Resumo: Caráter permanente e caráter temporário da saída do País. O que é a declaração de saída definitiva do País e quem precisa fazer? Possíveis consequência da saída definitiva do País. Uma análise da Instrução Normativa 208 de 2002.
Palavras-chaves: Saída definitiva do País. Caráter permanente. Caráter temporário. Não-residente. Imposto de Renda.
Assim como eu, que atualmente moro no Canadá, muitos brasileiros têm saído do Brasil de forma temporária para fins de estudo ou trabalho, ou de forma definitiva para fins de imigração. Independentemente dos seus motivos para sair do Brasil, há algumas coisas que você precisa entender para evitar problemas com a Receita Federal do Brasil ou do país onde estiver residindo.
Todos os anos esta questão surge entre os grupos de brasileiros que estão morando no exterior. O assunto é polêmico e sempre traz muitas dúvidas, e com razão, pois a legislação brasileira é confusa, o principal texto legal que regula o assunto não é claro, há vários instrumentos normativos sobre o tema, e o órgão público interessado neste assunto, a Receita Federal do Brasil, infelizmente também não tem consistência no fornecimento de informações ou em encontrar soluções para os problemas apresentados.
Deixando de lado as complicações legais e indo direto ao que interessa, o que o brasileiro que está saindo do País ou que já saiu precisa saber é que: após no máximo 12 (doze) meses da sua saída do Brasil você já será considerado não-residente tributário nos termos da lei. Não importa se a sua saída ocorreu em caráter permanente ou temporário, a partir do dia seguinte àquele em que completa doze meses consecutivos de ausência você será considerado um não-residente fiscal. Como consequência imediata você terá a obrigação de fazer a comunicação de saída definitiva do País (CSDP) nos termos do art. 11-A e em seguida a declaração de saída definitiva do País (DSDP) nos termos do art. 9º e art. 11 respectivamente, sendo estas obrigações acessórias para todos os não-residentes.
Nosso entendimento é de que o fato de considerar-se não-residente no Brasil ocorre de forma automática, seja no momento da saída permanente com a apresentação da CSDP seja após 12 meses da saída temporária ou da saída permanente sem a apresentação da CSDP. Contudo, aos olhos da Receita Federal você ainda é um residente no país, pois o órgão ainda não tomou conhecimento da sua condição de não-residente. É por isso que a lei exige que a pessoa física faça a comunicação e declaração de saída definitiva após tornar-se não-residente, que se dará como explicado acima.
De fato, a Receita pode trocar informações com as instituições financeiras, Banco Central e Polícia Federal e descobrir que você já está fora do país há mais de 12 meses consecutivos e ainda não fez a declaração de saída definitiva, e a partir de então passar a lhe cobrar tributos como não residente. Inclusive já vimos casos assim acontecer aqui no Canadá, contudo é algo pouco comum.
Mais uma vez tentando simplificar esse assunto vamos direto ao artigo 3º da IN 208/02 que assim estipula:
Art. 3º Considera-se não-residente no Brasil, a pessoa física:
I - que não resida no Brasil em caráter permanente e não se enquadre nas hipóteses previstas no art. 2º;
II - que se retire em caráter permanente do território nacional, na data da saída, ressalvado o disposto no inciso V do art. 2º;
III - que, na condição de não-residente, ingresse no Brasil para prestar serviços como funcionária de órgão de governo estrangeiro situado no País, ressalvado o disposto no inciso IV do art. 2º;
IV - que ingresse no Brasil com visto temporário:
a) e permaneça até 183 dias, consecutivos ou não, em um período de até doze meses;
b) até o dia anterior ao da obtenção de visto permanente ou de vínculo empregatício, se ocorrida antes de completar 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses;
V - que se ausente do Brasil em caráter temporário, a partir do dia seguinte àquele em que complete doze meses consecutivos de ausência.
§ 1° Para fins do disposto no inciso IV, " a", do caput, caso, dentro de um período de doze meses, a pessoa física não complete 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, novo período de até doze meses será contado da data do ingresso seguinte àquele em que se iniciou a contagem anterior.
§ 2º A pessoa física não-residente que receba rendimentos de fonte situada no Brasil deve comunicar à fonte pagadora tal condição, por escrito, para que seja feita a retenção do imposto de renda, observado o disposto nos arts. 35 a 45.
Chamamos a atenção para os incisos I, II e V, em resumo podemos entender que será considerado não-residente a pessoa física que: 1. não reside no Brasil em caráter permanente; 2. que tenha saído do País em caráter permanente; 3. que tenha saído em caráter temporário, mas que já tenha permanecido 12 meses consecutivos fora do Brasil.
