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O sentimento de justiça da comunidade teresinense

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CONCLUSÃO

O homem surgiu sobre a Terra há aproximadamente um milhão de anos; a sua busca pela Justiça é da mesma ordem de grandeza temporal. Tal é a ancestral magnitude da Justiça para o gênero humano. Na eterna luta para ser melhor naquilo que ele é, o homem persiste na batalha para alargar seus horizontes, tentando compreender, da melhor forma, estruturas que a ele se apresentam tão-somente pela intuição. Tal tentativa levou a humanidade a percorrer infindáveis labirintos, em grande parte, fazendo-a persistir em caminhos errados, distanciando-se do objeto de sua procura.

Diante de tão agigantada relevância, inúteis se mostrariam quaisquer linhas que fossem aqui escritas com o intuito de demover a Justiça da sua posição de destaque no pensamento humano, assim como desnecessária se configuraria uma enumeração de motivos ou justificativas para a existência de mais um estudo sobre o tema. Sendo assim um tema universal, nada mais lógico que seja ele também aplicável à comunidade teresinense, posto não haver homem que possa arredar a indagação do que seja ou não justo (aquilo que é conforme à Justiça).

Quanto aos resultados, em todas as suas matizes, o sentimento de justiça voltado à instituição e à lei apresentou os índices numéricos mais elevados. Em outras palavras, homens e mulheres (agrupamento por gênero), juristas e não juristas (agrupamento por profissão), em sua maioria citaram tal acepção nas suas opiniões. A superioridade em relação à segunda acepção mais lembrada (compensação ou retribuição) foi tão significativa que esta mal ultrapassou a metade da freqüência percentual dos entrevistados que citaram aspectos institucionais ou legais da Justiça.

Há que se explicar que nem todos os entrevistados puderam pensar bem antes de responder às perguntas. Quem olha um noticiário de relance, quem vê um mendigo nas calçadas ou uma criança nas ruas, quem fecha as portas de casa mais cedo e tem uma noção ao menos remota de que existem leis e aplicadores que vão ajudar a acabar com as injustiças (ou não), encontram, nessa lógica às avessas, seu conceito de justiça (o que, em tese, solucionaria seus problemas): as leis e o Judiciário, ou mesmo, o Legislativo. Em outras palavras, o fato de a maioria das pessoas, seja em Teresina, no Brasil ou no mundo inteiro estarem de tal forma ávidas por Justiça contribui para o pensamento de que a simples aplicação das leis, a todos indistintamente, seja a única forma de realização do justo que lhes fita ao horizonte. Muitas vezes, o descrédito em relação às instituições encarregadas de aplicar o Direito — e que quase sempre são confundidas com a Justiça — gera a descrença não só no Direito, como também na Justiça, julgando-os, erroneamente, idênticos e indissociáveis. A identificação da Justiça com as leis, contudo, envolve problemas de nítido caráter ideológico, ou ainda, em âmbito pessoal, uma atitude evidentemente comodista e imediatista, o que logicamente se espalha por toda a sociedade.

Dado que a acepção de justiça como instituição ou lei é de caráter fortemente positivista, se nos afigura lastimável sua elevada freqüência, ainda mais quando se percebe que mesmo os profissionais de direito, "iniciados" nos "mistérios" da "ciência oculta ao vulgo" que é o Direito, revelaram uma índole conservadora inconciliável com a necessidade de mudanças radicais na estrutura sócio-econômica e principalmente ética do Brasil. Ora, aquele que imagina uma justiça expressa em leis e instituições elaboradas ou criadas por necessidades ou conveniências históricas, políticas, sociais, etc, não é nada mais que um relativista e este relativismo axiológico é o cerne do positivismo.

O apego às leis, ou melhor, à letra das leis e às instituições foi justamente o responsável pelo assassínio dos maiores homens da Terra, os mais sábios e virtuosos, aqueles que em verdade trouxeram a melhor amostra à raça humana do que verdadeiramente significa conformar-se à Justiça (vide Cristo, Sócrates, entre outros).

