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Enriquecimento ilícito não pode ser presumido:

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Agenda 14/03/2022 às 13:10

Qual seria a razão da alteração do artigo 9º, VII, da Lei nº 8.429/92, se não fosse para condicionar o enriquecimento ilícito em razão do desempenho desonesto do cargo ou da função do agente público?

I – DA NECESSÁRIA ALTERAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Em nossos comentários à Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, alertávamos do defeito legislativo anterior, visto que a mesma possuía comandos muito abertos, possibilitando o ajuizamento de natimortas ações de improbidade administrativa, além de permitir que a culpa fosse um dos elementos do tipo do artigo 10, que versa sobre o prejuízo ao erário, equiparando-o ao dolo.

Após 30 (trinta) anos de vigência da Lei de Improbidade Administrativa, onde o manejo desproporcional de ações passou a ser uma realidade, questionando-se responsabilidade objetivas e atos ilegais, sem dolo e sem má-fé, com desvio do foco constitucional do combate ao ato desonesto, aquele praticado com extrema gravidade. Por essa razão, o legislador se viu na necessidade de deixar bem clara a abrangência do comando legal sub oculis.

O presente diploma legal se transformou em uma fonte de insegurança, dada a sua vagueza e falta de definição do núcleo do tipo do ato de improbidade, gerando uma sanha punitivista, sobre uma possível indústria das ações de improbidade administrativa.

E esses fatores convergiram em demonstrar a necessidade de se deixar explícito que somente a prática de ato doloso é que seria punido à título de improbidade, definindo-o e deixando mais técnica a presente Lei.

Deixamos consignado:[1]

“A Lei de Improbidade veio à superfície com a finalidade de combater atos que afetem a moralidade e maltratem a coisa pública.

Todavia, como a lei em comento possui comandos muito abertos, é necessário que haja uma certa prudência no manejo indiscriminado de ações de improbidade administrativa para que não seja enfraquecida e se torne impotente, pelo excesso da sua utilização, para os casos que não comportem o devido enfraquecimento.

Isso porque o comando legal em questão se preocupou apenas em definir os tipos da improbidade administrativa (arts. 9º, 10 e 11), sem, contudo, definir que venha a ser ato ímprobo.

Ao deixar de definir o conteúdo jurídico do que venha a ser o ato de improbidade administrativa, a Lei nº 8.429/92 permitiu ao intérprete uma utilização ampla da ação de improbidade administrativa, gerando grandes equívocos, pois possibilitou que atos administrativos ilegais, instituídos sem má-fé, ou sem prejuízo ao ente público fossem confundidos com os tipos previstos na presente lei.”

Dizemos que a Lei de Improbidade Administrativa em sua redação gênesis se assemelhava à norma penal em branco, por possuir conteúdo incompleto e cujo “aperfeiçoamento” ficava por conta de quem a interpretava.

Muitas injustiças foram perpetradas revoltando os cultores do Direito, que se viram à mercê de uma persecução desenfreada do Ministério Público, autor de várias ações que sequer possuíam lastro de probabilidade legal, e eram patrocinados por uma insubsistente justificativa, prejudicando inúmeras carreiras de agentes públicos.

Como essa situação se tornava insustentável no meio político, com a grande maioria dos agentes políticos respondendo a ações de improbidade administrativa por qualquer fundamento, que não fosse a corrupção ou a devassidão, a Câmara dos Deputados instalou, no dia 28/08/2019, uma Comissão Especial para analisar o PL nº 10.887/18, que propôs atualizações na Lei de Improbidade Administrativa.

O PL nº 10.887/18[2] apresentado pelo Deputado Federal Roberto Lucena, foi resultado do trabalho da Comissão de Juristas criada pelo então Presidente da Câmara, Deputado Federal Rodrigo Maia, e coordenada pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça – STJ, Mauro Campbell, a qual tivemos a honra de compor como membro.

Na reunião inaugural, o então Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, defendeu a necessidade de modernizar a legislação em face da estrutura “muito aberta”, o que acaba inviabilizando o próprio interesse de agentes públicos.

A insegurança jurídica passou a ser mais frequente, pois todos os atos públicos, em tese, ficavam expostos a um controle rígido do Ministério Público, nem sempre fidedigno ao escopo constitucional da Improbidade Administrativa, onde o ato ilícito justificava o ajuizamento da ação, mesmo não estando presente o elemento subjetivo do tipo.

Por essa razão, reflexões foram surgindo com o objetivo de arejar o pensamento do legislador para que a presente lei fosse mais garantista e realmente pudesse fiscalizar os atos desonestos praticados com o dolo e com má-fé, abstraindo-se de pecados veniais, ou equívocos culposos, sem o substrato da má-fé.

