A requerente encaminha solicitação de reconhecimento de quitação de taxa de fiscalização (exercício regular do poder de polícia) relativa ao ano de 2009, no valor de R$ 20.466,90 (vinte mil, quatrocentos e sessenta e seis reais e noventa centavos) por parte de uma empresa.
A demanda é originária de uma efetiva fiscalização do Corpo de Bombeiros Militar, através de sua Diretoria de Serviços Técnicos, que identificou irregularidades no atendimento ao Código de Segurança Contra Incêndio e Pânico, por parte de uma empresa.
Em decorrência desta fiscalização, foi lavrado um Termo de Acordo envolvendo o Ministério Público Estadual, o Corpo de Bombeiros Militar e a empresa.
De acordo com o Termo de Acordo firmado, o valor da taxa de fiscalização do exercício de 2009 devido pela empresa XXXXX deveria ser adimplida em sacos de cimento, num total de 1.252 (um mil duzentos e cinqüenta e dois) sacos de 50 (cinquenta) quilogramas, perfazendo o valor de R$ 20.466,90 (vinte mil, quatrocentos e sessenta e seis reais e noventa centavos).
A empresa, conforme notas fiscais que anexou, entregou, a título de doação, os 1.252 (um mil duzentos e cinqüenta e dois) sacos de cimento ao Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas.
O Ministério Público, com o intuito de tornar juridicamente válido o Termo de Acordo e encontrar solução para a demanda, decidiu em comum acordo com as partes envolvidas, encaminhar o processo para esta Secretaria de Estado da Fazenda.
Ato contínuo, os autos do processo foram encaminhados a esta SEFAZ, nos seguintes termos: “... solicitamos o posicionamento desta Secretaria de Fazenda diante da transação realizada, através do reconhecimento da quitação do débito acima mencionado, expedindo-se competente certidão para a empresa afim de que possamos, em tempo hábil, atendermos ao Ministério Público Estadual.”
Em linhas gerais, cabe a esta Secretaria de Estado da Fazenda reconhecer ou não a quitação da taxa de fiscalização devida. Trata-se, por conseguinte, de matéria relativa à extinção do crédito tributário.
Quanto à competência para dizer acerca da extinção ou não do crédito tributário, estabelece a Lei nº 6.771, de 16 de novembro de 2006:
Art. 71. Na hipótese de extinção do crédito tributário, por modalidade diferente do pagamento, é competente para efetuar a homologação o Secretário Executivo de Fazenda, podendo ser feita delegação de competência. (grifo nosso)
O caso ora sob apreço versa categoricamente sobre a quitação de débito relativo à taxa de fiscalização mediante doação de mercadorias, conforme Termo de Acordo firmado junto ao Ministério Público Estadual. Portanto, refere-se a extinção do crédito tributário por modalidade diversa do pagamento.
Registre-se que a exigência da referida taxa de fiscalização está calcada na Lei nº 6.442, de 21 de dezembro de 2003.
Acerca das diretrizes impostas pela legislação tributária sobre a extinção do crédito tributário, importante destacar primeiramente o art. 97 do Código Tributário Nacional – CTN, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Vejamos:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
(...);
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. (grifo nosso)
Assim, situações de extinção do crédito tributário, somente através de lei. Não é possível a existência de hipóteses previstas em atos normativos inferiores ou atos administrativos.
Mais adiante, o art. 141 do mesmo CTN determina:
Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias. (Grifo nosso)
O CTN estabelece as modalidades de extinção do crédito tributário em seu art. 156, a saber:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.
Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149.
O Código Tributário do Estado de Alagoas, Lei nº 4.418, de 27 de dezembro de 1982, trilha o mesmo caminho traçado pelo CTN. Os arts. 3º, VI, 48 e 65 reproduzem quase fielmente os dispositivos legais acima transcritos.
A extinção do crédito tributário relativo à taxa decorrente do poder de polícia ou de serviços públicos, prestados pelo Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas deve ser feita pela modalidade pagamento, segundo o art. 5º da Lei nº 6.442, de 2003. É o que segue:
Art. 5º O recolhimento das taxas de que trata os incisos I e II do art. 1º, será feito junto à rede autorizada, por meio de documento de arrecadação estadual de modelo oficial, sendo os valores indicados em UPFAL no anexo único desta Lei, convertidos para moeda corrente. (grifo nosso)
Podemos afirmar, sem medo de errar, que mais de 99% (noventa e nove por cento) das hipóteses de extinção do crédito tributário ocorrem por meio do pagamento, e mais especificamente através do pagamento em dinheiro, que é a forma regularmente autorizada pelo CTN e pelo Código Tributário de Alagoas, conforme preconizam, respectivamente, os arts.162 e 70.