A Justiça, a única que pode ser grafada com inicial maiúscula, jamais poderá estar condicionada às vontades humanas ou às aspirações de pequenos grupos que têm ao longo dos tempos dominado as sociedades. Não pode a Justiça que o ser humano busca ser tangível para as mãos de seres circunstancialmente materiais; nem vestir togas ou tornar-se representável pelos primitivos símbolos que utilizamos em nossa comunicação escrita. A Justiça é mais que isso. Ela seria uma Idéia, segundo a qual todo o cosmos foi construído, manifestando-se desde a pequenez do átomo até o gigantismo das galáxias, revelando nas grandes como nas pequenas coisas uma sabedoria inumana, ou melhor, infinitamente sobre-humana. Com isso, pretendemos afirmar ser a Justiça externa ao homem e anterior a ele, ao mesmo tempo que a ele imanente, por ter sido o ser humano moldado segundo tal Arquétipo.

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O homem, portanto, meramente percebe a Justiça, muitas vezes envolta nas brumas de sua ignorância, em outras tantas, na penumbra de seu orgulho, isso a tal ponto de admitir como justiça a sua própria vontade ou interesse, quando, muitas vezes, esta se situa no pólo oposto do que se possa afirmar como justo.

O ser humano tão-só apreende-a em graus cada vez mais perfeitos segundo conforme-se às Leis, mandamentos estes não as reles leis humanas, mas sim Imperativos Cósmicos superiores a qualquer ordenação possível de ser construída pelas sociedades. Não é tarefa do homem criar a Justiça. Esta sempre existiu e sempre existirá, ainda que o próprio Universo não tivesse surgido naquela tão conhecida explosão (até agora não explicada pela inconsCiência humana), posto que sua Idéia reside no intelecto do Criador e não simplesmente em qualquer objeto da Criação de forma plenamente esgotada. O dever do homem é investigar sua essência e, (re)conhecendo-a, realizá-la tanto quanto seu estado de ignorância o permita.

Quem conhece as leis — e principalmente — quem tenta conhecer o Homem, percebe que a Justiça não cabe nas cartas legais. Há alguns que já perceberam até que a Justiça não cabe no próprio Homem. E estes, certamente, não se auto-intitularam donos do Direito, ou donos da Justiça, posto que perceberam que as leis (e os homens das leis) são, em sua gama de defeitos e qualidades, quando muito, meros instrumentos para a construção de um mundo melhor, ou mais justo, em alguns aspectos.

Oxalá que a humanidade possa, um dia, — e que esse dia não tarde — compreender que para se fazer Justiça, se é que ela é exeqüível por homens, não se necessita de quaisquer instituições. Talvez fosse suficiente que cada homem individualmente se tornasse justo. Daí ser bem mais difícil o que se almeja, não só pela dificuldade quantitativa de tornar a todos homens justos, mas pela milenar e talvez incomensurável tarefa (dificuldade qualitativa) de tornar um único homem um homem justo.


