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O delegado de polícia, seu papel na investigação criminal e sua importância como garantidor dos direitos humanos

Agenda 10/07/2022 às 09:00

O constituinte andou bem ao definir o delegado de polícia como primeiro escudo para o cidadão perante o poder punitivo do Estado.

RESUMO: Este artigo busca destacar a importância do trabalho investigativo da Polícia Civil e em especial, a figura do Delegado de Polícia, chefe desta Polícia, presidente do inquérito policial e primeiro agente estatal a sopesar os casos concretos ao mundo das leis e dessa forma, garantir ao cidadão seus direitos e garantias fundamentais esculpidos em nossa constituição.

Palavras-chave: Delegado de Polícia, Investigação Criminal, Direitos Humanos.


INTRODUÇÃO

Inicialmente cabe destacar que a constituição de 1988 em seu capítulo III, artigo 144, define:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.  § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (BRASIL, 1988, Art. 144)

Conforme o mandamento constitucional, a segurança pública dever do Estado, direito e responsabilidade de todos é exercida pelos órgãos elencados nos respectivos incisos, com atribuições próprias e conforme nos ensina Silva (2021, p. 23), basicamente, podemos dividir tais órgãos em dois grupos: o voltado ao policiamento preventivo (ostensivo) e o destinado ao policiamento repressivo (velado, descaracterizado, investigativo).

As Polícias Civis, nos Estados, e a Polícia Federal, na União, representam os órgãos responsáveis pelo policiamento repressivo, não havendo impedimento, contudo, que desenvolvam atividades específicas de policiamento ostensivo (visando o cumprimento de determinadas diligências ou missões). Essa atividade repressiva busca em sua essência, a coleta de elementos informativos e provas que autorizem o início da ação penal, tendo com objetivo final a aplicação do poder punitivo do Estado.

Esse artigo representa ainda o marco de toda atividade policial no Brasil, seja por definir e limitar as atribuições das instituições policiais, em âmbito nacional, regional e local, como também criar normativas basilares para o funcionamento dessas instituições e, no caso especial das policiais judiciárias da União (PF) ou dos Estados (PC) definir a carreira responsável por sua direção: o Delegado de Polícia de carreira. Destaque para a expressão de carreira, certamente o legislador originário definiu essa atribuição para o agente público, buscando garantir uma maior segurança para o desenvolvimento da função, que é extremamente impactante na vida do cidadão, uma vez que pode atingir um dos direitos mais preciosos e defendidos pela república: a liberdade. Sem essa garantia, não haveriam empecilhos para o que o chefe do Executivo nomeasse pessoas mais alinhadas ao seu viés político-partidário ou mesmo ideológico e que atuassem diretamente em favor de objetivos próprios de seu benfeitor.

Atualmente, a carreira de Delegado de Polícia exige que os candidatos possuam o Bacharelado em Direito, além de aprovação em concurso público bastante disputado, composto por fases: objetiva, discursiva e oral, que exigem que o candidato demonstre domínio sobre os diversos temas jurídicos abordados. Após essas fases eles ainda são submetidos a formação nas respectivas Academias de Polícia, onde aprendem técnicas policiais de investigação criminal, abordagem de indivíduos, armamento e tiro, dentre outras.


BREVE HISTÓRICO, DESAFIOS E IMPORTÂNCIA DO DELEGADO DE POLÍCIA

Desde os tempos remotos, as sociedades primitivas buscavam instrumentos e meios de punir indivíduos transgressores, baseando-se principalmente na vingança privada. Contudo, com a vida em coletividade e o surgimento do Estado, houve a entrega do poder punitivo pacto social para esse ente político.

O inquérito policial por sua vez, é mais moderno e data da idade média, período marcado pelas vontades e influência dos monarcas absolutistas e na forte presença da igreja. Alguns séculos depois, no ano de 1832, já em terras brasileiras, temos a criação do primeiro código de processo criminal e a estruturação do serviço policial. Contudo, as atividades de investigação e do serviço policial eram desempenhadas pelo Juiz de Paz, pessoa eleita pela comunidade e que centralizava em si diversas atribuições que, atualmente, são exercidas por delegados de polícia e por juízes de direito. Nota-se que essa função era marcada por forte influência política, deixando de lado qualquer possibilidade de imparcialidade em suas decisões, tendo em vista que suas atribuições eram bastante extensas, conforme se vê abaixo:

Art. 12. Aos Juízes de Paz compete: § 1º Tomar conhecimento das pessoas, que de novo vierem habitar no seu Districto, sendo desconhecidas, ou suspeitas; e conceder passaporte ás pessoas que lh'o requererem.

