, 2008d).

Portanto, verifica-se estar o Tribunal em consonância com a doutrina majoritária no tocante a alternatividade dos requisitos previstos na lei 9.807/99 (BRASIL, 1999), bem como na extensão de sua aplicação a todos os tipos penais que não contem com previsão específica.

3.3 ANÁLISE CRÍTICA DOS CASOS EM QUE SE CONCEDEU O BENEFÍCO

3.3.1 Dados estatísticos

Consoante se verificou na presente pesquisa, dos 83 (oitenta e três) pleitos envolvendo o instituto da delação premiada no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, 82 (oitenta e dois) foram pleitos defensivos, sendo o restante objeto de recurso ministerial, conforme demonstra o gráfico abaixo.

Mais além, verificou-se também que nem todos os pleitos defensivos tinham o mesmo objetivo, sendo em sua maioria demandas pelo reconhecimento da delação premiada e, em poucos casos, pelo aumento do quantum de diminuição concedido pelo juiz de primeiro grau. Por outro lado, o único pedido ministerial foi para que o Tribunal revisse a concessão do benefício reconhecido em sentença. É o que demonstra o gráfico que segue.

Assim, verificando o resultado de todos os pleitos defensivos (oitenta e dois), seja pelo reconhecimento (setenta e nove), seja pelo aumento da benesse anteriormente reconhecida (três), verifica-se que o Tribunal atendeu à expectativa dos réus em apenas três casos, nos quais reconheceu em sede recursal o benefício, perfazendo um total de decisões favoráveis à defesa de apenas 3,61% (três inteiros, seis décimos e um centésimo por cento), conforme segue.

No que tange aos pleitos defensivos pelo aumento da benesse já reconhecida, verifica-se que em nenhum dos três casos o Tribunal reformou a sentença, mantendo-se o valor anteriormente fixado. Interessante ressaltar o entendimento exposto no voto do Relator do processo nº 0000935-48.2011.8.08.0069 (069.11.000935-9) (BRASIL, 2012d), no qual expõe que:

Nestes casos, perfilho do entendimento esposado pelo Supremo Tribunal de Federal ao dispor que a reforma da sentença, quanto a patamares utilizados para majorar ou abrandar penas só ocorrerá quando a decisão estiver desprovida de legalidade ou constitucionalidade, o que não ocorre nos autos.

Por outro lado, o Tribunal julgou favoravelmente ao Ministério Público o seu único pedido (BRASIL, 2013j) - de revisão do reconhecimento efetuado pelo juiz de primeiro grau - para que não fosse mais concedido o benefício da delação premiada.

Portanto, foi reconhecido em sede recursal o benefício da delação premiada nos processos no0003000-50.2013.8.08.0035 (BRASIL, 2014e) - julgado no dia 30/10/2013; no processo 0004587-42.2011.8.08.0047 (04711004570) (BRASIL, 2013i) - julgado no dia 29/05/2013 e no processo 0001527-38.2008.8.08.0024 (024080015274) (BRASIL, 2014b) - julgado no dia 26/02/2014.

3.3.2 Primeiro caso: 0003000-50.2013.8.08.0035

Neste processo, um dos quatro condenados pelo crime de roubo circunstanciado (artigo 157, § 2º, inciso II, do Código Penal) à pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, em regime inicial semiaberto, pleiteou, dentre outras, pelo o reconhecimento do benefício da delação premiada com base no artigo 14 da lei 9.807/99.

O Desembargador Relator Ney Batista Coutinho entendeu assistir razão à defesa, concedendo o benefício pelo fato das testemunhas terem comprovado "ter sido ele quem indicou a localização dos demais participantes do crime, possibilitando, inclusive, a recuperação de parte dos bens roubados". Com isso, reduziu a pena do acusado em 1/3 (um terço), justificando o quantum de redução com base no fato de não ter sido recuperado o produto do roubo em sua totalidade.

