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Existem limites para o princípio da autodeterminação coletiva da vontade?

Reflexões sobre as cláusulas que prevêem a tolerância na marcação do ponto, refletindo sobre a jornada de trabalho

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Agenda 01/05/2007 às 00:00

RESUMO: Pretende o presente trabalho discutir a validade e eficácia das cláusulas instituídas em negociação coletiva, seja através de convenções coletivas de trabalho, seja através de acordos coletivos, prevendo a existência de uma tolerância na marcação do ponto, tolerância esta superior ao limite estabelecido no artigo 58, §1º da CLT. Esta tolerância tanto pode ser aplicada para relevar atrasos dos empregados, como para relevar a dilação da jornada exigida pelo empregador, de modo que, dependendo do tempo destinado à mesma, pode haver significativa alteração na quantidade da jornada diária. Para tanto, pretende-se analisar a existência ou não de limites para o princípio da autodeterminação coletiva e sua aplicação frente ao princípio da norma mais favorável ao trabalhador. Através do método dialético, buscou-se embasamento teórico na legislação celetista, constitucional, na doutrina e, ainda, nas decisões jurisprudenciais recentes a respeito do tema.

Palavras-chave: horas extras, tolerância, princípios de direito do trabalho, flexibilização.


1.Princípios de direito do trabalho: fundamento e aplicabilidade

Os princípios gerais de direito são, em quase todos os sistemas jurídicos, fontes subsidiárias de direito. No Brasil, a Lei de Introdução ao Código Civil traz previsão nesse sentido: "Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito."

Por sua vez, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 8º menciona a necessidade de observância aos princípios, ao estatuir que:

As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Na definição do que são princípios, cabe lembrar as palavras de Plá Rodriguez, na clássica obra do mestre uruguaio a respeito do tema. Para ele princípios são "linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver casos não previstos" [01] Ou, como afirma Camino, "o princípio traduz um ideologia pautada por valores." [02]

Dentre os princípios específicos do Direito do Trabalho, o princípio da proteção ao trabalhador destaca-se como princípio norteador de todos os demais, uma vez que orienta pela interpretação mais favorável ao obreiro, na tentativa de equilibrar a relação formada entre o empregador, detentor dos meios de produção, e o empregado, hipossuficiente. Conforme Camino:

Esse princípio traduz a premissa de que se deve favorecer aquele a quem se pretende proteger. Tal leva a uma constatação de unilateralidade do direito do trabalho, expresso na intenção deliberada de tutelar o hipossuficiente na relação com o capital. [03]

Do mencionado princípio da proteção nascem outros que, nas palavras de Süssekind, "dele são filhos legítimos" e que são:

a) o princípio in dubio pro operario, que aconselha o intérprete a escolher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a mais favorável ao trabalhador, desde que não afronte a nítida manifestação do legislador, nem se trate de matéria probatória;

b) o princípio da norma mais favorável, em virtude do qual, independentemente de sua colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, aplica-se, em cada caso, a que for mais favorável ao trabalhador;

c) o princípio da condição mais benéfica, que determina a prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador, ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes do regulamento de empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma jurídica imperativa prescrevendo menor nível de proteção e que com esta não sejam compatíveis;

d) o princípio da primazia da realidade, em razão do qual a relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contratantes, ainda que sob capa simulada, não correspondente à realidade;

e) os princípios da integralidade e da intangibilidade do salário, que visam protegê-lo de descontos abusivos, preservar sua impenhorabilidade e assegurar-lhe posição privilegiada em caso de insolvência do empregador. [04]

Ainda oriundo dos estudos do jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez, evidencia-se o princípio da autodeterminação coletiva, também chamado de princípio do coletivo [05]o qual, segundo Rosário, citada por Nascimento:

evidencia a orientação geral do direito do trabalho para valorizar uma componente coletiva ou de grupo nos fenômenos laborais coletivos e no vínculo de trabalho, justificando que o trabalhador e o empregador sejam considerados não tanto como indivíduos mas, sobretudo, enquanto membros dos grupos com os quais se relacionam, por efeito do contrato de trabalho ou da qualidade de trabalhador subordinado e da qualidade de empregador. [06]

