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Breve ensaio sobre a pós-modernidade e o recurso visual - visual law - na comunicação jurídica

Agenda 28/04/2021 às 17:00

O ensaio trata das novas técnicas de comunicação adotadas por profissionais da área jurídica, inclusive em petições. O "visual law" já é realidade para muitos.

A assim denominada pós-modernidade, ou transpôs-modernidade[1] [2], teria nascido a partir da década de 1950 do século passado, sendo que, com o surgimento do cenário cibernético-informativo e informacional, nas palavras de Wilmar do Valle Barbosa[3], restou mais elevado o saber científico, inclusive na no âmbito do Direito.  O presente ensaio tratará de tema relevante, qual seja, o modo de produção do Direito no atual momento da pós-modernidade.

O mundo jurídico pátrio vem sofrendo acentuadas e sensíveis transformações - não é de agora, em plena crise sanitária -, em vários âmbitos, desde a forma da condução de processos [sistemas informatizados, audiências e sessões de julgamento nos tribunais, via videoconferência e peticionamento eletrônico em processos digitais] até o modo como o profissional do Direito se conduz em determinada ação judicial, visando a apreciação e deferimento do magistrado[4] [5].

Em resumo, impera a tecnologia da informação e o ambiente jurídico é digital[6] e essa situação parece irreversível.

Talvez, apenas talvez, o momento pandêmico seja o ápice das grandes transformações tecnológicas que vêm ocorrendo, especialmente a partir das últimas décadas. Aos poucos, tudo mudou: a pena e a tinta ficaram de lado, a máquina de escrever e o papel carbono se tornaram obsoletos; os modernos computadores tomaram conta do ambiente jurídico.

É indisfarçável que todos aqueles que atuam no mundo jurídico sentiram e sentem as significativas mudanças, cabendo atualização ou, melhor dizendo, readequação aos novos tempos, quiçá soturnos.Cabe se reinventar, repaginar-se, inclusive na forma de atuação do profissional do Direito.

Na visão daqueles que defendem a tese de que a sociedade mundial se encontra na era assim denominada pós-moderna - advinda do elevado progresso das ciências -, o saber se tornou a principal força de produção, qual as máquinas do período capitalista.

Conforme Jean-François Lyotard, em sua obra clássica publicada em 1979[7], o saber será o desafio da competição mundial pelo poder e haverá grande disputa pelo domínio de informações, de tecnologia e do mercado competitivo, com a mercantilização do saber[8].

Bem vaticinou Lyotard, imperando, atualmente, o mundo da informação e a linguagem fragmentada. 

Inexoravelmente, o Direito - o modo de produção do Direito no Brasil -, foi alterado radicalmente nos últimos tempos. A forma [escrita] do discurso jurídico, especialmente relacionada aos que atuam como advogados, de há muito vem sofrendo sensíveis e preocupantes transformações.

O modo de exposição do Direito ao magistrado, ou seja, o discurso jurídico escrito tendente a convencer o auditório[9], mediante retórica[10] embasada em argumentação minimamente plausível, coesa e consentânea com a realidade [raciocínio lógico formal], foi radicalmente mudado.

A linguagem escrita já não mais é a mesma; o referencial teórico, sólido - sim, os autores nacionais e estrangeiros que deixaram obras perenes, como Pontes de Miranda e outros de igual relevância - talvez não mais seja tão importante, qual poucas décadas passadas; a citação de autores clássicos rareou em manifestações judiciais; ilustrar longas e enfadonhas petições, não raro mal redigidas, com vários julgados, visando a persuasão do auditório, é medida que se impõe, para alguns, como será visto a seguir.