Segue a ementa do julgamento:

APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO CIRCUNSTANCIADO - CONDENAÇÕES RESPALDADAS NA PROVA DOS AUTOS - CERCEAMENTO DE DEFESA - INEXISTÊNCIA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E ARREPENDIMENTO POSTERIOR - INAPLICABILIDADE - DELAÇÃO PREMIADA - CONCESSÃO A UM DOS APELANTES - DOSIMETRIA DO CRIME - MÍNIMO LEGAL - MANUTENÇÃO - REGIMES INICIAIS SEMIABERTO E ABERTO - SUBSTITUIÇÃO DA PENA - REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS - BENEFÍCIO NÃO CONCEDIDO. (...)Deve ser concedido o benefício da delação premiada a quem colabora com a investigação policial, indicando a localização dos demais coautores do crime, possibilitando, inclusive, a recuperação de parte dos bens roubados. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 35130015965, Relator : NEY BATISTA COUTINHO, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 30/10/2013, Data da Publicação no Diário: 06/02/2014) - Grifo nosso (BRASIL, 2014e).

Nesse sentido, como visto anteriormente, os requisitos previstos no artigo 14 da lei 9.807/99 são alternativos, até porque, se assim não o fosse, não poderia ser reconhecido, in casu, o benefício.

No entanto, justificou-se a menor redução possível prevista no referido dispositivo legal (um terço) com base no fato de não ter sido recuperado o produto do crime em sua integralidade. Ora, ficou claro que o acusado contribui, não só para a identificação - como exigido pelo dispositivo legal - mas também indicou a localização dos demais participantes do crime, o que, por si só, ensejaria a aplicação do instituto.

Mais além, também possibilitou a recuperação parcial do produto do crime, cumprindo mais um dos requisitos alternativos previstos no artigo 14 do referido diploma legal.

Assim, fica claro que o quantum da redução da pena não poderia ter sido fixado no mínimo possível. Isso porque, se a valoração do quantum está vinculado à eficácia das informações, não se pode tratar da mesma forma um delator que apenas identifica os demais coautores ou participes, com um outro que indica a localização destes, e, mas ainda, possibilita a recuperação parcial do produto do crime.

Portanto, se havendo o cumprimento de um requisito já deve ser reconhecido o benefício da delação premiada - partindo-se do patamar mínimo de redução de 1/3 (um terço)- com muito mais razão, deve ser fixado maior diminuição para aquele que preenche dois ou mais requisitos.

3.3.3 Segundo caso: 0004587-42.2011.8.08.0047 (047110045870)

Neste caso, o réu, condenado pela prática do crime de tráfico de drogas agravado pela interestadualidade e pelo envolvimento de menor, segundo o art. 33 c/c art.40, V e VI, da Lei 11.343/06, à pena em 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime fechado, e multa equivalente a 665 (seiscentos e sessenta e cinco) dias-multa, pleiteou, dentre outras, pelo o reconhecimento do benefício da delação premiada com base no artigo 41 da lei 11.343/06.

O Desembargador Relator Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça entendeu assistir razão à defesa, concedendo o benefício pelo fato do acusado em seu depoimento ter dado detalhes sobre o modus operandi do delito e identificado, nominalmente, quem o teria contratado para a viagem, e quem seriam os verdadeiros proprietários da droga apreendida.

Destacou que as informações passadas pelo delator foram remetidas à Polícia Federal, ensejando a realização de novas diligências e investigações, as quais revelaram que muito provavelmente a delação estaria em consonância com a realidade dos fatos.

Ademais, expôs que é irrelevante o fato das investigações não terem prosseguido, haja vista o mesmo não ter "(...) dúvidas de que Claudio disse a verdade e deu ao Ministério Público e à autoridade policial todas as informações que dispunha acerca de seus contratantes (...)".

Com isso, reduziu a pena do acusado em 1/2 (metade), justificando o quantum de redução com base no fato de que as informações "tiveram cunho eminentemente indiciário, pois serviram à coleta de informações em sede policial" logo, "a redução de sua pena deve se dar em patamar intermediário (...)".

Segue a ementa do julgamento:

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS (ART. 33, c/c ART. 40, V E VI, DA LEI 11.343/06). DOSIMETRIA DA PENA - CONFIGURAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI ANTIDROGAS - MAUS ANTECEDENTES NÃO EVIDENCIADOS - CAUSA DE DIMINUIÇÃO APLICADA EM PATAMAR PRÓXIMO AO MÍNIMO - QUANTIDADE E NOCIVIDADE DO ENTORPECENTE. DELAÇÃO PREMIADA - RÉU QUE DELATA CO-AUTORES - INFORMAÇÕES CORROBORADAS - BENEFÍCIO DEVIDO - DIMINUIÇÃO DA PENA À METADE. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, VI, DA LEI 11.343/06 - ENVOLVIMENTO DE MENOR EVIDENCIADO - MAJORAÇÃO MANTIDA. PENA CORPORAL REDUZIDA - REGIME ABERTO - SUBSTITUIÇÃO POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO A QUE SE NEGA PROVIMENTO E DA DEFESA A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. (...) Em que pese a existência de muitas críticas doutrinárias à própria existência e constitucionalidade da delação premiada, trata-se de instituto consagrado em nosso ordenamento jurídico e, voltando ao caso concreto, plenamente aplicável aos delitos de tóxicos por expressa previsão do art. 41 da Lei 11.343/06. 7. Vê-se, assim que o benefício deve ser sempre aplicado quando o réu ou investigado confesso contribuir para a identificação de outros agentes envolvidos no delito, impondo-se, nestas situações a diminuição de pena nos limites estabelecidos pelo dispositivo citado. 8. Contudo, se por um lado não há dúvidas acerca da possibilidade de utilização do instituto, por outro, a delimitação de seus requisitos é tarefa mais tormentosa, tendo sido objeto de inúmeros debates na jurisprudência e na doutrina, sendo certo que a verdadeira exigência contida na lei é a de que as informações prestadas pelo acusado sejam significativas e eficazes na identificação dos delatados. 9. Como se observa da r. sentença, o julgador de piso negou o benefício ao réu sob o argumento de que as informações por ele prestadas não foram capazes de levar ao desmantelamento da rede criminosa, apresentando, ainda, o fato de os delatados já serem alvo de investigações, como justificativa para sua decisão. 10. Ocorre que, conforme a lição doutrinária, para a configuração da delação premiada, basta que as informações dadas pelo agente sejam corroboradas por diligências policiais, sendo de todo irrelevante o fato de que não foi possível o aprofundamento das investigações ou mesmo o oferecimento de denúncia contra os delatados. 11. Assim, o fato de as investigações não terem prosseguido deve ser tido por irrelevante, afinal, diante das informações contidas nos autos, não há dúvidas de que o réu disse a verdade e deu ao Ministério Público e à autoridade policial todas as informações que dispunha acerca de seus contratantes, sendo-lhe, por isso, devido o prêmio previsto no art. 41 da Lei de Drogas. 12. A intensidade do prêmio ao delator deve ser proporcional aos efeitos de sua delação, de modo que, tendo em vista que as revelações do réu tiveram cunho eminentemente indiciário, pois serviram à coleta de informações em sede policial, a redução de sua pena deve se dar em patamar intermediário, afigurando-se justa a utilização da fração de 1/2 (um meio).

(TJES, Classe: Apelação, 47110045870, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 29/05/2013, Data da Publicação no Diário: 07/06/2013) – Grifo nosso (BRASIL, 2013i).

O que se observa é que o julgado em análise deve ser visto como uma decisão paradigma para as teses defensivas, pois parte da ideia de que o acusado deve delatar tudo aquilo que tem conhecimento, sendo impossível exigir-lhe informações alheias ao seu envolvimento nos fatos.

Dessa forma, concedeu-se o benefício da delação premiada mesmo não tendo a indicação de coautor ou partícipe levado, de fato, a algum resultado eficaz, haja vista já estarem os delatados sobre investigação policial; ou mesmo porque já havia sido apreendido o produto do crime no momento da prisão em flagrante.

O que se levou em consideração foi o fato de que as informações passadas pelo delator foram confirmadas pelas investigações policiais, mesmo que delas não tenha decorrido nenhum resultado especifico.

Verifica-se, portanto, que houve uma possível - e singular - ressignificação do requisito da eficácia visto nas demais decisões do Tribunal. Isso porque, até então tal requisito estava adstrito aos resultados advindos da delação, enquanto, in casu, houve apenas a análise quanto à veracidade das informações passadas pelo delator, entendendo por não condicionar a delação às diligências externas de responsabilidade das autoridades policiais e do próprio Ministério Público.

No entanto, apesar da decisão afirmar não condicionar o reconhecimento da delação às diligências externas, utiliza-se da efetividade dos resultados advindos das informações passadas no momento de fixação do quantum da redução da pena (pela metade).

Isso porque, justificou-se a redução em patamar intermediário com base no fato de que as alegações teriam somente “cunho indiciário” e que serviram para “coleta de informações em sede policial”, sendo, hermeneuticamente, o mesmo que afirmar que não tiveram nenhum resultado efetivo.

