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Da tutela jurídica do Estado às crianças e adolescentes sob a perspectiva dos direitos humanos

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Agenda 28/01/2022 às 15:45

4 DA TUTELA JURÍDICA DO ESTADO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Na realidade brasileira, de acordo com o artigo 2º da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, ao qual recebe a denominação de Estatuto da Criança e do Adolescente, é considerado criança o indivíduo até os doze anos de idade incompletos, e adolescente, aquele cuja idade está entre doze e dezoito anos incompletos.

Nestas fases de desenvolvimento, tanto as crianças quanto os adolescentes, passam por muitas transformações e descobertas, logo, necessitam de amparo para viverem esses momentos em segurança. Como cidadãos, são também titulares de direitos e merecedores de proteção. É de suma importância deixar evidente que existem algumas previsões no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que determinam diferenciado tratamento para as partes. Como é o caso do seguinte artigo:

Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.

§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.

§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento.

A Constituição de 1988 trouxe mudanças importantes para o ordenamento jurídico brasileiro como um todo. Houve uma grande mobilização de organizações atuantes no âmbito dos direitos da criança e do adolescente, ocasionada pela forte influência internacional, e pelos tratados e convenções aos quais o Brasil era signatário, o que atraiu a atenção do legislador para este público. Sendo assim, entre outros pontos, a Constituição de 1988 foi marcada pela visibilidade e proteção aos direitos da criança e do adolescente, além de acrescentar como responsáveis por assegurar tais direitos, não só o Estado, mas a família e toda a sociedade.

Desde os primeiros artigos, o novo texto constitucional aborda a existência dos direitos da criança e do adolescente, que trazem consigo a necessidade de proteção. Como exemplo, pode-se citar o artigo 6°, que além da identificação, aborda a natureza social do direito, ao garantir a proteção à maternidade a à infância.

Art. 6°. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Diante do impacto causado pelas inovações, a Constituição de 1988 garantiu ao Brasil destaque no âmbito internacional acerca da proteção e garantia dos direitos da criança e do adolescente. A partir deste texto constitucional, as crianças e os adolescentes passam a ser considerados sujeitos de direito, o que corrobora com a doutrina da Proteção Integral. Acerca disso, Naves declara:

De fato, como reflexos das lutas democráticas que já mencionamos, os constituintes, ao definirem os direitos da criança e do adolescente, refletiram no texto, a influência do debate internacional que levaria as Nações Unidas ao consenso da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (2004, p. 74).

A Doutrina da Proteção Integral faz surgir uma nova visão, abandonando a antiga Doutrina da Situação Irregular, que considerava as crianças e os adolescentes como sujeitos de necessidades assistenciais e filantrópicas. Agora, o modelo passa a ser dotado de um caráter participativo, democrático, e sobretudo, universal, unindo no mesmo polo de sujeito passivo do direito a família, a sociedade e o Estado, ressaltando-se que neste momento, não estão asseguradas somente as crianças e os adolescentes carentes, mas sim todas as crianças e adolescentes, independentemente de sua situação. Sobre esta doutrina, Silveira diz:

No Brasil, o princípio da proteção integral da criança e do adolescente tem como marco de origem legal a Constituição Federal de 1988, mais precisamente o seu dispositivo 227. Nele o constituinte estabeleceu como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (2014, online).

Ainda sobre a Doutrina da Proteção Integral, Ferreira explica:

Basicamente, a doutrina jurídica da proteção integral adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente assenta-se em três princípios, a saber: criança e adolescente como sujeitos de direitos deixam de ser objetos passivos para se tornarem titulares de direitos; destinatários de absoluta prioridade; respeitando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (Ferreira, 2020, p.03).

Por serem considerados indivíduos em fase de desenvolvimento, as crianças e os adolescentes necessitam de maiores cuidados para que se assegure a sua saúde mental, física e psíquica, visto que a falta destes pode ocasionar transtornos. Sendo assim, a Constituição trouxe a corresponsabilidade, como forma de assegurar uma maior efetividade dos direitos expressos no ordenamento jurídico, como traz o art. 227, da Constituição Federal.

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Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No mesmo sentido, o parágrafo 1° do artigo 227, aborda a integral assistência a qual deve ser conferida pelo Estado, atentando-se à utilização de recursos públicos para esta finalidade. Quanto à regulamentação, esta é tratada pelo parágrafo 2°.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

Além de determinar a responsabilidade acerca dos direitos da criança e do adolescente, o artigo 227, em seu o parágrafo 3°, estabelece os parâmetros a serem observados para aplicação da proteção. Além disso, aborda também a previsão de punição no parágrafo 4°, demonstrando a adoção da doutrina da Proteção Integral.

§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

VI - estímulo do poder público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;

VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

No âmbito do Direito Civil, o texto constitucional trouxe os parágrafos 5º e 6º, ao tratar da adoção e da igualdade entre os filhos. Já o parágrafo 7°, atenta-se à prestação da assistência social, a qual deve ser prestada sem depender de contribuição destinada à seguridade social.

§ 5º A adoção será assistida pelo poder público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204.

Em 2010, a Emenda Constitucional n° 65, passou a incluir neste artigo, além da criança e do adolescente, o jovem, aumentando o público a ser protegido. A diferença entre os conceitos dos indivíduos protegidos é de grande importância ao analisar a norma infraconstitucional pertinente, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Observa-se a inclusão do jovem no parágrafo 8°:

§ 8º A lei estabelecerá:

I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;

II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas.

