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Durante uma pandemia de saúde, quando não há consenso sobre a regulamentação de medidas entre os entes federativos, deve prevalecer a razoabilidade, proporcionalidade e a simetria com a legislação federal

Agenda 21/05/2021 às 16:58

O presente artigo busca estudar a regulamentação das medidas de combate a COVID-19, especialmente diante da ausência de consenso entre os entes federativos.

Em meio a pandemia do COVID-19, que tem afetado o Brasil e o mundo, no dia 06 de fevereiro de 2020, o Presidente da República sancionou a Lei 13.979/2020, por meio da qual dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência decorrente do coronavírus.

Para enfrentar a emergência de saúde, restaram estabelecidas várias medidas a serem adotadas pelas autoridades públicas no âmbito de suas competências, dentre as quais se destacam: o isolamento social; a quarentena; restrição na entrada e saída do país, na locomoção interestadual e intermunicipal, dentre outras.

Em seguida, por meio do Decreto N° 10.282/2020, no dia 20 de março de 2020, o Presidente da República regulamentou a Lei 13.979/2020, estabelecendo os serviços e as atividades consideradas essenciais, sobre as quais, não se aplicariam as medidas restritivas previstas em Lei para conter a pandemia.

No Decreto Presidencial, foram reconhecidas como essenciais dezenas de serviços e atividades indispensáveis ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade, assim consideradas aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, portanto, não seriam afetadas pelas restrições previstas na Lei que reconheceu a emergência em saúde.

O rol de serviços e atividades essenciais, não surgiu com o Decreto Presidencial supracitado, a maioria deles foi positivada a partir da CF/88, que garantiu o Direito de Greve, resguardando, contudo, as atividades essenciais, que foram regulamentadas pela Lei infraconstitucional n° 7.783/1989.

Ocorre, que por disposição constitucional, nos termos do Art. 23, [1]II, da CF/88, a competência para legislar em matéria de saúde pública, é concorrente entre os entes federativos, ou seja, entre a União, Estados e Municípios.

Desse modo, considerando o momento extremamente delicado que vivemos, a União, os Estados e Municípios estão adotando inúmeras medidas visando à saúde nacional, evidentemente, que com as melhores intenções, no entanto, muitas delas, contraditórias entre si, que sequer tem respeitado a manutenção dos serviços e atividades essenciais, especialmente no que se refere à aplicação das medidas restritivas previstas na Lei 13.979/2020.

Logo, em um campo tão aberto, para que não existam contrariedades em medidas adotadas entre os entes federativos, devem existir simetria na atuação, e diretrizes claras, especialmente pautadas no respeito por evidências científicas, análises de informações estratégicas, evitando-se, tanto quanto possível, disciplinas normativas locais desarrazoadas.

Nessa linha, o Governo Federal estabeleceu medidas que deveriam ser adotadas pelas autoridades públicas legitimadas, resguardando-se, evidentemente, as diretrizes regulamentadas, dentre as quais estão os serviços e as atividades essenciais, justamente em razão do caráter necessário.

No entanto, não demorou muito para que os Estados e Municípios passassem a editar regulamentos locais, contrários ou contraditórios com os que foram estabelecidos pela União.

Nesse tocante, embora o Supremo Tribunal Federal já tivesse em outras oportunidades, firmado entendimento no sentido de não permitir ao legislador municipal ou estadual, inaugurar uma regulamentação paralela e contraposta à legislação federal vigente em situação análoga, a matéria voltou a ser discutida em razão da pandemia do coronavirus.

Desse modo, várias ADINs e ADCTs chegaram ao STF, que recentemente analisou a discussão acerca da competência concorrente dos entes federados, e o Ministro Marco Aurélio estabeleceu que:

SAÚDE PÚBLICA – CORONAVÍRUS – PANDEMIA – PROVIDÊNCIAS NORMATIVAS. Ante pandemia, há de considerar-se a razoabilidade no trato de providências, evitando-se, tanto quanto possível, disciplinas normativas locais.

                                                               Significa dizer, que embora exista competência concorrente, os Estados e Municípios devem evitar disciplinas normativas que sejam contrárias as normativas federais, e na disciplina local, não se pode deixar de respeitar os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.

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                                                               Durante essa pandemia, vários têm sido os casos de intervenção do Poder Judiciário, diante de regulamentações locais, para o fim de garantir o respeito aos serviços e atividades essenciais, destacando-se os seguintes casos que repercutiram nacionalmente: a) Justiça autoriza que colaboradores da JBS e da SEARA voltem ao trabalho[3]; b) Justiça determina volta de transporte coletivo e por aplicativos em Rondonópolis/MT após decreto municipal suspender atividade considerada essencial[4]; c) Tribunal de Justiça de Goiás determina restabelecimento do transporte rodoviário interestadual de passageiros[5] (decisões em anexo).

