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Jurisprudência Selo Verificado Destaque dos editores

Limitação constitucional dos juros:

análise judiciária e legislativa

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Agenda 01/04/2002 às 00:00

DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO

O Embargante inclui em seu petitório a devolução, em dobro, das parcelas pagas a mais, aduzindo quanto à ilegalidade da retenção de proventos para compensação do débito existente em conta corrente.

Dado o caráter alimentar dos salários depositados em conta corrente, realmente abusiva é a retenção dos mesmos.

Nesse sentido:

27081531 – RESPONSABILIDADE CIVIL – BANCO – RETENÇÃO DE SALÁRIOS – INADIMPLÊNCIA DO CORRENTISTA – Mostra-se abusiva a retenção integral dos vencimentos de servidor público para cobertura de débito relativo a cheque especial. Procedimento que não se confunde com as operações normais de débito e crédito durante a execução normal do contrato. (TJRS – AC 599.319.506 – 9ª C.Cív. – Relª Desª Maria Isabel Broggini – J. 29.03.2000)

9017752 JCPC.649.IV JCPC.649 JCF.5.LIV JCF.5 JCF.7.X JCF.7 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – BANCO – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE – RETENÇÃO DE SALÁRIO PARA SATISFAÇÃO DE CRÉDITO – INADMISSIBILIDADE – CONDUTA QUE FERE AS DISPOSIÇÕES DOS ARTS. 5º, LIV E 7º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OS QUAIS VISAM A PROTEÇÃO DO SALÁRIO E IMPEDE A PRIVAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR SEM UM ANTERIOR PROVIMENTO JURISDICIONAL – IMPENHORABILIDADE DOS VENCIMENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS (ART. 649, IV, DO CPC) RECURSO DESPROVIDO – 1. Se os valores de salário não podem sofrer constrição judicial, exceto na hipótese de execução por dívida de alimentos, muito menos o banco credor tem o direito à retenção "sponte" própria dos vencimentos do devedor creditados em conta corrente, porque tais verbas têm natureza alimentar. 2. Nas contas de cheque especial, a contar do momento que o banco passa a impedir a sua livre movimentação, não pode reter os vencimentos do cliente, funcionário público, para cobertura do saldo devedor, compete-lhe buscar seu crédito por outros meios. (TAPR – AI 0152408-1 – (11610) – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Waldemir Luiz da Rocha – DJPR 27.10.2000)

Este juízo, via de regra, em sede de Execução assim tem decidido, impedindo que os vencimentos que venham a ser depositados em conta corrente sofram constrição judicial, e, permitindo ainda, que sejam levantados os recentemente bloqueados.

Porém, tratam-se de casos em que os devedores, logo assim que desprovidos das verbas de caráter alimentar, requereram o desbloqueio da conta. Dado a especificidade da destinação das verbas, que deveriam ser utilizadas para o sustento próprio e familiar do Embargante, oportuna se faz a perquirição sobre o lapso temporal em que as referidas verbas mantém seu caráter alimentar. Vejamos:

"Acórdão HC 15612/BA;HABEAS CORPUS (2001/000311-7) Fonte DJ DATA:27/08/2001 PG:00338

Relator(a) Min. BARROS MONTEIRO (1089)

Data da Decisão 22/05/2001 Orgão Julgador T4 - 4ª TURMA Ementa :EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INTIMAÇÃO DO ALIMENTANTE PARA PAGAR A INTEGRALIDADE DAS PRESTAÇÕES, DE UMA SÓ VEZ. INADMISSIBILIDADE. PAGAMENTO DASTRÊS ÚLTIMAS PARCELAS. INADIMPLEMENTO QUANTO ÀS VINCENDAS. - Segundo a jurisprudência firmada por esta Corte, a prisão civil do alimentantes apenas se justifica quando se tratar de débito atual. Havendo o paciente solvido as três últimas parcelas devidas quando do momento de sua intimação, deve continuar pagando as que se vencerem posteriormente até ulterior deliberação do Juízo. As prestações pretéritas serão executadas segundo o disposto no art. 732 do CPC. Ordem concedida parcialmente."