Trata-se de um princípio valorizador da negociação coletiva, fundamentando o fato de que as partes podem, coletivamente, enquanto membros de seus respectivos sindicatos das categorias econômica e profissional, instituir regras aplicáveis exclusivamente aos membros daquela coletividade. Entretanto, a negociação não pode ocorrer de modo absoluto, dispondo de direitos irrenunciáveis pelo trabalhador, sendo necessária a observância dos limites constitucionais dessa negociação, além da observância aos demais princípios de direito do trabalho, especialmente os acima delineados, como o princípio da norma mais favorável ao trabalhador.

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Cabe lembrar que o direito do trabalho de alguns países admite a derrogação in pejus de normas legais pelas convenções coletivas de trabalho "como mecanismo de valorização das negociações coletivas e da autonomia coletiva dos particulares no sistema de direito do trabalho." [07] Nesse sentido, deve-se analisar as exceções abertas pela Constituição Federal de 1988 para a possibilidade de alteração de norma legal via negociação coletiva, de modo a estudarmos da aplicabilidade do princípio do coletivo no Brasil e, especialmente, da possibilidade de aplicá-lo para instituir tolerância superior à prevista no artigo 58, §1º da CLT para cada marcação do ponto.


2.Da instituição de tolerância na marcação do ponto em acordo ou convenção coletiva com base no princípio da autodeterminação coletiva da vontade

A Constituição Federal estabelece algumas exceções nos direitos por ela previstos, admitindo a negociação coletiva em algumas situações, como a prevista no inciso VI do artigo 7º, que admite acordos de redução salarial, bem como as previstas nos incisos XIII e XIV do mesmo artigo, que admite alteração da jornada de trabalho, salvo acordo ou convenção coletiva.

Cabe uma análise mais detalhada em relação a estas duas últimas situações. No inciso XIV, dispõe a Constituição Federal dentre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais:

XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.

Pelo disposto, verifica-se que o legislador constituinte possibilitou que a jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento fosse flexibilizada, isto é, fosse disposta de maneira diversa, se houver previsão em acordo ou convenção coletiva.

Outra é a situação do inciso XIII do artigo 7º, o qual dispõe:

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Neste aspecto, a Constituição Federal também prevê a possibilidade de negociação coletiva mas, diferentemente do inciso XIV, estabelece esta possibilidade para fins de compensação de horários e redução da jornada e não pura e simplesmente para alteração da jornada ou acréscimo da mesma.

É justamente neste ponto que reside o questionamento do presente trabalho. Se a Constituição Federal prevê a possibilidade de compensação ou redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva, é possível prever-se mediante negociação coletiva a instauração de tolerância para marcação do ponto, em tempo que, acrescido à jornada normal do empregado, vem extrapolar os limites constitucionais da mesma? Trata-se de critério legal, sob o ponto de vista do direito objetivo do trabalho, aqui entendido com todas as suas regras, normas e princípios?

A questão toma ainda mais vulto se lembrarmos que a norma celetista, no capítulo destinado à duração do trabalho, estabelece o seguinte critério para cômputo da jornada de trabalho.

Art. 58. A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

§1º Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários.

O parágrafo primeiro do artigo 58 da CLT foi acrescentado à mesma pela Lei nº 10.243, de 19/06/2001, na tentativa de encerrar as discussões entre aqueles que defendiam que o cômputo da jornada de trabalho deveria ocorrer minuto a minuto e os defensores de que deveria haver uma tolerância a cada marcação do ponto, por ser impossível que todos os empregados de uma mesma empresa registrassem o horário de entrada e saída no mesmo momento.