                                                               Recentemente, o renomado Jornal - Valor Econômico, noticiou um caso de Mato Grosso do Sul, envolvendo as Usinas Biosev S.A e Agro Industria Santa Luzia, que em razão de um Decreto do Município de Rio Brilhante, que restringiu a circulação de pessoas por meio de transporte coletivo, estavam impossibilitadas de desenvolver suas atividades, já que não poderiam transportar seus colaboradores, que são mais de 5.000.

                                                               Ocorre, que as referidas Usinas, desenvolvem atividades consideradas essenciais, pois são produtoras e comercializadoras de combustíveis, energia e açúcar, estando, portanto, autorizadas a manter suas atividades, sem qualquer medida restritiva, especialmente porque o Decreto 1.282/2020, no art. 3°, V e XVII, resguardou o desenvolvimento de suas atividades.

                                                               Com efeito, as Usinas se viram obrigadas a ingressar com um Mandado de Segurança em face do Prefeito Municipal, que restringiu o transporte coletivo municipal e, consequentemente, o transporte de trabalhadores, situação que estava inviabilizando o exercício das atividade das Usinas.

                                                               O TJ/MS, em decisão de lavra do Juiz Luiz Antônio Cavassa de Almeida, autorizou a continuidade do transporte coletivo municipal em relação às Usinas, destacando que:

(...) Destarte, conforme argumentado, o Município de Rio Brilhante não é servido de transporte público coletivo, de modo que o transporte dos colaboradores e prestadores de serviços para as unidades das Agravantes se dá por meio de transporte privado disponibilizado pelas próprias Agravantes.

E, a autoridade coatora, através do combatido artigo 3º do Decreto nº 28.311 de 21 de março de 2020, suspendeu todo o transporte coletivo de pessoas dentro do perímetro municipal, o que implicou na paralisação das atividades das agravantes, como sustentado, inexistindo no decreto questionado qualquer exceção conforme se verifica às fls. 44 dos autos.

Em consequência, verifica-se que a indústria de produção de combustível e energia, como no caso das agravantes, são consideradas essenciais e, conforme informações destas, somando-se a capacidade produtiva de todas, são  responsáveis pela produção de 26% (vinte e seis por cento) do mercado de consumo do Estado de Mato Grosso do Sul, impondo-se reconhecer que a suspensão de suas atividades poderá causar dano social, gerar risco de desabastecimento pela impossibilidade de produção de bens essenciais, o que também prejudicaria o próprio combate à pandemia do COVID-19.

Devem ser considerados também os possíveis reflexos econômicos dos prejuízos causados aos mais de 5.000 (cinco mil) colaboradores direitos, indiretos e prestadores de serviços das agravantes.

(...) Assim, sem adentrar no mérito da inconstitucionalidade material ou ilegalidade do ato debatido, aparentemente, o Decreto Municipal está impedindo a normalidade das atividades essenciais das agravantes, sendo que, apesar do magistrado a quo consignar na decisão objurgada que a suspensão do transporte coletivo, não estaria inviabilizando ou restringindo as atividades das mesmas ou a circulação de seus empregados/funcionários, afirmando a possibilidade de as empresas tomarem medidas alternativas para disponibilizar aos funcionários "meios de locomoção alternativos" não descreveu quais seriam estes, principalmente em se tratando do número expressivo de trabalhadores, qual seja, 5.000 (cinco mil) pessoas.

(...) Por outro lado, passada a tribulação nos primeiros dias da quarentena, o pronunciamento de várias autoridades públicas aparentemente, passou a ser no sentido de possível retomada gradativamente das atividades nos próximos dias, mais exatamente, na segunda-feira dia 30 de março de 2020.

Assim sendo, considerando a inexistência de dados na presente data de infestação da pandemia no Município, que a autoridade coatora, à luz de um juízo provisório, adotou medida legislativa que inviabiliza atividades essenciais e considerando principalmente as medidas de contingência a serem cumpridas pelas Agravantes nos cuidados para não transmissão do covid-19, a plausibilidade do direito e do provimento do presente recurso, aparentemente está presente e, também o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, necessários para a concessão da tutela de urgência.

Em consequência, presentes os requisitos de admissibilidade, recebo o agravo de instrumento e, defiro o pedido de antecipação de tutela recursal para suspender a decisão proferida pelo magistrado de primeiro grau e, autorizar as empresas agravantes a realizarem o transporte coletivo de seus trabalhadores, devendo os veículos que circularem serem limpos por dentro e por fora ao menos 02 (duas) vezes por dia, os assentos, janelas, entre outros pontos de apoio dos passageiros limpos após cada viagem e, transportarem 50% da capacidade de passageiros sentados, mantendo-se a distância de um metro. (...)

                                                               Veja-se, que a r.decisão acima, considerou justamente, a necessidade de haver simetria entre as regulamentações federais, estaduais e municipais, respeitando-se a legislação federal, assim como, considerou desproporcional e desarrazoada a regulamentação municipal, diante da situação da pandemia no cenário local.

