5. Conclusões
"Eu não faço, certamente, ilusão em torno da eficácia das minhas palavras. porém, segundo os ensinamentos daquele magnífico filósofo, que todos deveriam ver em Cristo, ainda que queiram considera-lo somente com filho do homem, não esqueço que as palavras são sementes. Porquanto com o meu trigo se mistura infelizmente muito joio, algum grão aqui pode ser capaz de germinar. Por isso, sem presunção mas com devoção, o semeio. Não pretendo que a colheita me remunere com cem, nem com sessenta, nem com trinta por um. Se, talvez, um só dos meus grãos germinasse, não teria semeado em vão." Francesco Carnelutti, As Misérias do Processo Penal
Diversas conclusões foram extraídas ao longo da exposição, de modo que seria mera repetição desnecessária enunciá-las novamente nessa oportunidade. De qualquer forma, a fim de que se possa ter uma visão sistêmica e resumida do exposto, arrolam-se as seguintes ponderações, que hão de facilitar a compreensão das diretrizes propostas ao cabo do parecer:
1. Matérias de ordem processual que podem ser alegadas em defesa do Governador e dos Secretários de Estado.
As seguintes questões formais podem ser sustentadas em eventual defesa a ser elaborada:
- ilegitimidade ativa do denunciante (3.1): o TRT não possui legitimidade para deflagrar o processo de impeachment contra o Governador de Estado;
- inépcia da denúncia (nota de rodapé nº 25): parte da doutrina defende ser inepta a "denúncia alternativa", em que não se especifica qual a norma penal incriminadora violada;
- quorum constitucional de 2/3 para o recebimento da denúncia (3.2): conforme entendimento do Pretório Excelso, o quorum para o recebimento de denúncia contra Governador de Estado é de 2/3 dos membros da Assembléia Legislativa, e não maioria absoluta, como quer o Tribunal-representante.
2. Ainda sob a ótica dos aspectos processuais, sugiro que seja elaborada ADIn contra os dispositivos da Constituição Estadual que conflitem com o modelo federal adotado, principalmente no que se refere ao órgão competente para processar e julgar o Governador de Estado por crime de responsabilidade. A matéria é controvertida. O Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado, considerou inconstitucional dispositivo da Constituição do Estado de Santa Catarina que atribuía à própria Assembléia Legislativa a competência para processar e julgar o Chefe do Executivo local; decidiu-se que a competência seria do órgão especial de que trata a Lei 1.079/50. Seria oportuna, pois, que Corte Suprema aferisse a validade ou não do dispositivo da Constituição do Estado de Alagoas que atribui à Assembléia Legislativa o processamento e julgamento do Governador de Estado por crime de responsabilidade.
3. Do ponto de vista de mérito, deve-se demonstrar, através de planilhas, estimativas etc, a exaustão orçamentária, ou seja, a total indisponibilidade de verba para saldar os débitos decorrentes de precatórios. Assim, pela teoria da impossibilidade material, não haveria crime em descumprir a ordem judicial. O ato equivaleria a um "estado de necessidade". A par disso, com base na moderna teoria dos valores constitucionais, é possível justificar a manutenção do Governador no cargo, em detrimento do processo de crime de responsabilidade, conforme exposto no item 4.2.4.
Por fim, resta lamentar o fato de que não há como, nesse momento, deixar de submeter as autoridades à prova do debate parlamentar. O que se deseja, apenas, é que um pouco de serenidade recaia sobre o espírito da Assembléia; e o fecunde. O temperamento político não inibe a procura incessante da justiça e do bem comum. Ao final do processo, o que se espera é que os governantes saibam extrair dos infortúnios surgidos os frutos positivos que deles brotaram, encarando-os como um aviso, ou melhor, uma advertência a guiar seus atos na elaboração das propostas orçamentárias futuras.
É o parecer, salvo melhor juízo.
Maceió, 23 de janeiro de 2001.