Os direitos constitucionais da criança e do adolescente, além de previstos no referido artigo, também se estendem pelo texto constitucional. Vale relembrar, que, primeiramente, são pessoas, e desta forma, todos os direitos relativos ao ser humano são aplicáveis aos mesmos. Sendo assim, os direitos fundamentais tratados no artigo 5° da Constituição Federal, destinam-se à criança e ao adolescente.

Uma vez que já são protegidos pela Constituição, de uma forma geral, o artigo 227 da mesma vem para garantir o caráter especial da proteção, diante de todos os aspectos que confirmam a situação das crianças e dos adolescentes. Tal ideia de proteção integral influenciou na elaboração dos textos infraconstitucionais voltados a esta matéria, como pode ser analisado no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Uma vez que a Constituição de 1988 instituiu os direitos da criança e do adolescente, foi promulgada, em 13 de julho de 1990, a Lei n° 8.069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, que vem como instrumento de garantia para estes direitos. Diante da movimentação em torno do assunto, o ECA surge como forma de transformar o tratamento conferido às crianças e aos adolescentes, refletindo, em seu texto, as diretrizes apontadas na Convenção Sobre os Direitos da Criança, de 1989.

No tocante ao direito fundamental à saúde, além de previsto no artigo 7°, incisos IV e XXII da Constituição Federal, o ECA vem reafirmando tal direito nos artigos 7° e 11 do seu texto, garantindo o atendimento integral à saúde da criança e do adolescente. Sendo assim, ressalta o acesso de forma igual e de caráter universal ao referido direito.

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 11. É assegurado acesso integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, observado o princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

Outro direito fundamental expresso no Estatuto da Criança e do Adolescente, é o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, no qual reforça o conceito de sujeitos de direitos e em desenvolvimento. Quanto à liberdade, o presente documento também trouxe os pontos que devem ser considerados para delimitá-la.

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;

II - opinião e expressão;

III - crença e culto religioso;

IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;

V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

VI - participar da vida política, na forma da lei;

VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.

O direito ao respeito visa garantir a integridade da criança e do adolescente de forma ampla, seja esta física, moral ou psicológica. Vale lembrar, que também assegura a preservação dos aspectos ligados a esta.

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Quanto à dignidade da criança e do adolescente, esta é a base de todo ordenamento jurídico, com amparo constitucional. Pode-se dizer, que todos os demais direitos fundamentais são unificados pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Logo, refere-se a um atributo da pessoa humana, ao qual se torna merecedor de proteção, e sobretudo, respeito, independentemente da sua origem, idade, sexo, estado civil, raça ou condição sócio-econômica.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Trata-se também do direito à educação conferido às crianças e aos adolescentes, que garante desde a igualdade de acesso até a permanência na instituição de ensino. Tal direito, assim como os demais, possui previsão tanto na Constituição Federal quanto no ECA, no seu artigo 53, e além dessas, também é assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Quanto a esta última, traz novamente, a corresponsabilidade entre a família, sociedade e Estado, referentes a frequência dos indivíduos na escola.

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

V - acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica. (Redação dada pela Lei nº 13.845, de 2019)

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

Sendo assim, diante de todo este rol de direitos fundamentais, além dos demais previstos nos textos legais estudados, é necessário destacar que eles sozinhos não conseguem ser efetivados. Uma vez que são positivados, cabe à família, à sociedade e ao Estado assegurarem as formas de garantia dos mesmos, atentando-se sempre à dignidade humana. O objetivo consiste em garantir a efetivação dos direitos fundamentais elencados tanto na Constituição Federal quanto do artigo 4° do ECA, considerando a situação em que se encontra a criança e o adolescente, ou seja, em desenvolvimento. Além disso, o artigo 4° reafirma que a responsabilidade por assegurar essa prioridade é da família, comunidade, sociedade e Poder Público.

No tocante aos recursos públicos, ressalta-se mais uma vez o caráter absoluto do princípio da prioridade, não podendo ser alegada a colisão com os princípios orçamentários. A proteção conferida pode ser exemplificada pelo artigo 212 da Constituição Federal, que diz:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Assim, na elaboração do projeto de lei orçamentária, deverá ser destinada dentro dos recursos disponíveis prioridade para promoção dos interesses infantojuvenis, cabendo ao Ministério Público e demais agentes responsáveis em assegurar o respeito à doutrina da proteção integral fiscalizar o cumprimento da lei e contribuir na sua elaboração.

Passando-se à análise do princípio do superior interesse da criança e do adolescente, disposto no artigo 100, parágrafo único, inciso IV do ECA, é possível afirmar que foi adotado no âmbito internacional através da Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente. Com a adoção da doutrina da proteção integral pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, ocorreu uma mudança em relação a este, que passa a resguardar toda e qualquer criança e adolescente, não apenas aqueles em situação irregular.

Em suma, por tudo que foi exposto, conclui-se que é dever de todos assegurar que se cumpram os direitos da criança e do adolescente, e para que isso se efetive, é necessário que a sociedade como um todo participe de uma forma ativa, tirando do papel e trazendo para o plano fático a proteção prevista.

Sobre os autores
Bruno Marini

Professor de Direitos Humanos, Biodireito e Bioética na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande (MS), Doutorando em Saúde (UFMS), Mestre em Desenvolvimento Local (UCDB) e Especialista em Direito Constitucional (UNIDERP).

Jhennyfer Moura da Costa

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINI, Bruno; COSTA, Jhennyfer Moura. Da tutela jurídica do Estado às crianças e adolescentes sob a perspectiva dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6785, 28 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95566. Acesso em: 24 dez. 2024.

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