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ACP sobre nulidades de cláusulas de contrato de financiamento agrícola

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Nulidade das Cláusulas de Juros Moratórios


           Faz-se indispensável ainda enfrentar talvez a mais grave de todas as nulidades contratuais existente nas relações mutuário e banco acionado, eis que a imensa maioria dos contratos agrícolas estabelece juros e encargos que variam de nove a dezoito por cento ao ano como juros remuneratórios, estes ainda calculados com base na taxa proporcional diária (12), constando o que é mais grave, em caso de inadimplência, a fixação de taxas de juros na ordem de 2,387 (dois inteiros e trezentos e oitenta e sete milésimos) pontos percentuais ao mês, calculados diariamente, pelo método hamburguês com base na taxa proporcional diária comercial, correspondendo a 32,720 (trinta e dois inteiros e setecentos e vinte milésimos) pontos percentuais efetivos ao ano, sendo debitados e capitalizados a cada mês, a partir do vencimento e na liquidação da dívida. (13)

           A ilegalidade desta cláusula de juros moratórios é em tal grau que a faz absolutamente nula, uma vez que o Decreto Lei 167/67 estabelece no artigo 5º e § único que, a título de mora, a taxa de juros contratada pode ser ou será elevada de 1% (um por cento) ao ano.

           A diferença, pois, entre o que banco pretende receber e a legislação é nada menos que trinta e um por cento ao ano, sem contar a forma de cálculo escolhida, calculada pela taxa diária, debitada e capitalizada mensalmente, o que poderá elevar a ilegalidade a percentuais superiores a 39% ao ano, considerando que esses percentuais são aplicados capitalizados e debitados diariamente pelo denominado método hamburguês. Em recente julgamento o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA decidiu:

           Mútuo Rural - Nota de crédito. Juros remuneratórios e correção monetária. Alteração de tais encargos em caso de inadimplemento. Impossibilidade. Limite legal (D.Lei 167/67): 1% a.a.(juros moratórios - art.5º, parágrafo único) mais 10% sobre o total da dívida (multa art.71).

           Estabelecidos em nota de crédito rural, juros remuneratórios e correção monetária para incidirem durante o prazo de vigência de mútuo, nula se apresenta cláusula que preveja majoração de tais encargos financeiros em caso de inadimplência do mutuário.

           A lei específica (D.Lei 167/67) somente autoriza sejam pactuados, para a situação de não pagamento da dívida no respectivo vencimento, os seguintes acréscimos: juros moratórios no patamar de 1% a.a.(artigo 5º parágrafo único) e multa de 10% sobre o montante devido (art.71).

           Qualquer estipulação que vise burlar esse limite legal, como, por exemplo, o artifício da elevação dos juros remuneratórios ou o da criação de outros encargos (taxas, sobretaxas, comissão de permanência) para serem aplicados no caso de inadimplemento - carece de validade.(STJ - 4ª TURMA. RELATOR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO. DJU 22.05.1995)

           Os contratos agrícolas dessa imensa maioria de agricultores, em abordagem geral, hão de ser adequados à lei para serem excluídas das obrigações assumidas pelo universo de mutuários lesados, todas as cláusulas abusivas, ilícitas e prejudiciais à produção agrícola, como a cláusula de inadimplência que é, dentre todas as demais, a que acarreta maiores ônus ao setor produtivo, sendo essencialmente abusiva e flagrantemente ilícita.

           Em Julgados de n.90 do colendo Tribunal de Alçada do RS., a autora encontra também no voto do eminente Juiz Relator de Apelação Cível publicada às fls. 168/172 , Dr. Márcio de Oliveira Puggina, razões à pretensão deduzida, no sentido de ter a declaração de nulidade das cláusulas iníquas e abusivas, acentuando-se, no voto acompanhado à unanimidade, o caráter público das normas contratuais como limite à atuação da autonomia da vontade das partes:

           "....Rompe-se a autonomia da vontade quando na relação jurídico-contratual o elemento volitivo se achava, já no nascedouro do contrato em evidente enfraquecimento. Sabidamente o crédito é, hoje, uma necessidade vital tanto para o indivíduo quanto para as pessoas jurídicas, em especial para as empresas de produção de bens ou serviços. Com efeito o acesso ao crédito para o indivíduo é condição de cidadania e, para a atividade empresarial, condição de subsistência. Dificilmente alguma atividade produtiva, hoje, realiza-se sem alguma forma de crédito. Dentro dessa ótica de necessidade desse bem da vida, indispensável à atividade empresarial, não se pode deixar de convir que vontade da empresa, que necessita de crédito para subsistir, acha-se enfraquecida diante do estabelecimento bancário que o oferece. "

           Nenhuma economia estável em país civilizado suporta a usura do sistema financeiro existente no Brasil. O direito comparado mostra que o fenômeno do enriquecimento de bancos no Brasil é perverso e em que pesem decisões judiciais favoráveis ao tomador de empréstimos , o Conselho Monetário Nacional é considerado pelos burocratas que o dirigem como poder autônomo e com capacidade legislativa interna independente das normas gerais a que se submetem os cidadãos.

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Proibição da Capitalização de Juros


           A Cláusula de Inadimplência é uma cláusula de absoluta nulidade porque cumula indevidamente correção monetária com comissão de permanência, estabelece juros superiores aos legalmente permitidos, indexa os saldos devedores diariamente, (quando a capitalização só é permitida semestralmente, nas datas de vencimento e liquidação), institui o anatocismo vedado na súmula 121 do STF e na lei de usura e é, seguramente, uma cláusula contratual marcada pela iniqüidade absoluta.

           Ao mesmo tempo em que os juros reais não podem ultrapassar o percentual de 12% ao ano, previsto na Carta Constitucional vigente, para a agricultura os juros só podem ser estabelecidos de acordo com o Decreto 58.380 de 10.05.66 que institucionaliza o Crédito Rural e estabelece taxas de juros reduzidas ao prescrever:

           Decreto nº 58.380

           Art 18, § 2º - As taxas das operações , sob qualquer modalidade de crédito rural, serão inferiores em pelo menos ¼ ( um quarto) às taxas máximas admitidas pelo Conselho Monetário Nacional para as operações bancárias de crédito mercantil".

           Ao considerarmos que as taxas devem se ater ao limite constitucional de 12% ao ano, e em vista o regulamento da lei que estabelece taxas reduzidas de juros, é de conclusão que para os financiamentos agrícolas os juros não poderão ultrapassar à taxa de 9% ao ano.

           Concernente ao setor agrícola especialmente, o Decreto Lei 167/67 dispõe sobre a não capitalização diária ou mensal, ao estabelecer que os juros serão devidos anual, semestral ou na data do cumprimento da obrigação, nos termos do art. 5º. Esses juros ainda quando aplicados anual, semestral ou no vencimento da obrigação, não podem ser superiores a 9% ao ano.

           A capitalização fora dos prazos estabelecidos no art. 5 do Decreto Lei 167/67 constitui anatocismo e essa norma aplica-se inteiramente às instituições financeiras que contratam o crédito rural, considerando-se o que dispõe o artigo 4o do Decreto 22.626, assim redigido:

           É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

           Em igual sentido enunciado da súmula 121, do Supremo Tribunal Federal:

           Sumula 121

           É VEDADA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, AINDA QUE EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA.

           Antes de publicada a Constituição de 1988 as instituições financeiras eram beneficiadas com interpretações liberais decorrentes da Lei 4.595 de 31.12.1964, que autorizava o Conselho Monetário Nacional a formular a política de crédito e moeda, inclusive quanto à fixação das taxas de juros, sendo atribuído também ao CMN a competência para disciplinar com exclusividade o crédito rural, de acordo com o artigo 4 da Lei 4.829.

           A partir do momento em que elevada a parâmetros constitucionais, a fixação máxima dos juros permitidos há de ser compreendida nos limites estabelecidos pela Constituição Federal, face ao princípio nuclear da hierarquia das leis. Tecnicamente as disposições anteriores contrárias à Constituição encontram-se derrogadas, incompatíveis que são com a nova ordem política.