Novos instrumentos tecnológicos, variadas ferramentas digitais foram colocados ao alcance da mão do profissional da área jurídica, justamente para “facilitar”, por assim dizer, a compreensão de seu discurso escrito ou oral. O objetivo é se fazer compreender de forma mas simples, mais clara e objetiva, mediante a utilização de novas técnicas de persuasão. Nessa linha, o legal design cada vez mais se faz presente no cotidiano jurídico, especialmente entre os que denominam as técnicas computacionais. Consoante entendimento de Bernardo Azevedo e Souza,

o ‘Visual Law’ é uma subárea do ‘Legal Design’ que emprega elementos visuais para tornar o Direito mais claro e compreensível. O que se busca, em síntese, é transformar a informação jurídica em algo que qualquer pessoa consiga entender. As técnicas são as mais variadas e envolvem a utilização de vídeos, infográficos, fluxogramas, ‘storyboards’, ‘bullet points’, gamificação, entre outros recursos[11]

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Segundo o pensador, os advogados se podem utilizar do assim denominado visual law em petições, combinando textos escritos com elementos visuais, sendo que, na sua visão, a linguagem jurídica não é compreendida por todos. Por outro lado,

Qualquer profissional que atua na advocacia (em qualquer área de atuação) sabe que os magistrados, em sua maioria, não têm tempo para analisar todas as petições que lhe são submetidas. O julgadores costumam passar os olhos pelos pedidos finais e pelos tópicos das peças para entender os motivos que levaram ao ingresso da demanda. A leitura, na maioria das vezes, é superficial.

Dados do CNJ revelaram que o Brasil registrou, em 2018, 78,7 milhões de processos judiciais em tramitação no Poder Judiciário. Hoje, o País tem cerca de 21 mil magistrados. Embora não seja possível precisar quantos processos são distribuídos a cada magistrado, dada a competência de cada órgão jurisdicional, é possível supor que a maioria dos juízes analisa centenas de processos por mês.

O excesso de trabalho e a falta de tempo não estão permitindo que os magistrados leiam todas as petições. O cenário como um todo vem levando advogados a adotar novas formas de capturar a atenção dos julgadores. As novas técnicas de peticionamento vão desde peças processuais mais curtas, claras e objetivas, até a aplicação de recursos visuais em petições (prática denominada Visual Law)[12]

De fato, a utilização de variados elementos visuais em petições pode ser salutar, sem dúvida. Entrementes, a necessidade da combinação do visual com a fundamentação escrita é medida que se impõe. Não se descuide que a apresentação dos fundamentos jurídicos do pedido, em petição inicial, se traduz em requisito inafastável, previsto no Código de Processo Civil, em seu art. 319, inc. III, sob pena de indeferimento.

A fundamentação jurídica do pedido é discurso jurídico retórico, formulado na petição inicial, cabendo ao profissional apresentar, com clareza e precisão, mediante linguagem articulada e inteligível, o conjunto de elementos fáticos e jurídicos [razões de Direito - Teoria da Substanciação] que dão azo à sua pretensão em juízo. Por intermédio de tal discurso, via linguagem escrita adequada, busca-se convencer o auditório de que a argumentação está em consonância com a realidade.  

Portanto, por mais que os tempos pós-moderno tragam formidáveis inovações digitais, inclusive no âmbito jurídico, como o legal design, a legislação pátria ainda prevê a necessidade de que haja fundamentação jurídica, não cabendo, salvo engano, substituí-la por elementos meramente visuais.

Estes, sem dúvida nenhuma, podem servir, sim, de complemento, para melhor visualização de aspectos fáticos ou mesmo explicações, via infográficos e fluxogramas, por exemplo. A apresentação de questões ligadas à retórica, no decorrer deste ensaio, não foi por acaso. A fundamentação jurídica ainda se faz necessária em qualquer manifestação escrita ou oral.

Esta é a posição, colocada ao debate acadêmico.


[1] ARRUDA JR. Edmundo L. de. GONÇALVES, Marcus F. Fundamentação ética e hermenêutica. Alternativas para o direito. Florianópolis: CESUSC, 2002, p. 28.

[2] Termo que tudo ou não pode significar, consoante assevera Eros Roberto Grau, em sua obra O direito posto e o direito pressuposto. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

[3] LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 5ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1998, viii. Tradução: Ricardo Corrêa Barbosa. Posfácio: Silviano Santiago.

