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A atemporalidade do amor:

inseminação artificial post mortem e seus efeitos sucessórios

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Agenda 17/04/2022 às 23:46

A legislação não proíbe a inseminação post mortem e a Constituição Federal consagra a igualdade entre os filhos. Mas é possível admitir legislação infraconstitucional restritiva do direito do filho assim concebido?

RESUMO

O presente estudo teve por objetivo central analisar, na perspectiva do direito civil-constitucional, o controverso tema sobre a técnica de inseminação artificial post mortem e os seus efeitos jurídicos no âmbito do direito sucessório. As inovações no campo da medicina, em especial no ramo da reprodução humana, estão refletindo cada vez mais no mundo jurídico, sendo necessário, portanto, uma interpretação mais aprofundada acerca da legislação vigente, bem como dos princípios constitucionais dispostos em nossa Carta Magna, a fim de que futuras lacunas jurídicas relacionadas à utilização da inseminação artificial post mortem sejam supridas.

O problema que norteou a pesquisa em questão consiste na análise dos impactos jurídicos produzidos no ordenamento jurídico brasileiro, em razão da concepção de uma nova vida por meio da utilização do método de inseminação artificial post mortem. A partir da mencionada problemática, a pesquisa teve por finalidade, de início, analisar, especificamente, a técnica de inseminação artificial post mortem e a possibilidade de sua utilização, sendo averiguadas, também, as suas peculiaridades, legislação vigente, bem como os princípios constitucionais que garantem o uso efetivo do método reprodutivo em questão. Em um segundo momento, restou observado o instituto da sucessão e quem são os capacitados para suceder.

Por fim, foram investigados, também, os reflexos jurídicos gerados a partir da utilização da inseminação artificial post mortem no âmbito do direito sucessório. No mais, o estudo referente à legitimidade sucessória do filho póstumo é de extrema relevância social, jurídica e acadêmica, tendo em vista que o conteúdo pautado é considerado, atualmente, uma grande lacuna existente em nosso ordenamento jurídico, em razão da deficiência legislativa e dos diferentes posicionamentos doutrinários acerca do tema.

1 DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM

Em razão de grandes avanços tecnológicos e inovações no ramo da medicina, atualmente, inúmeras técnicas de reprodução humana assistida estão sendo desenvolvidas, possibilitando não só às mulheres como também aos membros dos mais diversos arranjos familiares a concretização de um grande sonho, o denominado projeto parental. Em decorrência de tais avanços biotecnológicos, as técnicas de reprodução assistida estão cada vez mais acessíveis aos cidadãos, deixando de ser considerada, portanto, uma prática para poucos.

Sobre o tema, Hildeliza Cabral e Mariane Alves ensinam que:

As técnicas de reprodução humana assistida vieram com a finalidade de revolucionar os métodos de procriação, inclusive solucionando problemas de infertilidade entre os casais, e até mesmo proporcionando a possibilidade de uma fecundação após a morte do doador do sêmen, tendo em vista a ausência efetiva da relação sexual, e os modernos métodos de criopreservação dos gametas.[1]

Ainda, a autora Maria Helena Diniz aduz que:

[...] estas técnicas de reprodução assistida têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação, quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes para a solução da situação atual de infertilidade (Res. n. 1358/92 do CFM, art. 1º, Seção 1), devolvendo ao homem e à mulher o direito à descendência.[2]

Nesse sentido, a própria redação constitucional, em seu art. 226, § 7º, bem como a Lei nº 9.263/1996, que regulamenta o Planejamento Familiar, estabelece regramentos para o acesso às técnicas de reprodução humana assistida, visando possibilitar a toda sociedade a garantia ao livre e efetivo planejamento familiar.

