3. Da Ação Civil Pública
Com efeito, o não cumprimento do disposto no artigo 50 do Estatuto da Cidade ensejará a propositura de ação cautelar e/ou ação civil pública para o cumprimento de obrigação de fazer com preceito cominatório, pela inobservância do prazo qüinqüenal lá previsto, pois configurado estará o desrespeito à ordem urbanística tutelada (artigo 1º, inciso III, e 4º, da Lei nº 7.347/85, com a redação conferida pela Lei nº 10.257/01 – arts. 53 e 54). A legitimidade do "Parquet" para o ajuizamento de ação civil pública para a tutela da ordem urbanística, registre-se, já era reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça antes mesmo da entrada em vigor do Estatuto da Cidade (que ocorreu em 08/10/01), senão vejamos:
"Administrativo. Processual Civil. Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). Interesses Individuais Homogêneos. Legitimação Ativa ‘Ad Causam’ do Ministério Público.
1. O Ministério Público tem legitimação ativa ‘ad causam’ para promover ação civil pública destinada à defesa dos interesses difusos e coletivos, incluindo aqueles decorrentes de projetos referentes ao parcelamento de solo urbano.
2. Precedentes jurisprudenciais.
3. Recurso provido." (STJ, 1ª Turma, Recurso Especial nº 174.308/SP, relator Ministro Milton Luiz Pereira, julgado em 28/08/01).
Note-se que não só ao Ministério Público se confere a legitimidade para propositura da ação civil pública, mas também àqueles arrolados no artigo 5º da Lei nº 7.347/85, como já decidiu, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 236.499/PB, julgado pela 1ª Turma em 13/04/00, cuja relatoria coube ao Ministro Humberto Gomes de Barros:
"PROCESSUAL - LEGITIMIDADE - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - REQUISITOS – LEI 7.347/85 (ART. 5º, I, e II). A empresa pública está legitimada para o exercício de ação civil pública. Para tanto, não necessita adimplir os requisitos denunciados no Art. 5º, I e II da Lei 7.347/85."
No recurso especial supracitado, a legitimidade para a propositura da ação civil pública foi reconhecida à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT para obrigar o Município de João Pessoa/PB a retirar os vendedores ambulantes (camelôs) instalados com barracas na frente do estabelecimento da autora, que impediam o acesso de usuários.
4. Conclusões
4.1. Para o cálculo do número de habitantes a fim de verificar a obrigatoriedade, ou não, da aprovação do plano diretor (artigo 41, inciso I, do Estatuto da Cidade), deve-se considerar o município como um todo, abrangendo tanto a zona urbana como a zona rural.
4.2. De acordo com o inciso II do artigo 41 do Estatuto da Cidade, não há obrigatoriedade do plano diretor para municípios integrantes de microrregiões, salvo se assim o determinar o Estado Federado na lei complementar que as criar.
4.3. As hipóteses previstas no artigo 41 do Estatuto da Cidade, onde há a obrigatoriedade de aprovação do plano diretor, não são cumulativas, ou seja, basta a presença de uma delas para que se torne obrigatório ao município a instituição do plano diretor.
4.4. Os incisos II, IV e V (e, por óbvio, os incisos I e III) do artigo 41 do Estatuto da Cidade não são inconstitucionais.
4.5. A inconstitucionalidade por omissão legislativa (artigo 103, § 2º da CF) pode ocorrer nos casos em que a Câmara Municipal não aprovar o plano diretor submetido a sua apreciação pelo Executivo Municipal no prazo definido pelo artigo 50 do Estatuto da Cidade, ou no prazo definido por lei municipal como, por exemplo, a Lei Orgânica Municipal. O art. 103, § 2º, da CF/88, que trata dessa ação direta de inconstitucionalidade, vem, ordinariamente, reproduzido nas Constituições Estaduais, as quais atribuem competência aos Tribunais de Justiça para apreciá-la.
4.6. Na hipótese de descumprimento da obrigação prevista no inciso VII do artigo 52 do Estatuto da Cidade, devem ser punidos tanto o prefeito do mandato de janeiro/2001 a dezembro/2004, porque mais tempo dispôs para elaborar o plano diretor, quanto o seu sucessor, com mandato iniciado em janeiro/2005, que também terá tempo hábil para tanto – curto, mas possível –, exceto se houver empecilho invencível.
4.7. As hipóteses previstas nos incisos I e II do artigo 41 do Estatuto, que obrigam à elaboração do plano diretor, estão submetidas ao prazo qüinqüenal. Já nas demais hipóteses (incisos III, IV e V do mesmo dispositivo legal), como representam condições a serem preenchidas em virtude de um ato estatal prévio, os municípios devem editar o plano diretor tão logo a condição prevista em lei se perfaça, isto é, quando houver a intenção de se utilizar dos instrumentos de implementação de políticas urbanísticas previstas na Constituição (inciso III), quando a cidade for inserida em área de especial interesse turístico (inciso IV) ou em área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental (inciso V).
4.8. Para as hipóteses previstas nos incisos III a V do art. 41 do Estatuto da Cidade, o prazo aplicável para a aprovação do plano diretor é aquele eventualmente previsto na Lei Orgânica Municipal.
4.9. Para as hipóteses de descumprimento das obrigações previstas no artigo 41, incisos III a V, do Estatuto da Cidade, também ocorrerá improbidade administrativa, incidindo a Lei nº 8.429/92 (artigo 11, inciso II) quando presentes os requisitos configuradores do ato respectivo (violação ao princípio da legalidade).
4.10. É possível a responsabilidade dos vereadores por ato de improbidade administrativa na hipótese de inobservância do disposto no artigo 50 do Estatuto da Cidade, devendo o ato ser punido conforme determina a Lei nº 8.492/92 (artigos 1º, 2º, 4º, e 11, II) e o artigo 37 da Constituição Federal de 1988.
4.11. A lei apenas exemplifica casos em que deve haver a punição, mas sempre que qualquer ato de agente público configure enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e inobservância dos princípios da administração pública, devem incidir as penalidades previstas na Lei nº 8.429/92.
4.12. O prazo final para que os prefeitos tenham o plano diretor aprovado é o dia 09 de outubro de 2006.
4.13. O não cumprimento do disposto no artigo 50 do Estatuto da Cidade ensejará a propositura de ação cautelar e/ou ação civil pública para o cumprimento de obrigação de fazer com preceito cominatório, pela inobservância do prazo qüinqüenal lá previsto, pois configurado estará o desrespeito à ordem urbanística tutelada (artigo 1º, inciso III, e 4º, da Lei nº 7.347/85, com a redação conferida pela Lei nº 10.257/01 – art. 53).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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JÚNIOR, Nelson Saule. Estatuto da Cidade Comentado: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, Organizadora: Liana Portilho Mattos, ps. 265/267, 275 e 288/291, Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
CÂMARA, Jacintho Arruda. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal n. 10.257/2001), Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz (coordenadores), ps. 314/316, São Paulo: Malheiros, 2002.
FREITAS, José Carlos de. Estatuto da Cidade Comentado, Organizadora: Liana Portilho Mattos, ps. 354/356, 361 e 378/379, Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade, ps. 55 e 57, São Paulo: Saraiva, 2001.