[4] Por exemplo, quando da elaboração de discurso escrito, ou seja, ao elaborar mera petição.

[5] Inacreditável, mas sítios “especializados” que dispõem de vários modelos de petição, colocados ao alcance da mão dos desavisados.  As armadilhas estão por toda parte e quem prefere comodidade acaba mergulhando em tais sítios. Haverá, em breve, sistema artificial avançado utilizado para redigir petição no lugar do profissional? Bem, bancos de petições já estão ao alcance da mão.

[6] Vive-se a síndrome do cortar, copiar e colar. A propósito: CLARO, Carlos R. Pós-modernidade: o jurista e a síndrome do cortar, copiar e colar. https://www.migalhas.com.br/depeso/305642/pos-modernidade--o-jurista-e-a-sindrome-do-cortar--copiar-e-colar. Acesso: 22/04/2021.

[7] A condição pós-moderna. 5ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1998.

[8] Op. cit., p. 05.

[9] Importante a adesão do auditório, mediante uso de argumentação retórica, tal como ensina  Chaïm Perelman. Retóricas. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 71. Segundo o mesmo autor, a eficácia da argumentação, o fato de exercer sobre o auditório uma influência de maior ou menor importância, depende não apenas do efeito dos argumentos isolados, mas também da totalidade do discurso, da interação entre argumentos entre si, dos argumentos que acodem espontaneamente ao espírito de quem ouve o discurso. Lógica jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 180.

[10] A dialética [raciocínio dialético] há de ser estabelecida, sempre buscando o equilíbrio do debate jurídico.  A retórica, para Aristóteles, é a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir. Retórica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 12. Chaïm Perelman assevera que: A retórica, em nosso sentido da palavra, difere da lógica pelo fato de se ocupar não com a verdade abstrata, categórica ou hipotética, mas com a adesão. Sua meta é produzir ou aumentar a adesão de um determinado auditório a certas teses e seu ponto inicial será a adesão desse auditório a outras teses. Retóricas, op. cit, p. 70. Em síntese, a retórica se preocupa com  a persuasão dos ouvintes, via discurso verdadeiro ou que se parece com a verdade. Não se descuide dos riscos, como bem assentou Norberto Bobbio, quando se substitui arbitrariamente uma definição analítica por uma definição propositiva ou persuasiva. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora UNESP, 1997, p. 14. A ideia de Bobbio tem base no pensamento de Aristóteles, que fazia distinção entre raciocínio dialético [trabalha com a ideia do verossímil, embasando o raciocínio jurídico, via argumentação que procura convencer o ouvinte, o auditório] e o analítico [há de fazer a demonstração do que se sustenta, não bastando meros argumentos convincentes, que parece com a verdade]. O mesmo Aristóteles pondera: persuadimos, enfim, pelo discurso, quando mostramos a verdade ou o que parece verdade, a partir do que é persuasivo em cada caso particular.  Op. cit., p. 14. Sobre o tema: LUHMANN, Niklas, O direito da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2016, especialmente p. 450; ADEODATO, João M. Ética & Retórica. Para uma teoria da dogmática jurídica. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010; FERRAZ JR. Tércio S. Argumentação jurídica. 2ª edição. São Paulo: Manole, 2016.

[11] https://bernardodeazevedo.com/conteudos/como-aplicar-o-visual-law-na-pratica/. Grifos no original. Acesso: 22/04/2021. Ora, se antes já havia “revolução”, com inserção de “print screen” em petições, agora as manifestações judiciais ganharam novas proporções.

[12] https://bernardodeazevedo.com/conteudos/visual-law-como-usar-videos-infograficos-fluxogramas/. Acesso: 22/04/2021.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARO, Carlos Roberto. Breve ensaio sobre a pós-modernidade e o recurso visual - visual law - na comunicação jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6510, 28 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90166. Acesso em: 21 nov. 2024.

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