1. TÍTULO EXECUTIVO
Precipuamente, na vigência do código de 1939, existia, como o Prof. Cândido Rangel Dinamarco leciona de forma primorosa, (Execução Civil, 5a. edição pág. 457), uma diferença frontal entre os títulos executivos judiciais, denominados, à época, executórios, e os extrajudiciais, denominados executivos, tendo em vista a eficácia que emanava destes institutos. Significa dizer que, os títulos executivos ensejavam uma "ação executiva", uma mescla de cognição e execução, e os executórios ensejavam diretamente a execução, sem precisar de conhecimento do título em apreço.
Percebe-se hoje que não há distinção, quanto à eficácia, entre títulos judiciais e extrajudiciais, levando-se em conta, que ambos ensejam diretamente uma execução. Os judiciais, porém, provêm de sentença, enquanto os extrajudiciais resultam da lei, embora presumam-se certos, líquidos e exigíveis.
Todavia, com amparo legal, a fim de acelerar o processo executivo, ou quando o autor faz pedido genérico, é lícito ao Juiz ou Tribunal, proferir uma sentença ou acórdão ilíquido, que, neste caso, ainda não constitui, a meu ver, título executivo que irá ensejar uma execução. Destarte, mister se faz, a ação liquidatória com o intuito de complementar, ou seja, dando o "quantum debeatur" ao título judicial, tornando-o executivo, pressuposto da execução.
Com o advento da "REFORMA DO CPC", constituída por uma série de leis editadas principalmente nos anos de 1994 e 1995, modificações foram produzidas no sistema brasileiro de execução forçada, seja no âmbito da praticidade, seja no sentido de acelerar a efetividade do direito pela via do processo.
Não obstante, é prudente frisar que a modificação estabelecida pela lei 8.953/94 ampliou sobremodo os efeitos do art. 585, inciso II do CPC, fato plausível, tendo em vista a moderna visão do legislador. Assim vejamos o que reza este dispositivo, "in verbis":
"Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:
II - a escritura pública, ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, ou pelos Advogados dos transatores;"
Verifica-se, claramente, que antes desta modificação, o código contemplava apenas obrigações pecuniárias e obrigações de dar coisa fungível, nenhuma obrigação de fazer estava sendo mencionada, e o art. 632 exigia título judicial para semelhante ação executória. Também não era possível executar com base em obrigação de dar coisa certa ou incerta, infungível, vale ressaltar.
2. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA EXECUÇÃO
Imaginemos, contudo, a situação em que a coisa infungível perece ou a obrigação de fazer ou não fazer personalíssima se torna impossível de realizar-se pelo devedor ou por terceiros. Como prosseguir, agora, na execução, prevista no digesto processual?
Atentemos ao que dispõem os arts. 627 e 633, do CPC., "verbum ad verbum":
"Art.627. O credor tem direito a receber, além de perdas e danos, o valor da coisa , quando esta não lhe for entregue, se deteriorou, não for encontrada ou não for reclamada do poder de terceiro adquirente.
§1º. Não constando da sentença o valor da coisa, ou sendo impossível a sua avaliação, o credor far-lhe-á a estimativa, sujeitando-se ao arbitramento judicial.
§2º. O valor da coisa e as perdas e danos serão apurados em liquidação de sentença."
"Art. 633. Se, no prazo fixado, o devedor não satisfizer a obrigação, é lícito ao credor, nos próprios autos do processo, requerer que ela seja executada à custa do devedor, ou haver perdas e danos; caso em que ela se converte em indenização.
Parágrafo único. O valor das perdas e danos será apurado em liquidação, seguindo-se a execução para cobrança de quantia certa."
Observa-se que, em ambos os casos, o credor tem direito a receber perdas e danos e, no primeiro, além da indenização, o equivalente ao valor da coisa. Daí, pode-se notar uma dúvida com relação ao procedimento a ser tomado nesta ocasião, levando-se em conta que ambas as execuções estão baseadas em títulos executivos extrajudiciais.
3. LIQUIDAÇÃO SUPERVENIENTE
Indaga-se: como pode um título executivo extrajudicial, ao tempo que enseja uma execução, ter que submeter-se a uma liquidação?
É relevante destacar, mais uma vez, a posição do ilustre mestre e professor Cândido Rangel Dinamarco, acerca da possibilidade ou não de liquidação do título extrajudicial.
