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Não inclusão de precatórios na proposta orçamentária. Crime de responsabilidade. Teoria da impossibilidade material

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Agenda 01/03/2002 às 00:00

3. Aspectos Formais Referentes ao Processamento do Crime de Responsabilidade

É preciso tecer alguns comentários acerca da legitimidade ativa para iniciar o procedimento nos crimes de responsabilidade instaurados contra Governadores de Estado e seus Secretários. Muitas divagações podem vir à tona; afinal, trata-se do exercício de um direito político de suma importância, que pode modificar a própria história do Estado.

Não há, na Constituição Federal, um órgão em particular incumbido a dar o impulso inicial do processo dos crimes de responsabilidade eventualmente cometidos pelo Presidente da República.

Se se considerar que o crime de responsabilidade é um crime de ação penal pública, somente os membros do ministério público teriam a competência privativa para impulsioná-lo, sem prejuízo da ação penal privada subsidiária (cf. art. 129, inc. I, e art. 5º, inc. LIX, da CF/88: "são funções institucionais do Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei" e "será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal"). Há, inclusive, parecer neste sentido da lavra dos juristas Roberto Delmanto e Roberto Delmanto Júnior, com o título Ilegitimidade Processual dos Autores do Pedido de ‘Impeachment’, publicado na Revista dos Tribunais, v. 82, nº 698, São Paulo, 1993, p. 410/411. Esse ponto de vista, contudo, é minoritário, não prevalecendo em julgado algum do Supremo Tribunal Federal.

Em verdade, o entendimento dominante é no sentido de que continua em vigor a denúncia popular, prevista na Lei 1.079/50. A regra da denúncia popular vale tanto para o Presidente da República e Ministros de Estado (art. 14), quanto para os Governadores e Secretário de Estado (art. 75). Vale citar este dispositivo:

"art. 75. É permitido a todo cidadão denunciar o Governador perante a Assembléia Legislativa, por crime de responsabilidade".

Analisando a validade do "princípio da denunciabilidade popular", na hipótese de crime de responsabilidade cometido por Ministro de Estado, o eminente Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal perfilhou o entendimento de que permanecem válidos os dispositivos da Lei 1.079/50. Veja-se:

"Essa questão - que consiste no reconhecimento da legitimidade ativa de qualquer cidadão (vale dizer, de qualquer eleitor) para fazer instaurar, perante o Supremo Tribunal Federal, o concernente processo de impeachment contra Ministro de Estado - assume indiscutível relevo político-jurídico.

É irrecusável, no entanto, que, em tema de ativação da jurisdição constitucional pertinente ao processo de impeachment, prevalece, em nosso sistema jurídico, enquanto diretriz básica, o "princípio da denunciabilidade popular" (PONTES DE MIRANDA, "Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969", tomo III/355, 2ª ed., 1970, RT).

Essa circunstância justifica o reconhecimento, em favor dos ora denunciantes - ambos cidadãos no pleno exercício de seus direitos políticos -, da legitimidade ativa ad causam necessária à instauração do processo de apuração da responsabilidade político-administrativa de Ministro de Estado, perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, c, da Constituição" (Inquérito 1.350 – DF, DJU de 15 de fevereiro de 2000).

Assim, somente o cidadão, nessa qualidade, possui legitimidade ativa para denunciar as autoridades indicadas pela Lei 1.079/50 por crime de responsabilidade.

Quanto a esse ponto, o professor Alexandre de Moraes é enfático:

"Todo cidadão, e apenas ele, no gozo de seus direitos políticos é parte legítima para oferecer acusação à Câmara dos Deputados. A acusação da prática de crime de responsabilidade diz respeito às prerrogativas da cidadania do brasileiro que tem o direito de participar dos negócios políticos" (Direito Constitucional. 5ª ed. Atlas, São Paulo, 1999, p. 393).