A estrutura da legislação embrionária permitia a ocorrência da responsabilidade objetiva improbidade daquele que sequer participou minimamente para a ocorrência do ato ímprobo ou dele tivesse conhecimento.

Dessa forma, a redação do artigo inaugural da Lei de Improbidade Administrativa partia dos “atos de improbidade” ao invés de trazer uma definição típica do núcleo do tipo do que venha a ser a prática de ato ímprobo. Tal equívoco foi corrigido pela presente lei, que definiu o conceito sobre a prática do ato de improbidade administrativa, para que ele não ficasse fluido ou aberto.

Somos da opinião de que os tipos do direito sancionador, aí se incluindo o penal e o administrativo disciplinar devem ser fechados, pois a experiência tem demonstrado que um Direito Administrativo Disciplinar aberto, tem gerado graves injustiças para com os investigados, visto que o poder punitivo estatal disciplinar, nem sempre se desprende de seus preconceitos de “lesado” na relação jurídica, deixando de se balizar pela imparcialidade e pelo acervo probatório produzido, para, independentemente do grau de reprovabilidade do ato tido como infracional, punir o agente acusado a qualquer custo, como uma forma de “torná-lo” uma fonte eficaz de exemplo negativo, tipo um freio inibitório à prática de futuros atos ilícitos, mesmo que não haja a menor evidência da prática de tais ilícitos funcionais.

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O certo é que, a atual redação da Lei de Improbidade Administrativa, que veio para atualizar o texto embrionário da Lei nº 8.429/92, trouxe avanços no agir com responsabilidade perante a administração pública, tendo em vista que o texto anterior já havia completado quase 30 (trinta) anos de vigência e necessitava de ajustes urgentes, em face ao seu perigoso caráter aberto, que permitia graves injustiças, pois cabia ao intérprete completar o sentido amplo da lei em questão.

Pela nova norma, os atos de improbidade são praticados contra o patrimônio público e social de quaisquer dos poderes, dos entes federativos, incluídas as respectivas administrações diretas, indiretas e fundacionais, desde que precedido de ato doloso, sendo excluído de tal contexto o ato ilegal, desprovido de má-fé ou de devassidão.

Por patrimônio público entende-se ser o conjunto de bens, direitos e valores pertencentes a todos os cidadãos.

Como afirmado por David Blanquer,[3] o patrimônio é um conjunto de bens, direitos e obrigações que se aglutinam por ter o mesmo sujeito titular.

O patrimônio é uma “universitas iuris” ou unidade fictícia ou ideal, artificialmente criada pelo direito para unificar o tratamento jurídico de distintas relações jurídicas.

Dessa forma, o patrimônio público, que como já dito é o conjunto de bens, direitos e valores que pertencem a todos os cidadãos e forma também o patrimônio social de todos e como tal deve ser preservado e bem cuidado pelo gestor público.

Esse é o bem jurídico tutelado pela atual lei de improbidade administrativa, ou seja, conservação do patrimônio público e social de qualquer dos valores dos entes federativos (União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios).

Em uma concepção restrita, pode-se entender que o patrimônio público é o conjunto de bens e direitos, mensurável em dinheiro, que pertence ao ente de direito público, conforme o disposto no artigo 1º, § 1º, da Lei nº 4.717/65.

Já de forma mais ampla, é tido como o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, que pertence ao povo, para qual o Estado e a Administração Pública existem, justamente para administrá-los com probidade.

A lei de Improbidade Administrativa visa manter hígida a boa preservação do patrimônio público e social, abrangidos os princípios éticos, que embora não sejam bens, fazem parte do patrimônio moral de nossa sociedade, e devem ser protegidos pelo Estado e observados por todos os agentes políticos ou públicos e também para todos que se relacionam ou recebem verbas públicas. Esses valores éticos e morais estão disciplinados no artigo 11 e seus incisos da presente lei e possui como destinatários não só os agentes públicos, mas todos aqueles que se relacionam com a administração pública de forma direta ou indireta, devem ser comportar com retidão e com lisura, não pactuando ou permitindo a prática de ato imoral ou devasso.

O objetivo da nova redação da Lei de Improbidade Administrativa, é deixa-lo apto ao combate dos atos desonestos e imorais, aqueles que são procedidos de dolo, e não de equívocos ou inabilidades culposas.

Dessa forma, os atos de improbidade devem ser praticados com dolo contra o patrimônio público e social para se inserir no presente contexto legal.

