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Considerações acerca das extorsões realizadas por via telefônica, através da simulação de um seqüestro

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27/04/2007 às 00:00
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A conduta já designada como "disque-seqüestro" adequa-se precisamente à figura típica de que trata o art. 158 do Código Penal, qual seja, o crime de extorsão.

1. NOÇÕES GERAIS

Nos últimos anos vem sendo disseminada no Brasil a prática de uma nova modalidade de extorsão. Trata-se do golpe ironicamente chamado de "disque-seqüestro", que, apenas no ano de 2006, foi registrado sete mil setecentas e sete vezes junto aos órgãos policiais fluminenses, paulistas e mineiros.

Tal espécie de extorsão, como cediço, se dá através de contatos telefônicos através dos quais, simulando-se o seqüestro de um ente querido da vítima, mediante grave ameaça, constrange-se a mesma a perpetrar algum ato capaz de propiciar vantagens econômicas ao sujeito ativo do crime e/ou a terceiros (normalmente exige-se pagamento em dinheiro ou a habilitação de créditos para telefone celular).

Antes aplicada quase que exclusivamente por presidiários, esta prática extorsiva hoje já encontra alguns adeptos extramuros. Apenas setenta por cento das noventa e oito pessoas indiciadas em 2006 pelo crime em estudo fazia parte do contingente penitenciário. Porém, ainda estima-se que mais de noventa por cento das ligações continuem partindo do interior de presídios.

Inspirada em outras espécies de golpes telefônicos criados há aproximadamente cinco anos por sentenciados da penitenciária fluminense Carlos Tinoco da Fonsenca, esta extorsão vem sendo aperfeiçoada de modo a se tornar cada vez mais aterrorizadora. As vítimas que antes quase sempre eram escolhidas de modo aleatório, comumente hoje são escolhidas e pesquisadas de modo percuciente. Atualmente, não raras são às vezes em que o delinqüente, a fim de escolher o momento e o "modus operandi" mais eficazes, antes de desfechar o golpe, colhe informações sobre a vítima, seus parentes, hábitos e rotina, valendo-se previamente de ligações aparentemente inofensivas, ou até mesmo indo a campo, isto é, seguindo-a nalgumas ocasiões. Por incrível que pareça, tamanho é o poder de coativo desses delinqüentes que, segundo estimativas, vinte por cento (20%) das vítimas chegam a efetivamente pagar o falso resgate.

Ligando durante a madrugada, falando rapidamente na terceira pessoa do plural, valendo-se de falsos pedidos de socorro ecoados ao fundo, exigindo valores relativamente baixos e procurando a todo custo impedir que a vítima tente entrar em contato com o ente querido supostamente seqüestrado, estes agentes aumentam sobremaneira o seu "poder de fogo". Especialistas apontam que diversos fatores contribuem para tornar o golpe mais convincente. Talvez o principal deles esteja relacionado com a sensação de insegurança que hodiernamente vige no Brasil, e que se acentua através das coberturas mirabolantes dadas pela imprensa aos crimes mais bárbaros. A fala rápida, durante a madrugada, acompanhada por gritos de socorro ao fundo, prejudica significativamente a capacidade de discernimento da vítima. A afirmação de que a pessoa supostamente seqüestrada terá um fim trágico acaso seu celular venha a tocar, a vítima venha a falar com alguém ou desligue o telefone, faz com que muitas vezes sequer se tente verificar a realidade do seqüestro. Pedidos de "resgate" relativamente baixos (em média, R$ 4.000,00) tornam o golpe mais ágil, de modo a possibilitar que a vítima efetue o pagamento antes de ter tempo para procurar a polícia ou o ente supostamente seqüestrado. A fala realizada na terceira pessoa do plural, dando a idéia de que há mais pessoas envolvidas no crime, aumenta a credibilidade dos dizeres proferidos pelo bandido. E a combinação de tudo isso cria o clima de terror perfeito para o golpe que, dessa forma, muitas vezes se torna suficientemente crível.