George Marmelstein Lima
Procurador de Estado
Notas
1..Sobre a importância de tais matérias, cita-se trecho do voto do eminente Min. Celso de Mello do STF: "somente aspectos de ordem formal – tais como, exemplificativamente, os pertinentes à legitimidade ativa dos denunciantes ou à eventual ilegalidade passiva do agente público denunciado, ou à inépcia jurídica da peça acusatória, ou à observância das formalidades rituais, ou, ainda, aos próprios pressupostos de válida instauração do procedimento parlamentar – podem constituir, perante a Câmara dos Deputados, objeto de contestação do denunciado, eis que o locus adequado para a extensa discussão da matéria e para a efetivação de ampla dilação probatória, fundamentalmente no que concerne ao próprio mérito da acusação popular, é, hoje, em função de expressa regra constitucional de competência, o Senado da República, a cujo domínio não se pode usurpar, sob pena de tumultuária inversão da ordem ritual, o exercício de uma prerrogativa que é essencialmente indisponível" (MS 21.564/DF).
2..Prescrevia a Constituição Imperial (1824) que "a Pessoa do Imperador é inviolável e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma" (art. 99). Não obstante, os Ministros de Estado, por força do art. 133, seriam responsáveis por traição, por peita, suborno ou concussão, por abuso de poder, pela falta de observância da lei, pelo que obrarem contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos, por qualquer dissipação dos bens públicos. Também havia previsão de responsabilidade dos Secretários e Conselheiros de Estado (art. 47, 2º).
3..O termo impeachment tem sido usado de maneira não muito técnica para designar todo o procedimento do crime de responsabilidade e sua conseqüente sanção. Na verdade, tecnicamente, o impeachment não se confunde com a punição por crime de responsabilidade ou mesmo com o próprio processo de crimes dessa espécie, como comumente se diz. (O impeachment) é apenas uma fase do processo-crime (comum ou de responsabilidade) movido contra agentes públicos, na qual há a colocação do indiciado em estado de acusação, como conseqüência de aceitação da denúncia, afastando-o provisoriamente do cargo ou função que ocupava. Neste sentido, Fábio Konder Comparato, in Crime de Responsabilidade – Renúncia do Agente – Efeitos Processuais. Revista Trimestral de Direito público, nº 7, 1993, p. 93. Não obstante, dada a vulgarização do termo, e unicamente para os fins ora propostos, não há razão para usar "promiscuamente" a palavra impeachment, em seu sentido coloquial, como o faz o próprio Supremo Tribunal Federal e vários doutrinadores do mais alto escol.
4...Conforme já decidiu o Pretório Excelso, "a obediência aos modelos federais tem sido um ‘standard’ da constitucionalidade dos dispositivos das leis maiores dos Estados, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Representação N. 949 - RN - RTJ 81/332)".
5..Nesse sentido, na linha do que vem sendo decidido pelo Supremo Tribunal Federal, "o tratamento normativo dos crimes de responsabilidade ou infrações político-administrativas exige, impõe e reclama, para efeito de sua definição típica, a edição de lei especial. Trata-se de matéria que se submete, sem quaisquer exceções, ao principio constitucional da reserva absoluta de lei formal" (ADInMC 834/MT – rel. Min. Celso de Mello. J. 11/2/1993, DJ 2/4/1993).
6...Por força da Lei Federal 3.528, de 03/01/1959, os Prefeitos Municipais também estariam, no que couber, submetidos aos ditames da Lei 1.079/50. Porém, o Decreto-Lei 201, de 27 de fevereiro de 1967, revogou expressamente a referida lei, regulando, especificamente, os crimes de responsabilidade cometidos pelos prefeitos. A par disso, a Lei 7.106, de 28 de junho de 1983, estendeu aos Governadores do Distrito Federal e dos Territórios Federais, a aplicação dos crimes definidos na Lei 1.079/50, ainda quando simplesmente tentados. Recentemente, a Lei 10.028, de 19 de outubro de 2000, incluiu na incidência da norma os aos Presidentes, e respectivos substitutos quando no exercício da Presidência, dos Tribunais Superiores, dos Tribunais de Contas, dos Tribunais Regionais Federais, do Trabalho e Eleitorais, dos Tribunais de Justiça e de Alçada dos Estados e do Distrito Federal, e aos Juízes Diretores de Foro ou função equivalente no primeiro grau de jurisdição (parágrafo único, do art. 39-A), bem como o Advogado-Geral da União, os Procuradores-Gerais do Trabalho, Eleitoral e Militar, aos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, aos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, e aos membros do Ministério Público da União e dos Estados, da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, quando no exercício de função de chefia das unidades regionais ou locais das respectivas instituições(parágrafo único, do art. 40-A).
