7. ESPÉCIES DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS NA ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA BRASILEIRA E MARANHENSE.
A evolução da sociedade vem fomentando inúmeras mudanças em todos os setores das relações humanas. É natural, por conseguinte, que o direito notarial e registral brasileiro, venha se adequando, ao longo dessas transformações sociais, para atender às demandas que a existência humana necessita para a convivência harmoniosa e pacífica em comunidade.
Para a consecução dos fins desejados pelos usuários dos serviços registrais e notariais, é indispensável que os delegatários possuam qualificação compatível com as exigências dos consumidores, posto ser sabido que essa circunstância requer amplo conhecimento jurídico não somente de disciplinas da área do direito privado, tais como o direito das obrigações e contratos, o direito de família e sucessões, bem assim do direito empresarial, mas também e, principalmente, do direito público, do direito tributário, dos direitos urbanístico, agrário e ambiental.
O nosso ordenamento jurídico evoluiu e essa transformação outorgou às serventias extrajudiciais, por meio da legislação vigente, competências de matérias que antes tinham o caráter essencialmente judicial, propiciando o auxílio de resolução de conflitos e trazendo celeridade aos procedimentos. A esse respeito, Rogério Portugal Bacellar31 apostila que:
“São os cartórios os grandes responsáveis pela atribuição da segurança jurídica nos negócios e nos atos jurídicos da população. A aquisição de direitos e deveres se dá por meio dos registros realizados nos cartórios. Um exemplo simples e prático é o registro de imóveis que garante a um comprador que o imóvel negociado por ele realmente pode ser comercializado.”
O ordenamento jurídico brasileiro atual indica ou classificaa 5 (cinco) espécies de serventias extrajudiciais, cada uma delas com atribuições totalmente distintas,que não devem ser confundidas. Essa divisão de atribuições é mais visível nas grandes cidades, porque o número de Cartórios é maior, havendo a necessidade da criação de diversos ofícios com uma mesma ou diversa atribuição.
Todavia, nas cidades com menor densidade populacional é comum a presença de Cartório de ofício único acumular diversas competências. Este último caso se dá principalmente com a expansão dos serviços cartorários em que o delegatário concursado é designado para um município que não possui cartório e recebe a incumbência de instalar a serventia extrajudicial.
A Lei n.º 8.935/94 (LNR) relaciona em seu art. 5.º, caput, sete espécies de titulares de serviços notariais e de registro, a saber:
Art. 5.º Os titulares de serviços notariais e de registro são os:
I - tabeliães de notas;
II - tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos;
III - tabeliães de protesto de títulos;
IV - oficiais de registro de imóveis;
V - oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas;
VI - oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas;
VII - oficiais de registro de distribuição.
O art. 395, caput, do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Maranhão, atualizado pelo pelo Provimento n.º 31/2020, de 25/06/2020, repete a redação do diploma legal supracitado.
No cotidiano e na visão do usuário dos serviços, temos bem nítido apenas cinco, sendo que alguns exercem determinadas atribuições comuns aos outros sem que isso possa ser interpretado como invasão de competência.
A primeira espécie de Cartório é aquela em que registramos o primeiro ato de nossa existência (nascimento) e, no final da vida, de nossa extinção civil (morte), além de outros atos que envolvem nossas relações sociais.
Desse modo, o Cartório de Registro Civil é o responsável pelos atos que afetam a relação jurídica entre diferentes cidadãos. Assim, é possível registrar nascimento, casamento, óbito, entre outros atos. É importante frisar que qualquer alteração que ocorrer, durante o tempo nesses atos, é também de competência dessa Serventia, como, por exemplo, o registro do divórcio, de mudanças de nome, sobrenome ou de sexo, por exemplo, dentre outros.
Como segunda modalidade, temos o Cartório de Notas, que talvez seja o mais utilizado pela população, devido a atribuição que recebe. O Cartório de Notas é responsável por conferir fé pública aos documentos, com garantia de publicidade, segurança e eficácia jurídica. Nele é possível realizar contratos, escrituras públicas, testamentos, atas notariais, reconhecimento de firmas, autenticações e outros serviços.
A terceira espécie é o Cartório de Registro de Imóveis, que é competente para arquivar todo o histórico dos imóveis da região na qual se encontra, fornecendo publicidade, autenticidade e segurança sobre as informações constantes em seu arquivo. A ele é atribuída a responsabilidade dos atos de registro do imóvel, da abertura da matrícula, de averbações relativas ao bem imóvel, de conhecer do pedido de Usucapião Extrajudicial.
