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A habilitação técnico-operacional nas licitações públicas e o princípio da razoabilidade

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Agenda 03/11/2006 às 00:00

5. LICITAÇÃO: UM CONCEITO IMPORTANTE

            A licitação é um procedimento administrativo que se traduz em uma série de atos que obedecem a uma seqüência determinada pela lei e tem por finalidade a seleção de uma proposta (mais vantajosa) de acordo com as condições (isonômicas) previamente fixadas e divulgadas em razão da necessidade de celebrar uma relação contratual. [15]

            Na precisa definição de BANDEIRA DE MELLO, licitação "é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras e serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados" [16].

            Já MEIRELLES prefere conceituar licitação como o "procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos." [17]

            Para DI PIETRO licitação é o "procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem proposta dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato." [18]

            Já AYRES DE BRITTO, de modo condensado afirma que a licitação é "... um processo legal que institucionaliza um sistema de mérito, apto a selecionar a proposta mais conveniente para o Estado-administração." [19]

            Observe que cotejando os conceitos aduzidos uníssono é o entendimento de que a licitação é um procedimento administrativo que se presta para a busca da proposta mais vantajosa (ou melhor proposta), obedecendo o princípio da isonomia.

            Pode-se então dizer que não basta a verificação de um escorreito procedimento administrativo escorado no princípio da isonomia para que se tenha um certame licitatório eficiente [20], é imperioso também que a proposta seja a mais vantajosa para a Administração, noutras palavras, que o contratado seja: um bom prestador de serviço; um bom fornecedor, uma empresa aparelhada; um profissional experiente; e não qualquer um que apresente o menor preço.


6. EXIGÊNCIAS QUANTO À HABILITAÇÃO TÉCNICA

            A expressão habilitação (capacidade) técnica tem grande amplitude de significado, contudo, pode-se dizer que "consiste no domínio de conhecimentos e habilidades teóricas e práticas para execução do objeto a ser contratado." [21].

            Habilitação é a fase do procedimento licitatório que tem por finalidade aferir as condições pessoais dos interessados em contratar com a Administração, verificando se esses reúnem condições jurídicas, fiscais, técnicas e econômico-financeiras de executar o objeto pretendido e se cumprem o disposto no inciso XXXIII [22] do art. 7o da Constituição Federal.

            A fase de habilitação é de cunho documental, isto é, a prova do atendimento das condições fixadas no instrumento convocatório como necessárias à execução do objeto é feita mediante a apresentação de documentos, podendo ser ela: jurídica (art. 28), fiscal (art. 29), técnica (art. 30) e econômico-financeira (art. 31). [23]

            Como o que interessa para a Administração é a execução de um dado objeto, a Constituição Federal impõe um limite às exigências de habilitação: apenas podem ser feitas exigências indispensáveis à execução do objeto do contrato, sendo inolvidável o Texto Constitucional ao prescrever: "somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações." (art. 37, XXI, in fine), ou seja, é o objeto do contrato que delimita, então, as condições de habilitação, principalmente as relacionadas aos aspectos técnicos.

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            Não é difícil entender o motivo dessa previsão na parte final do art. 37, XXI do Texto Constitucional, vez que os contratos administrativos envolvem o dispêndio de recursos públicos – recursos e interesses estes que não podem ser colocados em risco, logo, deve a Administração formular exigências destinadas a obterem excelentes garantias de que o contratado está apto, tanto técnica como economicamente, a cumprir o avençado. Deixar de adotar este comportamento seria violar a própria Constituição, colocando em risco valores por ela especialmente protegidos. [24]

            Deve-se destacar que existe uma dificuldade em interpretar o art. 30 da Lei nº 8.666/93, tratando-se de um tema dos mais caros dentro do estudo da licitação, especialmente por ser impossível a lei minudenciar limites precisos para as exigências que a Administração deverá adotar em cada caso.

            A doutrina ao estudar o art. 30 da Lei nº 8.666/93, aqui já trasladado, intitula o inciso I de capacidade técnica genérica, e o inciso II de capacidade técnica específica, podendo esta ser apresentada em duas espécies: a) capacidade técnica operacional; e, b) capacidade técnica profissional.

            A capacidade técnica profissional é relacionada ao profissional (pessoa física) que será o responsável pela execução do serviço, enquanto a capacidade técnica operacional relaciona-se a empresa (pessoa jurídica).