ANEXO I

Tabela 1. Panorama geral do sentimento de justiça em Teresina

Concepções de Justiça

Áreas Não Jurídicas

Operadores do direito

TOTAL

Advogado

Def. Público

Promotor

Procurador

Juiz

Desembargador

Estudante

Outros

Ñ ident. p/ sexo*

H

M

Ñ ident. p/ sexo*

H

M

H

M

H

M

H

M

H

M

H

M

H

M

H

M

Expressão da vontade do Cosmos

1

1

Compensação ou Retribuição

28

31

2

6

2

1

2

2

1

1

4

1

1

8

1

7

3

1

102

Virtude

24

19

2

10

10

1

1

2

3

1

1

1

1

4

3

1

1

2

87

Igualdade

34

27

2

3

3

1

2

1

2

1

1

2

4

2

1

86

Vontade ou Razão Divina

6

3

1

1

1

12

Ideal de Liberdade

6

3

2

1

12

Bem da Sociedade

21

10

3

4

2

1

4

1

1

2

2

1

52

Justiça Libertadora

1

1

2

Princípio/Valor/Ideal

17

17

7

3

2

1

1

1

6

4

2

3

64

Harmonização Social

11

2

1

6

2

3

3

7

1

36

Instituição/Lei

60

45

7

16

9

3

4

4

1

8

1

4

4

6

2

5

179

Justo/Eqüidade

7

12

3

4

2

1

2

3

1

35

Não Existe

5

5

1

11

Fruto da Sociedade

13

5

1

10

5

1

1

1

2

2

1

3

1

2

1

49

TOTAL

233

179

19

66

40

9

0

13

11

8

3

26

6

5

0

33

22

33

9

13

728

FONTE: Classificação dos dados retirados dos trabalhos individuais

H = Homens
M = Mulheres
* Pessoas não identificadas pelo sexo

Tabela Total das pessoas

Outras Áreas

Operadores do direito

Advogado

Def. Público

Promotor

Procurador

Juiz

Desembargador

Estudante

Outros

Ñ ident. P/ sexo

H

M

Ñ ident. P/ sexo

H

M

H

M

H

M

H

M

H

M

H

M

H

M

H

M

111

94

13

31

16

4

4

4

3

1

11

1

1

12

10

13

4

7

TOTAL

218

47

4

8

4

12

1

22

17

7

TOTAL

122

ANEXO II

OPINIÕES QUE CLAMAM POR JUSTIÇA

Conforme se expôs em intróito, este anexo apresenta entrevistas advindas das enquetes que serviram de fonte a este trabalho. Elas foram aqui colocadas por se destacarem aos olhos dos pesquisadores e para que sirvam de base aos leitores quanto à compreensão de como se tenha enquadrado determinada entrevista nos moldes de determinada acepção. Assim, breves comentários sucedem-nas com este intuito.

1.)"Justiça é um conjunto de ações baseadas em princípios universais, com a finalidade de se obter a verdade entre os homens. Ser justo é respeitar todos os valores e princípios em que se baseia a Justiça. É buscar a verdade sob todas as coisas. A justiça possibilita a criação de uma sociedade justa, ou seja, uma sociedade em que os homens são capazes de criar, respeitar e executar leis a fim de manter a igualdade entre os homens e o meio onde vive" (Estudante do 3º ano do ensino médio).

Comentários: De início já se percebe que justiça para ele é um princípio realizado através de ações, ou seja, virtude. Sendo princípio há que se englobar esta opinião no arquétipo princípio, valor ou ideal. Por fim, indicando a igualdade como fim das leis humanas não há que relutar em enquadrá-lo na respectiva acepção. É impressionante o nível especulativo da resposta dada, vinculando justiça a termos como princípio, verdade, valor, etc. Convém destacar que a pessoa aqui entrevistada ainda cursava o ensino médio à época da enquete.

2.)"Eu não tenho nenhum conceito sobre justiça, porém acho que uma passagem fascinante da Bíblia é aquela que diz: ‘Bem aventurados os que têm sede de justiça porque serão saciados’" (formanda do curso de Nutrição).

Comentários: É de se notar a humildade e a sapiência da resposta. Quando ela afirma desconhecer ou não ter formulado qualquer conceito de justiça, ao mesmo tempo se socorre na esteira de mestres, para os quais a satisfação plena da sede de justiça do homem jamais poderá ser realizada por ele próprio, mas além da sua manifestação como ser temporariamente material. Em outras palavras, justiça divina.

3.)"Justiça é uma coisa que não existe. Para mim a justiça é do mais forte. Na verdade justiça tem mão e contramão. Só os sabidos sabem andar nos dois sentidos" (Motorista profissional).

Comentários: Categoricamente, o entrevistado afirmou que a justiça não existe, embora logo após da sua boca tenham saído as palavras de Trasímaco (sofista – vide A República,de Platão). O que mais chama a atenção é o paralelo entre justiça e sua profissão, quando ele propõe ser a justiça como uma via em que só os "sabidos" sabem andar nos dois sentidos, só os espertos sabem transgredi-la sem que lhe sobrevenham as conseqüências do ato. Decerto se poderia querer enquadrar esta opinião com a acepção de justiça como instituição ou lei. Não se pode, entretanto, fazê-lo pela visível contradição diante da afirmação cabal feita de início, a afirmação de que justiça não existe.

4.)"Em resposta ao seu questionário, tenho de dizer o seguinte: Justiça para mim é o sentimento moral que existe no íntimo das pessoas e inspira as preocupações éticas cuja conseqüência é a ordenação jurídica das sociedades humanas.