E mais à frente arremata o mestre:

"A legitimidade ativa ad causam, portanto, não se estende a qualquer um, mas somente às pessoas investidas no status civitatis, excluindo, portanto, pessoas físicas não alistadas eleitoralmente, ou que foram suspensas ou perderam seus direitos políticos (CF, art. 15) e, ainda, as pessoas jurídicas, os estrangeiros e os apátritadas" (Ob. cit. p. 393) - grifamos.

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O constitucionalista e parlamentar Michel Temer é igualmente claro ao explicar que, no caso do Presidente da República, "todo cidadão no gozo de seus direitos políticos é parte legítima para oferecer a acusação à Câmara dos Deputados. Somente os cidadãos, isto é, aqueles que a Constituição define como brasileiros (art. 12). E devem estar no gozo de seus direitos políticos. Só quem deles goza pode exercê-los. A acusação da prática do crime de responsabilidade diz respeito às prerrogativas da cidania; do brasileiro que tem o direito de participar dos negócios políticos" (Elementos de Direito Constitucional. 10ª ed. Malheiros, São Paulo, 1994, p. 157/158) [16].

Feitas essas considerações, fica fácil perceber que o Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região não teria legitimidade ativa para oferecer representação (denúncia) contra o Governador e os Secretários de Estado. A denúncia formulada, por isso, não merece prosperar, havendo, no caso, a típica hipótese de "carência de ação" (ausência de uma das condições da ação, qual seja, legitimidade ativa ad causam). A Assembléia Legislativa tem, portanto, o dever de sumariamente indeferir a denúncia, ressalvando-se, é claro, a possibilidade de, sanado o defeito apontado, dar prosseguimento a seu processamento.

3.2. O Rito a Ser Seguido no Processamento de Governador de Estado e de Seus Secretários por Crime de Responsabilidade

"O processo de impeachement submete-se a uma ordem ritual definida, que se desenvolve, de modo escalonado, em fases procedimentais rigidamente demarcadas. Enquanto estrutura formal, o impeachement observa um rito procedimental, com momentos próprios, vinculados, cada qual, a finalidades específicas. A estipulação de prazos — prazos que são peremptórios e preclusivos —, para a prática de atos processuais pelo denunciado, não se revela incompatível com o postulado do due process of law e com todas as conseqüências jurídicas que dele derivam" Min. Celso de Mello, MS 21623-DF.

Se, por um lado, é fácil compreender que somente o cidadão tem a legitimidade ativa para deflagrar o processo de impeachment do Governador de Estado, por outro lado, saber qual o rito a ser seguido após protocolizada a denúncia é questão bastante tormentosa. Somente através de uma análise sistemática das decisões do Supremo Tribunal Federal, torna-se possível visualizar todo o iter procedimental nos crimes de responsabilidade atribuídos a Governador de Estado.

Lembra-se que as constituições estaduais não podem dispor sobre crimes de responsabilidade das autoridades locais. Qualquer solução de ordem processual, portanto, há de ser buscada ou na própria Constituição Federal, ou na Lei 1.079/50. Esta (a Lei 1.079/50) somente será aplicável naquilo em que não contrariar o novo modelo federal adotado para a responsabilização do Presidente da República.

Entre as várias indagações de natureza processual que podem surgir, enumeram-se as seguintes: 1) qual o órgão competente para apreciar o recebimento da acusação? 2) qual o órgão competente para processar acusação, após o seu recebimento? 3) qual o órgão competente para o julgamento do processo? 4) qual o quorum a ser adotado no recebimento da acusação e julgamento do processo? 5) em qual momento processual ocorre o afastamento provisório do Governador (no recebimento da acusação ou na instauração do processo)?