Conforme leciona Roberto Senise Lisboa, o planejamento familiar diz respeito à autonomia que o casal possui para formar o seu núcleo familiar da maneira que desejar, limitando ou, até mesmo, aumentando a sua prole, bem como adotando os meios lícitos para que haja o efetivo desenvolvimento dos membros de sua família.[3]

Nessa senda, a Lei nº 9.263/96 - que disciplina o planejamento familiar , em seu artigo 2º, conceitua o planejamento familiar do seguinte modo:

Para fins desta Lei entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. Parágrafo único - É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo de controle demográfico.[4]

O princípio do Planejamento Familiar encontra amparo no Código Civil, bem como na Constituição Federal de 1988. Em sede legal é consagrado que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas".[5] Em sede Constitucional, por sua vez, é previsto que:

Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.[6]

Ademais, alguns princípios constitucionais tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, liberdade, autonomia da vontade, não intervenção, princípio da parentalidade responsável e solidariedade estão visceralmente conexos ao livre planejamento familiar.

Já a respeito das técnicas de reprodução humana, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.597, prevê o seguinte:

Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.[7]

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Desse modo, é possível observar que a inseminação artificial é um exemplo das mais variadas técnicas de reprodução humana assistida que, nos dias de hoje, podem ser utilizadas. Tal método é realizado tanto de forma heteróloga quanto homóloga. A técnica de reprodução assistida heteróloga é realizada através da doação de material genético de terceiro, ou, também, através da doação de embrião por casal desconhecido. Já a técnica de reprodução assistida homóloga ocorre através da utilização de material genético dos pais biológicos, não havendo, portanto, qualquer doação por parte de terceiros.

Segundo Paulo Lôbo, tem-se que:

A inseminação artificial homóloga é a que manipula gametas da mulher (óvulo) e do marido (sêmen). A manipulação, que permite a fecundação, substitui a concepção natural, havida por meio da cópula. O meio artificial resulta da impossibilidade ou deficiência para gerar de um ou de ambos os cônjuges.[8]

Inclusive, nos dias atuais, a medicina já possibilita que o material genético dos pais biológicos sejam criopreservados através do congelamento e resfriamento dos embriões, possibilitando, assim, a sua utilização futura.

À vista disso, em relação ao método de inseminação artificial post mortem, é necessário trazer à baila que, por meio da criopreservação, é possível que os embriões armazenados sejam reproduzidos mesmo em situações em que um dos doadores já tenha falecido, contudo, conforme previsão contida na Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina é imprescindível que, para a utilização do método de reprodução assistida post mortem, exista autorização prévia e específica, deixada pelo falecido, para o uso do material biológico criopreservado em caso de óbito.[9]

Ainda, sobre a técnica de criopreservação, Hildeliza Cabral e Mariane Alves ensinam que:

[...] na retirada de quase toda a água das células, substituindo-a por uma substância crioprotetora que não cria cristais quando ocorre o congelamento. Em contato com a substância crioprotetora, os gametas ou embriões se retraem, diminuindo de tamanho; todavia, assim que essa substância penetra nas células, os gametas ou embriões voltam a seu estado normal, estando prontos para o congelamento. São, então, aspirados por um capilar o qual será devidamente vedado e identificado. Os capilares cheios são colocados em uma máquina, composta por um computador e uma câmara de resfriamento, que reduzirá sua temperatura a menos de 196 graus Celsius. Após o congelamento, os capilares serão colocados em um recipiente grande, imersos em azoto líquido, onde poderão permanecer por vários anos. O descongelamento ocorre com o reaquecimento brusco do capilar, deixado em temperatura ambiente por alguns segundos ou com a retirada do crioprotetor através da lavagem cultural.[10]

Assim, é possível concluir que as mais diversas inovações da medicina, especificamente no ramo da reprodução humana, estão oferecendo grandes benefícios para a sociedade e os seus mais diversos arranjos familiares, no que se refere à concretização do projeto familiar. Todavia, há que se falar que novos embates jurídicos surgem, na medida em que novas situações e realidades são vivenciadas pela sociedade, como é o caso da utilização da inseminação artificial post mortem e os seus efeitos no âmbito do direito sucessório.