Ser justo é agir em consonância com os sentimentos morais que Kant identificou numa página memorável que todo jurista devia saber de cor: ‘Duas coisas me causam crescente admiração e respeito, quanto mais intensamente medito sobre elas: o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim. Não tenho necessidade de procurá-las envoltas na obscuridade ou no transcendental, fora dos meus horizontes; vejo-as adiante de mim e relaciono-as diretamente com a consciência de minha existência.

A idéia de que existem mundos incontáveis, anula minha importância como ser animal, que deverá restituir ao planeta [um simples ponto no universo], a matéria da qual se originou, depois de ter sido dotado [não se sabe como], por pouco tempo, de energia vital. A segunda idéia, contudo, eleva sobremaneira meu valor como ser inteligente mediante minha personalidade, na qual a lei moral revela-me uma vida independente da animal e também de todo o mundo sensível; pelo menos é o que posso deduzir da determinação teológica conferida à minha existência por essa lei moral, que não está restrita às condições e limitações desta vida, mas que se estende ao infinito.’

Fiel aos ensinamentos de Kant, para mim só existe uma justiça: a lei moral que sesta em mim como determinação teológica, boa maneira de se dizer determinação de Deus, ou se preferem, determinação de uma inteligência responsável pela arquitetura do universo. Todas as demais justiças – sagradas ou profanas, escritas ou subentendidas; codificadas ou consuetudinárias; litúrgicas ou sumariamente improvisadas – são decorrências mais ou menos legítimas do sentimento moral de que fomos dotados por determinação teológica.

Como todo ideal, a justiça depende de uma compreensão geral para ser realizada. Numa situação ideal, ou seja, no dia em que todos houverem identificado, ou, percebido o sentimento moral que nos transforma em animais jurídicos, desde o nascimento, é bem provável que o ideal de justiça seja alcançado" (Jornalista).

Comentários: Que se falar de tão bela resposta? Poder-se-ia ao menos tentar mostrar os pontos de contato entre ela e as acepções de justiça do referencial adotado. Primeiramente, verifica-se que o seu sentimento de justiça liga-se à ordenação das sociedades humanas, ou seja, à harmonização social. Para ele, ser justo é conformar-se no agir, em consonância com os sentimentos morais propugnados por Kant. Daí, sua opinião associar-se também à acepção de justiça como virtude, ou seja, a prática reiterada do que é certo e justo. Colocando o sentimento de justiça como algo intrínseco ao ser racional, resultado de uma determinação de quem o moldou, ele indica ser a justiça qual a vontade ou razão divina. Na esteira de Kant, justiça para o jornalista é princípio, valor ou ideal, que, sendo perseguido e alcançado por todos os homens realizaria o bem da sociedade. No geral, é uma resposta complexa e de certa forma completa, fechada.

Sobre os autores
Francisco de Sousa Vieira Filho

Advogado, militando sobretudo na área trabalhista, em Teresina-PI, Especialista em Direito Constitucional pelo LFG e Mestre em Direito pela Universidade Antônoma de Lisboa. Professor nas faculdades AESPI e FAPI, e professor substituto na UESPI (Campus Clóvis Moura). Autor dos livros: Lira Antiga Bardo Triste (2009); Lira Nova Bardo Tardo (2010) e Codex Popul-Vuh - ramo de folhas (2013).

Alex Myller Duarte Lima

Auditor Fiscal do Trabalho no Mato Grosso.

Ana Lygian de Sousa Lustosa

Juíza do Trabalho da 16ª Região (Maranhão).

Carlos Eduardo Gomes

Advogado militante em Teresina (PI).

Gleyciane Tenório Rios

Advogada da União em Brasília (DF).

Venceslau Felipe Oliveira

Escrivão da Polícia Civil do Estado do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA FILHO, Francisco Sousa; LIMA, Alex Myller Duarte et al. O sentimento de justiça da comunidade teresinense. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1307, 29 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9429. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

A presente monografia decorre de pesquisa (teórico-prática) realizada sob a coordenação e orientação do professor e mestre MARCELINO LEAL BARROSO DE CARVALHO, tendo como autores-pesquisadores: ALEX MYLLER DUARTE LIMA; ANA LYGIAN DE SOUSA LUSTOSA; CARLOS EDUARDO GOMES; FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO; GLEYCIANE TENÓRIO RIOS; e VENCESLAU FELIPE OLIVEIRA

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