Sumário: O que é uma holding familiar? Como acontece a sucessão dos bens por meio da holding? O que é uma doação? O que significa a doação com reserva de usufruto na holding familiar? A doação das cotas da holding familiar altera a administração dos bens? Qual a vantagem de fazer a doação com reserva de usufruto vitalício na holding familiar? A transmissão dos bens por meio da holding familiar evita desentendimentos entre os herdeiros. Quais as vantagens tributárias em fazer o planejamento sucessório por meio da holding em relação ao inventário? É possível inserir cláusulas restritivas de proteção na doação com usufruto das cotas da holding familiar? Conclusão.
O planejamento sucessório deixou de ser um tabu para muitas pessoas que viram vantagens em se antecipar ao inevitável. A verdade é que o momento da transmissão dos bens da pessoa que faleceu aos seus herdeiros, além da carga emocional, pode criar problemas de ordem financeira e burocrática, deixando o processo ainda mais dificultoso. Uma maneira de efetuar a transmissão dos bens aos sucessores, mantendo o doador com a sua posse, é a possíbilidade de constituir uma holding com cláusula de usufruto na holding familiar.
A holding familiar possibilita que o proprietário dos bens, o chefe da família, se antecipe, planejando em vida como será feita a sucessão, de modo a conferir mais celeridade ao processo, diminuiros impostos e, ainda, garantir a permanência dos bens no grupo familiar, facilitando a vida dos herdeiros.
Neste artigo, falaremos especificamente sobre a possibilidade de planejamento sucessório por meio da holding familiar com a doação com reserva de usufruto.
Você verá que, além de um procedimento razoavelmente simples, implica uma facilitação no momento da sucessão dos bens por conta da morte do seu proprietário.
O que é uma holding familiar?
Primeiramente, vamos trazer uma pequena introdução sobre o tema da holding familiar.
A holding familiar é uma estratégia empresarial utilizada para otimizar a administração de bens, reduzir custos tributários e realizar o planejamento sucessório.
A prática consiste na abertura de uma empresa cofre e na integralização, em seu capital social, de todos ou dos principais bens do seu criador. Assim, ele passa a deter apenas cotas da empresa, não sendo mais o proprietário direto dos bens que a compõem.
Vejamos o exemplo de um agricultor ou um empreendedor do agronegócio que possua, sob sua propriedade, a quantia de 100 hectares de terra, que são utilizados para o cultivo de grãos. Suponhamos também que ele esteja preocupado com o destino desse patrimônio após o seu falecimento e com a saúde financeira dos seus herdeiros.
O procedimento de abertura da holding, considerando o caso fictício do exemplo, será iniciado por meio da criação de uma empresa. O empreendedor, então, integralizará os seus 100 hectares de terra ao capital social da empresa e poderá ou não distribuir cotas.
Então, a propriedade dos imóveis passa a ser da empresa holding e não mais do agricultor em questão, que será sócio da empresa, detendo apenas cotas capitais.
Há uma série de cuidados a serem tomados no momento da abertura da empresa holding, e inúmeros detalhes técnicos que precisam ser observados. Por ser uma estratégia empresarial, é recomendável que haja o acompanhamento por um advogado especialista em holding para evitar surpresas desagradáveis no futuro.
Como acontece a sucessão dos bens por meio da holding?
A sucessão de bens por meio da holding familiar pode ocorrer de várias formas, é possível que o instituidor transmita os bens aos seus herdeiros ainda em vida através da holding.
A primeira delas é inserindo seus sucessores no quadro de sócios da empresa. Após a criação da holding e integralização do capital, o seu proprietário faz uma alteração no contrato social determinando a porcentagem de cotas que ficará com cada um dos sócios.
A segunda é transferindo as cotas que a ele pertencem para os seus herdeiros por meio de uma doação, deixando de ser proprietário da empresa holding. A seguir, abordaremos mais detalhes sobre a doação das cotas da holding.
O que é uma doação?
Primeiro, vamos entender o que é uma doação e observar algumas peculiaridades que interessam ao nosso estudo.
A doação consiste na transferência não onerosa de bens de uma pessoa a outra, fazendo surgir dois sujeitos na relação jurídica: o doador e o donatário. Doador é aquele que transfere os bens, e donatário é o que recebe.
O conceito vem expresso no Código Civil, que assim dispõe:
Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
Questão interessante é que o donatário não é obrigado a aceitar os bens recebidos em doação. Para tanto, o doador pode fixar um prazo para que haja a manifestação sobre a aceitação, sendo que o silêncio será interpretado como aceitação.