2 DO INSTITUTO DA SUCESSÃO E OS CAPACITADOS PARA SUCEDER

De plano, imperioso destacar que o direito sucessório é baseado no direito à propriedade e versa sobre a transmissão de bens, direitos e obrigações resultantes do evento morte, em virtude de lei ou testamento.

Nesse sentido, leciona Rafael Menezes:

Direito das sucessões é o ramo do direito civil cujas normas regulam a transferência do patrimônio do morto ao herdeiro, em virtude de lei ou de testamento. A palavra sucessão significa substituir uma pessoa por outra, que vai assumir suas obrigações e adquirir seus direitos.[11]

No Brasil, a transferência sucessória de patrimônio pode ocorrer através de três formas distintas, sendo elas: a sucessão legítima, testamentária ou mista. Nesse ponto, proclama o artigo 1.786 do Código Civil, a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.[12]

Logo, importante mencionar que a sucessão legítima ocorre quando não é deixada qualquer disposição de última vontade pelo de cujus, ou seja, testamento e/ou codicilo, nesse caso, o patrimônio será transferido aos herdeiros legítimos previstos em lei.

Nesse sentido, o artigo 1.829 do Código Civil dispõe que:

A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III- ao cônjuge sobrevivente; IV- aos colaterais.[13]

Já a sucessão testamentária advém da manifestação de última vontade do autor da herança, através de testamento e/ou codicilo. Nas palavras de Francisco Cahali e Giselda Hironaka, na sucessão testamentária não é a lei, mas a pessoa que elege seus sucessores.[14]

E mais, José da Silva Pacheco explica que:

A sucessão testamentária, como o nome indica, baseia-se no testamento, devendo este e aquela observar o que a seu respeito estabelecem as regras jurídicas (arts. 1.857 a 1.990, CC), mas constituindo este, como fundamento daquela, a manifestação unilateral de vontade, há de se atender, necessariamente, a esta.[15]

Contudo, é necessário destacar que a sucessão legítima impõe limites à sucessão testamentária, já que o autor da herança não pode dispor da integralidade de seu patrimônio, devendo resguardar cinquenta por cento dos bens para os herdeiros legítimos, o que pode caracterizar, assim, a chamada sucessão mista, espécie que abrange tanto os herdeiros legítimos quanto testamentários.

Indo mais além, atualmente, a capacidade de suceder é destinada àqueles que têm aptidão para receber os bens deixados pelo autor da herança. Assim, em relação aos herdeiros, o ordenamento jurídico brasileiro prevê duas categorias, sendo elas: os herdeiros legítimos e testamentários. De início, os herdeiros legítimos se subdividem em necessários e facultativos; os herdeiros necessários estão previstos em lei, sendo eles: os descendentes, ascendentes e o cônjuge/companheiro sobrevivente.

Por sua vez, os herdeiros facultativos são aqueles que segundo Flávio Tartuce não têm a seu favor a proteção da legítima, podendo ser preteridos por força de testamento.[16] Por fim, os herdeiros testamentários são aqueles que recebem parte do patrimônio do de cujus por meio de testamento e/ou codicilo.

3 DOS EFEITOS JURÍDICOS DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM NO DIREITO SUCESSÓRIO

Com a evolução da sociedade e, consequentemente, do direito das famílias, o direito sucessório sofreu inúmeras alterações. Nesse sentido, Maria Berenice Dias ressalta que a família era constituída, exclusivamente, por meio do casamento, assim, a prole concebida fora do matrimônio não possuía quaisquer direitos sucessórios, ou seja, não eram atribuídos direitos inerentes à filiação aos filhos gerados em relações não matrimoniais.[17] Todavia, a Constituição Federal de 1988 inovou ao tratar do reconhecimento de filiação em seu artigo 227, parágrafo 6º, dispondo que "os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".[18]

Por conseguinte, a Carta Magna, em consonância com o grande avanço da sociedade, possibilitou o surgimento de novos núcleos familiares. Nesse aspecto, lecionam Edna Maria Costa e Maria Clara Falavigna:

Existem três modelos de filiação: pelo matrimônio (presunção); pelo vínculo biológico e pelo vínculo socioafetivo. A filiação presumida pressupõe que seja filho quando concebido na constância do casamento. Já a filiação pelo vínculo biológico é caracterizada pela existência de relação consanguínea entre pais e filhos. Por fim, a filiação socioafetiva é caracterizada pela vontade e afeto na relação entre pais e filhos.[19]

Destarte, é possível observar que independentemente do método utilizado para a concepção dos filhos, todos os descendentes são possuidores dos direitos advindos da filiação, sem qualquer restrição e/ou hierarquia. No entanto, o atual ordenamento jurídico brasileiro, apesar de regulamentar, por exemplo, o direito à herança dos filhos concebidos por via artificial, é omisso ao tratar dos direitos sucessórios dos filhos concebidos através da inseminação artificial post mortem.

Em relação à mencionada omissão normativa, é importante mencionar que há grande divergência doutrinaria acerca do tema. De um lado, há a corrente positivista, defensora da não contemplação sucessória do filho póstumo, em razão da ausência de norma regulamentadora. Nessa linha de pensamento, Maria Helena Diniz sustenta que o filho póstumo não possui legitimação para suceder, visto que foi concebido após o óbito de seu pai genético e por isso é afastado da sucessão legítima ou ab intestato.[20]

A mencionada autora também sustenta que:

[...] a criança, embora possa ser filha genética, por exemplo, do marido de sua mãe, será, juridicamente, extramatrimonial, pois não terá pai, nem poderá ser registrada como filha matrimonial em nome do doador, já que nasceu depois de 300 dias da cessação do vínculo conjugal em razão da morte de um dos consortes [...] se porventura, houver permissão legal, dever-se-á prescrever quais são os direitos dos filhos, inclusive sucessórios.[21]

Ao contrário da corrente positivista, Neiva Maria Prado, defensora dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade entre os filhos e o direito à herança, bem como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sustenta que:

[...] há doutrinadores que não aceitam a concepção após a morte do doador de material genético, por acreditarem que assim a criança estaria condenada a nascer sem a figura paterna. Com todo respeito à doutrina divergente, entende-se que tal argumentação não deve prosperar, sendo que para o art. 42 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) não é relevante o estado civil do adotante, desde que ele tenha acima de 21 anos de idade. Assim, conclui-se que , se é possível a adoção por uma pessoa solteira, divorciada ou viúva, também tem que ser possível a concepção de um filho somente pela mãe após a morte do genitor.[22]

Em sentido congênere, Paulo Lôbo defende a garantia dos direitos dos filhos póstumos e entende que a lacuna existente no âmbito jurídico pode ser sanada através da observância do princípio da igualdade de filiação, que proíbe qualquer limitação de direitos, independentemente da forma de concepção dos descendentes, vedando, também, qualquer tipo de desigualdade e descriminação entre eles.[23]

Além disso, Maria Berenice Dias afirma que a legislação não proíbe a inseminação post mortem e a Constituição Federal consagra a igualdade entre os filhos. Não se pode, portanto, admitir legislação infraconstitucional restritiva do direito do filho assim concebido.[24]

E mais, quanto ao reconhecimento de paternidade do filho póstumo, o Código Civil, especificamente em seu artigo 1.597, inciso III, prevê que os nascituros fertilizados através do método de fecundação artificial homóloga serão presumidos filhos ainda que o cônjuge seja falecido.[25]

Nesse sentido, nos casos de inseminação artificial post mortem, a I Jornada do Conselho da Justiça Federal de 2002, enunciado n° 106, garante que:

Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.[26]

Então, é possível analisar que, em sede legal, são garantidos aos filhos concebidos através da inseminação artificial homóloga póstuma todos os direitos advindos do reconhecimento da filiação.

No entanto, o artigo 1.798 do Código Civil dispõe que legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.[27] Portanto, é possível observar que o ordenamento jurídico vigente exclui o filho concebido por inseminação artificial post mortem da vocação hereditária.