Sucede que não é todo ato que atente contra esses bens juridicamente tutelados é que estará, em tese, inserido no escopo da atual lei de improbidade administrativa, pois, para ser tipificado como ato ímprobo, é necessário que ele seja praticado com dolo e que no exercício indevido das funções públicas, o agente desvie-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens patrimoniais indevidas para si ou para outrem (art. 9º) ou gerar prejuízo ao patrimônio público (art. 10), ou viole os princípios norteadores da Administração Pública (art. 11), tudo de forma livre e consciente, com dolo.

A Improbidade Administrativa é a ilegalidade qualificada pelo dolo do agente, como delineada pela nova e atual versão da Lei nº 8.429/92. Apesar da Improbidade Administrativa depender da prática de um ato ilícito, nem todo ato ilegal ou imoral é ímprobo, pois ele é ligado ao elemento desonestidade. Ou seja, para serem tipificadas como ímprobas as condutas previstas nos artigos 9º a 11, da presente lei, necessário se faz que esteja presente o dolo e a desonestidade, verificada pela devassidão do ato ímprobo.

Por essa razão, Vera Scarpinella Bueno[4] leciona que “o fator diferenciador entre um ato ilegal e um ato de improbidade está, pois, na conduta do agente, e não da ilegalidade objetiva do ato.”

Para Marcelo Harger,[5] o conceito de improbidade é:

“Ato de improbidade é o ato ilícito doloso, decorrente de desonestidade do agente, que cause prejuízo à Administração, acarrete enriquecimento ilícito a um cidadão ou pessoa jurídica que esteja prevista em um dos incisos do art. 10, da Lei nº 8.429/92. Por outro lado, não são ato de improbidade aqueles praticados em decorrência de improbidade do administrador público, que representem equívocos exclusivamente formais ou praticados de boa-fé.”

João Pedro Accioly[6] define:

“O agir ímprobo e o agir desonesto e moralmente condenável, que contende com os deveres éticos.”

Não se pode confundir meras irregularidades com grave desonestidade [7] funcional deixando que se equiparem aos atos ímprobos, como era previsto na legislação revogada.

Não há dúvida, para que se possa qualificar o ato ilícito em ato ímprobo, se faz indispensável que se tenha prova de agir doloso do agente público, o que afasta dessa seara singela irregularidade administrativa.

Assim, em que pese a relevância da Lei de Improbidade Administrativa para a defesa da moralidade administrativa, fica cristalinamente definido pela doutrina e pela jurisprudência que a aplicação dos comandos legais sub oculis há de ser feita balizada pelo grau de grave reprovabilidade da conduta do agente, de modo a impedir que sejam aplicadas suas pesadas sanções em face de equívocos ou erros toleráveis, aqueles que não possuem a desonestidade em seu âmago, não apresentando como desvio ético ou imoralidade qualificada pelo dolo.

Em abono ao que foi dito, adequada é a lição do Ministro Alexandre de Moraes:[8]

“O ato de improbidade Administrativa exige para sua consumação desvio de conduta do agente público, que no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da Sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções.”

Do mesmo modo se expressa Maria Sylvia Zanella Di Pietro:[9]

“A aplicação da Lei de Improbidade exige bom senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros.”

Chegamos a averbar sobre o tema:[10]

“Entendemos que o ato de improbidade administrativa é aquele em que o agente público pratica ato comissivo ou omissivo com devassidão (imoralidade), através de uma conduta consciente e dolosa. E a prática de ato lesivo ao erário, ou que demostre uma moralidade qualificada.

Em síntese: a Lei nº 8.429/92 considerou os atos de improbidade administrativa divididos em três grupos, ou seja, enriquecimento ilícito (art. 9o, I a XII), ação ou omissão que redunde em perda patrimonial ou prejuízo (art. 10, I a XIII) e violação aos princípios da Administração Pública elencados no art. 11 e seus incisos.

Essa lei é uma consequência do que vem estatuído no § 4º do art.37 da CF, que pune a improbidade administrativa com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas na respectiva lei.”

Por outro lado, sob o prisma jurisdicional, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, desde 1999, pelo REsp nº 213994-MG (1999/0041561), 1ª T., Rel. Min. Garcia Vieira, afirmou que: “Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei nº 8.429/92. A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil.” (g.n.)

O agente público inábil ou desastrado não pode responder aos termos da presente Lei de Improbidade Administrativa, pois ela não é voltada para aquele que cometendo ato ilícito, o faz de boa-fé ou de forma desprovida de desonestidade ou de corrupção.

Esse entendimento ficou sedimentado perante o Superior Tribunal de Justiça – STJ e foi exteriorizado pela 2ª Turma, onde o Ministro Herman Benjamin, no REsp nº 1.666.307/MA, deixou averbado:[11]

“... para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, caracterizar a presença do elemento subjetivo. A razão para tato é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé.”