§ 2º Obrigar a assignar termo de bem viver aos vadios, mendigos, bebados por habito, prostitutas, que perturbam o socego publico, aos turbulentos, que por palavras, ou acções offendem os bons costumes, a tranquillidade publica, e a paz das familias.

§ 3º Obrigar a assignar termo de segurança aos legalmente suspeitos da pretenção de commetter algum crime, podendo cominar neste caso, assim como aos comprehendidos no paragrapho antecedente, multa até trinta mil réis, prisão até trinta dias, e tres mezes de Casa de Correcção, ou Officinas publicas.

§ 4º Proceder a Auto de Corpo de delicto, e formar a culpa aos delinquentes.

§ 5º Prender os culpados, ou o sejam no seu, ou em qualquer outro Juizo.

§ 6º Conceder fiança na fórma da Lei, aos declarados culpados no Juizo de Paz.

§ 7º Julgar: 1º as contravenções ás Posturas das Camaras Municipaes: 2º os crimes, a que não esteja imposta pena maior, que a multa até cem mil réis, prisão, degredo, ou desterro até seis mezes, com multa correspondente á metade deste tempo, ou sem ella, e tres mezes de Casa de Correcção, ou Officinas publicas onde as houver.

§ 8º Dividir o seu Districto em Quarteirões, contendo cada um pelo menos vinte e cinco casas habitadas. (BRASIL, 1832, Art. 12)

Nas palavras de Santos e Zanotti:

A figura do Delegado de Polícia, com essa nomenclatura, foi criada pela lei nº 261, de 1841, responsável por alterar diversos dispositivos do Código de Processo Criminal de 1832. Essa alteração legal instituiu a figura do Chefe de Polícia, a função de delegado e a função de subdelegado. (SANTOS e ZANOTTI, 2014, p.75)

Com a edição do atual Código de Processo Penal, tivemos mais uma grande mudança nas atribuições do Delegado de Polícia, que passou a chefiar de modo imediato todo o processo investigativo, sendo denominado autoridade policial. Também é recente a exigência de concurso público para a investidura no cargo, a partir da Constituição de 1988 até então havia apenas o comissionamento do cargo. Esse foi um ponto importante para a consolidação do Delegado de Polícia, da mesma forma que já havia ocorrido com os cargos de Promotor de Justiça e Juiz de Direito, que já previam a exigência de concurso público desde a Constituição de 1934.

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Recentemente tem surgido o debate sobre a carreira ser ou não umas daquelas denominadas jurídicas, etimologicamente é desnecessário o debate uma vez que todos as atividades desenvolvidas com a exigência do título de bacharel em Direito gozam do status de carreira jurídica, sejam na área pública ou privada. Contudo, o entrave gira em torno de algumas características e garantias constitucionais concedidas a determinadas carreiras do serviço público, em especial aos magistrados, membros do ministério público e defensores públicos. Essas carreiras possuem algumas garantias muito almejadas, como: vitaliciedade, inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos.

A carreira de delegado também avançou para seu reconhecimento como carreira jurídica, com a edição das leis 12.830/13 (dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia) e 13.047/14 (dispõe sobre a reorganização de classes da carreira policial federal). Algumas constituições estaduais também têm conferido esse status aos seus delegados, contudo, também sofreu reveses, como por exemplo na ADI 5520, em que o Pretório Excelso declarou a inconstitucionalidade dos §§ 4º e 5º do artigo 106 da Constituição Estadual de Santa Catarina (emenda constitucional 61/2012) que afirmavam que o delegado de polícia civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e tem assegurada a independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária.

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMENDA CONSTITUCIONAL 61/2012 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ATRIBUIÇÃO DE STATUS DE FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA E DE INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL AO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO, NO PROCESSO LEGISLATIVO, DO GOVERNADOR DO ESTADO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL ( CF, ART. 144, § 6º). PROCEDÊNCIA.