           Na espécie, os dispositivos legais que atribuíam ao Conselho Monetário Nacional a fixação de taxas de juros, ainda que não sejam compreendidos como derrogados, só podem ser interpretadas à luz constitucional, sob pena de quebra do sistema jurídico escolhido através do Poder Constituinte originário, que registrou na Lei Maior as prioridades da política agrícola, nos termos a seguir transcritos:

           Constituição Federal

           Art. 187. A POLÍTICA AGRÍCOLA SERÁ PLANEJADA E EXECUTADA NA FORMA DA LEI, COM A PARTICIPAÇÃO EFETIVA DO SETOR DE PRODUÇÃO, ENVOLVENDO PRODUTORES E TRABALHADORES RURAIS, BEM COMO DOS SETORES DE COMERCIALIZAÇÃO, DE ARMAZENAMENTO E DE TRANSPORTES, LEVANDO EM CONTA ESPECIALMENTE:

           I - os instrumentos creditícios e fiscais;

           II- os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização

           Considerando essa realidade em que os fatos e os contratos firmados atestam uma franca e extraordinária desigualdade entre os contraentes e os bancos fornecedores do crédito, o Tribunal de Alçada do RS. já decidiu que contratos eivados de nulidade hão de ser revistos em sua globalidade, como o julgado a seguir transcrito:

           CONTRATO BANCÁRIO. REVISÃO JUDICIAL DEFERIDA INCLUSIVE PARA CONTRATOS JÁ QUITADOS. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 965 DO CC.

           SE PROVA REVELA QUE ENTRE O BANCO E O DEVEDOR SE ESTABELECEU CONTINUIDADE NEGOCIAL EM QUE OS CONTRATOS SUBSEQÜENTES QUITAVAM OS ANTE-SEQUENTES, GEROU-SE SITUAÇÃO JURÍDICA CONTINUATIVA, A POSSIBILITAR A REVISÃO NEGOCIAL EM SUA GLOBALIDADE, INCLUSIVE PARA RETIRAR JUROS INCONSTITUCIONAIS DOS CONTRATOS JÁ QUITADOS. INCONSTITUCIONALIDADE DOS JUROS É NULIDADE QUE NÃO CONVALESCE. CONSIDERAÇÕES SOBRE A AUTONOMIA DA VONTADE.

           (JULGADOS TARGS 90/168 a 172.Decisão unânime)



Da Taxa Referencial


           O Supremo Tribunal Federal, também em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade decidiu que a Taxa Referencial não pode ser aplicada aos contratos, uma vez que não é índice neutro de atualização, sendo, ao contrário, um índice indexado com caráter eminentemente remuneratório.

           Os votos dos eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, na ADIn n.493-DF proclamam em definitivo a afastabilidade da Taxa Referencial diária ou mensal, como fator de atualização de débitos em dinheiro:

           MINISTRO MOREIRA ALVES:

           A TAXA REFERENCIAL (TR) NÃO É ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA, pois refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do Poder Aquisitivo da Moeda".

           MINISTRO SEPULVEDA PERTENCE:

           NÃO SE DESTINANDO, segundo sua definição legal, a dimensionar essa desvalorização, a TR não pode servir de índice de correção do valor da troca da expressão nominal da moeda do negócio, objeto do ato jurídico perfeito."(Ministro Sepúlveda Pertence) RTJ 143/798

           O CARÁTER eminentemente remuneratório TR foi reconhecido expressamente pela Lei 8.177/91, em seus artigos 12,17 e 39. Esse aspecto - que assume inegável essencialidade na análise do tema - revela-se bastante para descaracterizar a pretendida natureza da TR como índice de atualização monetária.(RTJ 142/792)

           O artigo 16 parágrafo segundo da Lei 8.880/94, publicada em 27 de maio de 1994, regendo o Programa de Estabilização Econômica e o Sistema Monetário Nacional , instituindo, ainda, a Unidade Real de Valor, após o veto Presidencial foi integrada à Lei pelo Congresso Nacional, dispondo textualmente:

           "ART.16

           .........

