Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A litigância de má-fé do advogado no processo civil luso-brasileiro

Agenda 12/04/2017 às 23:31

Acórdão n.º 175/2017 do Tribunal Constitucional de Portugal

O Novo CPC brasileiro deu destaque à boa-fé processual, mas não atingiu os advogados no tocante à condenação nas penas da litigância de má-fé.

Apesar das intensas discussões acerca de tal possibilidade, ainda prevalece que, em caso de lide temerária, a apuração da responsabilidade do advogado se dá por ação própria, nos termos do art. 32, §1º do Estatuto da OAB (e sob inspiração do art. 133. da Constituição).

Em Portugal, o art. 545. do CPC/2013 permite que o magistrado declare a má-fé do advogado e remeta comunicado à Ordem para que a entidade aplique condenação à quota-parte na indenização.

Foi o que aconteceu no caso julgado pelo Tribunal Constitucional português em 6 de abril de 2017. Após repetidos pedidos de nulidade, desprovidos de novos fundamentos, a condenação recaiu sobre o advogado.

A litigância de má-fé e o cálculo da respectiva indenização são matérias tratadas nos arts. 542. e 543 do CPC português. No Brasil, o tema é centrado nos arts. 80. e 81 do diploma processual.


Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional.

1. A. e mulher, B., notificados do Acórdão n.º 643/2016, que indeferiu arguição de nulidade de acórdãos anterior e os condenou por litigância de má-fé, vêm pedir a reforma do mesmo, pedindo que se profira “novo acórdão que ordene a consequente reforma do Acórdão inicial - n.º 67/2016”, em que se indeferiu a reclamação inicial contra o indeferimento do requerimento de interposição de recurso e ainda que se absolva os reclamantes da “condenação de Má Fé processual, bem como das correspetivas custas processuais e de todo o mais processado ou participado, desde então”. Mais suscitam incidente de recusa do juiz relator.

2. Decorrido o prazo, o reclamado não respondeu.

3. Na sequência de despacho proferido pelo relator, a 8/2/2017, para julgamento do incidente de suspeição, foi proferida decisão pelo Presidente da 3ª Secção, a 14/02/2017, que indeferiu o incidente por manifesta falta de fundamento.

II. Fundamentação

4. Importa fazer uma súmula dos pedidos e acórdãos já proferidos pelo Tribunal Constitucional no decurso do presente processo. Em 3 de fevereiro de 2006, foi proferido o Acórdão n.º 67/2016, no qual se decidiu indeferir a reclamação apresentada pelos recorrentes do despacho de não aceitação do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, proferido pelo STJ a 19/11/2015. Vieram então os reclamantes arguir nulidade desse acórdão, a qual foi indeferida por acórdão prolatado a 13/04/2016, sob o n.º 210/2016. Os reclamantes arguiram nova nulidade, tendo sido proferido o Acórdão n.º 405/2016, a 21/06/2016, que voltou a indeferir o pedido. Na sequência de novo pedido de nulidade, foi proferido o Acórdão n.º 515/2016, a 27/09/2016, que determinou extração de traslado e remissão dos autos ao tribunal recorrido, tendo ainda determinado que os reclamantes fossem ouvidos sobre eventual condenação como litigantes de má-fé. Ouvidos os recorrentes, foi proferido o Acórdão n.º 643/2016, que indeferiu o novo pedido de nulidade e condenou os recorrentes por litigância de má-fé, mais determinando a comunicação da decisão à Ordem dos Advogados, nos termos e para os efeitos do artigo 545.º do CPC.

Assim, o presente pedido constitui o 4.º pedido de nulidade deduzido no presente processo.

5. Os reclamantes continuam a insistir na conhecimento do presente recurso por parte do Tribunal Constitucional – matéria para a qual o poder jurisdicional do Tribunal Constitucional se encontra há muito esgotado, como, aliás, já se referiu nos sucessivos acórdãos prolatados na sequência dos anteriores pedidos de nulidade, nada havendo, pois, a acrescentar ao que já se decidiu e fundamentou por diversas vezes.

6. Os reclamantes insurgem-se ainda contra a sua condenação como litigantes de má-fé. No entanto, nada invocam que possa invalidar a condenação assim proferida. De facto, a referida condenação foi suficientemente fundamentada, de facto e de direito, tal como o foi, de resto, a imputação de tal condenação à responsabilidade do mandatário. A persistente conduta dos recorrentes, continua, aliás, a confirmar a justeza da condenação. Assim o demonstra o pedido manifestamente infundado de recusa de juiz, a nova persistência em pretensões cuja falta de fundamento, face aos sucessivos acórdãos já prolatados, os reclamantes não podem ignorar, bem como a continuação do uso manifestamente reprovável de pedidos de nulidade. A persistirem nos presentes comportamentos, os reclamantes poderão incorrer em nova condenação por litigância de má-fé, a qual ao ter como o uso persistente e manifestamente reprovável de meios processuais e de matéria de direito, será novamente imputada ao mandatário dos reclamantes.

7. Insurgem-se ainda os reclamantes contra a condenação nas custas judiciais, que dizem ser excessiva. Ora, neste ponto foram aplicadas as normas previstas no Regime de Custas no Tribunal Constitucional, regulado pelo Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 91/2008, de 2 de junho), e cujo artigo 7.º dispõe que, nas arguições de nulidades e nos pedidos de esclarecimento ou reforma de decisões, a taxa de justiça é fixada entre 5 UC e 50 UC. Assim, a condenação em 15 UC, feita no 5.º acórdão proferido no presente processo não se revela excessiva, face aos limites previstos na lei e aos critérios determinantes da fixação do montante devido em concreto, como a complexidade do processo, a qual, devido aos sucessivos pedidos de nulidade, tem vindo a agravar-se.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Indeferir o pedido de reforma;

b) Condenar os reclamantes em custas, que se fixam em 20 UC.

Lisboa, 6 de abril de 2017

(Ac. do Tribunal Constitucional de 6 de abril de 2017, Processo n.º 4-A/16, Rel. Cons. Lino Rodrigues Ribeiro)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos
Sobre o autor
Julian Henrique Dias Rodrigues

Advogado em exercício no Brasil, em Portugal e na União Europeia. Licenciado pela Faculdade de Direito de Curitiba desde 2008, é pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná, em Direito do Desporto pela Universidade Castelo Branco, e em Direito da Medicina pela Universidade de Lisboa. Mestrando em Direito pela Universidade Nova de Lisboa. Integrou a Comissão de Direito do Desporto da Ordem dos Advogados do Brasil (PR), e diversos Tribunais de Justiça Desportiva. Atuou como assessor de magistrado junto ao Tribunal de Justiça do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!