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O que é o fascismo?

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Desenvolvimento

A teoria do fascismo como ditadura da burguesia constitui ainda hoje a chave interpretativa predominante nos estudos que têm como modelo de referência o marxismo e a sua concepção da mudança histórica.

Com o tempo, porém, está passou por certa revisão que tornou mais problemáticos alguns nexos, particularmente os existentes entre burguesia e fascismo, entre movimentos e regimes fascistas, entre capitalismo, democracia e fascismo.

Esta revisão é o resultado de uma reflexão teórica que teve efeitos importantes em vários sentidos. O primeiro deles, foi a atenuação do economicismo presente nas primeiras formulações e o reconhecimento de uma relativa autonomia da esfera política com relação à esfera da economia.

Isso trouxe consigo, uma mais aprofundada análise das crises de onde emergiram os regimes fascistas; uma articulação mais complexa da relação entre fascismo e classes sociais; uma consideração mais atenta dos aspectos institucionais dos regimes fascista, da lógica do seu funcionamento, das bases da sua legitimação.

Mas, não modificou a concepção do fascismo como forma particular de ditadura da burguesia, embora esta fosse atenuada pelo reconhecimento da autonomia relativa dos Estados fascistas em face do grande capital, no âmbito de uma convergência comum para objetivos imperialistas.

O fascismo como totalitarismo trouxe, totalmente, outra a perspectiva em que se situa a análise do fascismo como totalitarismo, cuja contribuição principal foi a de ter sabido captar a novidade que representa o aparecimento dos regimes fascistas na cena política e a de ter chamado a atenção para as diferenças qualitativas existentes entre as formas tradicionais de autoritarismo e as modernas.

O quadro de referência é constituído, direta ou indiretamente, pelas teorias da sociedade de massa; à dinâmica das relações entre as classes sucede, como principal fator explicativo do surgimento dos fenômenos do autoritarismo moderno, a dinâmica das relações entre as massas e as elites num contexto caracterizado pela decomposição do tecido social tradicional, pelo desabe dos sistemas de valores comuns, pela atomização e massificação dos indivíduos, e por uma crescente burocratização.

O aspecto central desta teoria, e ao mesmo tempo o mais criticado, é a subsunção sob uma mesma categoria, a do Estado totalitário, dos regimes fascistas e comunistas, com base em analogias existentes na estrutura e técnicas de gestão do poder político.

São, com efeito, tais analogias verificáveis independentemente dos fins declarados que se tem em vista dos precedentes históricos e do conteúdo das respectivas ideologias que os teóricos do totalitarismo privilegiam no plano descritivo e, admitem como problema principal no plano explicativo.

A teoria clássica do totalitarismo37 tem estado sujeita a numerosas críticas que têm por alvo uma dupla série de problemas. O primeiro diz respeito ao campo específico da análise dos regimes fascistas.

Sob este ponto de vista, parece hoje dificilmente sustentável a hipótese de que a origem e sucesso dos movimentos fascistas estariam relacionados com o conjunto de fenômenos compreendidos no conceito de "sociedade de massa".

Pesquisas recentes demonstraram que, nos países onde o Fascismo se consolidou, o sistema de estratificação era muito mais rígido, o peso das estruturas tradicionais muito mais forte e o grau de "atomização" no sentido de falta de estruturas associativas intermediárias muito menor que em outros onde o Fascismo jamais se ofereceu como alternativa concreta.

A tentativa de explicar o processo de introdução do Fascismo com base na dinâmica das relações entre massas privadas de uma clara conotação de classe também contradiz um dado empírico já seguro, ou seja, a base constituída de massas predominantemente pequeno-burguesas dos movimentos fascistas e sua coligação com amplos setores da burguesia agrária e industrial, antes e depois da tomada do poder.

Finalmente, esta teoria não consegue fornecer uma explicação aceitável sobre o problema da função histórica dos regimes fascistas, oscilando entre uma resposta de tipo não racional, os regimes totalitários seriam, neste caso, uma espécie de experimento monstruoso de engenharia social, tendo como fim a criação de um novo tipo de homem máquina totalmente heterodirigido, e a renúncia explícita ao momento explicativo em favor de uma morfologia dos sistemas totalitários.