           § 2º - NAS OPERAÇÕES REFERIDAS NO INCISO IV, A ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA APLICADA AQUELES CONTRATOS SERÁ EQUIVALENTE À DOS PREÇOS MÍNIMOS EM VIGOR PARA OS PRODUTORES AGRÍCOLAS."

           As operações a que se reporta o artigo 16 em seu parágrafo segundo são as seguintes:

           IV - AS OPERAÇÕES DE CRÉDITO RURAL, DESTINADAS A CUSTEIO, COMERCIALIZAÇÃO E INVESTIMENTO, QUALQUER QUE SEJA A SUA FONTE.

           Assegura, assim, a lei 8880/94 no dispositivo citado, a equivalência entre financiamento e preço de toda e qualquer operação relacionada ao crédito rural, quer destinada ao custeio, quer à comercialização ou investimento, equivalência, que na cédula rural pignoratícia ora analisada, consta na cláusula intitulada OBRIGAÇÃO ESPECIAL nos seguintes termos:

           OBRIGAÇÃO ESPECIAL - Obrigo-me(amo-nos) a entregar até 15.06.95, sob pena de vencimento antecipado deste financiamento e perda das vantagens decorrentes da equivalência ..." (14)

           Para ocorrer a equivalência das prestações, independe se os recursos financeiros oferecidos pelos bancos provém de verbas especiais do Tesouro Nacional ou do setor bancário privado, eis que todos os recursos para a agricultura cumprem, indistintamente, a mesma política agrícola prevista no artigo 187 da Carta Constitucional.

           Assim, inteiramente de acordo com a legislação, o lúcido julgado proferido no egrégio Tribunal de Alçada do RS., em apelação cível 191013598, da 3ª Câmara Cível: (15)

           A ATIVIDADE RURAL, POR SUA ESSENCIALIDADE AO PAÍS, NÃO PODE SER ATINGIDA POR ÍNDICES MAIS ALTOS DE MENSURAÇÃO INFLACIONÁRIA, QUANDO O PRÓPRIO GOVERNO FIXA ÍNDICES INFERIORES. MAIS AINDA QUANDO É NOTÓRIO QUE OS PRODUTOS AGROPECUÁRIOS NÃO TÊM SEUS PREÇOS MAJORADOS ADEQUADAMENTE. O CRÉDITO RURAL TEM IMPORTÂNCIA ESPECIAL E DIFERENCIADA, NA MEDIDA EM QUE VINCULADO AO PROBLEMA PRIMORDIAL DA ALIMENTAÇÃO POPULAR. NÃO É UM EMPRÉSTIMO COMUM. SEUS OBJETIVOS VISAM O CUSTEIO, O INVESTIMENTO , A COMERCIALIZAÇÃO E A INDUSTRIALIZAÇÃO DO SETOR AGROPECUÁRIO. DIRIGEM-SE, AINDA, AO INCREMENTO DA PRODUTIVIDADE E DA CULTURA AGRÍCOLA, TENDO EM VISTA A MELHORIA DA RENTABILIDADE DA EXPLORAÇÃO FINANCEIRA, AO MELHORAMENTO DAS PRÁTICAS RURAIS E MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE VIDA E DA TRABALHO DA ATIVIDADE RURAL BENEFICIADA.

          

Da Cláusula de Depósito do Produto a ser Colhido

           Cláusula outra de indispensável declaração judicial quanto aos efeitos a serem irradiados é a cláusula através da qual compromete-se o mutuário, desde a assinatura do contrato de custeio agrícola até a liquidação do débito contraído, a ser depositário da garantia do contrato de penhor agrícola, o que significa ser depositário de safra a ser colhida e em algumas hipóteses, inclusive, de safra a ser plantada.

           Esta cláusula exerce sobre o mutuário uma significativa dependência psicológica em relação aos estabelecimentos de crédito, sentindo-se ele a cada ano compelido a realizar negociações em extrema desvantagem sob o temor de ver declarada a sua prisão, ante a impossibilidade de cumprir pontualmente e nas condições que o banco estabelecer, o pagamento da dívida decorrente do crédito rural.

