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PEC dos combustíveis e subsídios ao etanol

Agenda 01/07/2022 às 14:55

Fazer o mais simples sempre dá certo. Agora, se o foco for distribuir benefícios, o caminho não é esse.

Notícias do Planalto Central apontam para a recente aprovação, pelo Senado Federal, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a distribuição de fartos benefícios de ordem financeira para um determinado grupo de nacionais.

Os benefícios financeiros previstos na PEC são:

  1. aumento do valor do Auxílio Brasil, que atinge a população mais carente da nação;
  2. a criação de vouchers de até um mil reais para os caminhoneiros;
  3. a ampliação do valor do vale-gás;
  4. a compensação aos estados por conta da gratuidade do transporte público aos idosos;
  5. benefícios para taxistas;
  6. fomento do programa Alimenta Brasil;
  7. especial atenção aqui: repasse de até R$ 3,8 bilhões de reais para a manutenção da competividade do etanol sobre a gasolina, por meio de créditos tributários.

O motivo para a concessão desse leque de bondades seria a elevação extraordinária e imprevisível dos preços dos combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes, ou seja, está implementada uma situação de emergência e excepcional interesse público.

Pois bem. Já na exposição de motivos para a edição da PEC, uma curiosa situação é apresentada: entende o Senado Federal que o aumento do preço dos combustíveis e seus derivados é um fato imprevisível. Ora, digam-me quando, neste Brasil varonil, o preço dos combustíveis e seus derivados sofreu alguma queda, digna de registro. Eu não lembro. Quanto aos impactos sociais decorrentes do valor da gasolina, concordo profundamente com o Senado, uma vez que abastecer um carro com 40 litros de gasolina representa, na maioria das capitais, mais de R$ 300,00, quase 1/3 do valor do salário-mínimo nacional, de R$ 1.212,00.

Outra situação curiosa é que apenas parte da população será atendida pela Proposta: taxistas, caminhoneiros, beneficiários do Auxílio Brasil e agricultores familiares. Parece-me que, diante do entendimento do Senado, o restante da população não sofre efeitos sociais causados pela crise dos combustíveis...

Pode se discutir a constitucionalidade da Proposta. Também pode se discutir se é legal criar (e distribuir) benefícios sociais em ano eleitoral (a lei eleitoral já disse que não pode!). Ainda no âmbito dos pensamentos, também pode se discutir se é moral, ou adequado, ou válido privilegiar apenas uma parte da população com esses benefícios, deixando ao léu os demais nacionais prejudicados pela crise, como pequenos restaurantes, motoristas de aplicativo, empresas de pequeno porte, prestadores de serviços...

Mas o foco deste texto é a concessão de subsídios aos produtores de etanol, mesmo que na modalidade de auxílio para os estados que outorgarem créditos tributários do ICMS para produtores e distribuidores de etanol hidratado. A Proposta ainda prevê o pagamento em parcelas mensais e distribuído na proporção da participação de cada estado no consumo de etanol hidratado no ano de 2021. De acordo com a PEC, os estados deverão renunciar ao direito de pedir indenização por perda de arrecadação decorrente dos créditos outorgados; o valor será livre de vinculações, mas deverá ser repartido com os municípios e entrará no cálculo de receita para efeito de investimento mínimo em educação.

O objetivo da PEC, neste ponto, é reduzir a carga tributária do etanol para manter diferencial competitivo em relação à gasolina, de modo que os estados ficam autorizados a "zerar" a tributação sobre a gasolina, desde que façam o mesmo para o etanol (Fonte: Agência Senado).

Pois bem. Deixando o foco social e eleitoral de lado, matérias polêmicas que renderão, por certo, fartas e acaloradas discussões, a questão dos subsídios aos produtores de etanol já dispõe de um amplo arcabouço jurídico inserido no compêndio de leis e resoluções vigentes.

Presume-se de logo que a preocupação do governo federal é manter o preço do etanol hidratado competitivo em relação à gasolina (não se fala, portanto, do etanol anidro, que compõe a fórmula da gasolina que abastece nossos carros).

Se esse é o ponto da Proposta (competitividade de preços), a solução está abaixo:

Vale lembrar que em 1933 foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), com a missão de sugerir ou implementar medidas referentes à regulamentação da produção de álcool; em 1938 foi criado o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) com a missão de estudar, definir e implementar a política de combustíveis no Brasil; em 1942 o Governo Federal declarou a indústria alcooleira de interesse nacional; em 1975 foi introduzido o programa Próalcool, consolidando o uso do álcool hidratado como combustível; em outubro de 1993, o governo federal criou a Comissão Interministerial de Álcool (Cinal), que foi substituída, em 1997, pelo Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (CIMA).

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A Agência Nacional do Petróleo (ANP) também foi criada em 1997, na qualidade de "entidade integrante da Administração Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis (art. 7° da Lei 9.478, de 1997).

A implementação da política de proteção aos produtores de etanol está calçada nos atos praticados pelo governo federal, fazendo parte deles a liberação dos preços dos combustíveis, previsto na Constituição da República de 1988, modelo que fez incidir sobre o preço dos combustíveis o ICMS, o Imposto de Importação, a COFINS, o PIS/PASEP e a Contribuição para Intervenção no Domínio Econômico (CIDE).