No seu livro já referido, sustenta o autor que não há possibilidade de liquidação de um título extrajudicial, levando-se em conta a falta de um dos elementos essenciais constitutivos do mesmo, ou seja, a liquidez, deixando o título de ser típico do art.585 do CPC.
Os efeitos do raciocínio acima são o seguinte: se o título não é típico, não enseja execução forçada, devendo passar por um processo cognitivo e, logo após, se for o caso, por uma ação de liquidação, e só assim se poderá dar fundamento à executiva.
É importante mencionar o prejuízo do credor em ter que submeter-se a dois ou até três processos distintos: um de conhecimento, ficando sujeito a não se conhecer do mesmo, um de liquidação (sentença ilíquida) e finalmente, se for conhecido o título (cognição) e liquidado, um processo de execução, para satisfação do credor.
Concordando com o mestre, porém, "data venia", verifica-se, que a situação descrita na indagação acima é diferente deste raciocínio, tendo em vista que a liquidação a que se refere é superveniente ao processo de execução, é um incidente processual gerador de uma obrigação, contida no art. 627 ou 633 do CPC, liquida-se aqui, a obrigação e não o título, como leciona o Prof. Frederico de Almeida Neves.
Então, em uma execução para entrega de coisa infungível ou de obrigação de fazer ou não fazer personalíssima, fundadas em títulos extrajudiciais, tornando-se impossível a sua realização, conclui-se que haverá uma transmudação para execução por quantia certa, apurando-se a pecúnia da obrigação (art. 627 ou 633).
Portanto é curial destacar que ao converter a execução em quantia certa, resolverá o Juiz ou Tribunal questão incidente ao processo de execução, sujeita ao recurso de agravo, na sua forma de instrumento.
Vale lembrar que liquidar, em vernáculo, é transformar o direito em pecúnia, valor a ser apurado através de uma ação, quando busca constituir (Pontes de Miranda, Araken de Assis, dentre outros) uma sentença de mérito, ou um incidente processual que irá resolver uma questão incidente ao processo principal, a fim de apurar o crédito e com o âmago de satisfazê-lo através da ação principal (execução).
4. CONCLUSÕES
Não há como distinguir, com relação à eficácia, o título judicial do extrajudicial; apenas com relação à natureza, é que se faz a distinção, ou seja, o judicial emana de uma sentença condenatória e o extrajudicial da própria lei. Então, "concessa máxima venia", entende-se o art. 627 do CPC., precisamente, nos seus parágrafos 1o. e 2o., desatualizados em consonância com a lei 8.953/94, que alterou diversos pontos do processo de execuções, especificamente o art. 585, II do CPC., levando em conta que este artigo, em seus parágrafos 1o. e 2o., só menciona o título judicial (sentença), dando margem ao instituto da analogia.
Outrossim se verifica que em uma execução de obrigação de fazer ou não fazer personalíssima ou para entrega de coisa infungível, seja ela fundada em título judicial ou extrajudicial, em que não há como realizar-se, mister se faz da liquidação superveniente, não como ação autônoma, mas sim como incidente a fim de apurar a indenização ou o equivalente ao valor da coisa (se for o caso), à luz dos arts. 627, parágrafos 1o. e 2o. e 633, parágrafo único, do CPC.
A liquidação do título judicial, originária, é uma ação autônoma, tendo em vista a três aspectos distintos, ou sejam, nova citação; não instaurar-se de ofício, manifestação das partes; e principalmente, a busca de uma SENTENÇA constitutiva, onde terminará o processo, desafiando o recurso de apelação.
A liquidação superveniente, derivada de uma execução para entrega de coisa certa infungível ou de obrigação de fazer ou não fazer personalíssima, é um incidente processual, devido a uma questão incidente ao processo principal, que irá oportunizar o valor da indenização e do equivalente ao valor da coisa (se for o caso), transformando a execução em quantia certa, não terminará o processo de execução, desafiando o recurso de agravo na sua forma de instrumento, posto que este prosseguirá até ulterior satisfação do crédito do exequente.
Finalmente, proponhe-se uma modificação nos parágrafos 1º; e 2º; do art. 627 do CPC., acrescentando o título extrajudicial, para que fique mais claro, evidente e inequívoco, o procedimento a ser tomado, evitando controvérsias.