           Utiliza-se o banco da cláusula de depósito, -- presente em todas as operações representadas através da Cédula Rural Pignoratícia -- para exercer sobre o homem do campo uma política de terrorismo e submissão, inconcebível numa sociedade democrática cuja Carta Constitucional no Título I, consagra no âmbito DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, o primeiro e mais importante dispositivo, que é o próprio fundamento da República:

           CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

           art.1º. A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, FORMADA PELA UNIÃO INDISSOLÚVEL DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS E DO DISTRITO FEDERAL, CONSTITUI-SE EM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E TEM COMO FUNDAMENTOS:

           i - A SOBERANIA;

           ii- A CIDADANIA;

           III-A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

           Quando a Carta Constitucional eleva às galas de fundamento do estado brasileiro a dignidade da pessoa humana, resta claro que todos os atos incompatíveis com o princípio constitucional revestem-se de arbitrária ilegalidade, sendo a matéria ora abordada já objeto de decisões proferidas no Superior Tribunal de Justiça, verbi gratia :

           DEPÓSITO - PENHOR RURAL -SAFRA FUTURA

           NÃO CABE AÇÃO DE DEPÓSITO PARA A RESTITUIÇÃO DE BEM INEXISTENTE AO TEMPO DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO.

           Recurso Especial nº 47.027-7-RS. Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR .Publicado em revista jurídica 213-julho de 1995 p.51/52)

           Do voto do eminente Ministro, que não conheceu do recurso interposto, consta referência a julgado proferido na colenda 2ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do RS., no sentido de que

           depósito. colheita futura. coisa fungível. impossibilidade. não se perfectibiliza o contrato de depósito sem a tradição da coisa depositada, que não pode ser fungível, visto que o depositário assume a obrigação de devolver a eadem res", sendo expresso, ainda, na fundamentação que:

           ... O contrato de depósito é real e incide sobre coisas existentes, sejam fungíveis (depósito regular) ou infungíveis, ficando o bem sob a custódia do depositário, mediante tradição, que pode ser real ou simbólica. Se a coisa já estava na posse de depositário, como na venda com cláusula de constituto possessório, torna-se o contrato real, pelo cumprimento de pactum de deponendo. De qualquer forma e sempre é preciso que exista a coisa, sem a qual não é possível a custódia, nem a restituição.

           É por isso que as regras reguladoras de financiamento agrícola, dispondo sobre o penhor, que substancialmente é um contrato de garantia de crédito, e fazendo aplicáveis a ele as normas sobre o depósito, devem ser interpretadas de modo a compatibilizar a garantia do pagamento do financiamento, com o instituto do depósito, a fim de que o indisfarçável propósito de garantir os créditos com a perda da liberdade do devedor não desvirtue o instituto, atropelando os sistemas civis e processual civil.

           Portanto, essa transposição de um instituto para o outro, na busca de maior proteção ao credor, não pode ultrapassar certos limites, preservando a essência de cada um dos institutos. Se o credor aceita como garantia a safra futura, não pode pretender ver aí um contrato de depósito, porque a coisa não existe, estando impossibilitadas a custódia e a restituição.

           Essa mesma conclusão já está no v. acórdão da eg. 3ª Turma do STJ, de lavra do Min. WALDEMAR ZVEITER, no AgRg 35.177, de 01 de junho de 1993:

           A inexistência do objeto do depósito (produtos agrícolas dependentes de safra futura, isto é, sujeitos à ocorrência de fato futuro e incerto) descaracteriza a figura do depósito, eis que a ausência física da coisa impossibilita sua restituição(art.910 do CPC).

           Nesse entendimento, quando a Constituição Federal se refere a depositário infiel é o depositário judicial ou necessário. Jamais, entretanto, o depositário decorrente de avença. (16)

Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Paulo César Moreira; ANDREATTA, Rita Maria Faria Corrêa. ACP sobre nulidades de cláusulas de contrato de financiamento agrícola. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16028. Acesso em: 17 nov. 2024.

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