Entende a melhor doutrina, assim como a jurisprudência, que as verbas de caráter alimentar perdem essa característica com a inércia da parte credora. Nesse sentido:

"Art. 733:7: ‘ A prisão civil não deve ser tida como meio de coação para o adimplemento de parcelas atrasadas de obrigação alimentícia — acumuladas por inércia da credora — já que, com o tempo, a quantia devida perde o cunho alimentar e passa a ter caráter de ressarcimento de despesas realizadas (HC 75.180-MG, rel. Min. Moreira Alves, j. 10.06.97; ‘apud’ Inf STF 75, de 9.6.97, p.2)" in Theotônio Negrão, CPC, 31ª Ed., 2000, p. 730)

Tendo sido a ação proposta em 19/04/99 e a última retenção de salário se dado em 23/12/98, afastada fica a incidência de caráter alimentar sobre os valores retidos.

Quanto ao pedido de devolução em dobro, mister se faz observar a argumentação expendida pelo Ministro Marco Aurélio, por ocasião de seu voto na ADin 4-7 /DF:

"Mas, Senhor Presidente, Senhores Ministros, ouso lançar, no caso, um temperamento.

Considerando que na aplicação da lei o julgador deve ter presente o bem social, repousando este, principalmente, na estabilidade das relações jurídicas; considerando que a decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade tem, a par do conteúdo declaratório, como ocorre com as decisões em geral, efeito constitutivo, sendo sedimentada a jurisprudência desta Corte quanto à desnecessidade de comunicação do que decidido ao Senado Federal para que suspenda a eficácia do ato normativo, ao contrário do que ocorre no controle incidental; considerando que até aqui as taxas cobradas tiveram rótulo discrepante do conteúdo, sendo utilizadas também para compensar alegada falta de sintonia entre a inflação e os fatores de correção monetária; considerando a data do ajuizamento da demanda e o fato de se haver requerido a concessão de liminar, negada pela Corte, concluo no sentido do estabelecimento de efeitos ex nunc, potencializando, assim, o cunho constitutivo negativo da decisão."

Tal entendimento quanto a necessidade de ser observada a estabilidade jurídica veio a ser corroborado, posteriormente, na Lei nº 9.868/99, que dispôs em seu artigo 27:

"Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado"

Assim sendo, indefiro o pedido de restituição das parcelas retidas indevidamente pela instituição bancária, o que faço com base nos seguintes motivos:

a) a uma, porque, dado o tempo transcorrido para interposição da ação, não se podem caracterizar os valores retidos como verbas alimentícias, conforme explicado alhures, não havendo ainda o Embargante comprovado qualquer prejuízo;

b) a duas, pelo fato do Embargante, pelo menos em duas oportunidades, em 11/03/98 e 16/04/98, conforme conta dos extratos bancários carreados aos autos às fls. 46, haver efetuado saques, evitando a indevida retenção. O primeiro deu-se no mesmo dia do depósito e o segundo cerca de uma semana após, mostrando que o mesmo dispunha da faculdade de evitar que o banco compensasse automaticamente os débitos existentes. Aplicável, in casu, o adágio latino "dormientibus nom succurrit ius";

c) a três, porque o parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor estabelece a exceção "salvo hipótese de engano justificável", para afastar a repetição do indébito, sendo que a doutrina e a jurisprudência vacilam quanto à possibilidade de retenção. Nesse sentido:

DANO MORAL – CHEQUE OURO – RETENÇÃO DE VENCIMENTOS NA CONTA BANCÁRIA – E próprio dos chamados cheques especiais que, sendo utilizado o limite, os depósitos feitos na conta sirvam para amortizar ou cobrir o saldo negativo. Indemonstrado que a correntista não era livre para receber os vencimentos por outro banco, não há fundamento para o alegado dano moral. Recurso improvido. (TJRS – APC 599432952 – 1ª C.Cív.Esp. – Rel. Des. Adão Sergio do Nascimento Cassiano – J. 11.04.2000) (destaquei)

d) a quatro, em razão da necessidade da manutenção da segurança e da estabilidade jurídica, conforme aduzido anteriormente, haja vista que a repetição de indébito somente seria possível em relação a valores pagos a mais em período recente, não sendo o caso da presente ação, que foi proposta após transcorridos mais de dois anos do primeiro pagamento.


DA NULIDADE DOS CONTRATOS POSTERIORES

Mediante a conduta abusiva da instituição financeira, acarretando extrema dificuldade para o Embargante purgar sua mora, através da cobrança de multa sobre o total da dívida, além da exigência de juros em muito superiores aos que o próprio Banco Central aponta como média, julgo nulos os contratos posteriores, devendo a dívida (empréstimo originário) ser atualizada conforme explicitado alhures.

