Capítulo 2
O DEVER DO ESTADO DE PROTEGER A FAMÍLIA
2.1.O Estado
A concepção moderna para definir o que seja Estado é toda finalística, no sentido de que o exercício da autoridade do Poder Público é direcionado precipuamente a proporcionar felicidade ao povo, à sociedade, enfim, à Nação, esta entendida de acordo com os seus valores materiais e espirituais que formam a consciência nacional estratificada por afinidades de tradição, idioma, religião e costumes de um povo. (MAGALHÃES 2, 1996, p. 9).
Para José Afonso da Silva (2000, p. 101), Estado pode ser definido como:
[...] uma ordenação que tem por fim específico e essencial a regulamentação global das relações sociais entre os membros de uma dada população sobre um dado território, na qual a palavra ordenação expressa a idéia de poder soberano institucionalizado. (Com grifo no original).
Para Hely Lopes Meirelles (2004, p. 60), o conceito de Estado depende do ângulo que se deseja considerar:
Do ponto de vista socilógico, é corporação territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek); sob o aspecto político, é comunidade de homens, fixada sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg); sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia); na conceituação de nosso Código Civil, é pessoa jurídica de Direito Público Interno (art. 41, I). Como ente personalizado, o Estado tanto pode atuar no campo do Direito Público como no do Direito Privado, mantendo sempre sua única personalidade de Direito Público, pois a teoria da dupla personalidade do Estado acha-se definitivamente superada.
Consoante Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2002, P. 47), o Estado é uma associação humana (povo), radicado em base espacial (território), que vive sob o comando de uma autoridade (poder) não sujeita a qualquer outra (soberana).
Para Dalmo de Abreu Dallari (1995, p. 60-61), ao se definir o Estado, costuma-se mencionar a existência de dois elementos materiais, o território e o povo, havendo grande variedade de opiniões quanto ao terceiro elemento, que muitos denominam formal. O mais comum é a identificação desse último elemento com o poder ou alguma de suas expressões, como autoridade, governo ou soberania.
Novamente se busca na lição de Meirelles (2004, p. 60), o conceito de Estado:
O Estado é constituído de três elementos originários e indissociáveis: Povo, Território e Governo soberano. Povo é o componente humano do Estado; Território, a sua base física; Governo soberano, o elemento condutor do Estado que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação e auto-organização emanado do Povo. Não há, nem pode haver Estado independente sem Soberania, isto é, sem este poder absoluto, indivisível e incontrastável de organizar-se e de conduzir-se segundo a vontade livre de seu Povo e de fazer cumprir as suas decisões inclusive pela força, se necessário. (Com grifo no original)
O Estado, como pode se perceber, constitui-se quatro elementos essenciais: um poder soberano, de um povo, situado num território com certas finalidades, sendo a constituição o conjunto de normas que organizam estes elementos constitutivos do Estado: povo, território, poder e fins. (SILVA, 2000, p. 102).
Segundo a lição de Celso Ribeiro Bastos (1986, p. 5) acerca do que é Estado, assim o definiu:
O Estado é uma realidade ideal que envolve o homem. É ideal, porque não tem realidade física; não se pode apanhá-lo, não se pode apreendê-lo através dos sentidos. Mas podemos senti-lo, indiretamente, através de suas manifestações no mundo físico. Podemos sentir a presença dos Estado quando, por exemplo, somos coagidos a pagar tributos, somos obrigados a obedecer os imperativos jurídicos etc...
Para Kelsen (1992, p. 191) o Estado é "uma sociedade politicamente organizada porque é uma comunidade constituída por uma ordem coercitiva, e essa ordem coercitiva é o Direito.
Como nação politicamente organizada, o Estado é dotado de personalidade jurídica própria, sendo pessoa jurídica de direito público interno (Código Civil Brasileiro, art. 41, I), e formado por quatro elementos básicos: povo, território, poder soberano (poder de autodeterminação e auto-organização emanados do povo para ser exercido em território determinado e por ele defendido) e finalidades definidas. (ROSA 2, 2005, p. 27).
