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Indenização por desapropriação indireta.

Invasões na represa Billings

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Agenda 01/10/1999 às 00:00

DA DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

Todavia, muito embora dúvida alguma reste acerca do dever legal das Pessoas Jurídicas de Direito Público rés indenizarem os autores, para que se configure a hipótese de desapropriação indireta outros requisitos são necessários.

Com efeito, os autores demonstraram que sofreram um dano excepcional e injusto e que há nexo de causalidade entre tal dano e omissão (no mínimo) do dever de fiscalização dos requeridos. Apenas a demonstração desses pontos, segundo as manifestações doutrinárias e jurisprudenciais supra transcritas, é mais do que suficiente para ensejar o dever de indenizar. Para que se configure, todavia, a hipótese de desapropiração indireta, é necessário demonstrar que o esvaziamento econômico do imóvel dos autores em decorrência dos danos produzidos pelos Poderes Públicos foi total. Demonstra-se:

Segundo os clássicos princípios do direito civil comtemplados pela nosso ordenamento jurídico, a propriedade compreende o uso, o gozo e a disposição do bem. No caso dos autos, os autores praticamente não possuem a faculdade de disposição do bem. Pelos mesmos motivos, os autores não possuem mais a faculdade de gozo do bem, já que não há interessados nem em comprar nem em alugar seus imóveis. O direito de uso do bem, embora não conte com qualquer impedimento físico, evidentemente também está bastante prejudicado.

Em reforço a isso, temos que, em desespero de causa, os autores enviaram ofício à Secretaria de Estado do Meio Ambiente do governo do Estado de São Paulo perguntando acerca da possiblidade de realização de parcelamento do imóvel (doc. 80). Referido órgão informou que os autores legalmente não podem lotear ou desdobrar o imóvel (doc. 81), e mesmo que não houvesse tal óbice legal evidentemente não haveria qualquer interessado em adquirir lotes no local, a não ser que tais lotes fossem de proporções reduzidíssimas para permitir o aumento da favela, ou seja, totalmente irregulares. Essa circunstância reforça o esvaziamento econômico do imóvel dos autores.

Ademais, os autores passaram involuntariamente a residir no meio de uma favela, com ínidices de criminalidade alarmantes, com tráfico de drogas na vizinhança, com "botecos" extremamente perigosos, com grave perigo de saírem à noite, com riscos constantes de assaltos e convivendo com xingamentos corriqueiramente. A traquilidade dos autores ficou bastante prejudicada, que aliás escolheram o local para moradia em virtude do constante contato com a natureza e da tranquilidade que possuíam, natureza e tranquilidade essa que foram destruídas em virtude da omissão e do descaso do Poder Público. Tais danos serão narrados detalhadamente no tópico acerca dos danos morais sofridos pelos autores.

Assim o Poder Público, ao não permitir e até mesmo incentivar a ocupação ilícita dessa área, de vital importância para o fornecimento de água potável na Capital, deveria ter promovido o apossamento dos imóveis em questão, pois promoveu o esvaziamento econômico total do mesmo, e por tais razões deve ser compelido a apropriar-se dele, com o consequente pagamento de indenização pelo valor total de mercado do imóvel, sob pena de restarem absolutamente violados os arts. 182, §3º, e 5º da Constituição Federal, esepcialmente em seu inciso XXIV, abaixo transcrito:

"XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição"

Ora, muito embora o Poder Púbico não tenha formalizado o procedimento expropriatório, na prática os autores foram expropriados, sem que tenham recebido a justa e prévia indenização a que faz referência o dispositivo constitucional em comento. Podemos concluir que a hipótese vertente trata de um caso clássico de "desapropriação indireta", e para que cheguemos a tal conclusão basta observarmos o magistério do Prof. Carlos Ari Sundfeld sobre o assunto(13):

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"Se a lei, a pretexto de regular o exercício do direito de propriedade, interdita toda utilização prática e economicamente viável, está em verdade extinguindo o direito de propriedade do titular dos bens por ela atingidos. Ocorre que a propriedade particular só pode ser compulsoriamente retirada com o devido processo legal. Disto resulta que a lei impositiva de restrição desta ordem está incidindo em inconstitucionalidade, ao privar alguém de seu bem sem o processo judicial. Cabe ao proprietário atingido arguir a inconstitucionalidade pelos meios próprios, furtando-se à incidência da norma.