            A dúvida que surge quando da aplicação do art. 30 da Lei nº 8.666/93 é creditada a busca da harmonia entre as normas que podem ser extraídas desse dispositivo e a parte final do art. 37, XXI da CRFB, vez que as exigências técnicas habilitatórias devem restringir-se àquelas indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

            Outro questionamento freqüente é relacionado à impossibilidade de se estabelecerem quantitativos mínimos ou prazos máximos, como condicionantes à comprovação de aptidão técnico-operacional, tendo em vista o que reza o art. 30, § 1º, I já citado.

            Essa argumentação carece de fundamento. A limitação em tela, como resta claro no corpo do dispositivo só é aplicável às exigências referentes à capacitação técnico-profissional. [25]

            JUSTEN FILHO leciona que é excessiva a interpretação de que a capacitação técnica operacional não pode envolver quantitativos mínimos, locais ou prazos máximos. Esse entendimento deriva da aplicação descabida da parte final do inc. I do § 1º e do § 5º, todos do art. 30, que explicitamente estabelecem tal vedação. Ocorre, contudo, que esses dispositivos disciplinam específica e exclusivamente a capacitação técnica profissional e não a capacitação técnica operacional. [26]

            O mesmo autor para ratificar seu entendimento lança mão da jurisprudência do TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO noticiando:

            "Essa orientação passou a prevalecer no âmbito do TCU, o qual hesitou quanto à melhor solução a adotar. Após algumas divergências, uniformizou-se a jurisprudência daquela Corte no sentido da validade de exigência de quantitativos mínimos a propósito da experiência anterior, desde que o aspecto quantitativo fosse exigência essencial quanto à identificação do objeto licitado." [27]

            ADILSON DALLARI de modo contundente também afirma que a Constituição não autoriza nem estimula o aventureirismo, a concorrência selvagem, em detrimento da qualidade do objeto contratado e da segurança do contrato, sendo inquestionável a constitucionalidade do art. 30 da Lei nº 8.666/93, que estabelece o que pode ser exigido como elemento comprobatório da qualificação técnica de cada proponente. [28]


7. TIPOS DE LICITAÇÃO: MENOR OU MELHOR PREÇO?

            É cediço, e aqui já foi mencionado, que as finalidades precípuas da licitação são a garantia do princípio da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa, ou seja, não decorrente apenas do fator preço, e em função disso é que a Lei nº 8.666/93 relaciona os tipos de licitação, assim dispondo:

            "Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle.

            § 1º Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação, exceto na modalidade concurso:

            I - a de menor preço - quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço;

            II - a de melhor técnica;

            III - a de técnica e preço;

            IV - a de maior lance ou oferta - nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.

            ..."

            O tipo menor preço é estabelecido pela Lei como a regra geral. Todavia, mesmo dela se tratando, outras condições, que não o preço, são exigidas e analisadas, tais como: habilitação jurídica, habilitação técnica, habilitação econômico-financeira e habilitação fiscal.

            Parte-se do pressuposto então que o procedimento a ser realizado adotará em regra o tipo (de licitação) menor preço, sendo importante destacar que em que pese ser considerado nesse tipo de licitação apenas o preço para fins de julgamento, isso não quer dizer que a qualidade do objeto e do pretenso contratado seja desprezada. A qualidade do objeto e do pretenso contratado não é fator que integra o critério julgamento da proposta, mas requisito de aceitação do próprio interessado, pois esses critérios devem ser vistos com o objetivo de atingir com eficiência o interesse público.

            Com efeito, cabe a Administração especificar e exigir em seu ato convocatório os requisitos mínimos que o objeto deve contemplar, bem como a qualificação jurídica, técnica, fiscal e econômico-financeira, justificando técnica e razoavelmente, de modo a assegurar a obtenção de um contrato satisfatório com vista a atender o interesse visado, ou seja, o MELHOR preço.


8. POSSIBILIDADE DE EXIGÊNCIA DE ATESTADOS TÉCNICOS OPERACIONAIS

            A Administração Pública com vista a atingir o interesse público numa contratação deve [29] (dever-poder) restringir a participação de pretensos licitantes que não possuem qualificação técnica-operacional, a ser comprovada com atestados técnicos, para a execução do objeto, podendo, para tanto, se valer de exigências razoáveis. Tal comportamento passa longe de ser ofensor ao princípio da isonomia, ao tempo que a exigência, na verdade, visa a efetivar o interesse público.