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Com a anulação dos contratos posteriores ao primeiro perece também a hipoteca e conseqüente penhora realizada sobre o imóvel do Embargante, devendo a mesma ser cancelada, assim como o nome do Embargante deve ser excluído de qualquer órgão de restrição de crédito.

DA OMISSÃO DO ÓRGÃO FISCALIZADOR

— O BANCO CENTRAL DO BRASIL —

PROCURANDO JUSTIFICAR ATO NORMATIVO

— A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170-36 —

FLAGRANTEMENTE INCONSTITUCIONAL

Dentre as atribuições do Banco Central do Brasil, explanadas em sua "home page", encontra-se o seguinte:

"Para atingir os objetivos propostos nos macroprocessos, tendo em vista o conjunto de atribuições legais e regulamentares, as funções do Banco Central são:

a) formulação, execução e acompanhamento da política monetária;

b) controle das operações de crédito em todas as suas formas;

c) formulação, execução e acompanhamento da política cambial e de relações financeiras com o exterior;

d) organização, disciplinamento e fiscalização do Sistema Financeiro Nacional e ordenamento do mercado financeiro;

e) emissão de papel-moeda e de moeda metálica e execução dos serviços do meio circulante."

"2 - CONTROLE DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO

O Banco Central divulga as decisões do Conselho Monetário Nacional, baixa normas complementares e executa o controle e a fiscalização a respeito das operações de crédito em todas as suas modalidades. Nesse sentido, de acordo com os objetivos estabelecidos pela política econômica, pode atuar inclusive no contingenciamento do crédito ao setor público, monitorando o cumprimento de limites para o seu endividamento por intermédio do sistema financeiro. Semelhante procedimento pode ser adotado para o setor privado." (grifei)

Mediante a omissão do Banco Central, o Ministério Público Federal, através de sua Procuradoria da República no Estado do Acre, ajuizou ação civil pública para impedir que vários bancos do Estado do Acre, com amparo na Medida Provisória nº 2.087-29 de 2001, praticassem a capitalização de juros em períodos inferiores a um ano, mesmo que convencionado em contrato. Tal M.P., reeditada sucessivamente, teve os atos praticados com base na vigência de sua última reedição, a de numero 35, "convalidados" pela M.P. nº 2.170-36 que dispõe em seu artigo 5º :

Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais.

Fundou-se a ação na inconstitucionalidade daquela MP, em face da ausência de urgência e relevância, requisitos constitucionais para a edição de medidas provisórias (art. 62, CF 88), além de ofender frontalmente o disposto no artigo 192 da Carta Magna, que reserva exclusivamente à Lei Complementar a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional.

Já tendo sido abordada exaustivamente a questão da necessidade, ou não, de lei complementar, cabe a análise apenas sobre os fundamentos dessa referida ação civil pública, a fim de se evitar tautologia.

Vejamos primeiramente o contexto em que tal artigo foi inserido no ordenamento jurídico. O artigo guerreado originou-se como a MP nº1.963-17 de 30/03/2000, sucedendo-se então as M.P.s nº 2.087 e nº 2.170 que "convalidaram", em suas diversas edições, as imediatamente anteriores. Assim, após a edição da primeira M.P. que tratou do assunto, ou seja, a M.P. nº 1.782 de 14/12/98, foi inserido o artigo 5º, já havendo naquela data decorridos mais de dois anos da MP originária.

Os argumentos expendidos à época para justificar a edição da referida M.P. são uma verdadeira "pérola", não se prestando para o fim a que inicialmente se destinavam, mas sim para robustecer, hoje, o acerto da decisão tomada neste processo.

Com a palavra os Procuradores do Banco Central do Brasil:

"O chamado anatocismo, como se sabe, é a incorporação dos juros ao valor principal da dívida, sobre a qual incidem novos encargos. Na prática usual no mercado financeiro, os juros sobre o capital referentes a um determinado período (mensal, semestral, anual) são incorporados ao respectivo capital, compondo um montante que servirá de base para nova incidência da taxa de juros convencionada."

"O Supremo Tribunal Federal - STF, interpretando o art. 4º da Lei de Usura, e conferindo a este dispositivo caráter público, editou a Súmula nº 121, cujo enunciado explicita a vedação à capitalização de juros em período inferior ao anual, ainda que expressamente convencionada. Nas operações regidas por leis especiais onde haja expressa autorização legal, contudo, sempre entendeu o Supremo Tribunal Federal que é permitida a capitalização de juros de acordo com o período avençado (R.E nº 90.341/PA e R.E nº 96.875/RJ)."