Portanto, o que se percebe é que o requisito da eficácia, ou seja, a adstrição aos resultados advindos da delação, não pode servir como parâmetro para o reconhecimento da delação em si, mas, é possível utilizá-lo como parâmetro para fixação do quantum de redução da pena, haja vista que “a intensidade do prêmio ao delator deve ser proporcional aos efeitos de sua delação”.

3.3.4 Terceiro caso: 0001527-38.2008.8.08.0024

No terceiro e último caso de reconhecimento da delação premiada em sede recursal, um dos dois condenados pelo crime de corrupção passiva no Código Penal Militar (artigo 308 do Código Penal Militar) a 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, pleiteou pela concessão do perdão judicial com base no artigo 13 da lei 9.807/99, e, subsidiariamente, pelo reconhecimento do benefício da delação premiada com base no artigo 14 do mesmo diploma legal.

O Desembargador Relator Adalto Dias Tristão entendeu assistir parcial razão à defesa, para reconhecer a causa de diminuição prevista no artigo 14, haja vista ter o acusado delatado os coautores do crime. Com isso, reduziu a pena do acusado em 1/3 (um terço), justificando o quantum de redução com base no fato de já existir farto material probatório existente contra os outros acusados

Segue a ementa do julgamento:

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME MILITAR, ART. 308 DO CPM - CORRUPÇÃO PASSIVA - LITISPENDÊNCIA - INEXISTÊNCIA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR - MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO E IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA-BASE - APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO artigo 14 da Lei n.° 9.807/99 - (...) Deve ser aplicada a causa de diminuição de pena inserta no artigo 14 da Lei n.° 9.807/99 em relação ao segundo apelante, eis que colaborou com as investigações delatando algumas atividades criminosas. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 24080015274, Relator : ADALTO DIAS TRISTÃO, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 26/02/2014, Data da Publicação no Diário: 10/03/2014) – Grifo nosso (BRASIL, 2014b).

Interessante ressaltar a confirmação da característica da alternatividade dos requisitos previstos no artigo 14 da lei 9.807/99, haja vista que no presente caso o acusado apenas delatou os coautores do crime.

Ademais, verifica-se também a confirmação do caráter amplo que possui a lei 9.807/99, tendo permitido o lastramento da concessão do beneplácito da delação premiada para todas os tipos penais, inclusive para os crimes militares, como no caso em apreço.

Importante ressaltar que o quantum de redução da pena foi fixado no mínimo possível com base no fato de já existir "farto material probatório existente contra os outros acusados".

Assim, realizando um paralelo entre as decisões do "segundo caso" e do "terceiro caso" conclui-se que, para o Tribunal, a princípio, o fato dos delatados já serem alvos de investigações (fato externo e alheio) não poderia ser justificativa para o não reconhecimento do benefício, mas a existência de farto material probatório poderia servir como justificativa para o momento de fixação da diminuição, pois inerente a própria eficácia da delação.

3.4 POR QUE POUCAS DELAÇÕES SÃO RECONHECIDAS EM SEDE RECURSAL PERANTE O TJ/ES

Após a realização da presente pesquisa e análise minuciosa dos dados coletados é possível afirmar, categoricamente, que o instituto da delação premiada é raramente aplicado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

Muito embora não se tenha expressamente definido o motivo - até porque passaria por questões de subjetividade e por discussões que vão muito além dos objetivos do presente estudo - foi possível constatar alguns fatores que poderiam influenciar tal constatação.

Não se objetiva aqui justificar a escassez dos reconhecimentos do instituto, tampouco tem-se a pretensão de explicá-lo em sua inteireza, mas sim, fornecer motivos plausíveis para sua ocorrência.

3.4.1 Prévia negativa

Por ser objeto da presente análise as decisões do Tribunal quanto ao não reconhecimento do instituto da delação premiada, verifica-se necessário para discussão da matéria em segunda instância - até mesmo como um requisito de interesse recursal - prévia negativa por parte dos juízes de primeiro grau.

Dessa forma, tendo havido anteriormente a análise quanto à possibilidade do reconhecimento da delação premiada no caso concreto, recorre ao Tribunal apenas aqueles casos em que não foram acatados os pleitos defensivos.

Portanto, percebe-se que os casos analisados pelo Tribunal já têm - em uma análise quantitativa - possível predisposição à negativa do provimento, cabendo a ele realizar apenas a reforma quanto aos casos necessários. O que, como se viu, é algo extremamente incomum.

