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Considerações acerca das extorsões realizadas por via telefônica, através da simulação de um seqüestro

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Agenda 27/04/2007 às 00:00

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tudo aquilo que foi exposto diz respeito a apenas uma das novidades autóctones surgidas no mundo do crime, o "disque-seqüestro". Há muitas outras que, a par daquela, hodiernamente vêm assolando a população brasileira. Tal é o caso, por exemplo, das figuras popularmente conhecidas como "arrastão carioca" e "seqüestro-relâmpago".

A verificação do constante surgimento de novas modalidades criminosas, sejam elas locais ou alienígenas, está a evidenciar o contínuo processo de evolução pelo qual vem passando o "mundo do crime". Na medida em que se avança na eficiência das técnicas persecutórias tendentes a coibir uma determinada prática criminosa, surgem diversas outras, em um movimento que retrata a existência de uma espécie de migração dos delinqüentes rumo a algo que seja igualmente lucrativo e menos arriscado.

Não obstante à imprecisão e insuficiência dos dados disponíveis, um bom exemplo desse movimento migratório pode ser verificado através da análise da queda no número de extorsões mediante seqüestro propriamente ditas [04] registradas nos últimos anos, e pelo paulatino aumento do número de "seqüestros-relâmpago" e extorsões perpetradas através de um pseudo--seqüestro ("disque-seqüestro"). A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por exemplo, informa que entre o ano de 2001 e o de 2006 houve, naquele Estado, uma redução de 59,9% no número de ocorrências de tal modalidade de extorsão (Disponível em: http://www.ssp.sp.gov.br/estatisticas/; acesso em 09 de abril de 2007). Já a do Rio de Janeiro informa uma redução de 70% nesse mesmo período [05]. Por outro lado, na Cidade de Curitiba, por exemplo, de acordo com dados fornecidos pelo Ministério Público do Estado do Paraná (Disponível em: http://celepar7cta.pr.gov.br/mppr/noticiamp.nsf/ 9401e882a180c9bc03256d79 0046d022/f886bbf6997fae9903256f18005bd8aa?OpenDocument; acessado em 09/04/2007), entre julho e setembro de 2004, registrou-se um aumento de 275% no número de ocorrências de "seqüestro-relâmpago", em relação com as médias apuradas nos cinco meses anteriores. Apenas no ano de 2005, lá foram formalmente registradas 3240 ocorrências desse crime. Já nos três maiores estados brasileiros, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, apenas no ano de 2006, foram registras sete mil setecentas e sete ocorrências de "disque-seqüestro".

Diante dos dados apontados, surge uma indagação: Qual será a causa daquela drástica queda do número de extorsões mediante seqüestro? Com certeza tal não se deveu ao advento da lei 8072/1990, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, que tanto recrudesceu a resposta penal conferida aos autores desses delitos, porquanto entre o advento dessa norma (1990) e o ano de 2001, o número de registros desse crime só fez aumentar.

Através de uma rápida consulta aos noticiários dos últimos tempos, que não param de relatar o crescente sucesso da ação dos grupos policiais "anti-seqüestro", e bem assim, a constante evolução dos mesmos, tem-se a impressão de que essa queda deve ser atribuída muito mais à evolução das técnicas policiais tendentes a coibir tal prática criminosa, do que a qualquer outro fator. Tudo isso a evidenciar o acerto da máxima segundo a qual o que evita o crime não é a severidade das penas impostas, e sim a certeza da punição.

Por outro lado, tem-se a idéia de que o aumento vertiginoso do número de ações conhecidas como "seqüestros-relâmpago" e "disque-seqüestro" se deu em razão de uma nova escolha realizada pelos criminosos. Sem maiores pretensões de fundo estatísico [06] ou criminológico [07], e até mesmo assumindo-se o risco de errar, advoga-se aqui a idéia de que em razão das crescentes dificuldades enfrentadas para a realização de uma extorsão mediante seqüestro propriamente dita, muitos delinqüentes estão evitando se arriscar nessa audaciosa prática, e optando pelas vias menos ousadas e também bastante lucrativas do "seqüestro relâmpago" e do "disque-seqüestro". Acerca disso, observe-se que data a partir da qual se deu a queda no número de ocorrências daquela prática criminosa parece coincidir, de certa forma, com a do advento destas duas últimas. Conforme já se mencionou, a redução apontada começou a ser verificada a partir do ano de 2002. Por outro lado, as primeiras ocorrências de "seqüestro relâmpago" e "disque-seqüestro" foram registradas, respectivamente, no final da década de noventa, e no ano de 2002.

Verifica-se, desse modo, a existência de uma espécie de dinâmica do crime, regida por forças relacionadas à maior ou menor possibilidade de punição. Quanto mais se avança no sentido de coibir determinada prática criminosa, maior é a tendência de que seus autores contumazes rumem para alguma outra, que implique menores riscos de punição, e seja igualmente vantajosa. Não há, pois, como se esperar que a "guerra contra o crime" tenha um fim. Sempre que o Estado vier a "vencer alguma batalha", logrando relativo êxito na coibição de uma determinada prática criminosa, tal e qual vem ocorrendo em relação à extorsão mediante seqüestro, algumas outras surgirão, como é caso do "disque-seqüestro" e do "seqüestro-relâmpago".