"No mesmo sentido, o entendimento sumulado do Eg. Superior Tribunal de Justiça – STJ expresso na Súmula nº 93, verbis- "A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros". O tema, aliás, também não é alvo de qualquer controvérsia no âmbito dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais Estaduais, que têm conferido plena exeqüibilidade a estes títulos"

"Conforme assevera Gustavo Loyola, no artigo "A pior maneira de reduzir os juros", publicado no jornal "O Estado de São Paulo", de 23/04/2000, a possibilidade de capitalização de juros, ao contrário do que sustentam os opositores da medida, é prática usual no mercado financeiro internacional e representa um forte fator de redução das taxas de juros, mormente num sistema como o nosso, em que as taxas são livres, fixadas pelo próprio mercado. E prossegue acentuando que "a vedação à capitalização de juros sobre juros...apenas prejudica a necessária transparência que deve haver nos contratos financeiros por forçar os bancos a embutir nas taxas nominais de juros um adicional equivalente à capitalização".

A Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 1963-17, subscrita pelo Ministro da Fazenda Pedro Malan, lembra a necessidade de adequação das taxas primárias (com base nas quais as instituições remuneram os recursos nelas aplicados) e aquelas cobradas dos tomadores de financiamentos (o chamado "spread"), e ressalta a capitalização de juros em período inferior ao anual como forma de redução da diferença entre as taxas praticadas, pela diminuição do riscos das operações. Conclui ainda que, mantida a disciplina do Decreto nº 22.626/33, "o devedor pontual em seus pagamentos está, pela via reflexa, financiando aqueles que deixam de honrar seus compromissos".

"A vedação à cobrança de juros sobre juros, portanto, não reduziria os encargos para os mutuários, influindo diretamente no aumento das taxas para todos os devedores, onerando injustamente a grande maioria composta pelos que solvem seus compromissos pontualmente. Mantida a vedação da capitalização de juros em período inferior ao anual, os devedores de grandes quantias seriam, estes sim, beneficiados, em detrimento dos pequenos mutuários, vez que o risco de crédito seria repassado a todos os tomadores de recursos."

De todo o exposto, verifica-se que a capitalização de juros é permitida pelo nosso sistema jurídico desde o Código Comercial de 1850, variando, a partir de então, apenas a periodicidade de sua cobrança. A Medida Provisória nº 1963-17 apenas possibilitou a capitalização em período inferior ao anual, e somente nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. A vedação à capitalização de juros, conforme demonstrado, pode influir no aumento das taxas de juros nominais, em detrimento da desejada queda das taxas de mercado." In Presidência da República Subchefia para Assuntos Jurídicos. Revista Jurídica Virtual Nº 12 - MAIO / 2000 A capitalização de juros no nosso sistema jurídico - José Coelho Ferreira Procurador-Geral do Banco Central; Paulo Álvares Babilônia e Theresa Karina de F. G. Barbosa Procuradores do BC.

Fossem os Srs. Procuradores banqueiros a defender as teses acima apontadas, e não operadores do direito, não seria tanto o espanto em detectar tão grave ofensa ao nosso ordenamento jurídico e, diga-se de passagem, ofensa até mesmo ao próprio bom senso.

Em uma linha de raciocínio que aponta súmulas do STF e do STJ (neste com exceções) como impeditivas para a capitalização em períodos inferiores a um ano, os citados Procuradores do BC referendam a prática abusiva, usurária e, conforme se depreende das suas próprias referências, ILEGAL, das instituições bancárias, visando com isso justificar a malfadada Medida Provisória.

É bem verdade que a supramencionada medida provisória, editada mais recentemente, não acoberta em nenhuma hipótese a pretensão de capitalizar juros no período anterior à sua edição, em respeito ao direito adquirido do mutuário.

Porém, sendo óbvia a capitalização de juros pelo Embargado no caso sub examine, antes e depois da M.P., resta averiguar se este ato normativo (a M.P. 2.170-36), tem ou não alguma eficácia frente aos princípios e normas da Carta Maior.