No mesmo sentido, citando essa passagem, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, seguindo o voto condutor do Min. Sérgio Kukina, reafirmou tal entendimento, de que mero erro administrativo ausente o elemento subjetivo dolo, não se presta para o fim de condenação na prática de improbidade administrativa:[12]

“(...)

3. Hipótese em que o Tribunal de origem firmou a compreensão no sentido de que a conduta imputada ao agravo se consubstancia em mero erro administrativo, razão pela qual não se poderia falar na prática de ato de improbidade, diante da ausência do elemento subjetivo dolo. Assim, a revisão desse entendimento esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.”

Em se tratando de improbidade administrativa, com severas punições, é consolidada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11, da Lei nº 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, mas do artigo 10” ( STJ , AIA 3 0 /AM, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, Core Especia l, DJ de 28.09.2011. Em igual sentido: STJ, AgInt no AREsp 1190179/SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª T., DJ de 21.05.2018; AgInt no REsp 1717794/PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., DJ de 26.04.2018; REsp 1.420.979/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJ de 10.10.2014; REsp 1.273.583/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJ de 2.09.2014; AgRg no AREsp 456.665/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJ de 31.03.2014).

Como a Lei nº 14.230/21 retirou a conduta culposa do núcleo do tipo do artigo 10, somente o dolo e o prejuízo efetivo ao erário é que, em tese, caracteriza violação ao citado artigo.

Pela atual Lei de Improbidade Administrativa, todos os tipos descritos nos artigos 9º a 11, somente serão punidos à titulo de dolo, através de uma vontade livre e consciente de praticar ato ímprobo, caracterizado pela desonestidade e pela má-fé do agente público ou do terceiro/particular, sendo suprimido o ato de improbidade administrativa mediante culpa. Foi a consagração legislativa de que não é razoável punir como ato de improbidade administrativa o erro, a imperícia, a negligência, ou a inabilidade, mesmo caracterizando como ilícito administrativo, mas sem o substrato do dolo ou da má-fé.

Essa modificação de conteúdo, de grande relevância na atual Lei de Improbidade Administrativa, vem assim justificado pelo Presidente da Comissão de Juristas, Ministro Mauro Campbell Marques,13 responsável pela reforma da Lei nº 8.429/92, verbis:

“Na caracterização do ato de improbidade, o presente texto intenta introduzir algumas modificações não apenas estilísticas e redacionais, como também de conteúdo.

Bastante significativa é a supressão do ato de improbidade praticado mediante culpa.

De um atento exame do texto, par e passo da observação da realidade, conclui-se que não é dogmaticamente razoável compreender como ato de improbidade o equívoco, o erro ou a omissão decorrente de uma negligência, uma imprudência ou uma imperícia. Evidentemente tais situações não deixam de poder se caracterizar como ilícitos administrativos que se submetem a sanções daquela natureza e, acaso haja danos ao erário, às consequências da lei civil quanto ao ressarcimento.”

Essa alteração na Lei de Improbidade Administrativa foi necessária, pois o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa não poderia mais contemplar a punição pela prática de atos culposos ou ilegais, sem o substrato da má- fé e da desonestidade.

E coube ao Deputado Federal Carlos Zarattini, 14 relator do Projeto de Lei nº 10.887/2018, que reformou a Lei nº 8.429/92, deixar configurada a necessidade de se reformular a Lei de Improbidade Administrativa, por ela ser a responsável por várias injustiças, em seu manejo pelo Ministério Público, como se infere:

“É inquestionável a necessidade de se reformular a Lei de Improbidade Administrativa – LIA, são incontáveis os casos de condenações por irregularidades banais, que não favorecem nem prejudicam ninguém além do próprio agente público, punindo severamente com multas vultosas e suspensão dos direitos políticos. Com isso, cada vez mais pessoas de bem vão se afastando da vida, em prejuízo da população.”

Nesse sentido, buscou o legislador fechar o tipo do Ato de Improbidade para punir somente a prática de conduta dolosa, além de estabelecer rol taxativo para os tipos previstos no art. 11, caracterizadores de improbidade por ofensa aos princípios administrativos.

As mudanças da Lei de Improbidade, com a certeza, vieram para qualificar a investigação do Ministério Público, no sentido de estabelecer um novo e adequado marco na aludida persecução, onde o órgão fiscalizador terá que se focar para os atos desonestos e dolosos, deixando de lado meras irregularidades, que não lesem os valores éticos ou morais da Administração Pública.

Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Enriquecimento ilícito não pode ser presumido:: nova visão do art. 9º, VII, da Lei 8.429/92, com a redação dada pela Lei 14.230/21. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6830, 14 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96769. Acesso em: 27 dez. 2024.

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