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Homicídio emocional: incompatibilidade com qualificadoras objetivas e subjetivas

Agenda 01/07/1999 às 00:00

Doutrina e jurisprudência, ainda que não seja posicionamento unânime (há corrente no sentido de que, pela disposição técnica do Código, e de ser o privilégio mera causa de diminuição da pena, a figura do homicídio privilegiado-qualificado é inadmissível - Cf. RTJ 42/48 e RT 525/336 e 515/367), admitem, relativamente ao homicídio, a combinação de privilegiadoras com qualificadoras objetivas (Nesse sentido: STF-RTJ, 90/61 e 61/20; RT 541/466, 556/349 ,525/350 e 496/263).

Todavia, o homicídio emocional, desde que visualizado como expressão dinâmica de um instinto, emanada de fontes conscientes ou inconscientes, que leva o sujeito a reagir à injusta provocação da vítima, "sem intermezzo" e sob o domínio de emoção repentina e intensa, "estado afetivo que produz momentânea e violenta perturbação ao psiquismo do agente, com alterações somáticas (o organismo considerado como expressão material, em oposição às funções psíquicas; variações somáticas ou modificações das funções da vida orgânica decorrentes da forte e transitória perturbação da afetividade: pulsar precípite do coração, alterações térmicas, aumento da irrigação cerebral, aceleração do rítmico respiratório, alterações vasomotoras, intensa palidez ou intenso rubor, tremores, fenômenos musculares, alterações das secreções, suor, lágrimas etc) e fenômenos neurovegetativos e motores" (Julio Mirabete, Manual, vol. 2, p. 47 - Cf. Aurélio Eletrônico, sistema nervoso vegetativo é a porção do sistema nervoso, tanto aferente quanto eferente, que inerva musculatura cardíaca e lisa, e controla secreções glandulares diversas; não se encontra sob o controle da vontade, e divide-se em dois grandes setores: o simpático e o parassimpático; sistema nervoso vegetativo e sistema nervoso da vida vegetativa), já tendo sido comparado o homem sob o influxo da emoção violenta a um carro tirado por bons cavalos, mas tendo à boléia um cocheiro bêbado (Nelson Hungria, Comentários, vol. 5, p. 135), inadmite combinação com qualquer qualificadora, seja objetiva ou subjetiva.

Aliás, a classificação das qualificadoras, em objetivas e subjetivas, serve apenas para destacar os motivos determinantes dos meios e modos pelos quais o homicídio pode ser cometido. Nas qualificadoras objetivas também há parcela subjetiva.

Por ex., para responder por homicídio qualificado pela traição, emboscada ou dissimulação, clássicas qualificadoras objetivas, é "conditio sine qua non" que o sujeito ativo tenha agido com o propósito de trair, atacando repentina e sorrateiramente a vítima descuidada pela confiança nele depositada, de tocaiar-se, no sentido de fazer-se fisicamente oculto para ter a vítima sob seu domínio, ou de ocultar o elemento moral da conduta, a finalidade homicida, com procedimento falso, que precede à violência, tudo para inibir ou dificultar a defesa.

Para incorrer no homicídio qualificado pelo emprego de meio cruel ou insidioso, igualmente é "conditio" certa dose de sadismo ou fraude da parte do agente.

A qualificadora do meio cruel, embora incluída no inc. III do § 2º do art. 121, do Código Penal, dispositivo este tradicionalmente referido, em sede doutrinária, como hipotizador de qualificadoras objetivas, classifica-se, na verdade, dentre as qualificadoras subjetivas (nesse sentido, Damásio de Jesus, Direito Penal, vol. II).

Subjetiva porque é condição tenha sido o meio cruel previamente escolhido pelo agente, com o fito de infligir padecimento desnecessário ao ofendido. Não é suficiente o dado objetivo da repetição de golpes ou tiros (nesse sentido: Celso Delmanto, CP Comentado, p. 203), exatamente por sua índole subjetiva. Requer deliberação do sujeito ativo, que o elege para impor sofrimento atroz à sua vítima. Revela premeditação e maldade do espírito. Estará configurado se o agente repetir os golpes por sadismo; não, porém, se a repetição decorrer de sua inexperiência ou nervosismo: "Meio cruel. Vinte e uma facadas. Não é contrária à prova decisão que repele qualificadora quando duvidosa a sua existência" (RJTJRGS 135/62). Índole subjetiva porque pressupõe reflexo e cálculo, incompatíveis com a violenta emoção (nesse sentido, Sebastian Soler, referido na RJTJRGS 106/90).

Diga-se o mesmo no tocante à qualificadora do uso de recurso que dificulta ou impossibilita a defesa do ofendido, em que pese sua natureza objetiva.