Mesmo com o advento dessa M.P., não vingaria a pretensão do Banco-Embargado, como se verá adiante, em face da sua flagrante inconstitucionalidade, já que se trata de uma medida provisória, naufragando em seu desiderato em função de:

a) a uma, conflitar com o texto constitucional, em função da auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192 CF, pois a limitação das taxas de juros em 12% anuais implica, caso seja permitida a capitalização, na definição de juros mensais, com certeza inferiores a 1% (um por cento);

b) a duas, em não se entendendo como auto-aplicável o disposto no artigo 192 da CF, deveria este ser regulamentado por Lei Complementar, sendo inadmissível sua substituição por medida provisória;

c) a três, admitindo-se tal hipótese apenas por exercício de raciocínio, não subsiste a medida provisória por si só, eis que ausentes os seus requisitos essenciais, ou seja, o caráter de urgência e de relevância;

Os atos normativos, como ocorre com as MP não escapam do controle difuso do juiz sentenciante, reconhecendo-a inconstitucional diante do caso in concreto.

"... No sistema-jurídico-constitucional brasileiro, o juiz é essencial e substancialmente julgador, função jurisdicional estritamente vinculada à lei, encastoando-se do poder do jus dicere, descabendo-lhe recusar cumprimento à legislação em vigor (salvante se lhe couber declarar-lhe a inconstitucionalidade), sob pena de exautorar princípios fundamentais do direito público nacional.... " (REsp nº 201972/RS, 1ª Turma do STJ, Rel. Demócrito Reinaldo).

A inconstitucionalidade resulta flagrante no caso em apreço, cabendo a este Juízo sobre ela se manifestar, eis que a parte Embargante suscitou a cobrança abusiva, ilegal e inconstitucional dos juros por parte do Embargante.

Cabe ressaltar, mais uma vez, que essa MP vem sendo considerada inconstitucional em face da ausência de urgência e relevância, requisitos constitucionais para a edição de medidas provisórias (art. 62, CF 88), além de ofender frontalmente o disposto no artigo 192 da Carta Magna, que reserva exclusivamente à Lei Complementar a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional.

Sobre essa matéria o E.Tribunal Regional Federal da 1ª região já se manifestou em quatro oportunidades distintas (Agravos de Instrumento nº 2001.01.00.023787-2/AC, nº 2001.01.00.025630-3/AC e nº 2001.01.00.023074-6/AC, e Suspensão de Segurança nº 2001.01.00.026332-6/AC ), mantendo a decisão do juízo a quo, diga-se de passagem, oriunda da Seção Judiciária do Estado do Acre.

As personalidades do Banco Central citadas no referido artigo acabam por dirimir qualquer dúvida quanto à ciência das autoridades maiores em relação ao sistemático descumprimento da lei. Com isso, evidencia-se que em face da mora do Poder Legislativo e da inércia do Poder Judiciário ex surge o Poder Executivo, a todos atropelando e, através da "permanente convalidação dos atos praticados", usurpa os poderes dos demais, fazendo ouvidos de mercador às inúmeras decisões de primeiro e segundo grau que há muito vem coibindo a usura que, reconhecidamente institucionalizada, se quer agora legalizar.

Não se pode olvidar que no texto acima transcrito encontram-se remissões de dois ex-presidentes do Banco Central do Brasil, devendo ser ressaltado que o atualmente em exercício foi guindado do posto de renomado agente do mercado financeiro ao que ora ocupa, corroborando a assertiva de que os procuradores que assim se manifestaram sobre o comportamento das instituições financeiras o fizeram com respaldado conhecimento de causa.

Finalizando, cape repisar que, conforme exaustivamente explanado em tópicos anteriores:

a) existem outros fatores embutidos na taxa de spread que são reconhecidos pelo próprio Banco Central como forma de burlar a vedação legal da capitalização, em flagrante afronta ao ordenamento jurídico ainda em vigor;

b) os possíveis prejuízos sofridos pelas instituições bancárias são repassados aos novos tomadores, através de juros "embutidos", mostrando que em nenhuma hipótese arcam os bancos com qualquer prejuízo, devendo ser apurada ainda possível fraude tributária, eis que os valores "ditos não recebidos", consistentes no excesso de cobrança que o banco pratica, são lançados como "prejuízos", reduzindo a base de cálculo para tributação;

c) diferentemente do que aduziram os Procuradores, mesmo com a sucessiva reedição da MP, não houve a esperada redução dos valores das taxas de juros que viessem a refletir a conveniência da referida norma. Tal fato torna-se tão mais evidente quando presenciamos a guerra travada pelo governo para reduzir o preço dos combustíveis nas bombas quando da ocorrência da redução nas refinarias, comprovando a inércia existente do "capital" em reduzir suas margens de lucro quando o consumidor já se encontra descrente e subserviente às regras que lhe são unilateralmente impostas.