7...O dispositivo da Constituição de 1967 assim está redigido: "São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das decisões judiciárias e das leis" (art. 82).
8...Reza o art. 85, da Constituição de 1967: "o Presidente, depois que a Câmara dos Deputados declarar procedente a acusação pelo voto de dois terços de seus membros, será submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. nos crimes comuns, ou, perante o Senado Federal, nos de responsabilidade". O dispositivo foi mantido pela Emenda Constitucional nº1, de 1969.
9...Com nova Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02 de Setembro de 1999. Na Redação Anterior, competia ao Senado Federal, "processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles".
10...Seguindo o mesmo posicionamento, o Min. Celso de Mello afirmou: "Tenho para mim — e não obstante o interregno normativo representado pela vigência da Emenda Constitucional nº 4, de 1961 (art. 5º) — que as figuras típicas caracterizadoras dos crimes de responsabilidade, objeto de definição pela Lei nº 1.079/50 (arts. 5º a 12), não sofreram qualquer derrogação em sua estrutura jurídica, posto que o rol de ilícitos político-administrativos inscrito em nossas Constituições sempre ostentou caráter meramente exemplificativo, como acentua, de modo expresso, em sua notável e clássica monografia sobre o instituto do impeachment, o nosso eminente colega, Ministro Paulo Brossard («O impeachment», pág. 55, item nº 39a, 2ª ed., 1992, Saraiva). A supressão, pela Emenda Constitucional nº 4/61, da menção aos atos atentatórios à probidade na Administração Pública não teve, desse modo, o condão de operar a descaracterização típica das condutas definidas, pela Lei nº 1.079/50, como crimes de responsabilidade. É importante assinalar, neste ponto, que a referência constitucional a determinados valores jurídicos — como o da probidade administrativa, por exemplo — gerava a inevitável conseqüência de impor ao Congresso Nacional o dever de tipificar condutas que afrontassem, de algum modo, aqueles bens postos sob a tutela imediata da Constituição. Isso não significava, contudo, que fosse vedado ao legislador ordinário ampliar, desde que preservado aquele conjunto irredutível de bens constitucionalmente tutelados — verdadeiros parâmetros axiológicos conformadores da ação legislativa mínima e necessária do Poder Público —, as hipóteses de tipificação de novos crimes de responsabilidade cuja prática atentasse contra outros valores qualificados como suscetíveis de proteção pelo Estado" (MS 21564-DF).
11...Em sentido contrário, entende o Professor Luís Roberto Barroso que os crimes de responsabilidade se submetem, no direito brasileiro, a um regime de tipologia constitucional estrita, cabendo ao legislador ordinário tão-somente explicitar e minudenciar práticas que se subsumam aos tipos constitucionais circunscritos nos incisos do art. 85. Por esta razão, defende o constitucionalista, operou-se, com relação ao crime de responsabilidade contra "a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos", figura típica que não consta no elenco do art. 85 da Constituição, o efeito de uma abolitio criminis (in Crimes de Responsabilidade e Processo de Impeachment. Descabimento contra Secretário de Estado que Deixou op Cargo. Revista de Processo, nº 95, jul.-set., 1999, p. 85/96).
12...Prescreve o dispositivo: "perderá o mandato o Governador que assumir outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta, ressalvada a posse em virtude de concurso público e observado o disposto no art. 38, I, IV e V".