O golpe em comento assume diversas roupagens. Na medida em que determinada estratégia passa a ser popularmente conhecida e, por conseguinte, torna-se menos verossímil, criam-se outras. A par daquela dantes mencionadas, na qual se simula um seqüestro, e de suas inúmeras variáveis, outras igualmente aterrorizadoras já são conhecidas. Tem-se notícia de casos em que o agente, através de contato telefônico, afirmando haver sido contratado para seqüestrar e matar a vítima, procura extorqui-la, dizendo que mediante o pagamento de determinadas vantagens econômicas poderá desistir daqueles planos. Há ainda notícia de outras práticas delituosas efetuadas pela via telefônica que, contudo, aproximando-se mais do estelionato do que da extorsão, excedem os limites deste estudo, e, portanto, nele recebem apenas breves menções, em subitem próprio.


2. CAPITULAÇÃO

A conduta que mais acima foi designada como "disque-seqüestro" adequa-se precisamente à figura típica de que trata o art. 158 do Código Penal, aqui transcrito in verbis: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. E o mesmo se diga quanto ao comportamento daqueles que, como já dito, afirmando-se contratados para seqüestrar e matar a vítima, procuram extorqui-la.

Da percuciente análise daquele tipo penal, e em consonância com o abalizado escólio de E. Magalhães Noronha (1998, p. 266) extrai-se que, para a configuração do crime de extorsão, são necessários quatro requisitos: o emprego de um meio coativo (violência ou grave ameaça); o estado de coação do sujeito passivo; a ação ou omissão deste; e o objetivo de obter vantagem econômica indevida. E conforme a partir de agora se demonstrará, todos eles se fazem presentes na conduta sub examine.

No que diz respeito ao emprego de meios coativos, impende inicialmente observar que em momento algum a norma em estudo exige que o agente tenha a real intenção de concretizar o mal prometido, ou que tenha efetiva condição de fazê-lo. Consoante leciona Júlio Fabrini Mirabete (1991, p. 221), a utilização do verbo "constranger" denota claramente que basta que a ameaça realizada seja idônea para subjugar, ao que tudo indica, um homem médio (há julgados que entendem pela necessidade de que a ameaça empregada seja apta para intimidar especificamente o sujeito passivo do crime).

E não há dúvida de que a conduta em comento atende com precisão o requisito ora tratado. Isso porque o delinqüente em questão, ao dizer-se em poder de um ente querido da vítima, e disposto a matá-lo, ou ainda, ao afirmar haver sido "contratado" para matá-la, indubitavelmente se vale de um dos meios de coação a que se refere o tipo penal, qual seja, a grave ameaça. E não se duvide da idoneidade coativa desses meios, pois que, como já dito, se aproximadamente vinte por cento das vítimas dos golpes em questão chegam "a se curvar diante dos criminosos", certamente as técnicas por eles empregadas são no mínimo potencialmente capazes de atingir um homem de diligência média. A esse respeito, aliás, vale observar que se tem notícia até mesmo de um policial civil que recentemente teria caído no golpe, não obstante já o conhecesse bem.

Para a caracterização da extorsão, contudo, não basta que a vítima aja sob coação. Mister é que a ela seja posta em estado de coação, ou seja, venha a agir ou se omitir em função do meio coativo empregado, objetivando, assim, evitar a concretização do mal prometido. Observe-se que razões diversas podem levar uma pessoa sob coação a proporcionar a outra vantagens econômicas. Por exemplo, causas variadas podem levar um pai ceder aos anseios de seu filho, dependente químico, que mediante grave ameaça, exige o numerário necessário para a quitação de dívidas contraídas para a aquisição de drogas. Pode ele agir em razão da grave ameaça, a fim de impedir a concretização do mal prometido, como também pode, sem levar a sério a ameaça, agir por piedade, ou por receio de que a sua prole venha a ser morta por seus credores. Apenas na primeira dessas hipóteses estar-se-á em estado de coação, de modo a permitir a configuração do crime em estudo.

Uma vez realizada essa necessária distinção, resta saber se as vítimas da conduta em testilha, ao cederem aos intentos criminosos de seus coatores, o fazem em real estado de coação. E a resposta a essa indagação, na quase totalidade das vezes, será irrefragavelmente afirmativa, haja vista que na conjuntura em que se dão as condutas ora tratadas, praticamente inimaginável é a existência de outras razões que pudessem levar a vítima a proporcionar aos seus constrangedores a vantagem econômica exigida, máxime se se considerar que, via de regra, inexiste entre os sujeitos passivos e ativos desta infração qualquer relacionamento prévio.