3.4.2 Discricionariedade do órgão julgador

Por outro lado, na falta de uma formalidade pré-estabelecida, o acusado fica a mercê da discricionariedade do órgão julgador, que poderá levar em consideração eventos futuros e incertos, ou eventos passados sobre os quais o acusado não tem controle.

Da mesma forma, é possível que haja um direcionamento implícito prévio por parte dos órgãos julgadores no sentido de se aplicar a delação somente em casos excepcionais, e, assim o fazendo, prezar pelo seu patamar mínimo.

Nesse sentido, interessa ressaltar a possibilidade, sempre existente, de que por meio de uma retórica tendenciosa disposta em modelos pré-formatados, se deixe de conceder o benefício em casos que a colaboração tenha sido de fato efetiva, porém indesejável a diminuição da pena.

Talvez, como uma forma de evitar o desvirtuamento do instituto, bem como a ampla discricionariedade e subjetividade por parte dos julgadores, fosse necessário exigir um nível de fundamentação mais profundo no que tange a análise do benefício.

3.4.3 Estar condicionada à eficácia (futura e incerta) das investigações

Conforme exposto, muitas vezes o reconhecimento do benefício fica adstrito à efetividade da delação, o que, juntamente com a discricionariedade do órgão julgador, poderia vir a caracterizar um refúgio jurisprudencial para os casos em que não se tenha interesse em conceder o beneplácito.

Assim, levando-se em conta não só os requisitos previstos nas leis, mas também o resultado efetivo das informações passadas pelo delator para a concessão do benefício, o seu reconhecimento ficaria condicionado a algo externo e alheio, que escapa da possibilidade de ação por parte do delator, e recai nas responsabilidades do próprio Estado.

Exemplo disso são os casos em que o acusado, sem prévio acordo com o Ministério Público, delata uma gama de coautores, já recentemente presos, não tendo o seu depoimento nenhuma eficácia fática, para além do reconhecimento da atenuante da confissão.

É o que ocorreu no processo 0020390-76.2011.8.08.0011 (011110203905)(BRASIL, 2013p), conforme ementa de julgamento que segue:

A PELAÇÃO CRIMINAL - SENTENÇA CONDENATÓRIA - ROUBO QUALIFICADO (EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES) - CONCURSO MATERIAL (DUAS VEZES) - RECURSO DA DEFESA - DIMINUIÇÃO DAS PENAS-BASE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NÃO FUNDAMENTADAS IDONEAMENTE - MOTIVAÇÃO GENÉRICA - POSSIBILIDADE - RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA/QUALIFICADA (ART. 71, PARÁGRAFO ÚNICO, CPB) - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS - OCORRÊNCIA - PRECEDENTES - RECONHECIMENTO DA DELAÇÃO PREMIADA - LEI 9.807/1999 - RÉU QUE SE APRESENTA ESPONTANEAMENTE À AUTORIDADE POLICIAL, CONFESSANDO E RESTITUINDO PARTE DA “RES FURTIVA” - INOCORRÊNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 14 DA LEI DE REGÊNCIA - CORRÉU DELATADO QUE, DIAS ANTES, AINDA QUANDO DA PRISÃO EM FLAGRANTE DO SEGUNDO ROUBO, TAMBÉM CONFESSA TODA A ATIVIDADE DELITIVA E RESTITUI GRANDE PARTE DOS BENS SUBTRAÍDOS - EFETIVIDADE DA DELAÇÃO PREMIADA - INOBSERVÂNCIA - AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO DOS DEMAIS COMPARSAS - REQUISITO NÃO CUMPRIDO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3) Em relação à pleiteada delação premiada, instituto previsto no Lei 9.807/99, mais especificamente em seu artigo 14, percebe-se que um de seus requisitos é a “identificação dos demais co-autores”, o que não restou comprovada na hipótese em testilha, vez que o corréu (delatado) já havia sido preso em flagrante no dia do segundo roubo, cerca de três dias antes da feitura da referida delação perante a autoridade policial, até mesmo confessando os delitos e devolvendo, parcialmente, a “res furtiva”, carecendo de efetividade o ato perpetrado pelo delator. Diante disso, não faz jus ao benefício o depoimento não decisivo para a elucidação dos fatos, até porque estes já haviam sido descortinados com a pretérita confissão do corréu (delatado), que, aliás, devolveu parte dos bens subtraídos. Precedentes desta Corte. 4) Recurso parcialmente provido.