No caso da holding familiar, a doação feita aos ascendentes ou descentes, ou ainda ao cônjuge, nada mais é do que a antecipação da herança, conforme previsão no Art. 544 do Código Civil:
Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.
Isso não significa que o doador somente possa doar os bens a essas pessoas expressas no artigo. Pode livremente dispor da maneira que achar mais adequada e doar a alguém que não necessariamente esteja o grupo dos herdeiros necessários, desde que respeitada a legítima.
O que significa a doação com reserva de usufruto na holding familiar?
Vamos entender um pouco sobre o direito de usufruto para, então, estudarmos especificamente o que significa isso no caso da holding familiar.
O usufruto é um direito real que garante ao seu titular, chamado de usufrutuário, a posse, o uso, a administração e a percepção dos frutos do bem ou bens relacionados, conforme previsão do Código Civil:
Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.
Geralmente, é o proprietário do bem que concede esse direito a outra pessoa, mas, no caso da doação, é o doador que cria a cláusula ou reserva de usufruto em seu favor como uma das condições atreladas à transferência da propriedade dos bens.
Vejamos um exemplo simples que ajuda na compreensão do caso da empresa: um pai que faz a doação de uma casa para o seu filho com a cláusula de reserva de usufruto vitalício em seu favor. No papel, o proprietário do bem é o filho, mas pela questão da reserva de usufruto, enquanto o pai viver, ele terá o direito de residir no imóvel e de usá-lo como melhor lhe aprouver.
No caso da empresa holding, o doador faz a doação com reserva de usufruto vitalício das cotas capitais da empresa para que, formalmente, seus donatários sejam os proprietários, mas ele permaneça administrando os bens e obtendo os frutos e rendimentos que deles surgirem.
Quando faz a doação, o empresário se coloca na posição de administrador com poderes irrestritos, atuando de maneira desimpedida, inclusive para vender bens do acervo patrimonial da empresa.
A doação das cotas da holding familiar altera a administração dos bens?
Para além da reserva de usufruto, o criador da holding familiar pode instituir cláusulas no contrato social da empresa que garantam que a administração fique em suas mãos, mesmo no caso de não ser mais proprietário dos bens.
Isso porque, como instituidor, ele tem o poder de livremente deliberar sobre as normas que irão reger o andamento da empresa e dos bens e negócios, criando mais uma garantia de que ele terá o poder decisório absoluto.
É bom que haja um cuidado no momento da realização do contrato de doação para que o objetivo seja alcançado e não surjam distorções à vontade do doador. Isso porque são aplicáveis também algumas normas do direito empresarial, o advogado especialista em holding deve possuir o conhecimento nesta área e se atentar a isso para melhor te auxiliar.
Vejamos, por exemplo, a disposição da Lei 6.404/1976, que assim expressa:
Art. 114. O direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário.
Há uma pequena divergência em relação à doação regulamentada pelo Código Civil. Para que se mantenha na total administração da empresa holding, precisa o doador se atentar para isso e inserir expressamente uma cláusula sobre o direito a voto, que o garanta para si.
Fazendo dessa forma, qualquer ato que envolva a empresa holding necessitará, obrigatoriamente, de sua anuência, sob a pena de nulidade do negócio.
Qual a vantagem de fazer a doação com reserva de usufruto vitalício na holding familiar?
Já mencionamos aqui que a criação da holding familiar é uma ótima estratégia para realizar o planejamento sucessório. A doação com reserva de usufruto vitalício dentro da holding é uma prática que gera uma enorme economia de recursos no momento da sucessão por morte do doador.
Ao falecer o proprietário, os seus bens serão transferidos aos herdeiros. Para que haja a formalização dessa transferência, é necessária a realização do processo de inventário, que pode ser judicial ou extrajudicial.
O inventário é um procedimento que tende a gerar uma considerável despesa financeira aos herdeiros, incluindo taxas e emolumentos, impostos e honorários advocatícios.
No caso de o proprietário ter feito a doação em vida com reserva de usufruto, esse processo se torna muito mais célere e econômico, a depender do caso, tonando o inventário desnecessário.
Quando o doador morrer, simplesmente extingue-se o usufruto e a posse dos bens passa aos seus proprietários, os outrora donatários. No caso da holding, eles ficam na posse e na administração das cotas capitas recebidas.
