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A intervenção policial militar diante da embriaguez ao volante

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Agenda 02/01/2007 às 00:00

5.Conclusão

Só existem dois dias sobre os quais nada pode ser feito. Um deles se chama ontem e o outro amanhã. Portanto hoje é o dia certo para você amar, sonhar, ousar, produzir, e acima de tudo acreditar (...).

Dalai Lama

Ao término deste estudo, restou a certeza do que acreditávamos ser um grande desafio, um universo cinzento com grandes celeumas a serem analisadas. Entretanto, acredita-se que os anseios propostos para a consecução do mesmo foram alcançados, quiçá superados. Apesar da convicção de que o assunto ora em tela não fora esmiuçado em sua plenitude, é certo que se almejou aglutinar um relevante arcabouço teórico e técnico que pudesse respaldar a intervenção policial militar diante da condução de veículo automotor sob influência de álcool. De modo a compreender aspectos teóricos e fáticos atinente ao trânsito, que constantemente são vislumbrados no exercício do profissional de segurança pública.

Num primeiro momento, ao se pormenorizar e correlacionar as variáveis trânsito, embriaguez e Polícia Militar, primeiro objetivo específico, de pronto se verificou a necessidade de se diferenciar as condutas de estar embriagado e tão-somente estar sob influência de álcool. Tocante ao conceito operacional de embriaguez, ainda que nem mesmo o legislador tenha se atentado a essa diferenciação técnica, observou-se que a embriaguez distingue-se do estado de influência alcoólica à medida que necessita para a sua caracterização a perda do governo de suas faculdades ao ponto de se tornar incapaz para executar com prudência a função a que se consagra no momento, no caso a direção de veículo automotor. De tal sorte que essa incapacidade, na embriaguez ao volante, manifesta-se com a exposição a dano potencial a incolumidade de outrem; sendo que o mero estado de influência de álcool não necessita para sua configuração dessa incapacidade ou falta de destreza para dirigir.

Nesse sentido, a competência da intervenção policial militar nas esferas administrativa e criminal fora outra questão que merecera imediata análise. Dessa forma, observou-se que a competência do policiamento ostensivo de trânsito impõe-se com exclusividade às Polícias Militares, independentemente da existência de convênio trânsito. Aliás, salienta-se que não só possui legitimidade o policial militar para intervir na ocorrência de um crime de trânsito, de acordo com a missão constitucional no exercício da polícia ostensiva e preservação da ordem pública, como é um dever legal que decorre do art.301 do CPP, pela existência do flagrante delito. Por outro lado, no que tange à fiscalização de trânsito, âmbito administrativo, poderá ser realizada pela Polícia Militar, desde que devidamente conveniada com os órgãos e entidades executivas do Sistema Nacional de Trânsito; o que de fato ocorre, com poucas exceções, pois de acordo com Teza (2003, p.98) apenas 13% dos municípios catarinenses e 11,3% dos municípios brasileiros encontram-se integrados ao citado sistema. Em assim sendo, tornou-se cristalino, portanto, que a Polícia Militar possui competência para atuar no âmbito do trânsito, quer seja na seara administrativa ou criminal.

Outrossim, durante a consecução do segundo objetivo específico, constatou-se que a produção doutrinária e o exercício jurisprudencial não conseguiram ainda sedimentar um universo de conhecimento que se dirija para uma uniformidade. Percebe-se, então, uma grande gama de divergências no que toca à aplicabilidade e ao interpretar das normas legais que foram analisadas, apresentando, por vezes, algumas incongruências. Incongruências essas que em bom passo foram dirimidas com o advento da Lei n. 11.275/06. Ademais, cumpre mencionar que se buscou consolidar um marco teórico utilizando-se de diversificada base de informações, dentre leis, obras, artigos, revistas, manuais e jurisprudências.

