As relações familiares sempre foram tema de normas muito precisas, no decorrer da evolução da civilização humana, seja no Ocidente, seja no Oriente.
Disso, temos, no subconsciente da sociedade a ideia cristalizada de família e todas as implicações surgidas, dela, como o dever ao amparo, o dever de acolhimento e, mais especialmente na relação entre pais e filhos, o dever de cuidar, proteger, educar, dentre outros.
Contudo, em nenhum ordenamento há qualquer menção ao dever de nutrir emoções tais como o carinho e o amor, entre os entes familiares.
Seguindo esta linha, a doutrina e a jurisprudência do País, não admitiam a possibilidade de se pleitear um pedido de indenização, entre pais e filhos, com relação ao abandono afetivo, pelo simples fato de que tal figura jurídica seria inexistente.
As obrigações legais dos pais para com os seus filhos seriam de cunho material, tais como promover a educação formal, acadêmica, e prover os meios de subsistência digna. As relações de afeto ficavam adstritas ao mundo da concepção moral das relações de parentesco, não podendo ser exigidas, em Juízo.
A ideia por trás desta concepção das relações familiares repousava na máxima ninguém pode ser obrigado a amar. De fato, as emoções possuem a sua origem no íntimo do ser humano e impô-las retiraria o seu elemento básico de surgimento: a espontaneidade.
Ainda se concebia a ideia de que, como resultado da separação de um casal, o genitor que não morasse com os filhos os visitaria.
Com base nisso, o Judiciário negava qualquer responsabilidade emocional e, consequentemente, a existência da figura do dano reparável, nos casos em que os pais não provinham o suporte afetivo aos seus filhos.
A concepção das relações familiares, pela Justiça, ainda repousava ancorada na ideia familiar advinda do Direito Romano, de base meramente patrimonial, com um toque moral, quanto à preservação da honra e integridade da família.
Ou seja, tínhamos, até pouco tempo, uma concepção das relações familiares baseadas em preceitos milenares, praticamente sem nenhuma alteração, apenas, meras atualizações para uma melhor acomodação destes princípios ao modus vivendi da sociedade, no passar do tempo.
Mais recentemente, o Judiciário passou a encarar os vínculos entre pais e filhos pela ótica afetiva, considerando que o carinho, o cuidado e a atenção fariam parte da formação da criança e do adolescente, como seres humanos psicologicamente sadios.
Esta abordagem surge da preocupação, no campo da ciência, com pesquisas realizadas no campo da inteligência emocional, da estabilidade das ações dos indivíduos em sociedade em prol do seu papel no desenvolvimento da comunidade onde reside.
Ao enxergar as relações entre pais e filhos além da relação meramente material, alguns magistrados passaram a conceber o dever de convivência como um elemento indispensável à formação psicoemocional da criança e do adolescente, criando-se, dessa forma, um dever dos pais em fornecer tal suporte afetivo.
Daí, alterou-se a velha ideia de que o genitor que não morasse com os filhos, os visitaria. Não! Os períodos que este passasse com eles, não poderia ser mais concebido como mera visita, mas, sim, como convivência familiar, posto que o divórcio põe fim, apenas, ao casal, sem desfazer os laços familiares existentes.
Tivemos, neste processo, julgados em Estados considerados conservadores, como no caso de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, com revezes destas decisões, em sede recursal, no Superior Tribunal de Justiça, baseada naquela antiga concepção cristalizada face às relações familiares.
Contudo, em uma decisão proferida pela Ministra Nancy Andrighi, foi reconhecida a real natureza da questão: não se discutia o dever de amar de um pai para com um filho, por absoluta impossibilidade de tal feito; antes de tudo se reconhecia o dever de cuidar, o que implica na presença, na atenção e, consequentemente, no suporte emocional em favor da criança e do adolescente.
Podemos observar que o dever de cuidar engloba os antigos elementos relativos à promoção da educação formal e dos meios de subsistência. Porém, ele vai além, reconhecendo o ser humano como ser emocional, posto que de nada serve estar bem-educado, alimentado e vestido, se não houver um bom desenvolvimento emocional que permita à criança ser um adulto ativo, produtivo, e com uma atuação positiva, com relação a si e aos demais membros da sociedade,
Os períodos de convivência entre os filhos e os seus pais, passaram a ser encarados como elemento essencial na sua formação pessoal, tão importante quanto o amparo educacional e alimentar.
O dever do cuidado com os filhos se manifesta nos contatos contínuos, na atenção dispensada à criança e ao adolescente, ou seja, na manutenção da convivência que se possuía, antes da separação do casal, em prol da manutenção dos laços afetivos familiares.
A não observância deste dever dos pais para com seus filhos desenvolveu a concepção da sua infração a qual veio a ser denominada abandono afetivo. Na ocorrência, deste, buscou-se na figura do dano moral, um meio de reparação, por aplicação dos dispositivos legais já existentes, por meio da indenização.
Devemos ter o cuidado de não considerar a indenização pelo abandono afetivo, como uma precificação do amor. Longe disso, a penalização pecuniária do genitor que abandona os seus filhos possui um condão meramente pedagógico, chamando a sua atenção para um dever basilar, o qual nunca deveria ter sido descuidado.
Não se busca, com a condenação por abandono afetivo, contra um genitor, que este venha a amar seus filhos, se interessando de modo repentino pelo seu crescimento como ser humano. A intenção é impor-lhe uma reflexão em seu papel como pai ou mãe, no todo que isso representa em relação ao desenvolvimento daqueles de quem deve cuidar, em favor da sua dignidade.