1. A Emenda Constitucional 61/2012 de Santa Catarina conferiu status de carreira jurídica, com independência funcional, ao cargo de delegado de polícia. Com isso, alterou o regime do cargo e afetou o exercício de competência típica da chefia do Poder Executivo, o que viola a cláusula de reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, c, extensível aos Estados-Membros por força do art. 25 da CF). 2. O art. 144, § 6º, da CF estabelece vínculo de subordinação entre os Governadores de Estado e as respectivas polícias civis, em razão do que a atribuição de maior autonomia aos órgãos de direção máxima das polícias civis estaduais, mesmo que materializadas em deliberações da Assembleia local, mostra-se inconstitucional. 3. Ação direta julgada procedente. (STF - ADI: 5520 SC, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 06/09/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 20/09/2019)

Apesar disso, com o reconhecimento do status de carreira jurídica ou não, é inegável a importância desse profissional, que representa verdadeiro garantidor de direitos humanos de todo e qualquer cidadão que se veja diante de situação flagrancial. É ele que está apto a interpretar a legislação e decidir pela tipificação de condutas, pela lavratura ou não do auto de prisão em flagrante, verificação da existência de causas excludentes de ilicitude, de culpabilidade, bem como por arbitrar fianças. Também é do delegado de polícia o título de autoridade policial descrita no código de processo penal, responsável por uma série de atribuições diretamente ligadas a busca de autoria e materialidade delitiva almejadas e necessárias para a proposição de ação penal pelo membro do ministério público. Exemplos dessa importância não faltam: imaginemos que um indivíduo é apresentado ao Delegado de Polícia com determinada quantidade de drogas, ora, o agente estatal, baseado na sua convicção jurídica e análise desse caso concreto pode definir pela figura do tráfico de drogas e com isso determinar a lavratura do auto de prisão em flagrante, importando no imediato recolhimento do cidadão ou concluir que a situação configura o tipificado no artigo 28 da lei 11.343/06 (mero usuário), lavrando termo circunstanciado.

Uma vez definida a lavratura do auto de prisão em flagrante, existe uma série de dispositivos constitucionais e até mesmo de Direito Internacional que devem ser observados pelo Delegado de Polícia, como: o respeito ao silêncio do investigado, a identificação dos agentes responsáveis pela prisão, a comunicação à família do preso, o direito a ter um advogado acompanhando os procedimentos e na sua ausência, a comunicação à Defensoria Pública, enfim, entre outros. No âmbito internacional, a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) define:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal:

5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, Art. 7)

Contudo, existem outros desafios a serem enfrentados pelo delegado de polícia e pelos demais policiais civis: a defasagem de policiais e a falta de investimentos por parte do Executivo. É notório que as policiais civis do Brasil vêm enfrentado uma série de problemas estruturais que impactam diretamente o desenvolvimento de sua atividade fim. Por muito tempo, os governadores vêm implantando políticas públicas que dão ênfase ao policiamento ostensivo, por conta de sua fácil visualização pela população, que muitas vezes não enxerga o trabalho velado e investigativo da polícia judiciária.

Novamente, nas palavras de Silva (2021, p.25):

Quando se pensou numa polícia judiciária, imaginou-se uma polícia que tivesse efetivo suficiente para responder às investigações de sua alçada, na presidência das investigações feitas por profissional versado em ciências jurídicas, apto a proteger os direitos dos cidadãos no curso das apurações criminais, na preparação técnica de seus integrantes (formação voltada ao respeito dos direitos individuais e à profícua coleta de provas da prática delitiva), perícia equipada e bem treinada ( a prova pericial é importante arma para elucidação de crimes), delegacias confortáveis para receber vítimas e acomodar policiais, salário atrativo, equipamentos adequados ( equipamentos discretos, viaturas, armas, etc.), corregedoria e órgãos de controle externos atuantes. (SILVA, 2021, p.25)


INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E DIREITOS HUMANOS

A investigação criminal é o conjunto de diligências realizadas pela autoridade com competência legal, que visam a apuração de autoria, materialidade e circunstâncias da prática de uma infração penal.

De acordo com Ferreira (2011, p.25):

A investigação criminal surge como atribuição do Estado no momento em que ele tomou para si a exclusividade de aplicar o direito, ao Estado não cabe a defesa de interesses privados, não cabe vinganças, mas sim a imparcialidade e a busca da justiça. (FERREIRA, 2011, p.25)

Dessa forma, o Estado brasileiro definiu que os órgãos responsáveis pela investigação criminal são: a Polícia Federal e as Polícias Civis, não sendo, contudo, atribuição exclusiva, permitindo-se que outras autoridades (definidas por lei) desenvolvam investigações, como é o caso do Ministério Público, que recentemente teve o reconhecimento, através de Recurso Extraordinário (RE 593.727) da sua capacidade para promover investigações de natureza criminal, através do chamado P.I.C. (procedimento de investigação criminal).

O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade sempre presente no Estado democrático de Direito do necessariamente permanente controle documentados membros dessa instituição. (STF, RE 593.727/MG, Rel. Ministro CEZAR PELUSO, julgado em 14/05/2015.