A Constituição do Estado de Alagoas e a Lei 1.079/50 tratam de cada uma dessas matérias de modo diverso. Pela Lei 1.079/50 (art. 77), se a Assembléia Legislativa, por maioria absoluta, decretar a procedência da acusação, será o Governador imediatamente suspenso de suas funções. O julgamento, no caso, competiria a um tribunal misto, composto de cinco membros do Legislativo e de cinco desembargadores sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça local. A escolha desse Tribunal seria feita – a dos membros do Legislativo, mediante eleição pela Assembléia; a dos desembargadores, mediante sorteio. No caso da Constituição Estadual (art. 110), admitida a acusação pela Assembléia Legislativa Estadual, pelo voto de dois terços de seus membros, será o Governador submetido a julgamento perante a própria Assembléia Legislativa, na hipótese de crime de responsabilidade, e somente ficará suspenso de suas funções "após a instauração do processo pela Assembléia Legislativa". A antinomia, portanto, é manifesta. Cumpre aferir qual a norma a ser aplicada.

Viu-se que as constituições estaduais não podem tratar do processo e julgamento dos crimes de responsabilidade. Assim, à primeira vista, afastar-se-ia por completo a incidência dos preceitos da Constituição Estadual. Por outro lado, a Lei 1.079/50, no seu art. 78, remete às constituições estaduais a forma do julgamento do Governador, regulamentando a matéria apenas "nos Estados onde as Constituições não determinarem o processo nos crimes de responsabilidade dos Governadores". Seria, nesse ponto, a Lei 1.079/50 inconstitucional? Vale dizer: poderia a lei federal delegar aos Estados-membros a elaboração de normas processuais, em matéria, que por força da Constituição, é de sua competência privativa?

A resposta a essa pergunta já foi reproduzida acima, quando ficou ressaltado que compete, exclusivamente à União Federal, legislar sobre direito Penal e o processo. Logo, não pode, o legislador estadual definir sujeitos de responsabilidade, crimes, órgãos jurisdicionais e processo, que não estejam previstos na lei federal. Assim, entre as regras da Lei 1.079/50 e as regras da constituição estadual, no que forem conflitantes, aplica-se a primeira.

Há, não obstante, mais algumas ressalvas. A Lei 1.079/50 foi promulgada à luz da Constituição de 1946, quando a matéria tinha disciplina bastante diferente da estabelecida na Constituição de 1988. Logo, a Lei 1.079/50 não pode ser aplicada "cegamente", sem críticas. É preciso adaptá-la à nova regulamentação constitucional.

Tomando com base o voto do e. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, proferido na ADIn nº 1.628-8 – Santa Catarina, referendado por unanimidade pelo plenário, é possível extrair algumas regras referentes ao processamento e julgamento dos Governadores de Estado pela prática de crimes de responsabilidade. Assinale-se que as normas da Constituição do Estado de Santa Catarina atacadas na ADIn assemelhavam-se bastante com as normas da Constituição do Estado de Alagoas.

Naquele julgamento, o emérito Ministro fez precisamente as seguintes perguntas: "(a) a Constituição do Estado pode dispor sobre essa matéria [crime de responsabilidade]? (b) Pode ela afastar a incidência da Lei Federal, criando órgão específico, que seria a própria Assembléia Legislativa, para julgar o Sr. Governador de Estado? (c) Pode a Constituição estadual estabelecer que a suspensão – contrariamente ao que dispõe a Lei Federal – da função do Governador deverá se dar quando do início do procedimento perante a Assembléia Legislativa, com o juízo de admissibilidade da acusação?"

Após tecer comentários sobre o impeachment, o Ministro entendeu, na linha jurisprudencial já consolidada, que a definição dos crimes de responsabilidade, como também o estabelecimento de normas de processo e julgamento, é da competência da União Federal, devendo, portanto, ser aplicada a Lei 1.079/50, no processo e julgamento dos Governadores de Estado. Em face disso arrematou:

"O art. 77 da Lei dispõe: ‘Apresentada a denúncia e julgada objeto de deliberação, se a Assembléia Legislativa, por maioria absoluta’ – leia-se, aqui, maioria de 2/3, em decorrência do quorum da Constituição de 1988, matéria essa superada nessa Corte – ‘decretar a procedência da acusação, será o Governador imediatamente suspenso de suas funções’.