2.2 A família
A palavra família, conforme observa Ulpiano, tem vários significados para o mundo jurídico, que se depreendem do vocábulo, em gradações de várias matizes, segundo a situação, em que se acha o observador. Compreende, num sentido, o complexo das pessoas, que descendem de um tronco ancestral comum, tanto quanto essa ascendência conserva na memória dos descendentes. (BEVILÁQUA, 2001, p. 29).
Considerando a família em um conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido, compreende os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o cônjuge, que não é considerado parente. Em conceito restrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder. Nesse particular, a Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a entidade familiar formada por apenas um dos pais e seus descendentes, a denominada família monoparental, conforme disposto no § 4º do art. 226: "Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes." (VENOSA, 2003, p. 16).
Desse modo, constitui família, o grupo de pessoas integrado por um dos pais e pelos filhos ou demais descendentes. É o que se denomina de família monoparental, de grande importância na atualidade, dada a quantidade dessas famílias, especialmente formadas por mães e filhos. Isto se deve, em grande parte, em virtude da freqüência como se formam uniões puramente sexuais, sem maior estabilidade, que acabam por resultar de conjuntos familiares composto da mãe e dos filhos, ou mais raramente, do pai com os filhos. É um fenômeno que se repete com as separações ou divórcios, quando um dos pais fica com a guarda dos filhos, passando a constituir uma nova unidade familiar. (RIZZARDO, 2005, p. 12).
Portanto, o termo família não é um conceito fechado, pelo contrário, é necessário estabelecer um foco para se diferenciar o tipo de família a que se está fazendo referência. Maria Helena Diniz (2005, p. 9), classifica o vocábulo família em três acepções fundamentais:
a) No sentido amplíssimo o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo de consangüinidade ou de afinidade, chegando a incluir estranhos, como no caso do art. 1.412, § 2º, do Código Civil, em que a necessidade da família do usuário compreendem também as das pessoas de seu serviço doméstico. A Lei n. 8.112/90, Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, no art. 241, considera como família do funcionário, além do cônjuge e prole, quaisquer pessoas que vivam às suas expensas e constem de seu assentamento individual.
b) Na acepção "lata", além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro), como a concebem os arts. 1.591 e s. do Código Civil, o Decreto-lei n. 3.204/41 e a Lei n. 883/49.
c) Na significação restrita é a família (CRFB, art. 226, §§ 1º e 2º) o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole (CC, arts. 1.567 e 1.716), e entidade familiar a comunidade formada pelos pais, que vivem em união estável, ou por qualquer dos pais e descendentes, como prescreve o art. 226, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal, independentemente de existir o vínculo conjugal, que a originou (JB, 166: 277 e 324). Inova assim a Constituição de 1988, ao retirar da antiga Carta (art. 175) de que só seria núcleo familiar o constituído pelo casamento. Assim sendo, a Magna Carta de 1988 e a Lei n. 9.278/96, art. 1º, e o novo Código Civil, arts. 1.511, 1.513 e 1.723, vieram a reconhecer como família a decorrente do matrimônio (art. 226, §§ 1º e 2º, da CRFB/88) e como entidade familiar não só a oriunda de união estável como também a comunidade monoparental (CRFB/88, art. 226, §§ 3º e 4º) formada por qualquer dos pais e seus descendentes independentemente de existência de vínculo conjugal que a tenha originado (JB, 166: 277 e 324). A família monoparental ou unilinear desvincula-se da idéia de um casal relacionado com seus filhos, pois estes vivem apenas com um de seus genitores, em razão da viuvez, separação judicial, divórcio, adoção unilateral, não reconhecimento de filiação pelo outro genitor, "produção independente" etc. (Com grifo no original).
No mesmo sentido Eduardo Espínola (2001, p. 1) também classifica a família quanto ao seu significado:
Em acepção ampla, a palavra família compreende as pessoas unidas pelo casamento, as provenientes de um tronco ancestral comum e as vinculadas por adoção.
Em sentido restritivo, correspondendo ao que os romanos denominavam domus, a família compreende apenas os cônjuges e os filhos.
Algumas disposições do Código Civil, como acontece também nos vários sistemas legislativos, aplicam-se à família, em sentido mais ou menos lato, considerando certas relações de parentesco.