(TJES, Classe: Apelação, 11110203905, Relator : CATHARINA MARIA NOVAES BARCELLOS, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 23/10/2013, Data da Publicação no Diário: 31/10/2013) - Grifo nosso.

Por mais estranho que pareça, em alguns desses casos chega-se a afirmar que as delações não tiveram utilidade, servindo tão somente para condenar os demais coautores.

Isso significa que utiliza-se dessa delação para duas finalidades: a primeira, como meio de prova para condenação do próprio delator, dizendo tratar-se de confissão; por outro lado, utiliza-se também para condenar os demais coautores, já anteriormente conhecidos da autoridade policial. Entretanto, não se concede a benesse pelo não cumprimento dos seus requisitos formais. Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL - EXTORSÃO E EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO - PRELIMINARES DE NULIDADE DO PROCESSO, EM RAZÃO DA PRÁTICA DO CRIME MEDIANTE COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL E DA POSSIBILIDADE DE DELAÇÃO PREMIADA - REJEITADAS - PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO EM VIRTUDE DA ILEGITIMIDADE DA PARTE PARA COMPOR O PÓLO PASSIVO DA AÇÃO PENAL - REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - NEGATIVA DA AUTORIA POR PARTE DOS APELANTES - INCONSISTENTE - PROVA ISOLADA - VASTA PROVA APTA A COMPROVAR A AUTORIA DOS DELITOS - DOSIMETRIA DA PENA - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 59 E 68 DO CP - PENA-BASE FIXADA CORRETAMENTE POUCO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - ANÁLISE CORRETA REALIZADA PELO MAGISTRADO - ATENUANTE DA MENORIDADE - RECONHECIMENTO - EXIGÊNCIA - DOCUMENTOS HÁBEIS A COMPROVAR - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE - RECURSOS DOS DEMAIS RÉUS DESPROVIDOS.. 2. As declarações prestadas pela apelante Gláucia, na esfera policial, não foram eficazes na resolução do crime, nem na soltura da vítima, e muito menos serviu para localizar o produto do crime, servindo tão-somente de meio de prova para a condenação dos denunciados. Ademais, tais declarações prestadas pela ora recorrente, foram retratadas em juízo, ou seja, não demonstrando o intuito de auxiliar a Justiça Criminal para a solução do caso, não sendo merecedora, portanto, da delação premiada (...)

(TJES, Classe: Apelação, 69060066367, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 14/10/2009, Data da Publicação no Diário: 30/11/2009) - Grifo nosso (BRASIL, 2009i).

APELAÇÃO CRIMINAL - PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL, EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA, DA NÃO DELIBERAÇÃO DE TESES DEFENSIVAS, DA INÉPCIA DA DENÚNCIA, DA RE-DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, DA PARCIALIDADE DO JUIZ SUBSTITUTO - TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA TAL FIM (ARTS. 33 E 35, AMBOS DA LEI 11.343/06) - AUTORIAS E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS - CIRCUNSTÂNCIAS DA PRISÃO, QUANTIDADE DE DROGA E VASTA PROVA TESTEMUNHAL - NEGATIVAS DE AUTORIA - INCONSISTENTE - PROVAS ISOLADAS NOS AUTOS - DEPOIMENTO DE POLICIAIS - VALIDADE - CONFISSÃO DE UM APELANTE - PROVA IDÔNEA - ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - REQUISITOS PRESENTES - ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA COMPROVADAS - DOSIMETRIA DAS PENAS - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 59 E 68 DO CP E DO ART. 42, DA LEI 11.343/06 - PENAS-BASE FIXADAS CORRETAMENTE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - ANÁLISE CORRETA - FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E SUFICIENTE - DELAÇÃO PREMIADA - IMPOSSIBILIDADE - NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 334 DO CP - ERRO DE TIPO - TRÁFICO DE DROGAS COMPROVADO - CAUSA DE AUMENTO (ART. 40, V, LEI 11.343/06) - TRÁFICO INTERESTADUAL - COMPROVADO - RESTITUIÇÃO DOS BENS APREENDIDOS - INVIÁVEL - AUSÊNCIA DE PROVA DA ORIGEM LÍCITA - PERDA EM FAVOR DA UNIÃO - APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/06 - IMPOSSÍVEL - NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS - CONCURSO MATERIAL - ARTS. 33 E 35 DA LEI 11.343/06 - IMPERIOSO - PRECEDENTES DO STJ - APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO PARA SÓ UM DOS DELITOS - INVIÁVEL - INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA - RECURSOS DESPROVIDOS. (...) O art. 41, da Lei de Drogas, possibilita a redução da pena em função da delação premiada, desde que preenchidos os seus requisitos essenciais. No caso, as declarações prestadas pelo apelante não foram eficazes na resolução do crime e muito menos serviu para localizar o produto do crime, servindo, tão-somente, de meio de prova para a condenação dos outros denunciados. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 50099000080, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 05/08/2009, Data da Publicação no Diário: 15/09/2009) - Grifo nosso (BRASIL, 2009g).

