8- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O procedimento do Tribunal do Júri está em questionamento. Bem analisada a realidade, figura hoje na Constituição Federal mais por força da tradição do que por representar uma verdadeira garantia fundamental.
Um dos principais argumentos contra a instituição do júri reside na complexidade de seu procedimento, verdadeira sementeira de nulidades. A possibilidade de recursos contra as decisões proferidas nas duas fases e a presença de recursos como o protesto por novo júri ou pela possibilidade de cassação do veredicto por contrariedade manifesta à prova dos autos, torna o procedimento, salvo raras exceções, lento e demorado, contribuindo para sobrecarregar os tribunais.
Não menos tormentosos são os problemas advindos da possibilidade de desclassificação, especialmente no tocante aos delitos conexos.
Mais por apego à tradição do que pelo resultado de uma reflexão concreta acerca da sua efetiva utilidade, o Júri foi mantido no sistema constitucional vigente, o que lhe confere, em vista da topologia no texto da Carta, o caráter de garantia fundamental, tornando-o indene ao poder constituinte derivado.
Isto não o torna, porém, indene à crítica e ao aperfeiçoamento. O Direito também é ciência e quem com ele trabalha também é (ou deve ser) cientista. Ao cientista cumpre compreender a realidade e aprimorar a ciência. No caso do Direito, isto se faz, sobretudo, com a adaptação de seus institutos.
Esta é a nossa missão. Debater e pensar os institutos jurídicos. No caso do Tribunal de Júri, desde há muito venho afirmando que carece, no mínimo, de uma reforma no âmbito infraconstitucional, para torná-lo mais ágil e consentâneo ao atual momento histórico.
Mais adiante, quando de uma nova Constituição, o papel do Júri poderá ser discutido em maior profundidade, e, esperemos, com mais atenção, pelo legislador.
Notas
01 Não vai aqui nenhuma crítica ao papel da mídia em promover a cobertura de julgamentos. Pelo contrário, o papel de publicização, observada a lei, é de suma importância à democracia e para que o povo em geral fiscalize e conheça o funcionamento do Judiciário e o exercício do poder jurisdicional. Todavia, é inegável que a cobertura a determinados casos interfere significativamente na formação da opinião pública acerca do caso concreto, e atinge, por conseguinte, os jurados.
02 No procedimento comum, por força do artigo 386, inciso VI, a dúvida conduz, em regra, à absolvição.
03 No julgamento do RHC nº 15618-ES, DJ 15.05.2006 p. 290, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, através do relator, Ministro Paulo Medina, assentou que:"Conquanto terminativa de uma fase do processo, a sentença depronúncia não expende juízo de mérito e, portanto, detém natureza interlocutória, sobre a qual não se opera a coisa julgada, senão a preclusão pro judicato. Extrapolado o âmbito do juízo de admissibilidade da acusação, ao ser firmado antecipado juízo de certeza da autoria, não pode a sentença de pronúncia ser mantida."
04 HC 44792-SP, DJ 14.08.2006 p. 334, Sexta Turma do STJ, relator Ministro Hamilton Carvalhido. Na ementa consta: "Ultrapassando o magistrado os limites da pronúncia, enquanto juízo de admissibilidade da acusação do réu perante o Tribunal do Júri, afirmando o animus necandi e afastando não só a legítima defesa, mas também a sua moderação, de modo peremptório e com análise intensiva e extensiva do conjunto da prova, próprios do judicium causae, ofende a competência funcional constitucional dos jurados, pelo prejuízo que se deve presumir à soberania dos veredictos, por função imprópria do julgado, no ânimo dos membros do conselho de sentença."
05 Recurso em Sentido Estrito Nº 70012227138, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elba Aparecida Nicolli Bastos, Julgado em 18/08/2005.
06 O Júri Objetivo, Livraria do Advogado, Editora, 2001, p. 47
07 Julgado em 14/12/2005.
08 Recurso em Sentido Estrito nº 70009185000, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 28/04/2005.
09 "Sentença de pronúncia. Fundamentação nos crimes
e aditamento posterior". Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 449, 29 set.
2004. Disponível em:
10 Exemplo é a ausência de qualificadora na capitulação, embora descrita na denúncia.
11 Logo, o questionamento material ou formal daquela decisão deixa de ter sentido, a não ser para fins de eventual indenização ou responsabilização dos agentes envolvidos.
12 Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 15319/PR (2003/0207381-9), 6ª Turma do STJ, Rel. Min. Paulo Gallotti. j. 15.03.2005, unânime, DJ 26.09.2005).
13 Habeas Corpus nº 40437/PE (2004/0179400-5), 6ª Turma do STJ, Rel. Min. Paulo Medina. j. 23.08.2005, unânime, DJ 10.10.2005.
14 Habeas Corpus nº 45613/RS (2005/0112572-8), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Gilson Dipp. j. 17.11.2005, unânime, DJ 12.12.2005.
15 Em sentido contrário: "HABEAS CORPUS. EXCEÇÃO DE COISA JULGADA MATERIAL TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. A decisão de impronúncia por ausência de Indícios razoáveis acerca da autoria, faz coisa julgada material, não havendo que se falar em nova denúncia contra os mesmos pacientes e co-réus, com base em novas diligências realizadas pela autoridade policial, consistente na reinquiriçio das testemunhas". (Habeas Corpus Nº 70004272969, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 29/08/2002)
16 Apelação Crime nº 70003528098, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Hirt Preiss, Julgado em 28/03/2002.
17 DJ 20.02.2006 p. 360. Relator Ministro Paulo Medina.
18 HC 16865 / PE. DJ 04.02.2002 p. 435.
19 Apelação Crime Nº 70006845366, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Silvestre Jasson Ayres Torres, Julgado em 24/03/2004.