Outras, porém, visam tão-somente às relações entre os cônjuges e entre estes e os filhos, isto é, aplicam-se às duas pessoas unidas pelo casamento e aos seus descendentes. (Com grifo no original).
Do exposto, conclui-se que o direito não abarca somente a família matrimonial, pois ele protege também as uniões constituídas fora do casamento, à sua imagem e semelhança, bem como os vínculos de filiação estabelecidos pela adoção. E, além disso, a Lei n. 8.069/90 (Estatuto da criança e do Adolescente), no art. 28, refere-se à família substituta, que se configurará pela guarda, tutela e adoção. (DINIZ, 2005, p. 13).
No direito moderno, família é um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo sangüíneo, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restrita, segundo as várias legislações. Outras vezes, porém, designam-se, por família, somente os cônjuges e a respectiva progênie. (BEVILÁQUA, 2001, p. 30).
Cícero apud Monteiro (2004, p. 1) apelidou-a de seminarium reipublicae. "Efetivamente, onde e quando a família se mostrou forte, aí floresceu o Estado, onde e quando se revelou frágil, aí começou a decadência geral".
Muito embora, há quem pense de modo diferente, como é o caso de Arnaldo Rizzardo (2005, p. 1) que assim se manifesta: "Não mais predomina, hoje, aquele entendimento muito em voga até algumas décadas atrás, assentado na necessidade do fortalecimento da família para tornar mais forte o Estado, embora a totalidade das Constituições consagre o alto propósito da irrestrita proteção à família".
No entanto é dele o conceito "trata-se a família de um núcleo social primário".
Pontes de Miranda (apud RIZZARDO, 2005, p. 11) aponta vários significados de família:
Ainda modernamente, há multiplicidade de conceitos da expressão "família", Ora significa o conjunto das pessoas que descendem de tronco ancestral comum, tanto quanto essa ascendência se conserva na memória dos descendentes; ou nos arquivos, ou na memória dos estranhos, ora o conjunto de pessoas ligadas a alguém, ou a um casal, pelos laços de consangüinidade ou de parentesco civil; ora o conjunto das mesmas pessoas, mais os afins apontados por lei; ora o marido e a mulher, descendentes e adotados; ora, finalmente, marido, mulher e parentes sucessíveis de um e de outra.
A família moderna, formada por pais e filhos, não se alterou muito com a vida urbana. A família atual, entretanto, difere das formas antigas no que concerne as suas finalidades, composição de papel de pais e mães. (VENOSA, 2003, p. 20).
Atualmente, a escola e outras instituições de educação, esportes e recreação preenchem atividades dos filhos que anteriormente eram da responsabilidade dos pais. Os ofícios não são mais transmitidos de pai para filho dentro dos lares e das corporações de ofício. Tampouco a família que vive no meio rural consegue manter seus filhos na terra ao atingirem a maioridade. A educação cabe ao Estado ou a instituições privadas por ele supervisionadas. A religião não mais é ministrada em casa e a multiplicidade de seitas e de credos cristãos, desvinculados da fé originais, por vezes oportunistas, não mais permite uma definição homogênea. Também as funções de assistência a crianças, adolescentes, necessitados e idosos têm sido assumidas pelo Estado. (VENOSA, 2003, p. 20).
Clóvis Beviláqua (2001, p. 30) elenca dois fatores como sendo primordiais para a constituição da família: em primeiro lugar, o instinto genesíaco, o amor, que aproxima os dois sexos; em segundo, os cuidados exigidos para a conservação da prole, que tornam mais duradouras a associação do homem e da mulher, e que determinam o surto de emoções novas, a filoprogênie e o amor filial, entre procriadores e procriados, emoções essas que tendem todas a consolidar a associação familial.
Deve-se, portanto, vislumbrar na família a possibilidade de convivência, marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mas também no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. É a família o instrumento para a realização integral do ser humano. (DINIZ, 2005, p. 13).