A par dos elementos supra-referidos, a configuração do crime de extorsão exige ainda que a vítima venha a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. E na hipótese vertente, não há dúvida de que tal requisito se faz presente, haja vista que nela exige-se justamente que o sujeito passivo adote determinadas condutas comissivas, normalmente relacionadas com a realização de um pagamento em dinheiro, ou com a habilitação dos créditos necessários à utilização de telefones celulares pré-pagos.

Por fim, para que um comportamento se encaixe dentro dos limites da norma penal aqui abordada, imprescindível é que os comportamentos exigidos da vítima, tal e qual ocorre in casu, se destinem à obtenção de uma vantagem econômica indevida. De inquestionável conotação econômica são as vantagens usualmente exigidas nas práticas aqui tratadas, pois que, como já dito, quando nelas não se exige diretamente o pagamento de um montante em dinheiro, pretende-se o fornecimento de algo que o valha. Igualmente incontestável é o fato de que tais vantagens se mostram indevidas, porquanto exigidas em face de pessoas com as quais não se tem nenhuma relação obrigacional lícita. A eventual existência dessa relação entre os sujeitos da conduta poderá, conforme o caso, afastar a configuração da extorsão, implicando em exercício arbitrário das próprias razões.


3. DISTINÇÃO

A fim de evitar eventuais equívocos que ainda possam pairar sobre a classificação jurídica das condutas em debate, oportuno é sejam apontadas as razões pelas quais não há de se falar, na espécie, em estelionato, roubo ou constrangimento ilegal.

Nas modalidades de extorsão em estudo, o agente, ao simular o seqüestro de um ente querido da vítima, ou dizer-se contratado para matá-la, inquestionavelmente se vale de uma fraude, na medida em que não se encontra em condição de levar a cabo o mal prometido e, no mais das vezes, nem mesmo tem a intenção de fazê-lo (não há seqüestro algum, não foi contratado para nada, na maioria das vezes está preso, e nem mesmo sabe com quem está falando). Daí a similitude existente entre estas condutas e aquelas de que trata o art. 171 do Código Penal.

Contudo, a fraude que aqui é empregada tem uma finalidade ligeiramente diversa. No estelionato, a farsa utilizada age no sentido de viciar a vontade do sujeito passivo do delito, fazendo com que ele, iludido, venha a voluntariamente entregar a coisa. Já nos casos em tela, emprega-se um meio fraudulento voltado a atemorizar a vítima, de modo a obrigá-la a realizar a entrega exigida, contra a sua vontade. Constata-se, pois, que a finalidade mediata das fraudes empregadas num e noutro caso é a mesma, qual seja, a entrega de coisa economicamente apreciável. Já as finalidades imediatas, ao revés, são absolutamente distintas, porquanto ao passo em que na primeira hipótese pretende-se viciar a vontade do sujeito passivo, convencendo-o, na segunda o agente pretende sobrepor sua vontade a do sujeito passivo, subjugando-o.

Tanto nas espécies de extorsão aqui tratadas, quanto em alguns tipos de roubo, obtém-se vantagem indevida, mediante grave ameaça. Entrementes, a forma pela qual tal obtenção se dá em cada uma dessas hipóteses é bastante distinta.

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Considerando que, ao tratar do roubo, o nosso estatuto repressivo emprega o verbo subtrair, constata-se que para a configuração desse crime, o próprio delinqüente deve pegar para si a coisa pretendida, ou ainda, segundo de há muito se tem entendido, exigir que tal coisa lhe seja entregue in continenti pela vítima, de modo a impedir que esta possa optar por um ou por outro comportamento. Vale dizer, no roubo a vantagem injusta pretendida de qualquer forma será alcançada, posto que se por ventura a vítima optar por não entregá-la, o próprio agente irá tomá-la (a decisão da vítima é praticamente irrelevante).