d) a esdrúxula tentativa de regulamentar a capitalização de juros através da medida provisória nº 2170-36, e das MPs que lhe antecederam e sucederam, é obviamente inconstitucional, havendo, inclusive, a confissão explícita de procuradores e ex-presidente do Banco Central do Brasil reconhecendo a prática bancária de burlar a lei através da cobrança abusiva de juros. Pelas razões expostas, por uma questão de Justiça e de sobrevivência dos tomadores de empréstimos, DECLARO inconstitucional a Medida Provisória nº 2.170-36.

DA PARTE DISPOSITIVA

Considerando que o próprio Banco Central, conforme apontado anteriormente, não encontra fundamentação para justificar os altos encargos cobrados, reconhecendo, todavia, que "as taxas de juros brasileiras estão atualmente entre as mais elevadas do mundo." (Juros e Spread Bancário - outubro de 1999, introdução, p.3);

Considerando que com o advento do Plano Real, ainda que às custas de recessão econômica, agravamento da distribuição de renda no país, aumento da dívida externa e outras mazelas mais que não cabem aqui discutir, conseguiu-se estancar o processo inflacionário a nível anual de um dígito, sendo os índices mensais, em muitos dos meses, decimais;

Considerando que, como resultado, evidencia-se uma disparidade absurda nas taxas de juros pagas pelas instituições financeiras na captação e das que são cobradas em operações de crédito;

Considerando que o Legislativo, por sua vez, limita-se a apresentar ocasionalmente projetos de lei que venham a regulamentar a matéria, em aparente mise-en-scène, eis que o Poder Judiciário, com sua cota de responsabilidade pela usura institucionalizada pelos bancos, limita-se simplesmente a apontar a flagrante mora legislativa, sepultando a intenção dos legisladores constituintes que estabeleceram o instituto do Mandado de Injunção na Carta de 88 como remédio adequado para correção dessa mazela que já compromete os rumos e o destino do país;

Considerando que o receio de usurpação de poder do Legislativo, faz com que, conforme proclamado por membros da própria Corte Suprema, haja um nivelamento de institutos, passando a ter o Mandado de Injunção eficácia diversa, nivelando-se à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão;

Considerando que com isso o sistema de "check and balances", ou "freios e contra-pesos", fica limitado apenas ao "check", para muitos sem fundo, ou freios, da economia, do desenvolvimento e, lamentavelmente, da prestação jurisdicional, que se encontra parada há mais de uma década, sem conseguir explicar ao jurisdicionado o motivo de não se poder limitar as taxas de juros, ou, pelo menos, desvendar o mistério do que venham a ser os "juros reais" fixados na Constituição Federal;

Considerando que os bancos, enquanto isso, encontrando terreno fértil e desprovido de guardião, seguem semeando e colhendo os frutos que, embora lhe sejam devidos, dada a falta de controle dos órgãos responsáveis, acabam por tornar estéril o solo em que são plantados, ocasionando a redução do consumo, o fechamento de indústrias, o desemprego e assim por diante, num círculo vicioso que pode ser considerado como verdadeiro "câncer" social;

Considerando que urge neste momento uma revisão dos princípios e teses sustentados pelas autoridades maiores, antes que, fatalmente, venhamos a sofrer conseqüências nefastas, tal como nossos vizinhos argentinos, que, submetendo-se às regras estipuladas pelos capitais alieníginas, vieram a sucumbir em verdadeiro caos institucional;

Considerando que restou evidenciado que a auto-aplicabilidade da taxa constitucional de 12% de juros ao ano se dá mediante a interpretação dos juros reais como margem líquida do banco, eis que comprovado, de igual forma, a impossibilidade dessa taxa cobrir todos os encargos do Embargado demonstrados nas informações do Banco Central do Brasil, e que, de outro giro, restou também cristalino que as abusivas taxas praticadas devem ser reduzidas;

Considerando que a remuneração do capital neste decisum, na forma que foi arbitrada, atende aos interesses de ambas as partes contendoras, em primazia, sobretudo, da aplicação dos princípios da eqüidade e da razoabilidade para afastar a usura que vem assolando o país há mais de uma década;