Apesar disso, o processo ora em análise versa sobre a extinção do crédito tributário por outra modalidade, qual seja: a doação de bens móveis. E esta modalidade não tem previsão no CTN e tampouco no Código Tributário de Alagoas. Outras formas, como a compensação ou a dação de bens imóveis, configuram exceção à extinção do crédito tributário.
Como ficou deveras evidenciado, a extinção do crédito tributário não se deu pela forma usual do pagamento em dinheiro.
O suposto cumprimento da obrigação tributária ocorreu através da doação de sacos de cimento (bens móveis) ao Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas.
Dentre as modalidades de extinção do crédito tributário listadas pelo CTN, aquela que mais se aproxima da efetuada nos autos é a dação em pagamento de bens imóveis (inciso XI do art. 156 do CTN).
Ainda assim, a modalidade ali referida (dação de bens imóveis) não corresponde à doação de bens móveis. Além disso, para que haja a dação em pagamento de bens imóveis, há de existir lei autorizativa.
É neste mesmo sentido o Código Tributário de Alagoas, Lei nº 4.418, de 1982. Registre-se, apenas por curiosidade, que até o ano de 2004 era admitida a dação em pagamento de bens móveis como forma de extinção do crédito tributário, desde que manifestamente impossibilitado o devedor de extinguir o crédito tributário de outra forma. Entretanto, a partir da vigência da Lei nº 6.477, de 26 de maio de 2004, admite-se apenas a dação em pagamento de bem imóvel, em consonância com o estatuído no CTN.
Do ponto de vista estritamente legal, não há respaldo para concordar e ratificar o procedimento adotado pelas partes envolvidas. Em outras palavras, não há como ratificar a extinção do crédito tributário em evidência, uma vez que não existe previsão legal para a quitação do débito tributário através da doação de bens móveis.
Além desta análise jurídica, importante evidenciar os elementos fáticos que envolvem a situação.
A quitação do tributo se deu em parcelas. Nos termos do parágrafo primeiro da cláusula segunda do Termo de Acordo, a doação dos sacos de cimento foi efetivada em 6 (seis) parcelas.
Apesar de aparentemente ser um procedimento que facilita a quitação do débito, trata-se em verdade verdadeira de concessão de benefício fiscal não previsto em lei.
Para que o parcelamento fosse levado a efeito, deveria haver lei específica, conforme estabelece o art. 155-A do CTN. É o que segue:
Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.
Por seu turno, a Lei nº 6. 442, de 31 de dezembro de 2003, determina o prazo de pagamento da taxa em evidência, a saber:
Art. 4º As taxas de que tratam os incisos I e II do artigo 1º, comportam recolhimento anual, mensal ou unitário, de acordo com a natureza do correspondente fato gerador.
§ 1º A periodicidade para o recolhimento de cada taxa e seus correspondentes valores, expressos em Unidade Padrão Fiscal do Estado de Alagoas (UPFAL), ou fórmulas para cálculo estão indicados no Anexo Único desta Lei.
§ 2º O recolhimento indicado no caput será efetuado antes da atuação estatal correspondente, salvo disposição em contrário.
§ 3º Quando a taxa for de recolhimento anual, este será efetuado até o último dia útil do mês subseqüente ao que ocorreu o fato gerador.
§ 4º Quando a taxa for de recolhimento mensal, este será efetuado até o quinto dia útil do período considerado.
Não há, como se pode verificar, qualquer autorização legal para o parcelamento dos valores devidos.
Faz-se necessário, ainda, esclarecer que as notas fiscais emitidas pela empresa não fazem qualquer referência ao Termo de Acordo ou qualquer outra situação especial.
De acordo com as notas fiscais acostadas, houve uma doação por parte da empresa ao Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas. Trata-se de uma mera liberalidade da empresa, sem qualquer ônus ou obrigação por parte daquele órgão público ou do Estado.
Por último, não há nos autos especificação do valor original e atualizado do débito, bem como a notificação de lançamento do crédito tributário, fatos que também impossibilitam a verificação de uma possível quitação.
Desta forma, não há como reconhecer a quitação do valor da taxa de fiscalização devida pela empresa relativa ao ano de 2009, uma vez que a modalidade de extinção do crédito tributário adotada pelas partes envolvidas não se coaduna com as hipóteses estabelecidas no CTN, nem tampouco no Código Tributário Estadual (Lei nº 4.418, de 1982).