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O arquivamento e acautelamento (sobrestamento) dos boletins de ocorrências policiais, assim como das notícias-criminais e suas consequências na atividade de persecução penal.

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DA DELAÇÃO APÓCRIFA

Notícia-crime apócrifa também não pode desencadear automaticamente a instauração de inquérito policial.

Segundo a jurisprudência e doutrina, é necessária diligência prévia para depois em se confirmando a versão, se permitirá a investigação por meio do procedimento policial apto a tanto.

Para tanto, mais uma vez investigação preliminar com diligências é essencial para demonstrar a procedência ou não da denúncia apócrifa, conhecida por denúncia anônima também.


NÃO INCIDÊNCIA DO CRIME DE PREVARICAÇÃO

Entendemos que a realização de acautelamento de boletim de ocorrência policial, objeto de investigação preliminar sem sucesso para instauração de investigação, não configura o crime de prevaricação.

Não faz sentido ignorar princípios constitucionais, em prol de uma investigação previamente filtrada que neste instante não se apresenta apta a deflagrar uma investigação útil e que se esmere na eficiência e interesse público.

Comungando deste entendimento de não ocorrência de crime de prevaricação o acautelamento de boletim de ocorrência policial, a Academia de Polícia Civil de Mato Grosso em seu Enunciado nº 52 preconiza o instituto da investigação preliminar a saber:

“Enunciado 52 – Não configura crime de prevaricação ou infração disciplinar o não-registro de ocorrência policial, cujas eventuais informações preliminares não demonstrem a existência de infração penal”.

Nesta mesma senda, desnatura-se, a nosso sentir, violação a dever funcional, já que a máquina policial foi movimentada e providências para aclarar os fatos foram tomadas. A verificação preliminar tem amparo legal. A investigação acautelada não foi sepultada ou descartada. Apenas exaurida (momentaneamente) e em compasso de espera.

A par de reforçar nossas falas e corroborando esta previsão, a Portaria DGP 18/1998 da Polícia Judiciária Civil do Estado de São Paulo em seu art. 1º assenta que:

ART. 1º - A INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL, QUANDO LEGALMENTE POSSÍVEL, DEPENDERÁ, SEMPRE, DE PRÉVIA E PERTINENTE DECISÃO DA  AUTORIDADE POLICIAL QUE, COM ESSA FINALIDADE, EXPEDIRÁ, EM ATO FUNDAMENTADO, PORTARIA NA QUAL FARA CONSTAR DESCRIÇÃO OBJETIVA DO FATO CONSIDERADO ILÍCITO, COM A PRELIMINAR INDICAÇÃO DE AUTORIA OU DA MOMENTÂNEA IMPOSSIBILIDADE DE APONTÁ-LA, E AINDA A CLASSIFICAÇÃO PROVISÓRIA DO TIPO PENAL ALUSIVO AOS FATOS, CONSIGNANDO, POR ÚLTIMO, AS PROVIDÊNCIAS PRELIMINARMENTE NECESSÁRIAS PARA A EFICIENTE APURAÇÃO DO CASO.

Dito de outra forma, o ato normativo em testilha acima implica no entendimento de que, a instauração do competente inquérito policial não é um ato automático, mas que depende de elementos materiais e formais que permitam tal ato, mormente agora com a vigência da nova Lei de Abuso de Autoridade que incrimina condutas de instaurar procedimento policial sem indícios de prática de crime (art. 27, LAA) ou sem justa causa fundamentada (art. 30, LAA) dentre outras condutas.

Somado a isto, quando faltar condição de procedibilidade também, o mesmo raciocínio de não configuração de crime de prevaricação e de infração administrativa-disciplinar deverá imperar. Neste prumo, por razões lógicas e não poderia ser diferente, a Academia de Polícia Civil de Mato Grosso previu em seu Enunciado nº 53 que não configura prevaricação ou infração disciplinar-administrativa a não instauração de procedimento policial quando não estiver implementada as condições de procedibilidade nos casos de infração penal de ação penal privada ou pública condicionada à representação. Vejamos:

“Enunciado 53 – Não configura crime de prevaricação ou infração disciplinar a não instauração de procedimento policial, quando não estiver implementada as condições de procedibilidade nos casos de infração penal de ação penal privada ou pública condicionada à representação”.