Diferentemente do que o senso comum nos leva a acreditar, a investigação criminal não representa a tentativa ou vontade absoluta do Estado em apontar autoria a determinado indivíduo e com isso puni-lo. A investigação criminal é, acima de tudo, um instrumento de garantia dos direitos humanos, que impede que inocentes sejam incriminados, através da observação das garantias fundamentais no inquérito policial, evitando que ações penais desnecessárias sejam desenvolvidas e venham a constranger indivíduos que não cometeram infrações penais. A investigação criminal também vai apurar a eventual pratica de infrações penais sob a existência de alguma das causas justificantes que existem em nosso ordenamento jurídico.

Garante também que as vítimas tenham seu direito de obter respostas do Estado diante do fato criminoso que as atingiu.

É nesse contexto que o Delegado de Polícia age diariamente, recebendo as mais diversas ocorrências que lhe são apresentadas e, através dos conhecimentos e convicções jurídicas, ponderando e decidindo sobre a lavratura de um auto de prisão em flagrante ou pelo registro da ocorrência e instauração de inquérito policial para a melhor apuração dos fatos, pela definição de crime ou contravenção penal, pela apreensão de adolescentes, aplicação de medidas protetivas de urgência, entre outros. Em todos os casos, a presunção de inocência, o direto ao silêncio, o direito de não ser coagido a confessar o cometimento de crimes, entre outros princípios, são sempre observados, tendo em vista a dignidade da pessoa humana.

Durante a investigação criminal podem ser realizadas diversas diligências, todas narradas e documentadas no inquérito policial. Nessa fase ocorre ainda a oitiva de testemunhas, o interrogatório de investigados, a apreensão de documentos, objetos, armas. A investigação também é marcada pela possibilidade da ocorrência das chamadas provas irrepetíveis, ou seja, aquelas que por sua natureza não podem ser repetidas na fase processual, tendo como exemplo clássico a interceptação telefônica. Novamente destaca-se o papel garantidor do Delegado de Polícia, que muitas vezes recebe informações ou denúncias sobre determinada infração penal e, com base na apuração realizada e na subsunção jurídica, pode ou não representar pela interceptação telefônica ou pela prisão temporária do investigado, por exemplo.

É evidente que infelizmente erros acabam ocorrendo, obrigando o Estado a reparar os danos causados, objetiva ou subjetivamente, a depender do caso concreto. Para evitar que isso aconteça, o texto legal buscar definir atribuições administrativas (internas) para a apuração de desvios e falhas ocorridas.

Quando tratamos da investigação criminal conduzida pela Polícia Judiciária, o Delegado de Polícia é o responsável pelo gerenciamento do procedimento, cabendo a ele zelar para que tudo transcorra dentro da legalidade, podendo ser responsabilizado criminalmente, inclusive. Já no âmbito externo, o Ministério Público tem o papel de exercer o controle da atividade policial, com poder para requisitar diligências investigativas e até mesmo a instauração de inquérito policial (e também seu arquivamento).

Conforme nos ensina Santin (2001, p.32):

Os instrumentos típicos de investigação criminal são policiais e extrapoliciais, conduzidos pelos órgãos de persecução penal (polícia e Ministério Público). Os instrumentos típicos policiais são o inquérito policial e o termo circunstanciado elaborados pela polícia; os típicos extrapoliciais, por procedimento de investigação realizado pelo Ministério Público. (SANTIN, 2001, p.32)

Outro fator importante a ser destacado é a liberdade de atuação que o Delegado de Polícia deve ter para poder exercer com plenitude as suas atribuições. Da mesma forma que não se pode esperar que haja interferência na fase processual, tampouco pode-se aceitar que ela ocorra na fase que a antecede e que serve de base para toda a eventual ação penal que possa vir a ser oferecida pelo Ministério Público. Essa liberdade de atuação garante ao profissional a certeza de que suas convicções não serão objeto de retaliações por parte de seus superiores ou mesmo pelo chefe do Executivo. De forma semelhante, um Juiz sabe que jamais poderá ser punido com transferências ou reduções salariais por conta de seu posicionamento funcional e decisões nos processos. Essa liberdade de atuação certamente teria impacto direto no dia a dia dos serviços prestados pelas policiais judiciárias. Espera-se ainda que as investigações criminais sejam conduzidas pelo chamado Delegado de Polícia natural, ou seja, que o procedimento seja presidido pela autoridade que naturalmente seria a responsável pela circunscrição dos fatos ou pela natureza (é comum que hajam delegacias especializadas, criadas para o atendimento específico de determinadas ocorrências) da infração penal.