Trata-se de construção jurisprudencial, uma vez que o assunto foi amplamente debatido nos tribunais, que normalmente fixavam o limite de cinco minutos a cada marcação do ponto como tolerância para o cômputo da jornada de trabalho. O próprio Tribunal Superior do Trabalho adotou esta posição na Orientação Jurisprudencial nº 23 da SDI, posteriormente consolidada na Súmula 366, de modo que este critério acabou por ser positivado através da lei acima mencionada.

Sendo assim, ao analisarmos a instituição de tolerância superior a cinco minutos por marcação (há acordos ou convenções coletivas prevendo tolerâncias superiores a 12 minutos), deve-se considerar não só a possibilidade de flexibilização da jornada prevista na Constituição Federal, mas também o critério estabelecido pelo legislador celetista, lembrando sempre que a Constituição prevê a possibilidade de compensação ou diminuição da jornada de trabalho, mas silencia a respeito de seu elastecimento, ainda que mediante negociação coletiva.

Trata-se de discussão bastante presente nos tribunais do trabalho, verificando-se decisões e argumentos favoráveis a ambas as situações. O Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região tem firmado posicionamento no sentido de que tal tolerância não pode ser admitida, uma vez que extrapola os limite legais, constituindo-se em verdadeira forma de elastecimento da jornada, sem o respectivo pagamento como jornada extraordinária. Apenas a título de amostragem, cita-se a seguinte decisão, oriunda da 1ª Turma daquele Tribunal:

HORAS EXTRAS. LIMITE DA TOLERÂNCIA DE VARIAÇÕES DOS REGISTROS NO CÔMPUTO DAS HORAS LABORADAS. ARTIGO 58, PARÁGRAFO 1º, DA CLT. Ineficácia das normas coletivas dispondo não serem extraordinários até 12,5 minutos antes do início dos turnos, registrados nos cartões-ponto. Infração à norma de ordem pública contida no artigo 58, parágrafo 1º, da CLT. Os poucos minutos anteriores e posteriores ao momento próprio para registro do horário no cartão-ponto, apenas quando não excedentes de cinco, devem ser desprezados no cômputo da jornada. Verificadas diferenças de horas extras em favor do reclamante. Provimento negado. [08]

Do corpo de referido acórdão, destacam-se as palavras do Eminente Relator:

Afigura-se cristalino que a Lei nº 10.243/2001 contempla a flexibilização do Direito do Trabalho que, insistentemente, a Jurisprudência dos Tribunais já vinha acolhendo, excepcionando a norma geral definidora do tempo de serviço efetivo estabelecida no artigo 4º da CLT, que é de ordem pública. Tal exceção tem, portanto, interpretação restritiva.

Note-se que a cláusula normativa em questão amplia a tolerância estabelecida na norma legal, beneficiando o empregador, ao consagrar a possibilidade da não-contraprestação pecuniária de até 12,5 minutos de trabalho, antes do início e após o término da jornada.

As regras de hermenêutica determinam a prevalência das fontes de direito heterônomas (lei) sobre as autônomas (norma coletiva), somente havendo cogitar da subversão de tal hierarquia quando estas são mais benéficas do que aquelas. São pertinentes, a respeito, as palavras de Octávio Bueno Magano acerca da norma mínima e da norma mais favorável: "O critério da norma mínima significa que a hierarquicamente superior não pode ser substituída pela inferior, em prejuízo do trabalhador; o da norma mais favorável, quer dizer prevalência da norma mais favorável, independentemente de sua hierarquia" (in Manual de Direito do Trabalho - Parte Geral, 4ª Edição, SP, LTr, 1980-91, 7 pág. 120). [09]

Em sentido contrário, a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no entanto, decidiu recentemente pela validade de referidas normas coletivas, conforme se verifica da ementa a seguir transcrita:

CRITÉRIO DE APURAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. DESCONSIDERAÇÃO DE MINUTOS ANTERIORES E POSTERIORES À JORNADA. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. Diante da previsão em norma coletiva da tolerância para a marcação do ponto de quinze minutos antes do início e dez após o término dos turnos, não há como reconhecer a ilegalidade da cláusula coletiva, na esteira do art. 7º, XXVI, da Carta Magna, em razão da prevalência da negociação coletiva, que deve ser apreciada em sua totalidade, segundo o critério de concessões recíprocas. Recurso desprovido. [10]

Assim, com base no princípio da autodeterminação coletiva e invocando o disposto no artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, a jurisprudência do Tribunal Superior já revê o disposto na Súmula 366 daquele tribunal, posteriormente positivado no artigo 58, §1º da CLT, para reconhecer como válida a instituição, mediante negociação coletiva, de cláusulas que prevêem a aplicação de um critério diferenciado para o cômputo da jornada, mediante a tolerância de tempo superior a cinco minutos para cada marcação do ponto, sem que este tempo seja considerado à disposição do empregador.

Parece-nos preocupante esta posição adotada por alguns julgadores, especialmente porque se está diante de uma nova forma de flexibilização do direito do trabalho, independentemente de se considerar a hierarquia das fontes do direito ou ainda a aplicação do princípio da norma mais favorável ao trabalhador que, a nosso ver, deve prevalecer sobre o princípio da autodeterminação coletiva da vontade, porque respaldado em um princípio maior, o da proteção.


3.Princípio da autodeterminação coletiva da vontade frente ao princípio da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador: uma discussão pertinente

Dentro do tema ora proposto, cabe agora discutir da aplicação ou não das normas coletivas que prevêem tolerâncias na marcação do ponto superiores ao critério estabelecido pela norma celetista, a partir da aplicação de dois princípios de direito do trabalho. Aqueles que defendem que o disposto em convenção coletiva de trabalho deve ser aplicado, ainda que contrarie o disposto em lei, invocam, como se viu, a aplicação do princípio da autodeterminação coletiva da vontade. Já os que defendem a inaplicabilidade das mencionadas cláusulas, em razão do previsto no artigo 58, §1º da CLT, invocam o princípio da norma mais favorável ao trabalhador e ainda o princípio da condição mais benéfica. Trata-se de questão hermenêutica e extremamente pertinente diante da sombra da flexibilização que acompanha o direito do trabalho nos últimos anos.

Com efeito, ainda que a flexibilização não seja o tema central deste trabalho, ela se encontra implícita, à medida que se reconhece a possibilidade de modificar conteúdos protetivos, ainda que através de acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Há que se ter especial cuidado neste sentido, pois ainda que gozem as partes, por força do princípio da autodeterminação coletiva da vontade, de liberdade de negociação para instituir novas e melhores condições de trabalho, não se pode, por força do princípio coletivo, criar condições menos benéficas ao trabalhador, principalmente quando se sabe que, em razão de crises econômicas, ameaça de desemprego, períodos de recessão, dentre outros fatores, os sindicatos profissionais muitas vezes necessitam abrir mão de direitos elementares, como é o caso do limite da jornada de trabalho, para obter vantagens como reajuste salarial ou, o que é mais importante, manutenção do emprego da categoria profissional.

Assim, além da questão hermenêutica, é necessário reconhecer a existência destes conflitos, os quais influenciam e condicionam a aplicação do direito. Não se trata de anular ou invalidar o princípio da autodeterminação coletiva, mas de aplicá-lo dentro dos limites estabelecidos pelo princípio norteador de todo o direito do trabalho, o protetivo.

Conforme entendimento adotado pela 1ª Turma Julgadora o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, em acórdão da lavra o Exmo. Juiz José Felipe Ledur, prolatado no processo nº 00520-2005-771-04-00-8, publicado em 07.3.2006: "O princípio da autodeterminação coletiva encontra seu limite no respeito à hierarquia das fontes formais do direito do trabalho, em que prevalece a lei sobre a norma coletiva, não podendo esta restringir direitos dos trabalhadores para além das restrições expressamente autorizadas pela CF/88."