HIPÓTESES MAIS COMUNS DE ARQUIVAMENTO DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA

Não se desconhece que as agruras da população, notadamente mais carente e alijadas de acesso à cultura e assistência jurídica, buscam desafogo nas Delegacias de Polícia. Lá repousam, pela facilidade de acesso, sua projeção de gratuita, célere e informal solução do suas controvérsias, valendo-se da autoridade policial para compor interesses em conflito, donde resulta tantos registros de ocorrências não criminais. Exemplos encontramos aos borbotões. Deste invasão pacífica de terrenos, desacerto comercial, convívio familiar conflituoso, inadimplemento contratual etc.

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Como efeito prodrômico, tais registros acabam por, obliquamente, desafogar o Poder Judiciário, pois, não raras vezes, soluciona a celeuma, assentado no arraigamento cultural da figura do Delegado como gestor de conflitos. A documentação da ocorrência, neste cenário, não cumpre a precípua função de Polícia Judiciária, não restando outra alternativa, senão o seu arquivamento. Referida chancela nada mais é que a declaração da autoridade policial que aquele caso apresentado não tem status criminal e não haverá desdobramentos apuratórios.

Nesta senda, a Portaria DGP 18/1998 da Polícia Judiciária Civil do Estado de São Paulo em seu art. 2º, § 1º, prega que:

“ART. 2º - A AUTORIDADE POLICIAL NAO INSTAURARA INQUERITO QUANDO OS FATOS LEVADOS A SUA CONSIDERACAO NAO CONFIGURAREM MANIFESTAMENTE, QUALQUER ILICITO PENAL .

[...]

§ 1º - IGUAL PROCEDIMENTO ADOTARA, EM FACE DE QUALQUER HIPOTESE DETERMINANTE DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A DEFLAGRACAO DA INVESTIGACAO CRIMINAL, DEVENDO, EM ATO FUNDAMENTADO, INDICAR AS RAZOES JURIDICAS E FATICAS DE SEU CONVENCIMENTO.”

Nos crimes patrimoniais cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, entre ascendentes e descendentes e cônjuges (a doutrina abarca também companheiros) está presente referido instituto jurídico. Em razão de política criminal, o estatuto repressivo evita a punição de tais comportamentos. Há que se atentar às exceções legais delineadas, em especial quando a vítima é idosa e ao estranho que comete o delito. De mais a mais, entende-se, de forma majoritária, que sequer o inquérito policial deve ser instaurado, quando evidenciado, em especial, que o delito não foi praticado em concurso de pessoas, tampouco haja indício de delito parasitário, como receptação e favorecimento real.

O que está em jogo (nas escusas), ademais, não é o processo de individualização da pena ou a pena, que é conseqüência do injusto penal culpável, senão a própria existência do fato punível (que, de acordo com a compreensão, abarca quatro requisitos: tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade - cf. Gomes, Luiz Flávio, Norma e bem jurídico no Direito penal, São Paulo: RT, 2002). 

A escusa absolutória, diferentemente do que ocorre na inviolabilidade penal, não afeta nenhum dos três primeiros requisitos citados (o fato é, portanto, típico e antijurídico e o agente é culpável; há um injusto penal culpável); o que ela impede, isso sim, é a configuração do quarto requisito do fato punível, a punibilidade, que é afastada em razão de interesses mais importantes (preservação da unidade familiar etc.).

Conforme escólio de Luiz Régis do Prado “a presente imunidade, não pode ser desencadeada a persecução penal pela simples razão de não se poder impor ao agente a “sanctio juris” (PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 2, 2ª edição, p. 633)

Na mesma direção há precedentes jurisprudenciais em torno da temática. Veja:

“A imunidade penal absoluta, prevista no art. 181 do CP, é impeditiva de procedimento criminal, contra quem, de antemão, está isento de pena, já que o processo, em tais condições, não teria objetivo ou finalidade, sendo certo que, não se justifica a instauração de inquérito policial, destinação a apuração da infração penal, como preparatório para a ação, uma vez que, inteiramente desnecessário na espécie (RJTACRIM 39/361)”.

E mais:

“Nos termos do art. 181 do CP, é isento de pena, por imunidade absoluta (...) o que, por si só, impede a instauração de inquérito policial ou mesmo de ação penal, por falta de interesse de agir (RT 764/574)”.