No que se refere às informações técnicas, terceiro objetivo específico, visualizou-se que a matéria em estudo, embora desperte interesse e preocupação por parte das organizações policiais militares, ainda não recebera a devida atenção. Visto que se diagnosticou que a junção álcool e trânsito se estabelece como uma das principais causas de mortalidade e morbidade, ceifando milhares de vidas e impondo consideráveis prejuízos econômicos, e, mesmo assim, raras são as Polícias Militares que possuem normativas sobre o assunto. Deste modo, com o escopo de concretizar essa pesquisa, pesquisou-se e se firmou contato com integrantes da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e das Polícias Militares dos Estados de São Paulo, Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais, utilizando-se de acordo com a necessidade de meios eletrônicos. Dessas, a única que não respondera a solicitação fora a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Sendo que as Polícias Militares da Bahia, Ceará e São Paulo informaram que não possuem normas reguladoras sobre a atuação policial na embriaguez ao volante. E, finalmente, as Polícias Militares de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná enviaram documentos que norteiam a conduta policial militar em seus respectivos Estados, sendo que a do Rio Grande do Sul possui normativa anterior a Lei n. 11.275/06. Tais documentos foram juntados a outros materiais técnicos colhidos na Polícia Militar Rodoviária de Santa Catarina e nos Conselhos Estaduais de Trânsito dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

Alude-se, então, que o último objetivo específico da pesquisa, sustentando-se na imparcialidade, depreendeu-se a partir da adoção de correntes doutrinárias e jurisprudenciais majoritárias e de diretivas técnicas adotadas por outras corporações policiais militares, bem como pareceres dos conselhos estaduais de trânsito dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Corporificou-se, assim, uma proposta de Diretriz Operacional a estabelecer a padronização da intervenção policial militar diante da flagrância da condução de veículo automotor sob influência de álcool, de maneira a alcançar maior credibilidade, segurança, eficiência e eficácia do policiamento ostensivo de trânsito.

Em pormenores, da colisão principiológica a partir dos princípios da supremacia do interesse público e da legalidade, aferiu-se que o direito de um trânsito seguro, em contraponto ao direito de produzir prova contra si, merece a primazia do operador de segurança pública; estendendo-se por todas as medidas estatais legais e legítimas necessárias para a consecução da segurança no trânsito. Bem porque, tem-se por base que os princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e da legalidade se configuram em essências a informarem todos os demais pressupostos jurídicos, assim como o direito a segurança se solidifica em necessidade coletiva e pressuposto basilar a vigorar na Constituição Federal de 1988. Em contrapartida, conforme se observou na pesquisa, o pensamento majoritário e sustentado pelo STF está a fixar a força de lei ordinária para o princípio nemo tenetur se detegere. Posicionamento esse que se fortalecera com a Emenda Constitucional n. 45 de 2004, pela qual se estabeleceu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos serão equivalentes às emendas constitucionais quando forem aprovados como tais; em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.

No que tange à aplicabilidade dos testes de alcoolemia com os populares bafômetros, evidenciou-se que os mesmos se qualificam como meios probatórios legais e legítimos a serem utilizados pelo policial militar para a comprovação da tipicidade ou da materialidade e autoria da infração de trânsito. Entretanto, a obrigatoriedade de submissão do condutor ao bafômetro não alcança a responsabilização penal, em caso de recusa. Em outros termos, o condutor que se negue a se submeter ao teste de alcoolemia, não deverá ser forçado pelo policial militar a realizar o referido procedimento de prova. No entanto, a partir da recusa, cumpre ao policial militar autuá-lo pela infração de desobediência administrativa de trânsito do art. 195 do CTB, visto que se trata de norma extrapenal com cominação de penalidade específica e sem previsão de acumulação de pena de âmbito criminal. Não cabendo, portanto, prisão por crime de desobediência, quando da recusa do condutor de submissão aos meios de provas do art. 277 do CTB.

Outra dissonância vislumbrada no trabalho, remete à quantificação de dosagem alcoólica como elemento constitutivo do tipo administrativo do art.165 do CTB. Com o advento da Lei 11.275/06 e a recente modificação legislativa suprindo a quantificação alcoólica do art. 165 do CTB, encontra-se a uniformizar o entendimento de que o art. 276 do CTB passou a estabelecer a concentração alcoólica necessária para caracterizar a infração administrativa. Noutras palavras, o art. 276 do CTB está a delimitar a condição impeditiva indispensável para a caracterização da infração administrativa de condução sob influência alcoólica, sempre que houver a voluntariedade de submissão do condutor aos testes de alcoolemia. Desta forma, o condutor que se submeter aos testes de alcoolemia só deverá ser autuado administrativamente quando for verificada concentração alcoólica igual ou superior ao limite de seis decigramas por litro de sangue. Ressalta-se, contudo, que no âmbito administrativo, quando existir a negação de submissão do condutor aos instrumentos probatórios do art. 277 do CTB, e no âmbito criminal, a caracterização da infração independente dessa mensuração de concentração alcoólica, podendo-se dar por outras provas em direito admitidas. Sendo a existência de dano potencial o principal aspecto a se considerar para a responsabilização na esfera criminal, para a tipicidade do crime de embriaguez ao volante.