            Essa conclusão não é inovadora, já tendo alguns dos maiores publicistas pátrios enfocado o tema e palmilhando pela mesma senda, como, v.g., CARLOS ARI SUNDFELD que de forma sábia, após mergulhar com fôlego sobre o tema, posicionou-se com a seguinte pena:

            "É válida a exigência de comprovação de aptidão técnico-operacional, admitindo-se, inclusive, condicionamentos relativos a quantidades mínimas e prazos máximos;

            É juridicamente viável a exigência de comprovação de aptidão técnico-operacional, mesmo quando já ter sido exigido prova de aptidão técnico-profissional. As duas exigências não são excludentes entre si. Ao contrário, são complementares e perfeitamente aplicáveis num mesmo certame." [30]

            O mesmo autor, no mesmo trabalho, exemplifica:

            "O edital pode, como condição da aceitação do atestado, exigir que ele se refira a obras ou serviços com certa dimensão. Se a licitação se destina a contratar a construção de obra gigantesca, seria irracional considerar qualificada para realizá-la uma empresa que só houvesse enfrentado obras diminutas." [31]

            Na mesma senda ADILSON DALLARI com maestria firmou:

            "O que a Constituição autoriza e determina [vide art. 37, XXI, in fine] ao legislador que exija não é a comprovação de uma qualificação técnica hipotética ou abstrata, mas, sim, de qualificação técnica (tanto profissional quanto operacional) necessária para garantir a fiel execução de uma determinada obra que é posta em disputa por meio de uma determinada licitação.

            ... pode a Administração Pública, no edital, exigir que o licitante comprove a execução anterior de obras e serviços em quantidades compatíveis com o objeto do futuro contrato em disputa e através de um único contrato." [32]

            VALMIR PONTES FILHO ao enfocar sua inteligência a respeito de exigência em edital de atestados de capacidade técnica-operacional também não vislumbra qualquer ofensa à lei, desde que verificado o princípio da razoabilidade, ou seja, desde que as exigências sejam adequadas à complexidade e natureza do serviço a ser contratado e que digam com as suas características, quantidades e prazos. [33]

            TOSHIO MUKAI também não hesitou em afirmar que a Lei nº 8.666/93 estabelece que a qualificação técnica dos licitantes deve ser demonstrada por meio de atestados que comprovem a aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação. [34]

            O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO também já se posicionou sobre o tema de forma precisa, senão vejamos:

            "Já a evolução da jurisprudência do TCU merece especial atenção. Na decisão 395/95, o TCU manifestava-se pela possibilidade de exigência de comprovação de ambos os aspectos da capacitação técnica.

            ...

            Em decisão posterior (12.4.2000), o TCU reconheceu a possibilidade de exigências de quantitativos mínimos e prazos máximos para capacitação técnica operacional [Decisão nº 285/2000]." [35]

            Na mesma linha observamos também alguns julgados:

            "... a capacidade técnico-operacional do licitante resulta de sua própria experiência anterior [...]. Não se exige que tais atestados se refiram a objeto idêntico, bastando que os serviços ou obras sejam similares, ou seja, sejam compatíveis em características, quantidades e prazos (art. 30, II) e de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior à do objeto da licitação (art. 30, § 3º)." [36]

            "ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EXIGÊNCIA NO EDITAL. CAPACITAÇÃO TÉCNICA DO LICITANTE. POSSIBILIDADE, ART. 30, II, DA LEI 8.666/93.

            A exigência, no edital, de capacitação técnico-operacional, não fere o caráter de competição do certame licitatório.

            Precedentes do STJ. Recurso Provido." [37]

            "LICITAÇÃO - CAPACIDADE TÉCNICA - Apresentação de capacidade operacional em número inferior ao exigido no edital. Quantitativos e prazos. Proporcionalidade com o objeto da licitação. Segurança denegada. Recurso improvido. Ap. Cível 57.513-5/1 - Relator Des. Alves Beviláqua - Tribunal de Justiça de São Paulo." [38]

Sobre o autor
Anderson Sant'Ana Pedra

Doutorando em Direito Constitucional pela PUC/SP, Mestre em Direito pela FDC/RJ, Especialista em Direito Público pela Consultime/Cândido Mendes/ES, Chefe da Consultoria Jurídica do TCEES, Professor em graduação e em pós-graduação de Dir. Constitucional e Administrativo, Consultor do DPCC ­ Direito Público Capacitação e Consultoria, Advogado em Vitória/ES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDRA, Anderson Sant'Ana. A habilitação técnico-operacional nas licitações públicas e o princípio da razoabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1220, 3 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9118. Acesso em: 23 dez. 2024.

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