Os elementos que definem o Estado totalitário38 são, em termos típico-ideais, conforme a formulação de Friedrich e Brzezinski: uma ideologia oficial tendente a cobrir todo o âmbito da existência humana e à qual se supõe aderirem todos, pelo menos passivamente; um partido de massa único, tipicamente conduzido por um só homem; um sistema de controle policial baseado no terror; o monopólio quase completo dos meios de comunicação de massa; o monopólio quase completo do aparelho bélico; e, enfim, o controle centralizado da economia.

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O alvo é o de conseguir o controle total de toda a organização social, a serviço de um movimento ideologicamente caracterizado. As condições essenciais para a sua aparição são um regime de democracia de massa e o poder dispor de um aparelho tecnológico como o que só a moderna sociedade industrial pode oferecer.

O Estado totalitário se apresenta, portanto, como uma forma de domínio inteiramente nova, não só com respeito aos sistemas de democracia liberal, mas também às formas anteriores de ditadura e autocracia, uma vez que no passado não existiam os pressupostos para a sua realização.

Possui, além disso, um caráter eversivo com relação ao sistema social preexistente, na medida em que lhe modifica radicalmente a estrutura, que se baseava na existência de uma pluralidade de grupos e de organizações autônomas.

Nestes últimos tempos, tem-se desenvolvido um novo tipo de abordagem que tem como referência o esquema teórico da modernização e considera os regimes fascistas como uma das formas político institucionais através das quais se operou historicamente a transição de uma sociedade agrária de tipo tradicional à moderna sociedade industrial.

A análise do fascismo à luz das teorias da modernização coloca-o, ao invés, não já em relação com os conflitos e crises próprios da sociedade industrial, mas com os conflitos e crises característicos da fase de transição para esta.

Neste quadro, os regimes fascistas se configuram como uma das vias para a modernização, pois, as outras historicamente identificadas são a liberal-burguesa e a comunista sendo fundada no compromisso entre o setor moderno e o tradicional.

Os traços que os caracterizam são, na esfera econômica, uma industrialização atrasada, mas intensa, promovida desde cima, com notável interferência do Estado a favor da acumulação; na esfera política, o desenvolvimento de regimes autoritários e repressivos, expressão da coligação conservadora das elites agrárias e industriais que querem avançar pelo caminho da modernização econômica, defendendo, ao mesmo tempo, as estruturas sociais tradicionais; na esfera social, a tentativa de evitar a desagregação dessas estruturas, impedindo ou reprimindo os processos de mobilização social postos em movimento pela industrialização.

Apesar das semelhanças, o nazismo e o fascismo são diferentes. O nazismo foi um movimento ideológico que nasceu na Alemanha e esteve sob o comando de Adolf Hitler39 de 1933 a 1945.

Já o fascismo foi um sistema político e surgiu primeiro, na Itália, tendo aumentado a sua influência na Europa entre 1919 e 1939.

O nazismo tem caráter nacionalista, imperialista e belicista (que tende a se envolver ativamente em guerras). O fascismo também tem caráter nacionalista e é antissocialista. O nazismo foi um movimento ideológico surgido na Alemanha e é comumente associado ao Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, comandado por Adolf Hitler de 1933 a 1945.

Apesar de muitos o considerarem uma versão “extrema” do fascismo, a principal diferença é que o movimento nazista acreditava no “racismo científico”. O "racismo científico"40 é a crença em uma pseudociência de que existem raças de seres humanos superiores e inferiores.

O conceito de “raça”41 entre seres humanos tem sido debatido. Atualmente, "etnia" é o termo mais utilizado para referenciar grupos distintos, já que aspectos socioculturais são considerados mais relevantes que fatores genéticos.

No entanto, os alemães, sob influência do Partido Nazista, passaram a acreditar que a “raça ariana” era superior a todos os outros grupos humanos, sendo os judeus o alvo principal de seus preconceitos e dogmas. Por isso, os nazistas são antissemitas.

A origem da palavra “nazismo” está ancorada na junção das palavras Nacional-Socialismo. Neste caso, o socialismo foi redefinido pelos nazistas para distingui-lo do socialismo marxista, fortemente rechaçado pelo movimento.