Ou seja, mais uma vez enfatizamos, não importa se a sua saída se deu em caráter permanente ou temporário, após permanecer 12 meses consecutivos fora do Brasil você será considerado um não-residente para fins tributários.
Neste momento é importante fazermos algumas observações. Quanto ao não-residente a instrução normativa não faz qualquer distinção entre brasileiros natos ou naturalizados, tampouco entre brasileiros e estrangeiros. Neste ponto a lei é clara e se refere de forma ampla a “pessoa física”.
Segundo, é importante esclarecer que residência civil pode ser diferente de residência tributária. Residência civil é aquela onde você está morando, onde recebe correspondências e pode ser citado judicialmente. A residência tributária é aquela onde você deve prestar informações fiscais e pagar tributos. Assim, uma pessoa física pode ser residente civil no Canadá, onde estuda inglês por 11 meses, e ser residente tributário no Brasil, onde declara e paga imposto de renda.
Esclarecidas estas premissas básicas, sigamos para o tópico que, aparentemente, parece ser a parte subjetiva da lei. Nos referimos à expressão “caráter permanente” e “caráter temporário”. A palavra caráter, aqui, passa uma ideia de subjetividade, de desejo, algo intrínseco à vontade humana, e de fato é. Somente a pessoa física poderá dizer se está saindo do País com planos de nunca mais voltar, ou com planos de um dia voltar. Essa ideia de subjetivismo se fortalece com o texto do inciso IV do art. 2º que diz que considera-se residente no Brasil, a pessoa física “IV - brasileira que adquiriu a condição de não-residente no Brasil e retorne ao País com ânimo definitivo, na data da chegada;”. Todavia, aqui a lei se refere àquele que saiu do País, deixou de ser residente, e agora retorna para tornar-se novamente residente tributário. Neste caso esse fator subjetivo torna-se irrelevante, pois a natureza dessa vontade será em breve determinada de forma tácita ou expressa, seja pela permanência no território nacional por 184 dias consecutivos ou não, seja pela manifestação expressa desta vontade pela pessoa física, conforme está expressamente disposto no artigo 4º da IN 208/02.
Art. 4º A partir do momento em que a pessoa física adquira a condição de residente ou de não-residente no País, dar-se-á o retorno à condição anterior somente quando ocorrer qualquer das hipóteses previstas nos arts. 2º ou 3º, conforme o caso.
Não podemos confundir o ânimo do regresso com o caráter de saída. Estas são vontades determinantes diferentes e suas observações trazem resultados opostos. É importante destacar que a instrução normativa, a todo instante, se refere a retirar-se com caráter permanente do País e ausentar-se com caráter temporário do País, contudo, como já exaurimos acima, passados 12 meses de residência fora do Brasil a pessoa física será considerada pela lei como não-residente fiscal e as obrigações acessórias e principais decorrentes desse acontecimento deverão ser cumpridas.
Mas como conseguir diferenciar entre retirar-se “em caráter permanente” (art. 3º, II) e ausentar-se “em caráter temporário”?
Entendemos que isso é matéria de prova e deve ser discutido somente no âmbito probatório, numa eventual discussão judicial. Assim, por exemplo, se você sai do País e declara estar saindo de forma permanente, corta seus vínculos e muda-se para outro país onde começa a trabalhar e criar novos vínculos, você provavelmente saiu do Brasil em caráter permanente. Por outro lado, se você se muda para outro país, não faz comunicação de saída, tem a intenção de retornar e mantém bens e outros vínculos com o País, você provavelmente saiu em caráter temporário. Como explicado anteriormente, percebemos uma subjetividade nesta questão, pois aquele que saiu em caráter permanente pode mudar de ideia e retornar ao Brasil, tornando-se novamente residente. Da mesma forma, aquele que saiu em caráter apenas temporário pode mudar de ideia e tornar a sua ausência permanente. Isso ao final mostra-se irrelevante em face do critério objetivo do prazo de 12 meses consecutivos de ausência do País.
Superados estes pontos nebulosos, agora sigamos para questões jurídicas práticas. Quais seriam as implicações de sair do País em caráter permanente ou temporário e se tornar um não-residente. Para entendermos este ponto precisamos analisar os artigos 2º e 3º em conjunto com os artigos 9º, 11 e 11-A, e em seguida precisamos separar as obrigações acessórias das obrigações principais.
Aqui, a norma legal coloca na pessoa física a responsabilidade pela ação correta a ser tomada, pois se a pessoa sair do País em caráter permanente, ou seja, já souber que vai ficar mais de 12 meses consecutivos fora do País ela deve seguir o exposto no art. 9º e 11-A, I. Por outro lado, se sair em caráter temporário, ou seja, com planos de voltar ao Brasil em menos de 12 meses, mas acabou ficando fora por mais de 12 meses consecutivos, a pessoa deverá obedecer ao exposto no art. 11 e 11-A, II.