Então, Sr. Presidente, entendo que, vigente a Lei Federal por sobre as normas estaduais, não poderá: (a) o Governador de Estado ser suspenso de suas funções como decorrência da admissibilidade da denúncia, e (b) não poderá ser julgado pela Assembléia Legislativa, mas, sim, pelo órgão da Lei de 1950" [17].

Assim, de acordo com a orientação do Supremo Tribunal Federal, o órgão competente para processar e julgar o Governador do Estado é o Tribunal Especial de que fala a Lei 1.079/50, de composição mista [18].

Com relação especificamente ao quorum tanto para o juízo de admissibilidade da denúncia quanto para o julgamento final do Governador, o Pretório Excelso vem entendendo que o disposto no art. 86, caput, da CF ("Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.") não é prerrogativa exclusiva do Presidente da República, devendo os Estados-membros estender sua aplicação a seus Governadores. Com base nesse entendimento, na ADInMC 1.634-SC, rel. Min. Néri da Silveira, 17.9.97, o STF indeferiu medida liminar em ação direta requerida pelo Partido dos Trabalhadores - PT, na qual se impugnavam normas do Estado de Santa Catarina que prevêem o quorum de dois terços da Assembléia Legislativa estadual para o recebimento de denúncia contra o governador por crime comum (Constituição Estadual, art. 73), e de representação por crime de responsabilidade (Regimento Interno da Assembléia Legislativa, art. 243, § 4º) [19]. Ressalte-se, nesse caso, o quorum da Lei 1.079/50 foi "adaptado" à disciplina constitucional estabelecida desde a Constituição de 1967.

Levando em consideração as regras acima expostas, e analisando a Lei Federal 1.079/50 à luz da Constituição de 1988, pode-se resumir o inter procedimental do julgamento dos Governadores de Estado, nos crimes de responsabilidade, da seguinte forma:

1. o cidadão faz o protocolo da denúncia perante a Assembléia Legislativa (apresentação da denúncia);

2. é formada, na Assembléia Legislativa, comissão especial para dar parecer sobre se a denúncia deve ou não ser objeto de deliberação, conforme dispuser o Regimento Interno da Assembléia (juízo político de mera conveniência e oportunidade, bem como de análise dos aspectos formais da denúncia – exemplificativamente, "os pertinentes à legitimidade ativa dos denunciantes ou à eventual ilegalidade passiva do agente público denunciado, ou à inépcia jurídica da peça acusatória, ou à observância das formalidades rituais, ou, ainda, aos próprios pressupostos de válida instauração do procedimento parlamentar");

3. antes de submeter o parecer à apreciação do Plenário, a Comissão Especial deverá, em obséquio ao princípio da ampla defesa e do contraditório, conceder aos acusados a possibilidade de contraditar a denúncia, sem contudo, iniciar o "processo" propriamente dito [20];

4. apresentado o parecer, a Assembléia deliberará, em escrutínio aberto [21], acerca da admissibilidade ou não da denúncia, atuando tal qual a Câmara dos Deputados [22];

5. admitida a acusação do Governador, por dois terços da Assembléia Legislativa, será ele submetido a julgamento perante o tribunal especial de que fala o art. 78, da Lei 1.079/50;

6. instaurado o processo pelo tribunal especial, ficará o Governador suspenso temporariamente de suas funções;

7. após o regular processamento, em que se observarão todas as garantias processuais decorrentes do due process of law (contraditório, ampla defesa, publicidade, motivação etc), aplicando-se, no que couber, o Código de Processo Penal, o tribunal especial, que ocupará papel semelhante ao do Senado Federal, no julgamento do Presidente da República, julgará a denúncia, por dois terços de seus membros.

Em síntese, são estas as regras processuais a serem observadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Não inclusão de precatórios na proposta orçamentária. Crime de responsabilidade. Teoria da impossibilidade material. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16464. Acesso em: 23 dez. 2024.

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