          Porém, caso prefira, pode mover a chamada "desapropriação indireta", para ver-se indenizado dos prejuízos causados, isto é, para receber o justo valor do imóvel, que será então incorporado ao patrimônio público"

Note-se que o nobre jurista fala em esvaziamento econômico decorrente de lei, ou seja, decorrente de ato lícito. O que dizer quando o mesmo é decorrente da completa falta de fiscalização e até do incentivo dos poderes públicos através de seus agentes, ou seja, de atos manifestamente ilícitos?

Na verdade, sempre que exista um esvaziamento econômico no imóvel de alguém, de forma excepcional e injusta, em virtude de atos administrativos do Poder Público, o mesmo deve indenizar o particular em virtude de tal esvaziamento. Nesse sentido, o recentíssimo V. Acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (RT 747/219):

"INDENIZAÇÃO - Criação de parque estadual - Ato que impede a exploração econômica das áreas particulares ali situadas - Verba devida, independentemente do apossamento físico pelo Estado-membro.

Ementa da Redação: A criação de parque estadual impedindo a exploração econômica dos recursos naturais ali situados, implica a indenização das propriedades particulares ali existentes, tenha ou não o Estado-membro se apossado fisicamente das respectivas áreas, pois a situação jurídica, por si só, mutila a propriedade. (REsp 46.389-SP - 2.a T. - j. 22.05.1997 - rel. Min. Ari Pargendler - DJU 30.06.1997.)"

É preciso ressaltar que na hipótese dos autos os autores não alegam que sofreram apossamento administrtivo em virtude das restrições impostas pela legislação de proteção aos mananciais. Ao contrário, os autores são entusiastas de referida legislação e mudaram pelo local atraído pela natureza e pelas leis que protegiam essa natureza. Em nenhum momento os autores insurgem-se contra as rígidas restrições de uso e de ocupação do solo que cumprem, e consideram, inclusive, a rigidez de tal legislação bastante adequada para a preservação ambiental. A insurgência dos mesmos diz respeito justamente ao descumprimento dessa legislação e à descaracterização do local.

Portanto, o que impede que os autores usufruam naturalmente de sua propriedade é o loteamento clandestino, e jamais a legislação protetiva supra citada, legislação essa que desejariam ver plenamente cumprida.

Mesmo quando há tombamento de imóvel, ato de preservação do patrimonio cultural e histórico cuja importância não se discute, no caso de serem impostos pesados ônus ao proprietário, a jurisprudência tem sido firme no sentido de conceder a desapropriação indireta, com a consequente incorporação do imóvel ao patrimônio público e indenização total do mesmo, tendo em vista, sempre, a noção de esvaziamento econômico.

Assim, julgado da 5ª Câmara do TJSP, no caso da chamada "Casa Modernista" (5ª C., 26.3.87 – RT 621/86):

"No mais, subsiste a decisão de primeira instância: os efeitos do tombamento extravasaram na prática os que seriam próprios desse instituto, o qual se caracteriza pela compreensão de uma simples limitação ao direito de propriedade. O tombamento concretizou-se de modo a impedir a utilização do imóvel segundo sua destinação natural e a implicar o esvaziamento econômico da propriedade. Vale dizer que o caso dos autos não evidencia uma mera limitação administrativa, mas verdadeira interdição integral do uso da propriedade, semelhante a uma desapropriação indireta, passível de ser indenizada. Esta, por sinal, a orientação jurisprudencial em hipótses análogas, relativas a reservas florestais destinadas a preservação; em julgado dessa Corte, cuja substância foi mantida pelo STF (RTJ 108/1.314), assentou-se que "a transformação da área de terras da autora em parque florestal não foi uma simples limitação adminstrativa, mas uma supressão integral do seu direito de propriedade, por atingir o que ele tem de prevalente, que é o aproveitamento econômico, que, embora não sendo absoluto, dá-lhe contextura e não pode ser olvidado, sob pena de se legitimar o confisco, aspecto que aflorou incontrovertidamente quando o Estado impediu a utilização da propriedade, indeferindo a derrubada de matas. Assim também em aresto inserto na RT 431/141. Ora, é indiscutível, na espécie, que a utilização do imóvel onde está construída a "Casa Modernista" ficou inteiramente impedida, com prejuízo total para o direito respectivo".