Por sua vez, Carlos Cavalcanti Albuquerque Filho analisa a existência de três correntes distintas acerca da possibilidade de contemplação dos direitos sucessórios do filho concebido post mortem. Segundo o autor, a primeira corrente não admite que o descendente gerado após a morte do autor da sucessão possua quaisquer direitos. Já a segunda corrente, admite que o filho gerado de forma póstuma obtenha os diretos referentes à filiação, porém não admite os direitos sucessórios, salvo se a concepção deste filho esteja elencando no testamento, na condição de prole eventual.[28]

Sobre a prole eventual, é necessário frisar o entendimento de Nestor Duarte:

[...] a prole eventual não passa de mera expectativa; contudo, a lei permite que lhe sejam atribuídos bens na sucessão e que ficará sob a guarda de curador nomeado pelo juiz, pelo prazo de dois anos, dentro do qual, salvo disposição em contrário do testador, deverá ser concebido o herdeiro esperado, e, tal não ocorrendo, os bens serão deferidos aos herdeiros legítimos.[29]

Por fim, a última corrente apresentada por Carlos Cavalcanti Albuquerque Filho defende que o filho concebido post mortem possui todos os direitos inerentes da filiação, tanto no âmbito do direito sucessório quanto no direito das famílias, sendo tal tese respaldada pelo princípio da igualdade de filiação, previsto no artigo 227, parágrafo 6º da Constituição Federal.[30] No mais, Douglas Freitas também entende que havendo clara vontade do casal em gerar o fruto deste amor não pode haver restrição sucessória alguma, quando no viés parental a lei tutela esta prática biotecnológica.[31]

Assim, é possível concluir que o vazio legal existente no atual ordenamento jurídico brasileiro acerca da capacidade sucessória do filho póstumo pode ser superado através da efetiva interpretação dos princípios constitucionais vigentes, considerados elementos basilares do nosso sistema jurídico e que impedem, assim, a desigualdade, descriminação, bem como qualquer restrição sucessória dos filhos póstumos que, independentemente da sua forma de concepção, devem ter seus direitos efetivados, assegurados e garantidos por lei.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em razão dos argumentos expostos, percebe-se as mais diversas inovações da medicina, especificamente no ramo da reprodução humana, estão oferecendo grandes benefícios para a sociedade e os seus mais diversos arranjos familiares, no que se refere à concretização do projeto familiar. Todavia, é possível concluir que novos embates jurídicos surgem, na medida em que novas situações e realidades são vivenciadas pela sociedade, como é o caso da utilização da inseminação artificial post mortem e os seus efeitos no âmbito do direito sucessório.

Dessa forma, através da presente pesquisa foi possível analisar que no âmbito do direito sucessório há uma grande lacuna em relação aos efeitos jurídicos advindos da fertilização homóloga póstuma, especificamente nos casos em que ocorre a criopreservação do embrião e sua utilização após a morte de um dos cônjuges/companheiros.

A técnica de inseminação artificial post mortem, bem como a presunção de paternidade dos filhos concebidos através do método de reprodução assistida em questão são devidamente regulamentadas pelo Código Civil, contudo, o atual ordenamento jurídico é omisso quanto à garantia dos direitos sucessórios dos filhos póstumos, ocasionando, assim, um grande embate jurídico acerca da legitimidade sucessória do filho concebido post mortem.

Portanto, para que a deficiência legislativa existente, acerca da legitimidade sucessória do filho póstumo, seja sanada, é necessária a realização de uma interpretação sistemática da lei, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 proíbe qualquer tipo de discriminação e desigualdade entre os descendentes, impossibilitando, assim, a distinção sucessória entre os filhos preexistentes e o filho concebido de forma póstuma.

Sobre a autora
Carolina Alt Silva

Advogada. Especialista em Direito de Família e Sucessões. Diretora-Presidente do IBDFAM Núcleo Bagé/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carolina Alt. A atemporalidade do amor:: inseminação artificial post mortem e seus efeitos sucessórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6864, 17 abr. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97114. Acesso em: 26 dez. 2024.

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