Assim, o que se verifica é que apesar das decisões estarem em consonância com os requisitos postos nos diplomas legais que tratam do instituto, aparentam, a princípio, um pouco de inconsistência, pelo próprio fato de afirmarem ter-se utilizado da delação como meio de prova para condenação dos demais coautores.

Parece que não se reconhece a aplicação do termo "delação" para que não haja necessidade de diminuição da pena aplicada, enquanto, de fato, utilizam-se as informações passadas pelo acusado.

Portanto, uma possível forma de evitar a utilização desvirtuada do instituto - já tratada nos tópicos anteriores - seria exigir um maior esforço argumentativo dos julgadores nas decisões denegatórias de reconhecimento da delação premiada.

3.4.4 Confusão com o instituto da confissão

Verificou-se na presente pesquisa que muito se confundiu, nos pleitos defensivos, a figura da delação premiada com a da confissão espontânea. Talvez haja, por parte dos defensores, uma tentativa de reduzir a pena de seu patrocinado de toda forma, mesmo sabendo que possivelmente o pleito será negado - e aqui não se critica, mas apenas se constata; ou talvez haja, por parte do Tribunal, uma tentativa de evitar ao máximo o reconhecimento da benesse, afirmando não ter o depoimento do acusado passado de mera confissão.

Nesse sentido, destaca-se, exemplificativamente, alguns julgados em que foi negado o reconhecimento do instituto por entenderem que o depoimento do acusado não passou de mera confissão:

APELAÇÕES CRIMINAIS - tráfico de drogas, associação para o tráfico, posse irregular de arma de fogo de uso permitido e uso de documento falso - DOSIMETRIA DA PENA - DESCABIMENTO DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS QUANTO À PARTE DOS RÉUS - COMPROVAÇÃO DA DEDICAÇÃO À ATIVIDADE DELITIVA - causa de diminuição do art. 41 da lei de drogas - delação premiada não configurada - INCIDÊNCIA DE REGIME INICIAL DIVERSO DO FECHADO APENAS QUANTO A UM DOS ACUSADOS - MESMO TRATAMENTO QUANTO AO BENEFÍCIO DO ART. 44 DO CP. (...) O simples fato de confessar detalhadamente os fatos e corroborar o depoimento dos policiais para fundamentar a condenação não pode ser confundida com a delação premiada, mormente quando todos os integrantes da associação foram presos em flagrante e apreendido o produto do crime. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 21110000755, Relator Designado: MANOEL ALVES RABELO, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 05/12/2012, Data da Publicação no Diário: 31/01/2013) - Grifo nosso (BRASIL, 2013d).

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - CRIME TIPIFICADO NO ART. 34, DA LEI Nº 11.343/06 - NATUREZA SUBSIDIÁRIA - ABSOLVIÇÃO - TRÁFICO DE DROGAS - MATERIALIDADE E AUTORIA - COMPROVAÇÃO - CONDENAÇÃO RESPALDADA - DELAÇÃO PREMIADA - INOCORRÊNCIA - CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA - PRESERVAÇÃO PARA NÃO INCORRER EM REFORMATIO IN PEJUS - REGIME INICIAL FECHADO - CABIMENTO - SUBSTITUIÇÃO DA PENA - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. (...) .Não há como reconhecer na hipótese a aplicação da figura jurídica da delação premiada prevista no art. 41, da Lei Antidrogas, quando o depoimento do acusado não ultrapassa os limites das suas próprias condutas, não revelando suas declarações qualquer situação de forma a contribuir com investigação ou identificação de outros agentes criminosos. (...)

(TJES, Classe: Apelação, 24120433701, Relator : NEY BATISTA COUTINHO, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 13/11/2013, Data da Publicação no Diário: 21/11/2013) – Grifo nosso. (BRASIL, 2013q).