Nesse sentido nos ensina Carmen Camino:

O princípio da autodeterminação coletiva não deverá, contudo, ser erigido a princípio fundamental. Este deverá continuar sendo o da proteção, enquanto concebido, o direito do trabalho, como instrumento regulador da paz social. Esse princípio somente será superado se o Estado abdicar de tal dever e, no caos social que daí, certamente, resultar, ele próprio sucumbir, ou se restarem superadas as diferenças sociais que justificam a existência de um direito tutelar. [11]

Aliás, a ilustre doutrinadora entende inclusive que a autodeterminação coletiva não constitui um princípio e sim que a autodeterminação é mera conseqüência da concretização do princípio da proteção "que, no caso, instrumentaliza-se como autoproteção." [12] Assim, orientado pelo princípio da proteção, pode-se dizer que o princípio da autodeterminação coletiva existe justamente para criar condições mais benéficas ao trabalhador e não o contrário, como ocorre na estipulação de tolerâncias excessivas na marcação do ponto, as quais extrapolam o limite constitucionalmente estabelecido para a jornada de trabalho.

Nesse sentido, somos de entendimento de que deve prevalecer a aplicação do princípio da norma mais favorável ao trabalhador, o qual, nas palavras de Sérgio Pinto Martins, pode ser dividido de três maneiras:

a) a elaboração de norma mais favorável, em que as novas leis devem dispor de maneira mais benéfica ao trabalhador. Com isso, se quer dizer que as novas leis devem tratar de criar regras visando à melhoria da condição social do trabalhador; b) a hierarquia das normas jurídicas: havendo várias normas a serem aplicadas numa escala hierárquica, deve-se observar a que for mais favorável ao trabalhador. (...) c) a interpretação da norma mais favorável: da mesma forma, havendo várias normas a observar, deve-se aplicar a regra mais benéfica ao trabalhador. [13]

Ora, em existindo lei (no caso, o artigo 58, §1º da CLT) estabelecendo tolerância para a marcação do ponto (o que por si só já constitui uma espécie de flexibilização, já que o artigo 4º da norma celetista considera como tempo de serviço efetivo "o período em que o empregado esteja à disposição do empregador"), como possibilitar que tolerâncias maiores sejam estabelecidas, de modo a elastecer ainda mais a jornada de trabalho? E não podemos olvidar que o legislador constitucional previu apenas a compensação da jornada de trabalho e não sua desconsideração ou acréscimo através de negociação coletiva.

O artigo 58, §1º da CLT é norma cogente, imperativa e como tal deve ser aplicado a menos que, por força do princípio da autodeterminação coletiva, sejam estabelecidas condições mais benéficas aos trabalhadores. Caso contrário, por que se aceitar este acréscimo à jornada de trabalho (afinal, se estabelecida uma tolerância de 15 minutos por marcação, o que de fato vem ocorrendo, ao final do dia o empregado poderá ter trabalhado uma hora além da jornada normal, sem nada receber por isto)?

Trata-se, sem dúvida de uma condição maléfica ao empregado, razão pela qual se entende que a mesma não pode ser acatada por nossos Eméritos Julgadores, sob pena de caminharmos para o reconhecimento de um direito do trabalho mínimo, distante de seus princípios fundamentais e de grande parte dos direitos até então conquistados.

Sobre a autora
Fernanda Pinheiro Brod

advogada em Lajeado (RS), professora no Centro Universitário Univates, mestre em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BROD, Fernanda Pinheiro. Existem limites para o princípio da autodeterminação coletiva da vontade?: Reflexões sobre as cláusulas que prevêem a tolerância na marcação do ponto, refletindo sobre a jornada de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1399, 1 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9819. Acesso em: 22 dez. 2024.

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