13...A propósito, o Pretório Excelso, em julgamento plenário sobre o tema concernente à responsabilidade penal do Chefe do Poder Executivo dos Estados-membros, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado: "A responsabilidade dos governantes tipifica-se como uma das pedras angulares essenciais à configuração mesma da idéia republicana. A consagração do princípio da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista básica do regime democrático, constitui conseqüência necessária da forma republicana de governo adotada pela Constituição Federal. O princípio republicano exprime, a partir da idéia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos - os Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular - são igualmente responsáveis perante a lei. Os Governadores de Estado - que dispõem de prerrogativa de foro ratione muneris, perante o Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, a) - estão permanentemente sujeitos, uma vez obtida a necessária licença da respectiva Assembléia Legislativa (RE 153.968-BA, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 159.230-PB, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), a processo penal condenatório, ainda que as infrações penais a eles imputadas sejam estranhas ao exercício das funções governamentais." (ADI 1.018-MG, Rel. p/ o Acórdão Min. CELSO DE MELLO)
14...Eis como está redigida a ementa do acórdão: "Inscrevem-se na competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e a disciplina do respectivo processo e julgamento".
15...Julgados no mesmo sentido: ADInMC 2.050 – RO; ADInMC 1.879-RO, rel. Min. Moreira Alves, 19.4.99; ADIMC-1901/MG, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 05/11/1998 - Tribunal Pleno.
16...No mesmo sentido: "A acusação pode ser articulada por qualquer brasileiro perante a Câmara dos Deputados" (SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª edição, Malheiros editores, São Paulo, p. 549). "A primeira fase se abre com a denúncia que pode ser oferecida por qualquer cidadão e culmina com a decisão sobre a procedência da acusação" (FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 17ª edição, editora Saraiva, São Paulo, 1989, p. 144.). "Qualquer cidadão pode denunciar por crime de responsabilidade o Presidente da República. É o princípio da denunciabilidade popular" (MIRANDA. Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda nº 1, de 1969, Tomo III, editora Forense, Rio de Janeiro, 1987, p. 363). "A lei permite a qualquer cidadão denunciar o Governador, por crime de responsabilidade, perante a Assembléia Legislativa (art. 75 e seguintes)" (TRIGUEIRO. Oswaldo, Direito Constitucional Estadual, editora Forense, Rio de Janeiro, 1980, p. 192).
17...A propósito, no mesmo voto, o mesmo Ministro estabeleceu, de modo didático, o fluxo específico fornecido pela Lei 1.079/50 acerca do processo e julgamento dos Governadores de Estado por crime de responsabilidade, sem adaptá-lo às regras da Constituição de 88: "(1) denúncia; (2) eleição de comissão especial para dar parecer sobre se a denúncia deve ou não ser objeto de deliberação; (3) parecer de uma Comissão Especial; (4) decisão, pelo Plenário da Assembléia, sobre a admissibilidade da denúncia, ou seja, decisão sobre se a denúncia será, ou não, objeto de deliberação; (5) citação do Governador-denunciado para, no prazo de 20 dias, oferecer contestação e indicar provas; (6) contestação do denunciado; (7) produção de provas e realização de diligências deferidas ou determinadas pela Comissão Especial; (8) parecer da Comissão Especial sobre a procedência da acusação; (9) votação, pelo plenário, do parecer da Comissão".
18...Interessante observar que não foi discutida a constitucionalidade do referido tribunal misto em face do princípio do juiz natural. Porém, tendo em vista que o julgamento da ação foi unânime, adota-se, sem maiores divagações, a orientação firmada pelo plenário da Suprema Corte.