2.3 O casamento
Foi Modestino, jurista do período clássico, apud Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 39), quem conceituou o casamento como sendo "nuptiae sunt coniunctio maris et feminae, comnsortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio" (as núpcias são a conjunção do homem e da mulher em consórcio para toda a vida, pelo direito divino e pelo direito humano). Esta definição reforça o caráter religioso e a perenidade do casamento.
Ruggiero apud Washington de Barros Monteiro (2004, p. 22), analisando a definição de Modestino, diz que "a conjunção indica o elemento físico da relação, o consórcio para toda a vida, o elemento moral, e a comunhão de direito divino e do direito humano, o traço mais nobre e mais elevado da sociedade conjugal".
Para Monteiro (2004, p. 22), muito embora seja vetusta, a definição romana ainda é a que melhor exprime a instituição do casamento, pois segundo ele, é juridicamente exata.
Para Rui Ribeiro de Magalhães (2003, p. 21), a criação da família ainda é o principal efeito do casamento.
Para Silvio Rodrigues (2002, p. 19), o casamento é um contrato, pois assim definiu o casamento: "contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência".
Muito embora o conceito de Silvio Rodrigues se reporte a contratualidade do casamento, ele mesmo faz questão de registrar que a Assembléia Constituinte que se instalou logo após a eclosão da Revolução Francesa de 1789, proclamou: "la loi ne considere lê marriage que comme um contrat civil" (a lei não considera o casamento como um contrato civil). (RODRIGUES, 2002, p. 19).
Clóvis Beviláqua (2001, p. 46), assim definiu a instituição do casamento:
O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legalizando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole, que de ambos nascer.
Todavia, a indissolubilidade do casamento, citada por Beviláqua, não vige mais no Brasil desde o advento da Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977 (Lei do Divórcio).
Washington de Barros Monteiro (2004, p. 21), acrescentou algumas definições irônicas ao casamento cunhadas por autores da língua inglesa, tais como a de Aldous Huxley que vislumbra no ato matrimonial "um pacto inoportuno e obsceno", e Lockeridge que define como "a kind of funeral in which we bury a part of ourselves" (um tipo de funeral no qual enterramos uma parte de nós mesmos).
Ironias à parte, o próprio Monteiro (2004, p. 22) apresentou o seu conceito para o casamento: "a união permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos".
Todavia, este conceito de Monteiro implica em se reconhecer a reprodução como a finalidade precípua do casamento, o que, hodiernamente, não se coaduna com a realidade, em razão da opção, não tão incomum, de casais que preferem não ter filhos. Nesse entendimento, a ajuda mútua, deve ser entendida como a finalidade e o efeito jurídico do casamento. (MONTEIRO, 2004, p. 22).
Outrora se considerava que o casamento constituía a parte central do direito de família, inclusive várias Constituições brasileiras do passado realçavam a sua importância. Assim, por exemplo, a Constituição de 1934 (e as de 1946, 1967 e 1969 o repetiram) já mencionava que a família, constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel, estava sob a proteção do Estado. (RODRIGUES, 2002, p. 7).
A origem primordial do casamento está na atração sexual, ou no apetite sexual inato da pessoa. É o casamento um contrato solene em que duas pessoas de sexo diferente se unem para construir uma família e viver em plena comunhão de vida, prometendo no ato de sua celebração, mútua fidelidade, assistência recíproca, e a criação e educação dos filhos. (RIZZARDO, 2005, p. 17).
Muito se tem falado sobre a natureza do casamento, se é um contrato ou se é uma instituição. Considera-se uma instituição porque está elevado à categoria de um valor, ou de uma ordem constituída pelo Estado. Diz-se que é um ente que engloba uma organização e uma série de elementos que transcendem a simplicidade de um contrato. (RIZZARDO, 2005, p. 21).
Carvalho Santos apud Arnaldo Rizzardo (2005, p. 21), diz que o casamento é um contrato especial:
[...] É um contrato todo especial, que muitos de distinguem dos demais contratos meramente patrimoniais. Porque, enquanto estes só giram em torno do interesse econômico, o casamento se prende a elevados interesses morais e pessoais e de tal forma que, uma vez ultimado o contrato, produz ele efeitos desde logo, que não mais podem desaparecer, substituindo sempre e sempre como que para mais lhe realçar o valor.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (1990, p. 10), ao discorrer sobre a natureza do casamento, se contratual ou institucional, aderiu a chamada Teoria Eclética "que congraça as duas idéias anteriormente vistas, considerando o casamento como contrato em sua formação, por se originar do acordo de vontades e instituição em sua duração, pela interferência do poder Público e pelo caráter inalterável de seus efeitos."