Em abono a nossa tese, a Academia de Polícia Civil de Mato Grosso previu em seu Enunciado nº 96 a possibilidade de o Delegado de Polícia, como operador do direito, avaliar as escusas absolutórias dentro do feixe da “justa causa” entre outros desdobramentos jurídicos, mormente diante da nova Lei de Abuso de Autoridade, senão vejamos:

“Enunciado 96 – É legítimo pelo ordenamento jurídico, o Delegado de Polícia, como operador do direito, avaliar as escusas absolutórias dentro do feixe da “justa causa” entre outros desdobramentos jurídicos, mormente diante da nova Lei de Abuso de Autoridade”.

A instauração de procedimento policial conduziria certamente a um constrangimento ilegal, sujeitando o procedimento inclusive a trancamento dentre outras conseqüências jurídicas.


AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE:

Nos crimes cuja persecução é de iniciativa do ofendido ou representante legal, apenas mediante sua provocação e interesse movimenta-se a máquina estatal para concretizar o direito de punir do Estado. Deste modo, não havendo representação ou requerimento, a autoridade policial não poderá agir. Havendo, assim, renúncia ou decadência, a autoridade policial – por imperativo – deve arquivar o boletim de ocorrência, pois desautorizado a agir de ofício para trâmites investigativos ulteriores.

Neste ponto, por óbvio e não poderia ser diferente, a Academia de Polícia Civil de Mato Grosso previu em seu Enunciado nº 53 que não configura prevaricação ou infração disciplinar-administrativa a não instauração de procedimento policial:

“Enunciado 53 – Não configura crime de prevaricação ou infração disciplinar a não instauração de procedimento policial, quando não estiver implementada as condições de procedibilidade nos casos de infração penal de ação penal privada ou pública condicionada à representação”.

A instauração de procedimento policial ao arrepio da autorização do legitimado legal conduziria certamente a um constrangimento ilegal, sujeitando o procedimento inclusive a trancamento dentre outras consequências jurídicas.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há falar em prevaricação da autoridade policial, espancando qualquer argumento oposto, quando esta fomenta o acautelamento (sobrestamento) de boletins de ocorrência ou notícia-crime cujo resultado de diligências voltadas para a sua elucidação restaram infrutíferas, após esgotamento de todos os recursos investigativos disponíveis naquele comenos. Tal ato não se reveste da mesma natureza de um arquivamento e a retomada apuratória se dá com surgimento de novos elementos, sem prejuízo dos atos praticados e documentados que irão compor todo acervo instrutório preliminar.

A escolha pelo formalismo cego (e demagógico) - instauração de inquérito policial em todos os casos de notícias-crime - colide com a eficiência preconizada pela Constituição e solapa a escorreita apuração criminal por indiretamente inviabilizá-la. A eleição do expediente acautelatório (sobrestamento) prestigia tanto a obrigatoriedade da persecução, quanto a obtenção de melhores resultados na seara investigativa dentro do princípio constitucional da eficiência e do interesse público, distribuindo tempo e recursos de maneira equilibrada e sólida. A disponibilidade documental ao representante do Ministério Público e órgãos censores e superiores garantem transparência e controle daquilo que fora produzido e dos motivos do acautelamento interino.

Por fim, encerramos o presente trabalho sugerindo que todas as instituições de Polícia Judiciária editem regulamentação sobre o acautelamento (sobrestamento) de boletins de ocorrência ou notícia-crime, conferindo segurança jurídica aos seus delegados de polícia no exercício do seu múnus.


Referências bibliográficas:

SAYEG, Ronaldo. Inquérito Policial Democrático, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2019.

MACHADO, Leonardo Marcondes. Manual de  Inquérito Policial, Editora CEI, 2020.

PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 2, 2ª edição.

Sobre os autores
Tristão Antônio Borborema de Carvalho

Delegado de Polícia no estado do Paraná desde o ano 2008. Ex-Delegado de Polícia Civil do estado de São Paulo (aprovado em primeiro lugar). Professor concursado de Direito Penal da Academia de Polícia Civil do estado de São Paulo: ACADEPOL. Graduado em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Especialista em Gestão em Segurança Pública pela Escola Superior de Polícia Civil do Paraná.

Joaquim Leitão Júnior

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Mentor da KDJ Mentoria para Concursos Públicos. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Palestrante. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Tristão Antônio Borborema; LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. O arquivamento e acautelamento (sobrestamento) dos boletins de ocorrências policiais, assim como das notícias-criminais e suas consequências na atividade de persecução penal.: A investigação preliminar de ocorrências policiais acauteladas (sobrestadas) após diligências prévias e os arquivamentos diretos, sem incidência do crime de prevaricação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6540, 28 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90854. Acesso em: 18 dez. 2024.

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