A transmissão dos bens por meio da holding familiar evita desentendimentos entre os herdeiros
Você com certeza já deve ter ficado sabendo de alguma família que se desentendeu e rompeu vínculos por conta da realização de um processo de inventário. Isso é mais comum do que se imagina.
Conflitos familiares não são algo difícil de se ver quando alguém da família morre e deixa bens aos herdeiros. Geralmente, surgem aqueles que desejam ignorar a lei e creem ser mais merecedores da herança do que os demais.
A partir do momento em que a sucessão é precedida por um correto e minucioso planejamento, isso é evitado, pois a vontade do de cujus terá de ser respeitada, a despeito do que pensam os herdeiros. E não haverá dúvidas quanto ao desejo do proprietário em relação a com quem ele queria que ficassem os seus bens.
Quais as vantagens tributárias em fazer o planejamento sucessório por meio da holding em relação ao inventário?
Já mencionamos que a holding oferece vantagens fiscais em relação ao processo de inventário tradicional. Agora, vamos nos deter um pouco mais sobre esse aspecto.
Sobre a doação de cotas, haverá a incidência do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), cuja alíquota pode chegar até 8% a depender do Estado. Esse imposto incidiria na transmissão do inventário da mesma forma. Contudo, existem alguns detalhes que merecem ser observados.
A primeira é em relação à base de cálculo do ITCMD. Quando há a doação das cotas da holding familiar, o imposto incide sobre o valor de aquisição estampado na declaração do Imposto de Renda. Por outro lado, no inventário, a incidência se dará sobre o valor atualizado do preço de mercado dos bens, representando uma quantia expressivamente maior.
Geralmente, o valor declarado no imposto de renda é muito inferior ao valor de mercado do bem, ainda mais se considerarmos a constante valorização dos bens imóveis no Brasil.
Como a extinção de usufruto não é fato gerador de nenhum tributo, caso haja a doação, não haverá a incidência desse tributo novamente no momento de sucessão dos bens pelo falecimento usufrutuário. Simplesmente há a transferência natural dos bens aos herdeiros/donatários sem qualquer burocracia, por conta do encerramento do usufruto.
Não é raro que os herdeiros tenham como herança muitos bens móveis e imóveis, mas dinheiro insuficiente para arcar com os custos do processo de inventário, tendo, então, que se desfazer de algum dos bens para cobrir as despesas, e geralmente a venda acontece por preço abaixo do valor de mercado.
Acontece, então, que no caso do inventário, há o recolhimento do imposto sobre o valor de mercado e a venda do bem para arcar com as despesas a um preço inferior, gerando prejuízo de ordem financeira que pode ser evitado.
Além dos gastos com impostos, é importante que mencionemos ainda as custas e taxas com o cartório, se ele for feito extrajudicial, e com o Poder Judiciário, se for realizado judicialmente, além dos honorários advocatícios. O planejamento sucessório com a holding se torna consideravelmente mais econômico do que o inventário tradicional.
Agindo antecipadamente e realizando o planejamento sucessório por meio da holding familiar, trará aos herdeiros um maior conforto no momento de realizar a sucessão dos bens.
É possível inserir cláusulas restritivas de proteção na doação com usufruto das cotas da holding familiar?
O doador pode atrelar ao contrato de doação uma série de cláusulas restritivas que visam a proteção dos bens da irresponsabilidade ou descuidos do donatário.
Então, os bens podem ser doados vinculados a cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade, inalienabilidade e reversibilidade.
A inalienabilidade limita o direito de disposição dos bens recebidos em doação. A impenhorabilidade impede a penhora do bem por conta de dívidas do donatário. A incomunicabilidade impede que os bens se comuniquem com o cônjuge do donatário, e a reversibilidade diz que, se o donatário falecer antes do doador, os bens retornam ao patrimônio deste.
Conclusão
O planejamento sucessório por meio da holding familiar é uma estratégia que gera uma série de benefícios aos integrantes do grupo familiar, tanto de ordem emocional quanto financeira.
Pela doação com reserva de usufruto vitalício, o instituidor transfere a sua propriedade dos bens aos herdeiros, mas permanece ele na livre e irrestrita administração até o momento de sua morte.
Ressalta-se a importância de que o procedimento de abertura da empresa seja precedido de um correto e minucioso planejamento, que conte com o acompanhamento de um advogado especialista em holding. Assim, o processo terá a efetividade desejada, evitando problemas e surpresas desagradáveis.