19...Eis a ementa do acórdão: Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Expressões: "...depois de declarada, por aquela, pelo voto de dois terços de seus membros, a procedência da acusação", insertas no caput do art. 73, da Constituição do Estado de Santa Catarina e expressões: "por dois terços dos membros da Assembléia concluindo pelo recebimento da representação..." constantes do § 4º do art. 243, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. 3. A Corte, no julgamento de cautelar na ADIN 1628- 8-SC, já adotou posição quanto à aplicabilidade do quorum de 2/3 previsto na Constituição Federal como o a ser observado, pela Assembléia Legislativa, na deliberação sobre a procedência da acusação contra o Governador do Estado. Fundamentos inacolhíveis para determinar a suspensão da vigência das expressões. 4. Orientação desta Corte, no que concerne ao art. 86, §§ 3º e 4º, da Constituição, na ADIN 1028, de referência à imunidade à prisão cautelar como prerrogativa exclusiva do Presidente da República, insuscetível de estender-se aos Governadores dos Estados, que institucionalmente, não a possuem. 5. Medida cautelar indeferida.
20...À Assembléia Legislativa cabe editar um juízo político quanto à admissibilidade da acusação, ao passo que ao tribunal especial compete processar e julgar os acusados. Assim, a Assembléia limita-se a emitir um juízo político sobre a conveniência ou a necessidade de ser apurada a acusação oferecida, em razão de indícios de culpabilidade considerados bastantes. Não há falar em produção de provas na Assembléia. Há, contudo, a necessidade de ao acusado ser concedido prazo para defesa, observadas, entretanto, as limitações decorrentes do fato de a acusação somente materializar-se com a instauração do processo, no tribunal especial, onde será recebida ou não a acusação. Em suma: na Assembléia ocorrerá, apenas, a admissibilidade da acusação, a partir da edição de um juízo político, em que se verificará se a acusação é consistente, se tem ela base em alegações e fundamentos plausíveis, ou se a acusação é simplesmente fruto de quizílias ou desavenças políticas.
21...Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal, no MS 21.564-DF, analisou profundamente a matéria, decidindo que a forma de votação é a do voto nominal. O caráter aberto dessa votação parlamentar impõe-se como um meio necessário de controle da opinião pública sobre as deliberações do povo, de forma que, conforme afirmou o Min. Celso de Mello, "a exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz um princípio essencial, a que a nova ordem jurídico-constitucional não permaneceu indiferente. A necessidade de controlar o poder constitui exigência essencial para a preservação da ordem democrática" (MS 21564/DF).
22...A denúncia ou queixa será rejeitada quando: o fato narrado evidentemente não constituir crime; já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal (cf art 43 incisos I/flI, do CPP). Portanto, a rejeição da denúncia assenta-se nas causas previstas no art.43, do CPP, ou sejam, tipicidade do fato narrado, extinção da punibilidade, ilegalidade de parte e falta de condições exigidas pela lei - interesse de agir e a legitimaria ad processam. No caso dos crimes de responsabilidade, some-se a estes fatores a vontade política de afastar as autoridades de seus cargos.
23...Posicionamento diverso, como já visto (nota de rodapé nº 10), é adotado por BARROSO, Luís Roberto. Crimes de Responsabilidade e Processo de Impeachment. Descabimento contra Secretário de Estado que Deixou op Cargo. Revista de Processo, nº 95, jul.-set., 1999, p. 85/96; SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. 10ª ed. Malheiros, São Paulo, 1995, p. 519).
24...É por esta razão que, nada obstante o reconhecimento da exclusividade do juízo político de julgamento pela Casa Legislativa, compete ao Poder Judiciário verificar a legalidade do procedimento, em seu aspecto de legitimidade (rectius: competência) para instauração, obediência criteriosa às normas regimentais, resguardo ao amplo direito de defesa e, ainda, nas palavras do Ministro Carlos Velloso, averiguar no juízo de admissibilidade da acusação, necessariamente de cunho político, "se a acusação é consistente, se tem ela base em alegações e fundamentos plausíveis, ou se a notícia do fato reprovável tem razoável procedência, não sendo a acusação simplesmente fruto de quisilias e desavenças políticas" (MS 21.564-DF, j. 23/09/1992, pp. DJU 27/08/93).