Extremamente rígidos no que tocava a sua superioridade em relação a outras “raças”, os nazistas contrastavam no quesito “luta de classes”, sobre o qual eram contra. Isto fazia frente ao capitalismo, que passava a dominar o ocidente.

O fascismo e o nazismo são doutrinas que não aceitam as diferenças sociais. Para estas doutrinas, toda diferença gera atrito e em todo atrito há perda de energia social. Assim, a sociedade tem que ser completamente homogênea em termos de classe, raça, costumes, religião e etc.

Para o socialismo, a diferença é o motor da história42. É somente numa sociedade plural que se manifesta o atrito e o atrito (a luta) é o que move as sociedades em direção a evolução. As diferenças de classe, no entanto, devem ser suprimidas como condição para o socialismo. Contudo, só estas e apenas estas.

Todas as outras manifestações de diversidade devem ser preservadas e incentivadas. E, já que as condições econômicas não são ontologias humanas, não há nada de problemático em negar esta diversidade.

O fascismo e o nazismo glorificam a violência e, em última instância, a guerra. Tanto Hitler, quanto Mussolini, pensavam em mundo "renascido" após a brutalidade da guerra.

Segundo estes, é a guerra (a suprema violência) que faz os "fortes emergirem e os fracos perecerem" e, por isto, conduz as sociedades ao seu "destino" de serem superiores. Tomados em microuniversos, a violência dentro da sociedade realiza o mesmo efeito, de "depurar" os fortes e fortalecer os regimes.

O socialismo abomina a violência. Marx escreveu diversas vezes que a revolução se dava no ponto máximo da violência social e somente quando esta violência não era mais suportável pelos desfavorecidos. A violência transformadora da revolução seria pontual, como uma explosão e, então desnecessária.

Toda violência extra, necessária para "fazer a revolução acontecer" ou para "manter o poder revolucionário" indicaria que não havia condições materiais para a mudança. A violência, se não fosse um chiste de mudança, indicaria sempre um erro. Ou se haviam adiantado os processos históricos ou não se teria ainda atingido as condições de consciência para a mudança.

Por glorificar a violência e abominar a diferença o fascismo e o nazismo trazem como condição lógica de sobrevivência as ditaduras. É o controle do Estado o fim último dos regimes nazifascistas. É o Estado que deve coordenar, liderar, aglutinar, coibir, punir e etc.

Por glorificar a diferença e abominar a violência o socialismo traz como condição lógica de sobrevivência uma sociedade politizada em que as divergências sejam resolvidas de forma democrática.

A "ditadura do proletariado" seria apenas um período de depuração das reminiscências de classe. Apenas para destruir o sistema econômico capitalista que cria e recriar-se a si mesmo. Este período não é o objetivo do socialismo.

No estágio final da mudança socialista, quando o comunismo seria alcançado, o Estado deixaria de existir, pois sua única função, na teoria socialista, seria defender as diferenças de classe. É condição necessária e inafastável a democracia para o socialismo, democracia, consciência de classe, educação e cultura generalizados.

O fascismo e o nazismo vivem em apego ao "tradicional". O que mantém as diferenças entre os homens, o que foi plasmado no tempo e nas culturas é sempre exaltado como algo que "sempre foi assim" e não deve mudar. Desta forma, há uma tensão entre o novo e o velho no fascismo.

O “novo” só é aceito se reverencia, fortalece e se submete ao velho. Isto leva, por exemplo, à glorificação da ciência apenas como bengala tecnológica. Para "tornar a vida melhor" e mais próxima do que "era", sem essencialmente mudar nada.

O socialismo necessita transgredir com o passado. É rompendo com as amarras dos caminhos já trilhados que o socialismo busca uma nova alternativa de sociedade, de economia, de cultura e etc. Isto representa uma busca e incentivo pela mudança em todas as áreas. A ciência não é apenas medida pelo seu caráter instrumental, mas pela possibilidade de romper com o passado e construir o futuro.

O nazismo e o fascismo são necessariamente expansionistas em termos geográficos. Dado que a diferença é algo ruim, toda a expansão do nazismo e do fascismo dependem da tomada de terras, de riquezas naturais, de áreas vitais e pontos estratégicos. Com estes recursos, o regime mobiliza sua força para exterminar o diferente e plasmar a noção autoritária.