                                                               Portanto, a decisão supracitada, na mesma linha do que vem sendo decidido pelo STF durante a emergência de saúde pública, decorrente da pandemia do coronavirus, considerou que embora a competência para regulamentação da matéria de saúde pública seja concorrente entre os entes federativos, deve haver simetria e deve ser respeitada a legislação federal, devendo os demais entes, regulamentar a saúde pública a partir de medidas que atendam a razoabilidade e a proporcionalidade e seja adequada ao cenário local.


[1] II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência

[2] MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.343 DISTRITO FEDERAL 6.343 DISTRITO FEDERAL. 25 de Março de 2020.

[3] Trt.12ª Região. Mandado de Segurança Cível - 0000144-18.2020.5.12.0000 – Relatoria Maria de Lourdes Leiria – 20/03/2020.

[4] https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2020/03/24/justica-determina-volta-do-transporte-por-aplicativos-apos-decreto-de-suspensao-em-rondonopolis-mt.ghtml

https://odocumento.com.br/justica-determina-a-retomada-do-transporte-coletivo-municipal-em-rondonopolis/

[5] https://www.opopular.com.br/noticias/cidades/justi%C3%A7a-goiana-concede-liminar-para-restabelecer-transporte-rodovi%C3%A1rio-interestadual-de-passageiros-1.2022488

Sobre o autor
Douglas de Oliveira Santos

Formação: Graduado em Direito; Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Uniderp; Pós-Graduado em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito; Curso de Extensão em Tributação no Agronegócio pela FGV; Mestre em Direito Empresarial e Contratos Empresariais pela Universidade UNICURITIBA; Doutorando em Direito Empresarial e Contratos Empresariais pela Universidade UNICURITIBA. Atividade Docente: Professor do Curso de Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil do Instituto Infoc - 2016/2018; Professor do Curso de Pós-graduação em Direito Civil Constitucionalizado UNAES 2017/2019; Professor do Curso de Pós-graduação em Processo Civil Constitucionalizado da Universidade Anhanguera 2020; Professor da Escola Superior de Advocacia nas Disciplinas de Direito Civil e Direito Empresarial. Atuação na Advocacia: Advogado com experiência de mais de 10 anos em consultivo e contencioso Cível e Empresarial, Sócio do escritório Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad Sociedade de Advogados; Diretor-Tesoureiro da Escola Superior de Advocacia de Mato Grosso do Sul no biênio 2016/2018; Conselheiro Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Mato Grosso do Sul no Biênio 2019/2021; Membro da Comissão Nacional de Acompanhamento do Novo Código Comercial, do Conselho Federal da OAB; Indicado pelo Conselho Federal da OAB para acompanhar a tramitação do Novo Código Comercial no Senado Federal; Autor e organizador de várias obras jurídicas nas áreas de Direito Empresarial e Tributário. Principais Obras Publicadas: 1. SHOPPING CENTER: O Contrato de Locação no Contexto dos Negócios Jurídicos Processuais e da Boa-fé. 1. ed. Curitiba: Instituto Memória, 2017. v. 1. 150p; SANTOS, D. O; 2. ESTUDOS DE DIREITO EMPRESARIAL. 1. ed. Brasilia, DF: Conselho Federal da OAB, 2019. v. 1. 646p; 2. SANTOS, D. O; 3. Diálogos (Impertinentes) INTERESSES SOCIAIS E O DIREITO ATUAL. 01. ed. Curitiba: Instituto Memória, 2016; 4. SANTOS, D. O.. Diálogos (Impertinentes) JUSTIÇA ECONÔMICA E SOCIAL. 1. ed. Curitiba: Instituto Memória, 2016. v. 01. 188p; 4. A INSTITUIÇÃO DO SISTEMA DE COMPLIANCE NO DIREITO BRASILEIRO E OS POSSÍVEIS REFLEXOS ECONÔMICOS IRRADIADOS NO BRASIL EM UM CENÁRIO DE GLOBALIZAÇÃO. In: Douglas de Oliveira Santos, Priscila Luciene Santos de Lima, Rafael Lima Torres. (Org.). SANTOS, D. O. 5. Diálogos Impertinentes, DIREITO, EMPRESA E ESTADO. 01ed.Curitiba: Instituto Memória, 2016, v. 01, p. 11-29. 6. SANTOS, D. O.. A REGULAMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE COMPLIANCE PELO DIREITO BRASILEIRO, COMO FERRAMENTA CAPAZ DE AUXILIAR AS EMPRESAS NO CUMPRIMENTO DE SUA FUNÇÃO SOCIAL. In: Douglas de Oliveira Santos, Priscila Luciene Santos de Lima, Rafael Lima Torres. (Org.); 6. Diálogos (Impertinentes) FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E INCLUSÃO SOCIAL. 01ed.Curitiba: Instituto Memória, 2016, v. 01, p. 65-82; 7. SANTOS, D. O.;

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Santos, Douglas de Oliveira.

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