Tudo isso está a evidenciar a permanente necessidade de investimentos humanos e materiais nos órgãos policiais, ministeriais e judiciais, pois que para acompanhar o ritmo de desenvolvimento das práticas criminosas, os mesmos precisarão se submeter a uma constante e acelerada evolução. Por melhores que sejam as leis penais e processuais existentes, a deficiência que venha a ocorrer em qualquer desses três elos do aparelho repressor estatal resultará na "perda de sucessivas batalhas".

Dessarte, ao impulso das considerações acima expendidas, chega-se à conclusão de que no combate ao crime, tal e qual hodiernamente vem sendo afirmado aos quatro cantos, leis penais severas pouco adiantam. Conquanto por vezes se façam necessárias algumas alterações legislativas, a solução do problema está relacionada, antes de mais nada, ao constante trabalho de aprimoramento humano e material dos três elos através dos quais o Estado exerce o seu jus puniedi, quais sejam, as Polícias, o Ministério Público e o Judiciário. E para que sejam obtidos saldos positivos nas sucessivas e infindáveis batalhas que virão, impende, portanto, que todos esses órgãos estatais disponham de um contingente suficiente de profissionais, e que estes sejam adequada e incessantemente preparados, valorizados, fiscalizados e equipados. Isso tudo sem falar na constante necessidade de crescimento econômico e investimentos sociais inteligentes, tendentes a conferir às classes sociais desfavorecidas ao menos a perspectiva de, através do esforço pessoal lícito, ascender economicamente a um patamar social em que se façam presentes os bens materiais imprescindíveis ao resguardo da dignidade humana.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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COSTA JÚNIOR, Paulo José. Comentários ao Código Penal. São Paulo: Saraiva, 1996.

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DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 3. ed. São Paulo: Renovar, 1991.

FRAGOSO, Cláudio Heleno. Lições de Direito Penal – Parte Especial. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. v. 1.

FRAGOSO, Cláudio Heleno. Lições de Direito Penal – Parte Geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

GALVÃO, Fernando; ROGÉRIO GRECO. Estrutura Jurídica do Crime. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999.

HUNGRIA, Nelson e FRAGOSO, Cláudio Heleno. Comentários ao Código Penal. 4. ed. São Paulo: Forense, 1980. v. 7.

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LINHARES, Juliana. Terror pelo telefone. Veja. ed. 1996. São Paulo, p. 38-45, 21 fev. 2007.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1991. V. 1.

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NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 1.


Notas

01 Dificilmente o autor de um dos delitos em questão procuraria atingir a mesma vítima mais de uma vez.

02Concurso material benéfico: "Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste código".

03Limite das penas: O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não poderá ser superior a trinta anos.

04 Como tal entenda-se aquelas marcadas pela existência de ao menos dois sujeitos passivos, e pela manutenção de um deles em cativeiro.

05 Através da base de dados pesquisada, não é possível precisar se tais números se referem tão somente às sobreditas extorsões mediante seqüestro propriamente ditas, ou também àquelas em que se tem apenas um sujeito passivo que sequer chega a ser mantido em cativeiro, popularmente conhecidas como "seqüestros relâmpago".

06 Com base apenas nos dados fornecidos pelas secretarias de segurança pública e congêneres sequer é possível chegar a uma conclusão segura acerca da freqüência com que se dão as práticas injustas em comento. A uma porque é da sabença de todos que uma expressiva parcela das pessoas que são vitimadas por esse crimes não chega a registrar formalmente a ocorrência. A duas porque, conforme mais adiante se demonstrará, a prática entitulada como "seqüestro relâmpago" ora é tida nas estatísticas policiais como extorsão mediante seqüestro, ora é vista como um caracterizadora de um concurso material entre roubo e extorsão mediante seqüestro e ora é classificada como um concurso material entre extorsão e roubo marcado pela privação de liberdade. E finalmente, a três, porque os dados estatísticos criminais, quando efetivamente disponibilizados ao público, no mais das vezes reúnem em um mesmo grupo, por exemplo, todos os crimes violentos contra o patrimônio, ou todos os crimes violentos letais e intensionais, de modo a inviabilizar a necessária distinção.

07De acordo com Israel Drapkin Senderey, a criminalogia como "um conjunto de conhecimentos que estudam os fenômenos e as causas da criminalidade, a personalidade do delinqüente e a sua conduta delituosa e a maneira de ressocializa-lo".

Sobre o autor
Guilherme Eugênio Rodrigues

bacharel em Direito, assessor jurídico com atuação junto à Vara da Fazenda Pública da Comarca de Varginha (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Guilherme Eugênio. Considerações acerca das extorsões realizadas por via telefônica, através da simulação de um seqüestro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1395, 27 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9813. Acesso em: 19 mai. 2024.

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