Ainda segundo Hironaka, (1990, p. 10), no que tange a teoria eclética:
Esta teoria distingue o casamento-fonte do casamento-estado, sendo que o primeiro é de natureza contratual e, o segundo, natureza institucional, uma vez que as regras que governam e orientam os esposos durante a união conjugal são fixadas imperativamente pelo Poder Público, não podendo o casal modificá-las.
Relegar o matrimônio a simples contrato, mesmo que se admita filosoficamente tal visão materialista, significa ignorar todas as relações sociais, espirituais, físicas (a comunhão de vida, a que se referem os civilistas) que decorrem do relacionamento entre duas pessoas, não só entre dois patrimônios. O casamento é um instituto não somente jurídico, mas também ético, social, político, uma união não só de patrimônio e de corpos, mas também de espíritos. (RIZZARDO, 2005, p. 22).
O casamento, por ser um ato solene e requerer a presença de um representante do Estado, pode ser comprovado documentalmente. A comprovação direta do casamento celebrado no Brasil se dá pela certidão de registro feita ao tempo de sua celebração. (DINIZ, 2005, p. 120).
Consoante Arnoldo Wald (2004, p. 67): "a lei que rege o casamento estabelece os meios pelos quais pode ser provado. O casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidão do registro Civil."
Segundo a lição de Hélio Borghi (2001, p. 123):
Para certos efeitos civis, há necessidade de se provar a realização de um determinado casamento. Atualmente, tal prova é mais fácil de ser obtida do que na vigência do Direito antigo, pois com as disposições da Lei do Casamento Civil (Decreto n. 181, de 1890), passaram os Cartórios de Registro Civil a expedir certidões comprobatórias, extraídas do assento do casamento [...]. Quando vigia somente o casamento religioso no Brasil, antes do Decreto n. 181, a prova do mesmo era feita mediante os registros paroquiais, já sem aplicação, devido a preponderância da legislação civil nesse terreno.
Neste sentido, também é o ensinamento de Rui Ribeiro de Magalhães (2003, p. 77): "Diz o art. 1543 do Código Civil que o casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidão do registro feito ao tempo de sua celebração. A questão não oferece maiores indagações, pois a certidão goza de fé pública e presunção jures et de jure."
Para Pontes de Miranda (2001, p. 294) o casamento civil realizado no Brasil só poderá ser provado por outros meios de prova, que não o devido assento no Registro Civil, caso seja justificada a sua falta ou a sua perda.
2.4 O dever de proteção do Estado
A família está reconhecida como base da sociedade e tem assegurada a especial proteção do Estado, mediante assistência aos seus integrantes e pela criação de mecanismos que visem coibir a violência no âmbito de suas relações (CRFB/88, art. 226, § 8º). (SILVA, 2000, p. 823).
Em virtude se ser a célula da sociedade, é da família que nasce o Estado. (DINIZ, 2005, p. 14).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garantiu ampla proteção à família, definindo três espécies de entidades familiares, entre elas a constituída pelo casamento civil ou religioso. (MORAES, 2004, p. 705-706).
Para a nossa civilização, a família constitui a base de toda a estrutura da sociedade. Nela se assentam, não apenas as colunas econômicas, como também as raízes morais da organização social. (RODRIGUES, 2002, p. 5).
Na Exposição de Motivos do Código Penal italiano de 1930, ressaltou o ministro da Justiça da Itália, Rocco, apud Orlando Soares (2004, p. 91), já naquela época:
O Estado deve dirigir, constantemente, e com o máximo interesse, a sua atenção sobre a instituição ético-jurídica da família, centro da irradiação de toda a vida civil. No seio da comunidade familiar, os pais, por suas palavras, e mais ainda pelo seu exemplo, modelam a alma do filho, que será o cidadão de amanhã. Segundo o ambiente moral, sadio ou viciado, que encontrar no lar paterno, verá ele crescer em si a planta do homem de bem, ou, ao contrário, nele deitará raízes a triste e envenenada planta do futuro delinqüente.
