Muito já escrevemos sobre o problemático orçamento anual de 2021 contendo R$ 27,2 bilhões em verbas de investimentos resultantes de emendas parlamentares, computadas aquelas feitas individualmente por parlamentares e aquelas apresentadas pelas bancadas parlamentares dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.
O Executivo relutou em sancionar o projeto legislativo aprovado pelo Congresso Nacional com o receio de incorrer um crime de responsabilidade fiscal e por ser inexequível o aludido orçamento por não dispor de verbas suficientes para cobrir as despesas obrigatórias (folha, aposentadorias, pensões etc.).
Para superar o impasse, Congresso e Governo selaram um acordo, que preserva os privilégios dos parlamentares representados por discutíveis emendas parlamentares que totalizam mais de R$ 16 bilhões, porém, possibilita furar o teto de gastos previstos na EC nº 95/2016 (despesas anuais não poderão superar ao equivalente à correção pelo IPCA/IBGE das despesas do exercício anterior), além de flexibilizar as despesas não obrigatórias – despesas de custeio e de investimentos –, lembrando que o inciso III, do art. 167 da CF, que veda a realização de operações de crédito que excedam o montantes das despesas de capital, está suspenso pelo art. 4º da EC nº 106/2020.
Pelo acordo costurado a duras penas foi aprovado um projeto que altera a LDO em curso retirando R$ 125 bilhões do teto de gastos que ficaram livres para despesas de combate à Covid 19. É o retorno à época do governo Dilma em que as metais fiscais eram alteradas no apagar das luzes dos exercícios, para adequar ao déficits verificados.
Esses valores que ficaram fora do teto de gastos seriam executados por via de despesas extraordinárias sem expressa indicação de fontes. E aqui é importante lembrar que a abertura de crédito extraordinário sem observância do §3º do art. 167 da CF ( guerra, comoção intestina ou calamidade pública) aplica-se unicamente para pagamento de auxílio emergencial (art. 3º, art. 4º da EC nº 109/2021).
Todo esse malabarismo jurídico é para sustentar privilégios ilegítimos dos parlamentares. No sistema presidencialista de governo quem executa o orçamento é o Executivo. Governar é sinônimo de direcionar e executar as despesas públicas de acordo com o plano de ação governamental refletido na Lei Orçamentária Anual — LOA. O Parlamento deve apreciar, discutir e aprovar a proposta orçamentária enviada pelo Executivo, e uma vez aprovada referendadas ficarão todas as despesas nela fixadas, para ulterior controle e fiscalização dos gastos públicos pelo `Poder Legislativo, com o auxílio do TCU. A simbiose entre Executivo e Legislativo na execução das despesas públicas resulta no sistema promiscuísta de governo.
A PEC nº 20/2016 que resultou na EC nº 95/2016 não era factível. Não há como congelar as despesas por 20 anos consecutivos como se o Brasil e o mundo permanecessem estáticos por todo esse período. Foi uma resposta demagógica ao clamor popular contra o descontrole das contas públicas. Como se diz na gíria: “foi para o inglês ver”. Basta simples exame das LOAs dos exercícios de 2017 em diante para verificar que os gastos superaram o limite das despesas corrigidas dos anos antecedentes. Tanto é assim que os déficits não reduziram; pelo contrário, foram crescendo ano a ano.
Agora, por meio de uma artimanha jurídica, querem superar o já furado teto de gastos sem emenda constitucional, com total subversão da hierarquia vertical das leis.
A única Emenda existente que permite superar o teto de gastos é a EC de nº 109/2021 que libera R$ 44.000.000,00 para pagamento de auxílio emergencial aos vulneráveis.
A preconizada utilização de despesas extraordinárias, sem observância do § 3º, do art. 167 da CF como prevista no acordo Executivo/Legislativo, não tem amparo na EC nº 95/2016, nem na EC nº 109/2021.
Exequível ou não, a EC nº 95/2016 está em vigor. Se não for para valer, a solução que se impõe é a sua revogação adequando os preceitos constitucionais à realidade vigente.
Enfim, toda essa gritaria em torno da exequibilidade ou não da LOA soa como uma anedota, pois em tempo algum o Orçamento Anual foi executado tal qual referendado pelo povo, por meio de seus representantes na Casa Legislativa.
Fala-se muito em reformar a Constituição, o que desperta opiniões divergentes entre os juristas.
Se for para fazer a reforma constitucional, é oportuna a alteração do sistema presidencialista de governo para o moderno sistema parlamentarista de governo, onde as crises políticas são resolvidas com mais facilidade, sem as agruras de um impeachment de um presidente que conduz à ingovernabilidade do País. O sistema presidencialista caracteriza-se pelo governo incerto com mandato certo, ao passo que o sistema parlamentarista caracteriza-se pelo governo certo com mandato incerto.
O único sistema presidencialista em vigor com sucesso no mundo é o dos Estados Unidos, onde apenas dois partidos políticos se revezam no exercício do poder político do Estado.