Em caso de lotes contíguos a obras públicas, também o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo julgou procedente ação de desapropriação indireta, levando sempre em consideração o conceito de esvaziamento econômico:

"Responsabilidade civil do Estado – Construção de via elevada por Prefeitura – Prejuízos a imóvel (apartamento e loja) lindeiro – Obrigação da Municipalidade de indenizar – Ação Procedente. Está patente, nos autos, que o elevado Costa e Silva veio causar danos e prejuízos àqueles proprietários lindeiros do denominado "Minhocão". O ex-prefeito de São Paulo, José Carlos Figueiredo Ferraz, com franqueza aludiu, em conferência, que os elevados "deterioram as áreas por onde passam". Essa opinião, aliás, foi expendida pelo eng. Fernando Palumbo Targat, no jornal "O Estado de São Paulo de 4.2.71 ao declarar "um absurdo irrecuperável a construção do Minhocão da av. São João, em São Paulo". Consequentemente, se o Poder Público pôs em circulação o mencionado "Minhocão" pretendendo melhorar o sistema viário, por outro lado não podia se permitir o luxo de, com suas obras, causar danos a terceiros e se eximir de responsabilidades (Hely Lopes Meirelles). Também Carvalho Santos, citando Otto Mayer e Didimo da Veiga, entende devida a indenização quando as obras ficarem privadas de acesso, de passagem, de ar, de luz e de vista. Ora, é notório que o "Minhocão" veio perturbar os imóveis lindeiros, diminuindo-lhes a capacidade de uso e gozo, limitado às restrições administrativas, o que, sem dúvida, constitui um liame de causa e efeito entre a construção do elevado e as consequências prejudiciais advindas e que causaram danos" (TJSP, 4ª C., 18.7.74, maioria, RT 469/71 e RJTJSP 30/62).

O julgado supra mencionado ensejou a propositura de um Recurso Extraordinário, sendo que o Pretório Excelso confirmou integralmente a r. descisão do E. TJSP:

"Recurso extraordinário – Ação de indenização movida por paricular contra o Município, em virtude de prejuízos decorrentes da construção de viaduto, inutilizando imóvel dos autores, para uso residencial – Procedência da ação, excluindo-se juros compensatórios e determinando-se a incorporação do imóvel ao patrimônio municipal – Alegação de ofensa ao art. 15 da Constituição, bem assim de negativa de vigência dos arts. 2º e 29 do Decreto-lei 3.365/41, insuscetível de exame, por falta de regular prequestionamento – Aplicação das Súmulas 282 e 356 – Invocaram-se, no aresto, para solver a controvérsia, os arts. 77 e 78,I do Código Civil, entendendo-se que, em virtude da obra pública, o imóvel perdeu suas qualidades essenciais, não podendo ser usado nem para a indústria, nem para o comércio ou residência, e o seu valor econômico entre particulares, só valendo para servir de ponto de referência e de confronto para pagamento de indenização" – Não se alegou, entretanto, no apelo extremo, vulneração dos arts. 77 e 78,I do Código Civil, matéria, de resto, decidida à luz da prova, sendo insuscetível de reexame na instância rara, a teor da Súmula 279 – Recurso extraordinário não conhecido" (STF, 1ª T., 18.8.87, Rel. Neri da Silveira, JSTF 127/195).

Diante do exposto, dúvida alguma pode haver acerca do direito dos autoes de serem indenizados pelo valor total da propriedade devendo-se observar que, repita-se, toda a jurisprudência acima colacionada diz respeito a atos lícitos do poder público, ficando mais evidente ainda o direito dos autores da presente, em virtude do esvaziamento econômico de sua propriedade decorrer de ato ilícito, alías de gravidade ímpar. Todavia, na remota hipótese de não ser esse o entendimento de V. Exa., adiante os autores irão formular pedido subsidiário.