Já ao disciplinar a extorsão, aquele mesmo diploma utilizou o verbo constranger, evidenciando, dessa forma, que em tal modalidade delituosa o comportamento da vítima é que determina a obtenção, ou não, da vantagem almejada. Assim é que, na extorsão, há um lapso temporal entre o ato por meio do qual o agente exige da vítima a adoção de um determinado comportamento, e o momento em que o proveito econômico colimado será alcançado. E é justamente esse lapso que confere à vítima um certo poder decisório, isto é, a faculdade se submeter à vontade do coator, ou insurgir-se contra a mesma, assumindo o risco de que o mal prometido venha a ser concretizado. Nota-se, pois, que na extorsão a obtenção ou não da vantagem econômica pretendida dependerá de uma escolha da vítima, porquanto se por ventura ela vier a resistir aos comandos daquele que a constrange, este não terá condição de, de per si, auferir de logo a vantagem que pretende.

Sendo assim, e considerando que tanto na conduta aqui entitulada como "disque-seqüestro", quanto nos supramencionados casos em que o sujeito ativo se faz passar por um matador contratado para exterminar a vítima, confere-se a esta um considerável poder de decisão, nos moldes daquele explicitado no parágrafo anterior, verifica-se que tais condutas, estremando-se do crime de roubo, se amoldam precisamente àquela descrita no art. 158 do Código Penal.

Assim como ocorre no constrangimento ilegal, na extorsão há uma ofensa à liberdade pessoal que se perfaz mediante violência ou grave ameaça. Porém, a ofensa realizada em cada uma dessas infrações destina-se a fins completamente distintos. Ao passo em que na extorsão pretende-se uma vantagem econômica ilícita, no constrangimento ilegal são almejados fins diversos, não inseridos nos demais tipos penais que se perfazem através de um constrangimento (estupro, atentado violento ao pudor, concussão, exercício arbitrário das próprias razões etc.). Trata-se, pois, de um crime subsidiário, de um verdadeiro soldado de reserva.

Com efeito, considerando que tanto quando se simula um seqüestro, nos moldes anteriormente explicitados, quanto quando se exige o pagamento de uma determinada quantia como condição para que a vítima não venha a ser assassinada, se tem em vista a obtenção de uma vantagem economicamente apreciável, não há falar-se, na espécie, em constrangimento ilegal, mas sim em extorsão. Em tais hipóteses, a prática daquele crime fica afastada pela aplicação do princípio da subsidiariedade.


4. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O momento em que se dá a consumação do delito de extorsão é por demais controvertido. Alguns, dentre os quais E. Magalhães Noronha (1998, p. 272) e Cláudio Heleno Fragoso (1976, p. 342), sustentando tratar-se de crime material, entendem que sua consumação só ocorre quando há a obtenção do proveito injusto, isto é, quando o sujeito ativo do delito passa a ter a posse tranqüila da coisa. Já Nelson Hungria (1980, p. 74/75), Júlio Fabrini Mirabete (1991, p. 222), Damásio Evangelista de Jesus (1979, p. 340), Celso Delmanto (1991, p. 281) e Paulo José da Costa Júnior (1996, p. 482), tendo-o como crime formal, sustentam haver consumação a partir do momento em que o sujeito passivo do crime se curva diante do ativo, fazendo, deixando de fazer ou tolerando que se faça alguma coisa. Vêem, pois, a obtenção ou não daquele proveito como ato de mero exaurimento do crime, a ser considerado apenas no primeiro momento da dosimetria da pena.

Verifica-se, pois, que conforme se adote uma ou outra corrente, ter-se-á como consumados os crimes em comento a partir do momento em que a vítima, respondendo aos comandos do delinqüente, vier a tomar as atitudes tendentes a conferir ao mesmo a vantagem patrimonial exigida, ou tão somente quanto tais vantagens vierem a ser efetivamente auferidas. Note-se que em entre cada uma dessas hipóteses há uma significativa diferença, porquanto perfeitamente possível é que, não obstante à tomada daquelas atitudes, o sujeito ativo destes ilícitos não venha a alcançar a vantagem esperada. Tal pode se dar, por exemplo, quando a vítima vem a efetivamente habilitar em favor do infrator presidiário os créditos telefônicos exigidos, mas este sequer chega a desfrutar do produto de seu crime, em razão da apreensão de seu telefone celular, durante uma vistoria policial realizada em sua cela momentos antes daquela habilitação de créditos.