O Tribunal de Justiça do RGS já decidiu que o privilégio, reconhecido em termos de ação sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, é obviamente incompatível, por incongruência, com a qualificadora que objetivaria essa mesma ação como insidiosa, à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação (RJTJRGS 106/90).

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No mesmo sentido preleciona Heleno Fragoso: "Não será possível conceber o crime praticado sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima, com o emprego de meio insidioso ou à traição, de emboscada ou mediante dissimulação" (Comentários ao Código Penal, vol. V, pág. 523).

O fundamento está no próprio inc. IV do § 2º do art. 121 do CP. O dispositivo apresenta hipótese de interpretação analógica, que é a "busca da vontade da norma através da semelhança com fórmulas usadas pelo legislador" (Julio Fabbrini Mirabete, Manual, vol. I, pág. 58). Após o emprego de casuística fórmula, utiliza fórmula genérica. A casuística está na referência à traição, emboscada e dissimulação. A genérica, na referência a outro recurso qualquer que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido, sendo imperioso que o "outro recurso" tenha a mesma natureza insidiosa das qualificadoras especificadas: "Recurso que torne impossível a defesa da vítima. Tal recurso há de estar na linha ontológica em que se encontra a traição, a emboscada e a dissimulação" (RJTJRGS 127/42). A perfídia que lhe subjaz, e que não se encontra no homem sob o domínio de violenta emoção, é a causa de agravação da pena e sem ela a qualificadora não se caracteriza. "Quem mata sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, não pode fazê-lo insidiosamente, à traição, de emboscada ou mediante dissimulação, porque tratar-se-ia de vingança ou desforço tardio" (Euclides Custódio da Silveira, Direito Penal, pág. 72).

Em igual linha exegética, importante aresto do Supremo Tribunal Federal, inclusive pela autoridade de seu Relator, Min. Evandro Lins: "Não pode coexistir a atenuante do art. 121, § 1º, com as agravantes do art. 44, "d" e "e" do CP. São inconciliáveis o homicídio privilegiado previsto no § 1º e as agravantes do meio cruel e do emprego de recurso que dificulta a defesa da vítima previstos no art. 44, "d" e "e" que qualificam o crime" (RTJ 42/84).

Com a mesma interpretação, do Tribunal de Justiça do Estado, o seguinte julgado:

"O reconhecimento concomitante do homicídio privilegiado pela violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, e o homicídio qualificado pela surpresa. Incompatibilidade manifesta. Doutrina e jurisprudência. Reindividualização da pena" (RJTJRGS 113/179).


Em conclusão, se o agente mata sob o domínio de violenta emoção, de emoção absorvente que ao atingir seu auge reduz quase totalmente a "vis electiva" em face dos motivos e a possibilidade do "self-control"; se mata alguém sob o choque emocional inerente a quem é absorvido por um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação da afetividade; se realiza a ação homicida quando subjugado pelo sistema nervoso da vida vegetativa, em que os motivos inibitórios tornam-se praticamente inócuos freios sem rédea, fazendo-o em um ímpeto quase incontrolável, não reúne, no plano psicológico, a reflexão e cálculo indispensáveis à crueldade e ao emprego de recurso para dificultar ou impedir a defesa.

Sobre o autor
Carlos Otaviano Brenner de Moraes

Participa com seus artigos das publicações do site desde 1999. Exerce advocacia consultiva e judicial a pessoas físicas e jurídicas, numa atuação pessoal e personalizada, com ênfase nas áreas ambiental, eleitoral, criminal, improbidade administrativa e ESG. Foi membro do MP/RS durante 32 anos, com experiência em vários ramos do Direito. Exerceu o magistério em universidades e nos principais cursos preparatórios às carreiras jurídicas no RS. Gerações de atuais advogados, promotores, defensores públicos, juízes e delegados de polícia foram seus alunos. Possui livros e artigos jurídicos publicados. À vivência prática, ao estudo e ao ensino científico do Direito, somou experiências administrativas e governamentais pelo exercício de funções públicas. Secretário de Estado do Meio Ambiente, conciliou conflitos entre os deveres de intervenção do Estado Ambiental e os direitos constitucionais da propriedade e da livre iniciativa; Secretário Estadual da Transparência e Probidade Administrativa, velou pelos assuntos éticos da gestão pública; Secretário Adjunto da Justiça e Segurança, aliou os aspectos operacionais dos órgãos policiais, periciais e penitenciários daquela Pasta.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Carlos Otaviano Brenner. Homicídio emocional: incompatibilidade com qualificadoras objetivas e subjetivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/980. Acesso em: 22 dez. 2024.

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