25...Neste sentido, MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1. Revista dos Tribunais, São Paulo, Tomo III, 1970, p. 648. Igualmente, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, em seus Comentários..., ao comentar o §1º, do art. 100, da CF/88.
26...Há alguns entendimentos doutrinários que não admitem a chamada "denúncia alternativa", ou melhor, "denúncia com imputação alternativa", que seria aquela que atribui "ao réu mais de uma conduta penalmente relevante, asseverando que apenas uma defesa efetivamente terá sido praticada pelo imputado, embora todas se apresentem como prováveis", em face dos fatos afirmados. Nesse sentido, os Juízes do Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, reunidos sob a coordenação da Professora Ada Pellegrini Grinover, discutindo a questão da correlação entre acusação e sentença, chegaram à seguinte conclusão: "A acusação deve ser determinada, pois a proposta a ser demonstrada há que ser concreta. Não se deve admitir denúncia alternativa, principalmente quando haja incompatibilidade lógica entre os fatos imputados" (apud MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. 6ª ed. Atlas, São Paulo, 1996, p. 123). Por outro lado, decidindo fato envolvendo argüição preliminar de inépcia da denúncia, por ser alternativa a classificação do delito nela descrito, o Pretório Excelso, seguindo lição de Frederico Marques, repeliu a argüição, ementando: "A alternatividade na classificação jurídica do fato não torna inepta a denúncia, porque não somente uma exata e certa adequação é irrelevante, como, também, porque não vincula o julgador. A este é que cabe capitular corretamente o fato nela descrito" ("RT", 528/361. Idem, "JUTACRIM", 81/534, 482). A nosso ver, no caso ora analisado, a imputação alternativa não é causa de inépcia da denúncia, o que não impede de submeter a matéria ao crivo do Legislativo ou, eventualmente, do Poder Judiciário.
27...Entre os diversos crimes contra a lei orçamentária, inclusive os acrescentados pela Lei 10.028/00 (nos 5 a 12), não há qualquer tipo semelhante. Veja-se: "art. 10 - São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária: 1 - não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da República dentro dos primeiros dois meses de cada sessão legislativa; 2 - exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento; 3 - realizar o estorno de verbas; 4 - infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária. 5 - deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; 6 - ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; 7 - deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; 8 - deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; 9 - ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; 10 - captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; 11 - ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; 12 - realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei".
28...Para um estudo aprofundado do tema: FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Sérgio Antônio Fabris Editor, Brasília, 1996
29...O termo é de DWORKIN, apud SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Celso Bastos Editor, São Paulo, 1999, p. 44.
30...Idem. Ob. Cit. p. 44.
31..Eros Roberto Grau chama a colisão de princípios de antinomia jurídica imprópria
32...De acordo com o princípio da concordância prática, os direitos fundamentais e valores constitucionais deverão ser harmonizados, no caso sub examine, por meio de juízo de ponderação que vise preservar e concretizar ao máximo os direitos e bens constitucionais protegidos (FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão...p. 98). A concordância prática pode ser enunciada da seguinte maneira: havendo colisão entre valores constitucionais (normas jurídicas de hierarquia constitucional), o que se deve buscar é a otimização entre os direitos e valores em jogo, no estabelecimento de uma concordância prática (praktische Konkordanz), que deve resultar numa ordenação proporcional dos direitos fundamentais e/ou valores fundamentais em colisão, ou seja, busca-se o ‘melhor equilíbrio possível entre os princípios colidentes’(LERCHE). Nas palavras de INGO WOLFGANG SARLET: "Em rigor, cuida-se de processo de ponderação no qual não se trata da atribuição de uma prevalência absoluta de um valor sobre outro, mas, sim, na tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária a atenuação de uma delas"( Valor de Alçada e Limitação do Acesso ao Duplo Grau de Jurisdição. Revista da Ajuris 66, 1996, p. 121).