Considerando que a Medida Provisória nº 2.170-36 é inconstitucional, pois:

a) conflita com o texto constitucional, em função da auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192 CF, eis que a limitação das taxas de juros em 12% anuais implica, caso seja permitida a capitalização, na definição de juros mensais, com certeza inferiores a 1% (um por cento);

b) em não se entendendo como auto-aplicável o disposto no artigo 192 da CF, deveria este ser regulamentado por Lei Complementar, sendo inadmissível sua substituição por medida provisória;

c) por último, admitindo-se tal hipótese apenas por exercício de raciocínio, não subsiste a medida provisória por si só, eis que ausentes os seus requisitos essenciais, ou seja, o caráter de urgência e de relevância;

Considerando, por fim, todos os demais fundamentos já expostos, julgo parcialmente procedentes os presentes Embargos, nos termos do artigo 269, inc. I, do CPC, para:

a. declarar a validade parcial apenas do primeiro contrato firmado entre o Embargante e o Banco do Brasil S.A.;

b. declarar a nulidade de todas as supostas novações posteriores;

c. determinar a aplicação da Taxa Referencial (TR), mantendo o pacto originário efetivado pelos contratantes em seu primeiro contrato, servindo a referida taxa como atualização do valor da moeda, devendo a mesma incidir sobre todo o período, eis que nulos são os contratos posteriores;

d. determinar aplicação da taxa de juros remuneratórios de 3% (três por cento) ao mês em substituição da taxa de 4,1% pactuada no primeiro contrato, com a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano (capitalização anual), nos termos do art. 4º da Lei de Usura- Nesse sentido, TJAC na Ap. Cível nº 606/95). Esse percentual de 3% de juros remuneratórios, comparado com os índices apontados e praticados pelo Banco Embargado, incorpora, na média, todos os componentes da operação bancária referendados pelo Banco Central, como alhures exposto, sem prejuízo ao Embargado de uma razoável margem de lucro, condizente com a atual realidade econômica do país.

e. determinar a redução da multa, fixando-a em 2% (dois por cento) sobre o valor originário do empréstimo atualizado;

f. determinar a aplicação de juros de mora de 1%(um por cento)ao ano, conforme pactuado;

g. determinar o cancelamento da hipoteca realizada sobre o imóvel residencial do Embargante, devendo ser oficiado ao respectivo Cartório Imobiliário;

h. declarar a nulidade da penhora efetivada sobre o referido imóvel,

i. determinar a exclusão do nome do Embargante de qualquer órgão de restrição de crédito;

j. declarar a impossibilidade de repetição de indébito sob qualquer rubrica.

K. declarar válidas as amortizações e pagamentos discriminados na presente decisão, devendo os respectivos valores ser abatidos da dívida nas datas do efetivo pagamento ou do depósito a título de amortização, cada um de per si;

l. declarar, ainda, a inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 2.170-36 pelos motivos anteriormente expostos.

Como os Embargos foram julgados parcialmente procedentes, sobretudo pelo não reconhecimento do abusivo pacto de Comissão de Permanência, da indevida capitalização mensal usurária de juros e da exorbitante metodologia de aplicação de elevada multa, nos mesmos moldes, reconheço a sucumbência recíproca, razão pela qual determino o rateamento meio a meio das custas processuais e a compensação dos honorários advocatícios, nos termos do art. 21 do Código de Processo Civil. Fica fixada a verba honorária no percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor a ser apurado em liquidação.

Determino ao Cartório que junte cópia da presente decisão aos autos principais de execução forçada de título extrajudicial, correndo o prazo de 10 (dez dias), após o trânsito em julgado, para que o Banco-Embargado apresente na execução memória de cálculo discriminado em conformidade com os parâmetros do presente "decisum", caso ainda remanesça algum crédito, em face das amortizações da dívida realizadas pelo Embargante.

Determino, ainda, sejam remetidas cópias da presente decisão ao Ministério Público Estadual e Federal, para conhecimento e providências que entender necessárias.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Rio Branco - Acre, 18 de janeiro de 2002.

___Adair José Longuini___

Juiz de Direito


Notas

1..Fls. 2/22 e documentos de fls. 23/70

2..Fls. 75/102

3..Fls. 105/118

4..Fls. 42/43

5..Fls. 42/43

Sobre o autor
Adair José Longuini

juiz de Direito em Rio Branco (AC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LONGUINI, Adair José. Limitação constitucional dos juros:: análise judiciária e legislativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16484. Acesso em: 18 nov. 2024.

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