De igual importância, a quarta espécie, o Cartório de Protesto tem como atribuição dar publicidade a inadimplência de uma obrigação. É o local onde o credor deve se dirigir para pleitear a notificação de devedores para colocá-lo em mora e torná-lo inadimplente, para o recebimento de dívidas oriundas de cheques, notas promissórias, duplicatas, letras de câmbio, dentre outros.
Por fim e não menos importante, a quinta espécie, é o Cartório de Registro de Títulos e Documentos, cujos documentos que não foram atribuídos competência para as outras espécies de Cartórios são todos registrados. Nesse sentido, podem ser registrados músicas, livros, notificações extrajudiciais, contratos, atos constitutivos, entre outros serviços.
Atualmente, em face da Lei n.º 11.441/2007, o conceito de desjudicialização, que consiste na transferência de procedimentos que anteriormente eram de natureza judicial para as Serventias Extrajudiciais, o movimento é uma tendência moderna no direito brasileiro e fruto de intenso debate no meio acadêmico.
A primeira grande inovação envolvendo a extrajudicialização foi com o advento da Lei n.º 11.441/2007, que trouxe a possibilidade da realização de inventários, partilhas e divórcios nos Cartórios de Notas. A comunidade jurídica encarou a novidade com certa desconfiança no início, mas nos dias de hoje, decorridos 15 anos, a modalidade extrajudicial desses procedimentos virou rotina, ou seja, é tão comum e usual quanto a judicial.
No que concerne à lei que instituiu o divórcio e inventário extrajudicial, o articulista Valestan Milhomem Costa32 assevera que:
“A Lei n.º 11.441/07, que passou a permitir o inventário, a separação e o divórcio administrativos, é a demonstração inconteste do bom senso daqueles que vêm conduzindo a reforma do Judiciário, demonstrando um sério compromisso com a desburocratização, com a celeridade, com a efetividade e com a segurança jurídica, princípios cogentes em toda sociedade moderna comprometida com o desenvolvimento sustentável, com a defesa de suas instituições, com a economia popular e com o fortalecimento do crédito, cuja principal garantia ainda é imobiliária. Já era tempo de dispensar a tutela judicial para as sucessões sem testamento, quando os interessados, sendo maiores e capazes, estão de pleno acordo quanto à partilha dos bens, pois a função de aquilatar se o quinhão concreto não fere o quinhão abstrato contemplado na lei, observando-se a devida vocação hereditária, e de fiscalizar o recolhimento da contribuição tributária correspondente ao valor dos bens, pode perfeitamente ser desempenhada por um tabelião, profissional do direito dotado de fé pública, sobretudo quando as partes contam com a assistência de advogado”.
Considerando que têm sido bem sucedidas as iniciativas relativas a desjudicialização de vários atos e procedimentos que antes eram pleiteados exclusivamente em lento e demorado processo judicial, bem como o deslocamento de procedimentos para a via extrajudicial, promovendo a celeridade, simplicidade, economia de recursos, dentre outros fatores, as experiências de sucesso tendem a ser ampliadas cada vez mais para garantir à população serviço jurídico com a mesma garantia, segurança, autenticidade e presteza que antes somente eram atribuídas ao Poder Judiciário e às serventias judiciais.
É necessário, no entanto, que o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão avance no sentido de disciplinar questões que envolvam temas que, atualmente, estão em discussão por vários setores da sociedade, como a política de inclusão relativa ao gênero dos indivíduos, bem como aos novos formatos de famílias, cuidando para que seja definido, por exemplo, a competência jurisdicional e a(s) serventias extrajudiciais que possuem competência para atuarem nesses serviços de suma importância para a saudável convivência e o relacionamento social entre as pessoas que desejam ser inseridas no contexto da coletividade como se reconhecem e como reflexo da felicidade que a dignidade humana oferece a todos os cidadãos que convivem irmanados com base nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade.
8. CONCLUSÃO
Os serviços notariais e registrais que, no princípio, eram atribuições domésticas, sofriam, como vimos ao longo de nossa exposição forte influência da religião, como ainda ocorre em nossos dias de outras fontes legais, não obstante se saiba que, atualmente, funcionam mediante organização técnica e administrativa, delegação a um particular, profissional do direito, que é investido pelo Estado em virtude de rigoroso concurso público de provas e títulos (art. 236, § 3.º, CF) para o exercício de função, cujo princípio cardeal é a fé pública.