Percebe-se que o resultado é o mesmo, em ambos os casos a pessoa torna-se não-residente, seja quando sai em caráter permanente, desde o momento da sua saída; seja quando sai em caráter temporário após 12 meses consecutivos de ausência. Como resultado, a pessoa terá que fazer a Comunicação de Saída Definitiva do País até o último dia do mês de fevereiro do ano subsequente e em seguida a Declaração de Saída Definitiva do País até o último dia de abril do ano subsequente. Como se constata, as datas e a obrigação de comunicar e declarar são as mesmas tanto para a saída permanente quanto para a temporária. O que vai diferenciar uma da outra é o início da contagem do prazo. Na saída permanente o prazo começa a contar do momento da saída do País, pois este é quando a pessoa se torna não-residente, já na saída temporária o prazo começa a correr apenas do momento da caracterização da condição de não residente, ou seja, após 12 meses consecutivos de ausência.
Retornando às questões práticas pergunta-se: Quais seriam então as implicações na vida do cidadão? De uma forma simples podemos dizer que eventuais problemas poderiam surgir quando a pessoa física:
- Sair do País tornando-se não-residente fiscal e cortando vínculos com o País resolva retornar ao Brasil de forma permanente. Caso não tenha feito a declaração de saída definitiva, a Receita Federal poderá questionar a origem dos bens e valores trazidos, podendo cobrar multa e tributos devidos.
- Sair do País tornando-se não-residente fiscal e mantendo vínculos com o País tenha que pagar imposto de renda. Caso não tenha feito a declaração de saída definitiva a Receita Federal poderá questionar seus rendimentos no exterior e cobrar multa e tributos devidos.
Há ainda muitas outras consequências decorrentes da caracterização da condição de não residente tributário, como por exemplo a impossibilidade de fazer certos tipos de investimentos, a necessidade de mudança de tipo de conta bancária, a mudança da forma de tributação da renda gerada no Brasil etc. Contudo, esses temas específicos devem ficar para outro momento, do contrário perderemos o ponto central deste artigo, que é o tipo da saída do país e a caracterização de não-residência fiscal.
Em conclusão, para o cidadão comum, é importante saber que:
- É obrigatória a comunicação e a declaração de saída definitiva do Brasil no momento do preenchimento da condição de não-residente fiscal.
- O preenchimento da condição de não-residente fiscal ocorre de forma automática nos termos da lei (como explicado), contudo o cidadão precisa informar à Receita sua condição de não residente fiscal. Tendo esta ocorrido no momento da saída permanente do Brasil ou após 12 meses consecutivos da saída em caráter temporário.
- O não cumprimento desta obrigação poderá acarretar problemas com a Receita, tais como o pagamento de multa e a cobrança de impostos devidos. Neste último caso, o tributo será cobrado porque a Receita Federal entende que você ainda é residente fiscal no País e como tal precisa pagar imposto de renda decorrente de proventos no Brasil e no exterior, ainda que já tenha pago imposto no país onde reside atualmente.
- Ainda que o brasileiro não faça a comunicação e declaração de saída definitiva do país a Receita Federal poderá fazer o cruzamento de informações e descobrir que você está ausente do país há mais de 12 meses consecutivos e passar a lhe cobrar multa e impostos devidos, podendo ainda reter esses valores na fonte caso você tenha renda no Brasil, inclusive de aluguel ou aposentadoria.
Na dúvida procure sempre um Advogado especializado no assunto.
Para quem tiver interesse em se aprofundar no assunto indicamos como fontes de pesquisa o site da Receita Federal do Brasil, www.gov.br/receitafederal, e a instrução normativa número 208 de 2002, que revoga instruções normativas anteriores sem, contudo, lhes interromper a força normativa, e que por sua vez já foi alterada pelo menos oito vezes por novas instruções normativas. Há ainda vários outros dispositivos legais como decretos, instruções normativas, decisões judiciais, respostas às solicitações de consultas à Receita e até mesmo um apostilado de Perguntas e Respostas do Ministério da Economia e da Secretaria da Receita Federal que serve como referência para decisões administrativas.
Fontes:
- Site da Receita Federal do Brasil
- Instrução Normativa SRF nº 208/2002.
- Parecer Normativo n° 3, de 1° de setembro de 1995.
- Decreto nº 3.000, de 26.03.1999.
- Decreto nº 9.580, de 2018.
- Perguntas e Respostas – IRPF 2009 a 2021.