De acordo com Hoffmann (2018, p.24):

Processo administrativo apuratório levado a efeito pela polícia judiciária, sob presidência do delegado de polícia natural; em que se busca a produção de elementos informativos e probatórios acerca da materialidade e autoria de infração penal, admitindo que o investigado tenha ciência dos atos investigativos após sua conclusão e se defenda da imputação; indispensável para evitar acusações infundadas, servindo como filtro processual; e que tem a finalidade de buscar a verdade, amparando a acusação ao fornecer substrato mínimo para a ação penal ou auxiliando a própria defesa ao documentar elementos em favor do investigado que possibilitem o arquivamento, sempre resguardando direitos fundamentais dos envolvidos. (HOFFMANN, 2018, p. 25)


CONCLUSÃO:

Por fim, diante do exposto, verificamos que após a Constituição de 1988, houve significativa mudança nos órgãos de segurança pública, com nova definição em lei das suas competências. Houve ainda a positivação dos chamados direitos e garantias fundamentais, colocados como cláusulas pétreas pelo legislador originário. Surgiu ainda o chamado princípio dos princípios, a dignidade da pessoa humana, fundamento previsto no primeiro artigo da Constituição e que define toda a atuação da administração pública.

Nesse cenário, destacamos a importância do Delegado de Polícia na presidência do inquérito policial, procedimento administrativo, pré-processual e que irá fundamentar a ação penal. Durante o desenvolvimento do inquérito, a autoridade policial buscará coligir elementos para apuração da autoria e materialidade, servindo não somente como ferramenta para o Estado-acusação, como também importante instrumento de defesa para os cidadãos.

Não se pode negar a importância da Polícia Civil, como órgão diretamente responsável pela salvaguarda dos direitos humanos, vez que atua diretamente na ponderação e análise dos fatos que lhe são apresentados e que, através de profissional versado em direito, irá definir os rumos das ocorrências e das partes envolvidas, podendo prender pessoas, indiciá-las ou inocentá-las da prática de infrações penais. Foram apresentadas também algumas dificuldades enfrentadas pelas instituições policiais civis, com destaque ao déficit de policiais, que acaba acarretando uma sobrecarga de trabalhos, que culminam diretamente na baixa elucidação de crimes. É comum também que pequenas cidades do interior não possuam policiais suficientes, funcionando muitas das vezes apenas com funcionários emprestados das prefeituras, sem contar a precariedade das instalações policiais, que não passam por reformas há décadas.

Mesmo assim, diante de todo esse cenário de diversidade, é inegável que o constituinte andou bem ao definir o Delegado de Polícia como primeiro escudo para o cidadão perante o poder punitivo do Estado, corroborando aquilo que definiu no texto constitucional. De nada adiantaria a mera definição de direitos e garantias, sem os devidos mecanismos para sua efetivação. Não seria mal, contudo, que ele também tivesse estendido as garantias constitucionais estabelecidas aos Juízes, Promotores e recentemente Defensores Públicos. Isso certamente garantiria maior liberdade para sua atuação e afastaria a influência dos chefes do Poder Executivo.


REFERÊNCIAS:

SILVA, Márcio Alberto Gomes. Processo penal para carreiras policiais. 6ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

SANTO, Cleopas Isaías, ZANOTTI, Bruno Taufner. Delegado de polícia em ação. 2ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2014.

COSTA RICA. Pacto San Jose da Costa Rica (1969). Convenção Americana de Direitos Humanos. Costa Rica, 1969.

<https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/768216188/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-5520-sc>. Acesso em: 30 de jun. de 2022.

<https://www.conjur.com.br/2015-mai-14/mp-investigar-crimes-conta-propria-decide-supremo>. Acesso em: 02 de jul. de 2022.

FERREIRA, Luís Henrique, FERREIRA, Nilton José da Costa. Investigação criminal, um estudo metodológico. 1ª ed. Salvador: OSPBA, 2011.

GRECO, Rogério. Atividade policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais. 7ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2016.

HOFFMANN, Henrique, FONTES, Eduardo. Moderno conceito do inquérito policial, temas avançados de polícia judiciária. 2ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2018.

Sobre o autor
Danilo Gomes da Costa

Investigador da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Graduado em História, Graduando em Direito, Especialista em Direito Penal, Segurança Pública e Investigação Criminal e Direitos Humanos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Danilo Gomes. O delegado de polícia, seu papel na investigação criminal e sua importância como garantidor dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6948, 10 jul. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98989. Acesso em: 21 dez. 2024.

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