Como de todo o resto, a família também atravessa mutações no decorrer da história e por esta razão o legislador deve estar atento às necessidades de constantes alterações legislativas que devem ser feitas no curso do tempo. Desta forma, não pode o Estado deixar de cumprir sua permanente função social de proteção à família, como sua célula mater, sob o risco de o próprio Estado desaparecer, cedendo lugar ao caos. Por esta razão que a intervenção do Estado na família é fundamental, embora deva preservar os seus direitos básicos de autonomia. A intervenção deve ser sempre protetora. (VENOSA, 2003, P. 24).
Washington de Barros Monteiro (2004, p. 1), referindo-se a encíclica Casti Connubii, expedida pelo Papa Pio XI (de 30 de dezembro de 1930), comentou:
Ao afirmar que a salvação do Estado e a prosperidade da vida temporal dos cidadãos não podem permanecer em segurança onde quer que vacile a base sobre a qual se apóiam e de onde procede a sociedade, isto é, a família.
Na afirmação de Ruggiero e Maroi apud Eduardo Espínola (2002, p. 17): "através do interesse da família, se descortina um outro interesse ainda superior que reclama e recebe proteção: o do próprio Estado, que na solidez e conservação do núcleo familiar haure a sua força e o impulso para seu desenvolvimento."
No dizer de Diniz (2005, p. 28), no que se refere a intervenção protetora do Estado sobre a família:
Essa intervenção protetora do Estado é um fato universal, pois o poder público de todas as nações pretende garantir a família, protegendo-a, evitando abusos, propiciando melhores condições de vida às novas gerações, ajudando-a a exercer beneficamente seus poderes, criando órgãos sociais que a tutelam, como os Conselhos de Família e de Tutela, o Ministério Público, o Juizado da Infância e da Juventude etc.
É possível se vislumbrar que a dignidade da pessoa humana, elevada pelo art. 1º, III, da Constituição Federal, a fundamento da República, dá conteúdo à proteção da família atribuída ao Estado pelo art. 226 da mesma Carta: a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o objeto final da proteção estatal, para a qual devem convergir todas as normas do direito positivo e em particular as que regem o direito de família. (TEPEDINO, 2001, p. 328).
Felizmente que o Estado, na preservação de sua própria sobrevivência, tem interesse primordial em proteger a família, por meio de leis que lhe assegurem o desenvolvimento estável e a intangibilidade de seus elementos institucionais. (RODRIGUES, 2002, p. 5).
A família, no seu nicho, cada vez mais se impõe ao espírito de coletividade, como sendo a base sólida da sociedade e inspiradora das virtudes cívicas, o mais puro esteio da organização do Estado. (ESPÍNOLA, 2002, p. 28).
Ainda segundo Monteiro (2004, p. 5):
Na evolução do direito de família, verifica-se que, além de ser havida como célula básica da sociedade, presentes os interesses do Estado, a família passa a ser tratada como centro de preservação do ser humano, com a devida tutela à dignidade nas relações familiares.
A família, pela sua importância, em qualquer sociedade civilizada, tem assegurada a proteção do Estado, podendo considerar-se integrado ao direito público no sentido amplo, por essa razão, em todos aqueles litígios que a envolvem é necessária a participação do Ministério Público, o qual representa o Estado na composição das questões que requerem uma solução jurisdicional. (RIZZARDO, 2005).
Ihering apud Diniz (2005, p. 14), já disse "com o decorrer do tempo a família, baseada no princípio do Estado, se transforma em um Estado, baseado no princípio da família, isto é, a hierarquia e o princípio da autoridade."
Para finalizar, é delicada e manifesta a atuação do Estado no campo do direito de família para tutelar e resguardar, sob todas as formas de manifestações, o grupo familiar, elemento este da própria vida e base fundamental da sociedade. (MONTEIRO, 2004, p. 6).