20 Recurso em Sentido Estrito nº 70010362846, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 24/02/2005.
21 Nesse sentido, a Súmula nº 423 do STF.
22 Conforme anteriormente salientado, a aparência externa de um ato pode não corresponder ao objetivo de seu perpetrador. Alguém que lança uma pedra em direção a outra pessoa pode querer desde simplesmente injuriá-lo (injúria real) ou até estar tentando matá-lo. É a instrução processual, conduzida sob o crivo do contraditório, que fornecerá o substrato sobre o qual irá incidir a cognição do julgador a fim de descortinar a realidade do aspecto subjetivo do ato no que diz respeito ao agente que o pratica.
23 Habeas Corpus nº 70007937188, Câmara Especial Criminal do TJRS, Viamão, Rel. Des. Ivan Leomar Bruxel. j. 10.02.2004, unânime.
24 Apelação Criminal nº 1.0702.01.029360-4/001, 3ª Câmara Criminal do TJMG, Uberlândia, Rel. Kelsen Carneiro. j. 10.05.2005, unânime, Publ. 09.06.2005.
25 Julgada em 13/11/2002.
26 Habeas Corpus nº 39021/DF (2004/0148990-8), 6ª Turma do STJ, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa. j. 16.12.2004, unânime, DJ 14.02.2005.
27 Julgado em 17/04/2002.
28 Apelação Crime Nº 70002540151, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ranolfo Vieira, Julgado em 15/08/2001.
29 HC 23414 / DF; Habeas Corpus 2002/0082817-4. DJ 30.09.2002, p. 294, LEXSTJ vol. 158 p. 367, RT vol. 809 p. 558. Ministro Fernando Gonçalves. Sexta Turma do STJ.
30 REsp 249764 / SP ; Recurso Especial 2000/0019753-0. DJ 25.02.2002 p. 426. Ministro Felix Fischer. Quinta Turma do STJ.
31 Apelação Criminal nº 21991-6/213 (200101332372), 2ª Câmara Criminal do TJGO, Goiânia, Rel. Des. Roldão Oliveira de Carvalho. j. 18.06.2002, DJ 01.07.2002. Mas o TJMS, em sentido contrário, decidiu que: "APELAÇÃO CRIMINAL - JÚRI - HOMICÍDIO - ALEGADO VÍCIO DE QUESITAÇÃO - TESE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO - QUESITO QUE INDAGA SOBRE A CULPA EM SENTIDO AMPLO - AUSÊNCIA DE DESDOBRAMENTO QUANTO A CADA UM DOS ELEMENTOS DA JUSTIFICATIVA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - NULIDADE INEXISTENTE - NEGADO PROVIMENTO. A falta de desdobramento do quesito sobre as modalidades culposas não é causa de nulidade, visto serem distinções nominais de situações substancialmente idênticas, que normalmente estão fora da compreensão pelos juízes leigos. Ademais, se a defesa nada reclamou contra a redação dos quesitos e o júri não se divorciou da prova dos autos, não há falar em nulidade. (Apelação Criminal nº 2003.003775-6, 1ª Turma Criminal do TJMS, Sidrolândia, Rel. Designado Des. Gilberto da Silva Castro. j. 16.09.2003, unânime).
32 Apelação Criminal nº 000.317.854-8/00, 2ª Câmara Criminal do TJMG, Sete Lagoas, Rel. Reynaldo Ximenes Carneiro. j. 27.02.2003, unânime, Publ. 21.03.2003.
33 Apelação Crime nº 70006959043, 3ª Câmara Criminal do TJRS, Tenente Portela, Rel. Des. Elba Aparecida Nicolli Bastos. j. 27.11.2003, unânime.
34 Julgado em 24.09.2002, DJ 04.10.2002. Em sentido contrário, no mesmo tribunal, Habeas Corpus nº 0208316-9 (9264), 2ª Câmara Criminal do TAPR, Curitiba, Rel. Ronald Juarez Moro. j. 29.08.2002, DJ 06.09.2002.
35 Recurso Especial nº 226570/SP (1999/0071697-3), 6ª Turma do STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Rel. p/ Acórdão Min. Hamilton Carvalhido. j. 02.09.2003, maioria, DJ 22.11.2004.
36 Habeas Corpus nº 33487/SP (2004/0013773-4), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Gilson Dipp. j. 25.05.2004, unânime, DJ 01.07.2004.
37 Habeas Corpus nº 24624/SP (2002/0124235-5), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Gilson Dipp. j. 04.11.2003, unânime, DJU 09.12.2003.
38 Conflito de Competência nº 20040020083585 (Ac. 214049), Câmara Criminal do TJDFT, Rel. Mário Machado. j. 02.03.2005, unânime, DJU 24.05.2005.
39 Recurso de Agravo nº 1.0000.05.419512-8/001, 3ª Câmara Criminal do TJMG, Governador Valadares, Rel. Paulo Cézar Dias. j. 08.11.2005, maioria, Publ. 17.01.2006.
40 Apelação nº 1.377.673/3, 9ª Câmara do TACrim/SP, São Paulo, Rel. Sousa Lima. j. 12.11.2003, unânime.
41 Recurso em Sentido Estrito nº 1.0059.02.000837-7/001, 2ª Câmara Criminal do TJMG, Barroso, Rel. Reynaldo Ximenes Carneiro. j. 03.02.2005, unânime, Publ. 18.02.2005.
42 Recurso Especial nº 323938/SP (2001/0060269-2), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Laurita Vaz. j. 10.06.2003, unânime, DJU 04.08.2003, p. 354.