DO VALOR DA INDENIZAÇÃO DA PROPRIEDADE

Uma vez estabelecida a obrigação dos réus de indenizarem os autores pelo valor total da propriedade, passemos a mencionar os critérios que devem ser utilizados para que se fixe o valor dessas desaprorpriações.

Sobre o tema das desapropriações, Hely Lopes Meirelles deixou expressa a seguinte lição(14):

"a doutrina e a jurisprudência são unânimes no recomendar que a indenização seja a mais ampla possível, de modo a propiciar uma verdadeira restitutio in integrum da coisa de que o particular se viu despojado, pela pecúnia correspondente ao seu preço atual. Esta é a orientação correta em tema de desapropriação e, para concretizá-la, são lícitos todos os meios técnicos e econômicos que possam conduzir o Juiz a fixar a justa indenização".

E concluiu o saudoso jurista(15):

"a jurisprudência vem alargando dia a dia o conceito de justa indenização, num esforço perene de cobrir com o pagamento em dinheiro o desfalque do bem que integrava o patrimônio do expropriado, seja na desapropriação direta, seja na indireta"

O Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello preleciona em sentido semelhante, assinalando a necessidade de que a indenização seja a mais ampla possível(16):

"indenização justa, prevista no art. 5.º, XXIV, da Constituição, é aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio. Indenização justa é a que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e o exima de qualquer detrimento"

No caso dos autos, o valor do imóvel para que seja fixada a indenização expropriatória deverá, evidentemente, ser apurada em perícia. Todavia, em virtude do esvaziamento econômico promovido pelos réus, o imóvel dos autores possui valor econômico atual irrisório, quase insignificante. Não obstante, para que a indenização seja condizente com o propósito da presente lide, a perícia técnica deverá perquerir o valor que o imóvel possuía originariamente, ou seja, antes da ocupação irregular da área, por comezinho. Se assim não fosse, os requeridos estariam sendo premiados pelo descumprimento da legislação com a incorporação a seus patrimônios de imóvel de tamanho bastante considerável à um preço irrisório, o que evidentemente seria um absurdo e causaria repugnância se cotejado com os mais elementares princípios do direito.

Assim sendo, a indenização pleiteada pelos autores deve repor o valor que possuiam os imóveis, evidentemente, antes da realização da ocupação irregular das redondezas, abrangendo correção monetária, juros compensatórios de 12% ao ano, à partir da data do apossamento (em 1988), juros moratórios de 6% ao ano, à partir da citação dos réus, honorários advocatícios, custas processuais, honorários periciais, despesas com editais, etc. Acerca dos juros compensatórios e moratórios, temos a lição de Celso Antonio Bandeira de Melo(17):

"Tais juros (compensatórios e moratórios) não estão previstos em lei: são uma construção da jurisprudência. Contam-se desde o momento da perda efetiva da posse até a data do pagamento da indenização, tanto no caso da desapropriação direta como na indireta."

Vai no mesmo sentido o magistério de Hely Lopes Meirelles(18):

"A desapropriação indireta não passa de um esbulho da propriedade particular e, como tal, não encontra apoio em lei. É situação de fato que se vai generalizando em nossos dias, mas que a ela pode opor-se o proprietário e até mesmo com interditos possessórios. Consumado o apossamento dos bens integrados no domínio público, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivindicação, restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente, da maneira mais completa possível, inclusive correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho e honorários de advogado, por se tratar de ato caracterisitcamente ilícito da Administração."

Por fim, deve-se acrescentar que o dever de desapropriar e indenizar os autores é tacitamente admitido por uma das rés, precisamente a Prefeitura do Município de São Paulo, que abriu o processo administrativo nº 05-002.345-93*07 para que tal desapropriação fosse realizada, conforme já mencionado e documentalmente comprovado.

Ademais, no critério de "indenização justa" deve estar incluído o valor pelos inacreditáveis danos morais suportados pelos autores, consoante passamos a demonstrar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Indenização por desapropriação indireta.: Invasões na represa Billings. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16010. Acesso em: 23 nov. 2024.

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