Assim, de tudo que fora estudado, indispensável se torna enaltecer a tênue linha a delimitar os âmbitos administrativo e criminal na seara do trânsito. Percebeu-se o quão se observa importante o conhecimento técnico e jurídico por parte do policial militar, para que frente à constatação de motorista alcoolizado possa perfeitamente discernir, atentando-se para o adequado enquadramento da conduta do agente na esfera administrativa ou/e penal. A fim de que sua intervenção não se veja revestida de arbitrariedade ou ilegalidade, pois há de se notar que as esferas administrativa e penal possuem conseqüências jurídicas próprias e bastante diferenciadas.

É oportuno tecer também que os problemas advindos da ebriedade do condutor, configuram-se em questões complexas, cuja resolução não se encontra adstrita ao esforço legal, perpassando necessariamente por outros aspectos, dentre os quais a educação. Todavia, no que toca ao esforço legal, não diferentemente de outros tantos problemas sociais, resta evidente que não bastam boas leis. Em outras palavras, trata-se de algo bastante complicado que não se resume as meras abstrações jurídicas, mas a um todo que direta ou indiretamente converge para o exercício do poder de polícia, em específico a certeza da fiscalização e da sanção. Afinal, a norma sem a espada constitui-se em texto morto. Não bastam boas leis, há de se fazer cumpri-las pela fiscalização, pelo poder de polícia do Estado. Como bem ensina Ihering (2000), "A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é o direito impotente; completam-se mutuamente: e, na realidade, o direito só reina quando a força despendida pela justiça para empunhar a espada corresponde à habilidade que emprega em manejar a balança."

Por finalizar, não se poderia deixar de mencionar que, apesar dos incontestáveis avanços alcançados pela sociedade brasileira em matéria de trânsito, diante dos problemas, dificuldades e divergências que se teve oportunidade de se deparar durante a confecção do presente trabalho, percebe-se, inevitavelmente, que ainda somos novos em matéria de trânsito.


Notas

01 Não inclui dados do Estado de Minas Gerais.

02 Não inclui dados do Distrito Federal.

03 Não inclui dados do Distrito Federal.

04 Não inclui dados do Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso e Rio de Janeiro.

05 Posto de Controle de Trânsito. Espécie de barreira policial militar voltado para a fiscalização de trânsito.

06 Art. 165 - Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Infração: gravíssima Penalidade: multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir. Medida administrativa: Retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Parágrafo único - A embriaguez também poderá ser apurada na forma do artigo 277.

07 Art. 276 - A concentração de seis decigramas por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor.

Parágrafo único - O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia.

08Art. 277 - Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites previstos no artigo anterior, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

Parágrafo único - Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.

09 Art. 306 - Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.

10 Observa-se que houve a supressão da expressão em nível superior a seis decigramas por litro de sangue. Portanto, a infração administrativa estará caracterizada se o condutor apresentar sintomas de ter ingerido bebida alcoólica. Se conduzir o veículo de forma anormal, conforme doutrina consolidada, o condutor cometerá, também, o crime capitulado no artigo 306 do CTB.

11 No caso do artigo 277, o legislador suprimiu a expressão de haver excedido os limites do artigo anterior, que fazia referência ao artigo 276 do CTB.

12 Art. 195. Desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes: Infração - grave; Penalidade - multa.

13 SILVA, João Baptista. Código de trânsito brasileiro explicado. Belo Horizonte: 1ª ed. O lutador, 1999.

14 JESUS. Damásio de. Notas ao artigo 306 do Código de Trânsito: Crime de embriaguez ao volante. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, nov.2001. Disponível em:

15 Art. 277, § 2º da Lei nº 11275, de 07 de Fevereiro de 2006.

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Sobre o autor
Thiago Augusto Vieira

cadete da Polícia Militar em Florianópolis (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Thiago Augusto. A intervenção policial militar diante da embriaguez ao volante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1280, 2 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9047. Acesso em: 3 jul. 2024.

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