Outro aspecto relevante a ser ressaltado é a independência (art. 28, Lei n.º 8.935/94), como consectário do direito público, que distingue notários e registradores dos demais profissionais liberais do direito, por serem juristas privados que se encontram inseridos nos princípios consagrados no art. 37. da Constituição Federal.
Por tais prerrogativas gozam também de imparcialidade nos termos do art. 28. da Lei n.º 8.935/94, o que lhes confere exercer o trabalho sem a interferência de quem quer seja e o dever de manter o segredo profissional para viabilizarem a vontade das partes e a melhor forma de concretizarem o negócio jurídico com o intuito de evitar conflitos ou litígios desnecessários.
Com efeito, o exercício da função delegada pelo Estado importa responsabilidades dos notários e registradores que reputo de cunho subjetivo, porquanto exercem tal mister de natureza privada como pessoas físicas, não se podendo, portanto, a eles aplicar o disposto no § 6.º, do art. 37. da Constituição Federal, o qual faz menção expressa a pessoas jurídicas. Ademais, em caso de dano causado pelo notário ou registrador, a ação judicial de responsabilidade civil não é proposta contra o ente público (Estado), mas sim contra o delegatário titular da serventia extrajudicial.
O controle administrativo da atividade notarial e registral não deve ser essencialmente punitivo, mas primordialmente (in)formativo, pois alguns ritos ou procedimentos podem ser mal interpretados e necessitam de correções ou ajustes para aplicação exata. Inspeções de rotina e correições ordinárias são excelentes instrumentos para evitar a má prestação dos serviços. Evidentemente que se, após as instruções necessárias, persistirem erros ou violações dos deveres da função delegada, que ponham em risco o sistema da fé pública, pode o órgão correcional agir energicamente para evitar prejuízos aos cidadãos.
Nessa perspectiva entendo também que a intervenção do órgão correcional deve ser primordialmente medida adjutória, ou seja, de auxílio para aprimoramento dos serviços cartorários prestados. Obviamente que as exceções deverão ser tratadas com comedimento, a fim de que não ocorra a descontinuidade da prestação dos serviços, nem a formação de juízos precipitados e apriorísticos que descambem para o prejulgamento de situações que possam ser sanadas sem a necessidade da incontinenti instauração de processo administrativo disciplinar.
Para essa finalidade é indispensável que a Corregedoria de Justiça, por seu titular, seus juízes auxiliares ou designados e os servidores auxiliares possuam sólido conhecimento a respeito das atividades e matérias de competência das serventias extrajudiciais para não incorrerem na prática de abuso de autoridade, muito menos de improbidade administrativa, assim como ilicitude ou outro tipo de responsabilidade, acaso uma primeira impressão, de cunho perfunctório, leve à submissão do delegatário ao constrangimento e humilhação, de suspensão temporária da delegação, de vir a responder ao PAD e ter sua inocência proclamada ao final.
A extinção da delegação pela quebra do vínculo ou da confiança, nos termos do art. 35, da Lei n.º 8.935/94, deve ser devida e prudentemente examinada, posto que a condenação do delegatário importará no rigoroso exame dos atos praticados para eventual anulação, assim como sua absolvição na apuração da responsabilidade (civil e penal) de quem deu causa à instauração do processo (administrativo ou judicial).
Finalmente, acredito que com os diplomas legislativos, cada vez mais favoráveis ao aperfeiçoamento e extensão dos serviços notarias e registrais, as serventias extrajudiciais passarão a prestar assessoramento de alto padrão aos usuários de suas atividades cartorárias, evitando o acúmulo de demandas judiciais e suprindo inúmeros procedimentos que antes somente eram realizados pela entrega da prestação jurisdicional burocrática e tardinheira do Poder Judiciário.
Essa é a esperança que temos, pois acreditamos nas regras programáticas da Constituição Federal e da Lei n.º 8.935/94, e vivemos a expectativa de que nenhuma pessoa, nenhuma instituição ou poder pode prestar serviço de qualidade se não receber orientação técnica ou suporte de excelência por parte dos responsáveis pela fiscalização, os quais devem agregar suporte funcional aos delegatários e despojar-se da resolução dos problemas de modo militarista ou autoritarista.
A melhor maneira do órgão correcional cumprir esse rito é comprometendo-se com o aprimoramento e o assessoramento constante dos delegatários para a prática eficiente dos atos e serviços prestados pelas serventias extrajudiciais, principalmente porque a quebra do vínculo ou da confiança tem como pressuposto a segurança jurídica que o órgão judiciário censor tem o dever de conferir aos mecanismos e serviços postos à disposição do delegatário para o bom e fiel desempenho da função delegada.