Uma outra conseqüência relevante decorre daquele dissentimento doutrinário. Se se entender que os crimes sobre os quais ora se discorre são materiais, ter-se-á que aquele que, por exemplo, após a realização do constrangimento da vítima, vier a atuar tão somente para apanhar o dinheiro que por ela foi deixado em um local previamente determinado responderá pelo crime, como partícipe ou co-autor, conforme se aplique, respectivamente, no que diz respeito ao concurso de agentes, o critério objetivo-formal ou o objetivo-subjetivo, também conhecido como teoria do domínio final do fato. Por outro lado, acaso se tenha aqueles crimes como formais, por eles o referido agente não responderá, na medida em que sua atuação será tida como posterior ao momento consumativo. Não haverá falar-se, pois, em concurso de agentes, mas sim em crime autônomo de favorecimento real (art. 349 do Código Penal).

Desse modo, à guisa de conclusão, observa-se que, de acordo com posição que vier a ser adotada pelo interprete, considerar-se-á como tentado ou consumado o crime nas hipóteses em que, não obstante a vítima já tenha cedido aos comandos de seu coator, às vantagens disponibilizadas ele não chega a ter acesso efetivo, assim compreendido, como já dito, aquele caracterizado pela posse tranqüila da coisa. Lado outro, independentemente da posição doutrinária empregada, tem-se que os crimes em tela são apenas tentados sempre que a vítima, percebendo a inveracidade dos dizeres proferidos pelo delinqüente, não se intimida com as ameaças proferidas e, por conseguinte, não chega a efetuar o pagamento exigido.


5. CAUSAS ESPECIAIS DE AUMENTO DE PENA

Nos dois parágrafos do art. 158 do Código Penal são previstas diversas hipóteses de aumento de pena. Contudo apenas uma delas parece interessar ao presente estudo. Trata-se da relacionada ao cometimento do crime por duas ou mais pessoas. As demais majorantes, dizendo respeito apenas às hipóteses em que há violência real ou o emprego de armas, são incompatíveis com as modalidades de extorsão ora abordadas, porquanto as mesmas, como já visto, são perpetradas por meio telefônico, e, portanto, incompatível com o emprego de armas, e apenas com a utilização de violência ficta, ou seja, de grave ameaça.

Ao tratar da majorante em comento, valendo-se de uma fórmula diversa da empregada nos arts. 155 e 157 do Código Penal, o legislador se referiu ao crime cometido por duas ou mais pessoas, e não ao perpetrado em concurso de agentes. E disso decorre uma significativa diferença. No roubo e no furto, para a incidência da majorante, basta que haja mero concurso de agentes, ou seja, tendo-se como base, na distinção entre participação e co-autoria, o critério objetivo-formal, suficiente é que duas ou mais pessoas concorram de qualquer modo para o crime, quer como co-autoras, quer de modo que a atuação de uma possa ser vista como um mero ato de participação em relação à conduta da outra. Lado outro, no crime de extorsão, para que a pluralidade de agentes possa implicar em aumento de pena, mister é que ao menos dois deles tenham praticado o ato executivo do delito, ou seja, tenham constrangido a vítima, ostentando, dessa forma, ainda segundo o reportado critério objetivo-formal, a condição de co-autores do injusto.

Assim é que aos crimes em comento só será aplicada a majorante supracitada acaso dois ou mais agentes venham a participar efetivamente das conversas telefônicas por meio das quais se procura constranger a vítima. E tal se dá com bastante freqüência, haja vista que, como se disse alhures, não raras são às vezes em que, enquanto um agente conversa com a vítima no telefone, outro, passando-se pelo ente querido seqüestrado, grita ao fundo por socorro, dizendo estar sendo submetido às mais terríveis crueldades. Isso sem falar na possibilidade de que dois ou mais agentes venham a efetivamente a conversar com a vítima, a fim de transmitir a idéia de que o pseudo-seqüestro foi perpetrado por diversas pessoas. Ao revés, não incidirá a causa especial de aumento de pena em debate quando, por exemplo, um dos dois agentes envolvidos no crime vier a atuar apenas no sentido de colher informações sobre a família da vítima, ou recolher o valor do resgate exigido.

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Sobre o autor
Guilherme Eugênio Rodrigues

bacharel em Direito, assessor jurídico com atuação junto à Vara da Fazenda Pública da Comarca de Varginha (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Guilherme Eugênio. Considerações acerca das extorsões realizadas por via telefônica, através da simulação de um seqüestro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1395, 27 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9813. Acesso em: 23 abr. 2024.

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