O socialismo independe do expansionismo geográfico. O ponto essencial é a formação de consciência nos indivíduos. Já que toda a riqueza advém do trabalho, não é necessária uma mina de ouro, para gerar riqueza, mas trabalhadores conscientes do seu local no processo de produção, no seu tempo histórico e no seu espaço social. Independe de terra e, sim de pessoas. O socialismo investe em escolas, ciência, cultura, artes como veículos de transformação social e não em polícia, armas, bombas e etc.

O socialismo desafia os seres humanos a romperem com as amarras do seu passado e buscarem um futuro radicalmente diferente

O nazismo e o fascismo necessitam do Estado e do nacionalismo. O nacionalismo é vendido como uma série de valores "comuns", mas que de “'comuns” nada têm.

O nacionalismo tóxico, como valor etéreo simbolizado por bandeiras, cores, uniformes, cânticos e etc., não remete a qualquer realidade fática na história ou sociedade. É um anseio homogeneizador das elites que busca fazer desaparecer as diferenças sociais pela elevação a mito de narrativas que, na maior parte das vezes, são falsas.

O socialismo denuncia o uso do nacionalismo como combustível da violência e busca a ruptura com os laços ideológicos da diferença por "nação". Todo o homem, nascido em qualquer parte, tem direito às condições materiais que propiciem sua existência.

Não se pode negar aos homens os direitos de sua existência porque eles nasceram sob diferentes bandeiras. Buscando uma noção de sociedade global, o socialismo prega que não deve ser pelo nascimento que ocorre o surgimento das diferenças entre os seres humanos.

O nazismo e o fascismo são profundamente capitalistas. Capitalismo não é o mesmo que "livre mercado" ou "liberdade econômica". Capitalismo é a extração e retenção privada da mais valia como um sistema que se reproduz material e ideologicamente baseado na ideia excludente de "propriedade privada dos meios de produção".

O capitalismo que o nazifascismo43 defendeu sempre foi um capitalismo de corte nacionalista e que se abjurava o financismo internacional. Mas, foi sempre defendendo a propriedade privada, e tornando os trabalhadores dóceis e dominados para aumentar a extração de mais valia que o regime se desenvolveu.

O socialismo se opõe a acumulação privada de recursos e à extração privada de mais valia. Afirma que toda a riqueza é socialmente construída e que o homem é, através de seu trabalho produtivo, o gerador desta riqueza.

O sistema socialista não defende o fim da "propriedade privada" (tomados como casa, roupas ou utensílios), mas apenas a propriedade privada que seja usada para extração de mais valia. Posses que não sejam objeto de exploração não são proibidas. Apenas tudo aquilo que gera riqueza o deve fazer em benefício de toda a sociedade e não apenas de um punhado de pessoas.

O nazismo e o fascismo possuem projetos políticos de extermínio e mudança pela morte. Seja com base no racismo, ou seja, com base numa superioridade cultural de determinados indivíduos ou sociedades, há um claro projeto de extermínio, um ataque sistemático ao direito de vida de todos os que não compactuam com o regime.

O socialismo tem um projeto político de mudança social e nunca de extermínio. As estruturas econômicas do capitalismo devem ser exterminadas e não os capitalistas ou os trabalhadores que acreditam nestes valores. Isto porque o socialismo advoga a ideia de que a materialidade gera suas explicações ideológicas às quais os homens não têm total possibilidade de rejeitar por serem parte desta formação.

A vida é o bem maior a ser preservado e não a propriedade. Os capitalistas devem ser privados de suas posses, de suas ferramentas de dominação e não de seus direitos como seres humanos.

Sobre os autores
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Ramiro Luiz Pereira da Cruz

Ramiro Luiz Pereira da Cruz. Advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Articulista de várias revistas e sites jurídicos renomados. Vice-Presidente da Seccional Rio de Janeiro da ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele; CRUZ, Ramiro Luiz Pereira. O que é o fascismo?: Concentração autoritária de poder. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7265, 23 mai. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92606. Acesso em: 21 nov. 2024.

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