Ou seja, desde sempre houve a preocupação em assegurar a competitividade do etanol com a gasolina A. Isso é fato absoluto, inegável e inquestionável; tanto que lá em 1º de fevereiro de 1999, o Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool CIMA editou a Resolução nº 10, autorizando a Agência Nacional do Petróleo a utilizar os recursos da então Conta Petróleo na equalização dos custos de produção de cana de açúcar (artigo 5º), fomentando financeiramente os produtores de etanol:

Art. 5º. Fica a Agência Nacional do Petróleo autorizada a aplicar recursos da Conta Petróleo, Derivados e Álcool na equalização dos custos de produção da cana-de-açúcar nos Estados do Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro e Tocantins, observando valores e procedimentos divulgados pelo Poder Executivo.

Sabendo-se que a CIDE foi criada pela Constituição da República de 1988, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2.641/2014-Plenário, provocado a analisar a matéria, esclareceu que a CIDE Combustíveis é derivada daquele tributo (CIDE), foi criada pela Emenda Constitucional nº 33/2001, e guarda esse escopo: função fiscal, regulação dos preços dos combustíveis e instrumento de apoio ao setor etanol.. Prosseguiu o TCU:

O artigo 177, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 33/2001, estabeleceu ainda que a lei instituidora da Contribuição para Intervenção no Domínio Econômico deverá prever aplicação dos recursos arrecadados nas seguintes finalidades:

a) pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e derivados e derivados de petróleo; 

Por outro lado, a Lei Federal nº 10.453/2002 dispõe que:

Art. 1o Parcela dos recursos financeiros oriundos da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico de que trata o art. 177, § 4o, da Constituição, será destinada à concessão de subvenções aos preços ou ao transporte do álcool combustível e de subsídios ao preço do gás liquefeito de petróleo - GLP.

Art. 2o As subvenções aos preços ou ao transporte do álcool combustível de produção nacional serão concedidas diretamente, ou por meio de convênios com os Estados, aos produtores ou a suas entidades representativas, inclusive cooperativas centralizadoras de vendas, ou ainda aos produtores da matéria-prima, por meio de medidas de política econômica de apoio à produção e à comercialização do produto.

A mesma Lei nº 10.453/2001 extinguiu a Conta Petróleo desta forma:

§ 1o No prazo referido no caput, fica a Agência Nacional do Petróleo - ANP autorizada a determinar à Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobrás recebimentos de créditos e liquidação de débitos, cujos respectivos lançamentos à Conta Petróleo, Derivados e Álcool estejam previstos na legislação pertinente e seus fatos geradores tenham ocorrido até 31 de dezembro de 2001.

Assim, com a extinção da Conta Petróleo, encerrou a competência da Agência Nacional do Petróleo ANP de efetuar o pagamento dos subsídios aos produtores de etanol.

Mas a questão dos subsídios não encerrou aí!

O Decreto nº 4.353/2002 transferiu para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a responsabilidade pela implementação das medidas de política econômica de apoio à produção e à comercialização do álcool combustível, aprovadas pelo Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool, e custeadas com os recursos da CIDE, entre as quais se insere o pagamento do subsídio de equalização de custos de produção da matéria prima (conforme TCU, Acórdão 2.641/2014-Plenário, grifamos).

E, encerrando o assunto, o Tribunal de Contas da União apontou o caminho legal para que seja feito o pagamento dos subsídios aos produtores de etanol:

... após a vigência do regime jurídico que instituiu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre combustíveis, o pagamento de subsídio de equalização de custo de produção de cana-de-açúcar para o álcool etílico hidratado (AEHC) e para o álcool etílico anidro (AEAC) não mais poderá ser realizado com esteio no art. 5º da Resolução CIMA nº 10/1999, devendo ser precedido de emissão de novo ato autorizativo pelo Poder Executivo Federal (no caso, pelo Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool), a seu critério, e de previsão em lei orçamentária, conforme exigem, respectivamente, o caput do artigo 3º da Lei 10.453/2003 e o artigo 1º, § 1º, da Lei 10.336/2001;

Ora, o arcabouço jurídico acima colacionado direciona para a absoluta desnecessidade de edição de Proposta de Emenda Constitucional para gerir a matéria que já está consolidada nas leis, na Constituição da República e no âmbito do Tribunal de Contas da União!

Basta conferir e quantificar os volumes de produção de etanol das usinas, aplicar a alíquota referente ao subsídio e emitir o ato autorizativo pelo Poder Executivo Federal para, pagando ou gerando crédito tributário, alcançar a redução do valor final do etanol hidratado, deixando-o amplamente competitivo em face da gasolina.

Fazer o mais simples sempre dá certo.

Agora, se o foco for distribuir benefícios... o caminho não é esse.

Sobre o autor
Marcio Deitos

Advogado no Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DEITOS, Marcio. PEC dos combustíveis e subsídios ao etanol: Desnecessidade de Emenda à Constituição para assuntos já consolidados no sistema legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6939, 1 jul. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98952. Acesso em: 27 dez. 2024.

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