R EVISÃO CRIMINAL - CONDENAÇÃO PELO DELITO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, I E IV, DO CP) - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DOS AUTOS - DESCLASSIFICAÇÃO - HOMICÍDIO SIMPLES (ART. 121, CAPUT, DO CP) - IMPOSSIBILIDADE - DOSIMETRIA - POSSIBILIDADE DE REANÁLISE PELA VIA REVISIONAL - ELEMENTOS CONCRETOS - CONFISSÃO ESPONTÂNEA - RECONHECIMENTO - DELAÇÃO PREMIADA - NÃO INCIDÊNCIA - REGIME INICIAL FECHADO - PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. (...) .Afasta-se o instituto da delação premiada quando o relato do requerente representa ato de autoincriminação, já reconhecido como a atenuante de confissão espontânea, somando-se ao fato de não haver confirmação em juízo. (...)

(TJES, Classe: Revisão Criminal, 100130014374, Relator : NEY BATISTA COUTINHO, Órgão julgador: CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS , Data de Julgamento: 12/08/2013, Data da Publicação no Diário: 20/08/2013) (BRASIL, 2013º). 19

O que se observa é que há por parte do Tribunal uma visualização muito distanciada do instituto da confissão com o da delação premiada. É como se, em uma escala de gradação, estivesse a confissão em patamar inferior ao da delação, sendo que, a somatória de cada requisito da delação à confissão, possibilite que esta suba de nível até que se aproxime ou acabe se tornando uma delação em si mesma.

O que se quer dizer é que, para o Tribunal, aparentemente, todo o intervalo compreendido entre um instituto e outro não possibilita o reconhecimento de qualquer benefício para o acusado.

É como se houvesse, apenas, ou confissão, ou delação, enquanto na realidade existe a possibilidade de reconhecimento de uma atenuante genérica inominada. Aplicar-se-ia, então, o artigo 66 do Código Penal, por tratar-se de circunstância relevante posterior ao crime, e por considerações de política criminal (SANTOS, 2014).

3.4.5 Aplicação da lei específica

Outro fator muito importante a ser levado em conta no momento de verificação do que influenciaria o Tribunal a reconhecer raramente a aplicação da delação premiada é o seu entendimento no sentido de dar primazia a aplicação da lei mais específica sobre a mais benéfica.

É o que foi verificado no caso dos crimes relacionados a lei de drogas (11.343/06), nos quais o Tribunal entende aplicar-se a lei específica em detrimento da mais benéfica (9.807/99), como já visto anteriormente no presente trabalho.

Em tais casos, é possível afirmar que se restringe ainda mais a possibilidade de concessão do beneplácito, já que sua ocorrência passa a depender da cumulação de requisitos, algo mais difícil de ser alcançado pelo agente delator.

3.4.6 Modalidade da delação

Como já exposto anteriormente, o presente trabalho tratou apenas da delação premiada em sua modalidade implícita/informal, ou seja, aquelas que ocorrem sem nenhuma formalização ou prévio acordo, mas que, após a confissão e o fornecimento de informações por parte do acusado, este pode requerer ao juízo a sua apreciação, objetivando ter a pena diminuída.

Por tal motivo, é possível que a escassez de reconhecimento do instituto perante o Tribunal de Justiça do Espírito Santo esteja diretamente vinculado à modalidade de delação pleiteada, pois na implícita/informal, o pleito de reconhecimento do instituto será realizado posteriormente à delação, o que deixa o réu à mercê da discricionariedade do magistrado sentenciante.

Assim, é possível que surjam muitos questionamentos por parte dos acusados sobre a possibilidade de reconhecimento da delação premiada, do cumprimento dos seus requisitos e das possíveis benesses, por conta da falta de uma prévia estipulação formal do alcance da delação e de suas possíveis recompensas.

Por tais motivos, parte da doutrina chega a afirmar até mesmo que os defensores deveriam "(...) aconselhar o seu patrocinado a jamais fornecer informes ou prestar colaboração efetiva, como delator, sem acordo devidamente assinado (...)"(NUCCI, 2015, p.708).

Nesse sentido, o que poderia ser feito por parte dos defensores, para resguardar seus clientes da análise subjetiva e permitir a delimitação do alcance da delação, seria requerer a formalização prévia do acordo com o Ministério Público, possibilitando até mesmo assegurar a integridade física do acusado por meio dos programas de proteção ao réu colaborador.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Direito

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!