33...O critério da dimensão de peso e importância (dimension of weights) foi fornecido por RONALD DWORKIN. Na famosa obra Taking Rights Seriously, após explicar que as regras jurídicas são aplicáveis por completo ou não são, de modo absoluto, aplicada (dimensão do tudo ou nada), o prof. da Universidade de Oxford diz que os princípios "possuem uma dimensão que não é própria das regras jurídicas: a dimensão do peso ou importância. Assim, quando se entrecruzam vários princípios, quem há de resolver o conflito deve levar em conta o peso relativo de cada um deles (...). As regras não possuem tal dimensão. Não podemos afirmar que uma delas, no interior do sistema normativo, é mais importante do que outra, de modo que, no caso de conflito entre ambas, deve prevalecer uma em virtude de seu peso maior. Se duas regras entram em conflito, uma delas não é válida" (apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 65). Seguindo o ensinamento de CANOTILHO: "(1) os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (...); a convivência dos princípios é conflitual (ZAGREBELSKY); a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem; as regras antinómicas excluem-se; (2) consequentemente, os princípios, ao constituirem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à ‘lógica do tudo ou nada’), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. (3) em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas ‘exigências’ ou ‘standards’ que, em ‘primeira linha (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm ‘fixações normativas’ definitivas, sendo insustentável a validade simultânea da regras contraditórias. (4) os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas)." (apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 66).
34...Limongi França, por sua comissão de redação, seleciona 5 espécies de impossibilidade, ao dizer "qualidade daquilo que é impossível, i.e. que não pode ser feito ou realizado Pode-se apontar cinco espécies de impossibilidades: 1ª) absoluta, quando impossível está na própria natureza da coisa, inexistindo alteração de circunstância que a torne possível; 2ª) física, quando decorre de fatores da natureza; 3ª) metafísica, quando envolve contradição; 4ª) moral, quando certos motivos determinantes apontam maior probabilidade para que uma coisa não se torne possível; 5ª) relativa, quando ocorre em face de certas condições, cessando quando essas condições desaparecem" (apud MARTINS, Ives Gandra. Ordem Judicial de Pagamento – Ausência de Recursos Orçamentários – Teoria de Impossibilidade Material. RDA 187, 1992, p. 360).
35...Trata-se do conhecido princípio da intervenção mínima, comum ao direito penal como um todo. Por este princípio, "se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penai" (LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito Penal. 2ª ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 92).
36...Valem, pois, no caso presente, as advertências do Ministro JOSÉ CÂNDIDO, do STJ: "A intervenção federal, como medida constitucional adequada, passou a ser a única que resta a ser acionada para que o Executivo estadual cumpra com o seu dever. É necessário que se restabeleça,... , a ordem jurídica, expressa na independência e harmonia entre os dois Poderes em conflito. A violação a essa regra fundamental é pressuposto suficiente para a intervenção, como advertiu PONTES DE MIRANDA, em seus Comentários à Constituição" (Intervenção Federal nº 001, do Estado do Paraná)
37...Laurence H. Tribe, professor de Direito Constitucional da Harvard University, dos mais acatados constitucionalistas americanos, atualmente, citado pelo Min. Carlos Velloso, no MS 21623/DF, escreve, invocando o Deputado John Bingham, no julgamento do Presidente Johnson: "An impeachable high crime or misdemeanor is one in its nature or consequences subversive of some fundamental or essential principle of government of highly prejudicial to the public interest, and this may consist of a violation of the Constitution, of law, of an official oath, or of duty, by an act committed or omitted, or, without violating a positive law, by the abuse of discretionary powers from improper motives or for an improper purpose".
38...Na aplicação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, levam-se em conta os interesses em jogo (equilíbrio global entre as vantagens e desvantagens da conduta), vale dizer, cuida-se de uma verificação da relação custo-benefíco da medida, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Em palavras de CANOTILHO, trata-se "de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim"(apud BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. p. 208/209). Deve haver um sopesamento de valores, a fim de que se busque a proporcionalidade, ou seja, verificar-se-á se a medida trará mais benefícios ou prejuízos. Pergunta-se valores mais importantes (axiologicamente) do que os direitos que a medida buscou preservar?